REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7744958
Ana Paula Pontes Martins
Greice Ele D’avila Nunes
Maria Clara Ribeiro Rabelo
Prof.ª Ma Daniele Mejia
Resumo
É cada vez mais frequente a preocupação quando se refere ao uso de drogas, pois nota-se um grande crescimento de dependentes químicos no Brasil, muitos deles são jovens e até mesmo crianças que entram em contato com o mundo das drogas demasiadamente cedo, sendo por desestruturação familiar, falta de uma rede de apoio ou por influência de um outro. Sendo assim esta pesquisa, tem como objetivo identificar quais são os fatores predominantes que levam alguém a entrar em contato com a droga e continuar o uso até se tornar dependente, tendo em mente que não existe apenas um fator isolado, as causas podem ser múltiplas e o contexto familiar também deve ser levado em consideração. Para isto, a coleta de dados se deu por meio de entrevistas com cinco pessoas, feitas em um centro de acolhimento para dependentes químicos, localizado no município de Porto Velho, as perguntas da entrevista foram direcionadas de modo que os entrevistados pudessem contar suas histórias de vida, como chegaram à dependência química, a leitura dos dados se fez através da análise temática.
Palavras-chave: Dependência química, Drogas, Fatores de risco.
Abstract
Concern about drug use is becoming more frequent, as there is a great increase of drug addicts in Brazil, many of them young and even children who come in contact with the drug world too early, being due to family breakdown, lack of a support network or the influence of another. Thus, this research aims at identifying which are the predominant factors that lead someone to contact the drug and continue the use until becoming dependent, bearing in mind that there is not only an isolated factor, the causes can be multiple and the family context must also be taken into account. For this, the data collection was done through interviews with five people, made in a center for chemical dependents, located in the municipality of Porto Velho, the interview questions were directed so that the interviewees could tell their stories of life, how they arrived at chemical dependency, the reading of the data was done through thematic analysis.
Keywords: Addiction, Drug Addiction, Risk factors.
1. Introdução
Pode-se afirmar que desde os primórdios da existência do ser humano, é comum o uso de substâncias psicoativas em muitas culturas. Curiosidades, desejos de transcendência, busca da imortalidade, do prazer da sabedoria, são alguns dos motivos que aparecem, desde sempre, associados ao desejo por uma droga. Para o ser humano não é algo novo, seja como fonte de prazer ou fim religioso o consumo de substâncias psicoativas é bem antigo.
Drogas como o álcool, maconha e cocaína têm o poder de oferecer ao usuário uma sensação de bem-estar e felicidade momentânea, por isso são tão procuradas por tantas pessoas, as substâncias que essas drogas contêm causam alterações cerebrais, prejudicando funções básicas como a memória, atenção, percepção. A dependência química é uma grave doença que assola muitas pessoas na sociedade contemporânea, tendo em vista que o indivíduo busca qualquer alívio para sua dor, na busca da solução do problema. Alguns fazem uso de remédios excessivamente, e sem perceber estão viciados, pois são resultados de satisfação para a sensação de ficar bem psicologicamente. Não percebem os riscos causados por estas substâncias que agridem o organismo.
A seguir, apresentaremos tópicos que abordam a problemática da dependência química sob o viés teórico e fatores que levam a ela, mesclando às falas dos entrevistados e pesquisas previamente feitas, tendo como base para isto entrevistas concedidas por pessoas que moram em um centro de acolhimento em Rondônia. Os nomes relacionados às falas abaixo, são fictícios, respeitando e preservando a privacidade dos participantes que concordaram em falar e colaboraram com este estudo.
2. Referencial teórico
2.1 A dependência química
Atualmente, é possível afirmar que o assunto sobre dependência química é bastante discutido e divulgado, visto que o uso abusivo de substâncias psicoativas se tornou um problema de saúde pública sendo um problema social. Para Migott (2008), são muitas as variáveis que influenciam o sujeito a vir usar drogas, questões ambientais, biológicas, psicológicas e sociais interagem como fatores motivadores para o uso de substâncias psicoativas. Dentre os vícios mais comuns está a dependência química, principalmente o vício em álcool e drogas. Estatísticas mostram que a dependência está causando altas taxas de mortalidade no Brasil. Segundo um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 80.000 óbitos no Brasil foram atribuídos ao consumo excessivo de álcool.
Segundo Carranza & Pedrão (2005), questões sobre a dependência de drogas e sua história se confundem com a própria história da humanidade, levando em consideração que é uma prática milenar e universal. Sendo assim, entende-se que o consumo de drogas é algo que existe desde muito tempo, com finalidades específicas em todas as culturas e religiões.
É importante pontuar que os hábitos e costumes de cada sociedade é que direcionaram o uso de drogas em cerimônias coletivas, rituais e festas, sendo que, geralmente, esse consumo estava restrito a pequenos grupos, fato esse que apresentou grande alteração no momento atual, pois hoje se verifica o uso dessas substâncias em qualquer circunstância e por pessoas de diferentes grupos e realidades (PRATTA, SANTOS, 2009, p.203).
Pode-se dizer que nem todo usuário é dependente, mas todo usuário corre o risco de se tornar dependente. A dependência química pode ser caracterizada por alguns fatores, entre eles estão: a perda do controle do uso da droga, o dependente não consegue interromper ou uma vez que começa a usar não consegue controlar as quantidades de droga que usa, a substituição progressiva de atividades importantes como o lazer ou trabalho pelo uso da droga, a persistência do uso da droga apesar das suas consequências negativas, a presença de fissura, ou seja, uma vontade muito grande, quase incontrolável de usar a droga que pode aparecer a qualquer hora do dia ou da noite.
2.2 Efeitos da droga no organismo
.Segundo OMS (2006), as substâncias psicoativas que também podem ser chamadas de drogas psicotrópicas, são substâncias naturais ou sintéticas que atuam diretamente no Sistema Nervoso Central (SNC), quando entram em contato com o organismo, causando alterações no comportamento do indivíduo e mudanças fisiológicas. É possível dividir os efeitos decorrentes do uso de substâncias psicoativas em algumas categorias, sendo eles os efeitos biológicos, efeitos crônicos na saúde e os efeitos que geram consequências sociais, refletidos na família do sujeito, nas relações de trabalho entre outros prejuízos. De acordo com sua ação no sistema nervoso central, as drogas podem ser classificadas como depressoras, estimulantes, perturbadoras ou alucinógenas da atividade mental (MARIANO, CHASIN, 2022).
As drogas agem de forma a alterar nossos processos psicológicos básicos, por exemplo, as depressoras fazem o usuário ter uma menor capacidade de raciocínio, diminui os reflexos, aumenta a sonolência, entre outros efeitos, as drogas estimulantes causam intensa euforia e um constante estado de alerta, também fazem o usuário perder o senso de realidade, as drogas perturbadoras ou alucinógenas causam alucinações, delírios etc.
2.3 Motivos que levam à dependência
Uma pergunta interessante é: Por que ocorre a dependência? De acordo com a OMS a dependência química é caracterizada pelo estado psíquico (e algumas vezes físico) resultante da interação entre um organismo vivo e uma substância. A dependência química é definida pela modificação nos comportamentos e reações que tendem a induzir o indivíduo a utilizar a substância de modo impulsivo, seja de forma contínua ou em determinados períodos, onde o sujeito sempre estará buscando experimentar seus efeitos psíquicos e/ou evitar o desconforto da privação da droga.
Um dos principais fatores que influenciam os jovens ao uso de substâncias (tanto lícita quanto ilícita) é a desestruturação familiar, crianças e adolescentes precisam se sentirem protegidas e precisam de uma comunicação aberta para se sentirem seguros e acolhidos, a família agrega um conjunto de valores, crenças, conhecimentos e práticas que podem influenciar tanto positiva quanto negativamente. Com a desestruturação, jovens acabam por ir atrás de um conforto em outro ambiente e é lá que entram no vício. (MALTA, CARVALHO et al, 2014).
Outro fator de grande influência é a saúde mental, estudos sugerem que jovens com depressão, que se sentem solitários, ou que se sentem pressionados de diversas formas, tendem a seguirem para o uso das substâncias, chegando a levar o vício para a vida adulta.
Estudos do Global School-Based Health Survey (GSHS) têm examinado a associação entre comportamentos de risco (tabaco, álcool e uso de drogas) e saúde mental, sentimentos de solidão, não ter amigos e insônia, apontando a importante associação entre a saúde mental e uso de substâncias em adolescentes. (MALTA, CARVALHO et al, 2014, pg. 48)
A adolescência é a fase onde ocorre a busca da aprovação e aceitação dentro de um grupo, isso se torna um fator que irá influenciar o comportamento desse adolescente, o que pode aumentar o risco no envolvimento de substâncias psicoativas. Os amigos podem transmitir uma mensagem de supervalorização do uso de álcool, tabaco e outras drogas, de modo que dizer “não” quando oferecido pode acarretar ser mal visto dentro do grupo. Além dessa valorização social, os adolescentes têm, muitas vezes, certa dificuldade em impor sua opinião, exatamente pelo medo de ser rejeitado, não resistindo, assim, à influenciados amigos, o que acaba contribuindo para o uso de álcool e drogas.
Por mais que o consumo de bebidas alcoólicas seja algo permitido por lei, existe o risco de a mesma ser porta para substâncias ilícitas como a maconha, cocaína, o êxtase, dentre outros. Por ser algo permitido, é comum ver pessoas ingerindo sem se importar com sua saúde ou com as consequências que o consumo pode trazer. E por ser de fácil acesso, podem ser vistos jovens cada vez mais novos se tornando alcoólatras, com ou sem a permissão de seus pais ou responsáveis. Mesmo que a bebida alcoólica retarda a capacidade de pensamento lógico, raciocínio e julgamento, ela também traz a sensação de relaxamento e prazer. E quanto mais consumida, mais rápido essas sensações se tornam presentes.
O álcool é um poderoso depressor do sistema nervoso, e afeta nefastamente a capacidade de pensamento lógico, raciocínio, julgamento, bem como a coordenação motora e os reflexos. Todavia, ao mesmo tempo traz a sensação de relaxamento, e interfere nas vias dopaminérgicas responsáveis pelo sistema de recompensa e prazer. (SANTOS, GANEM, 2012, p. 02)
3. Método
O estudo se deu por pesquisa exploratória, a coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas, os participantes possuem entre 29 a 63 anos de idade, a amostragem foi composta por dois homens e três mulheres que responderam perguntas relacionadas a história de vida de cada um e o motivo que os levou à dependência química. As entrevistas tiveram como foco saber quais as causas, como obtiveram ajuda para o tratamento de reabilitação e quais foram as causas que colaboraram para esta decisão, buscamos saber também quais fatores contribuíram de forma negativa e positiva neste processo e na tentativa de se restabelecer novamente perante a sociedade de forma digna. A análise dos dados se deu através da análise de conteúdo encontrando como temas: A influência dos amigos para o uso, a bebida alcoólica como estimulante para outras drogas e o dependente químico nas relações familiares.
4. Resultado e Discussões
Algo é considerado vicioso quando o indivíduo não tem a capacidade de parar de usar ou quando algo é usado em grande quantidade, como mexer no celular, comer chocolate, assistir televisão, ingerir bebidas alcoólicas, e o mais sério e preocupante, usar substâncias químicas no geral.
É observado que substâncias químicas ingeridas ou inseridas no corpo do indivíduo vão perdendo sua duração no organismo com a quantidade em que são usadas, quanto mais forem usadas, mais rapidamente o organismo do indivíduo se acostuma com a substância e com isso, o efeito adquire pouca duração. Devido a esse fator, o corpo do indivíduo começa a apresentar sintomas fisiológicos de que precisa de mais da substância, para isso dá-se o nome de dependência física, iniciando assim um ciclo vicioso. Se não consumir a substância, o corpo do indivíduo começa a apresentar sintomas chamados de abstinência, como tremores, palpitações, sudorese, etc.
Em muitos dos casos, o indivíduo não se vê no vício até estar completamente dominado pelo mesmo, e quando percebem, já é extremamente difícil parar por si só.
[…] Daí então quando eu vi que eu já estava viciada, quando eu fui tentar parar, eu não consegui mais, né? Eu comecei com 17 anos nessa vida e foi até os meus 25 anos […] (Marta, 30 anos)
Muitos se tornam dependentes químicos por influência de outros, pode ser quando um conhecido oferece ou para tentar agradar alguém, como no fragmento do relato de um entrevistado.
[..] Comecei a usar drogas com 12 anos, foi em um baile funk que eu fumei maconha, todo mundo lá achava isso muito normal. […] (Felipe, 29 anos)
Sabe-se que depende do ambiente onde o indivíduo se encontra, como em alguns casos onde o uso de substâncias ilícitas é extremamente normal, e nesses ambientes, uma pessoa que não usa drogas é considerada estranha e se torna uma excluída.
Em outros casos, esse vício vem por influência de hábitos familiares, onde é comum o uso lícito. Há grandes chances de se tornar um dependente químico se o indivíduo tiver visto isso com normalidade e freqüência na infância, como no relato a seguir.
[…] Conheci as drogas desde os 6 anos de idade, sou dependente de cigarro acendendo pra minha avó, quando ela queria me tirar do vício e mandou eu parar de acender cigarro, já estava viciada e já não adiantou mas […](Antônia, 63 anos)
A substância no organismo do indivíduo cria um sistema de recompensa, onde o prazer vem através do uso não contido, liberando dopamina no sistema da pessoa usuária. Afetando o físico, dentro da dependência física, e também o psicológico da pessoa, onde ela não consegue controlar seu desejo e seus pensamentos voltados para o uso da substância, fazendo com que use de todos os seus meios para possuir a substância, não dando atenção ou enfoque às suas responsabilidades ou às consequências.
[…] Por exemplo, se eu chegasse a ganhar de três a quatro mil por mês, eu podia ter certeza que dois mil era numa noite, trabalhava trinta dias para gastar em duas noites (com drogas) […] Eu fui faltando no meu emprego, meus patrões começaram a desconfiar que eu não estava normal… que não era só bebida, mas que era droga e eu acabei perdendo esse emprego […] (Joaquim, 52 anos)
Como já vimos, os motivos que levam as pessoas ao uso de álcool e drogas ilícitas são variáveis. Um desses fatores é a influência de amigos e pessoas próximas.
Em uma coleta de dados com cerca de 965 adolescentes de 50 escolas públicas das cidades de Jacareí e Diadema, estado de São Paulo, foi observado que ter amigos que usam substâncias, que têm problemas com a lei, que roubaram/danificaram algo, que vendem drogas, que levam drogas a festas e que ficam entediados quando não bebem em festas aumentou progressivamente o risco de os adolescentes usarem álcool, tabaco e drogas ilícitas (CARDOSO, MALBERGIER, 2012).
Querer agradar, querer “pertencer” a um determinado grupo, se encaixar em uma roda de amigos, são alguns indícios dessa influência.
[…] Eu tinha 15 anos e estava em um baile funk em São Paulo. Uma menina estava usando e perguntou se eu usava também e eu disse que sim porque queria parecer legal, aí eu me acostumei a usar e comecei a usar todo dia. Depois disso, eu entrei para o tráfico […] (Felipe, 29 anos.)
Também, é comum ver pais dando aos seus filhos permissividade para o consumo alcoólico, como, por exemplo, em festas de família onde há muitas bebidas, ou quando o pai quer ensinar seu filho a se tornar “homem de verdade”. Pelo fato dos jovens consumirem bebidas alcoólicas cedo demais, a mesma se torna um forte estimulante para as drogas ilícitas.
O uso da bebida alcoólica antecede o uso de substâncias ilícitas, sendo a maconha considerada a segunda droga ingerida. Logo após a maconha, o usuário pode começar a misturar certas substâncias, sempre à procura de manter a sensação de prazer e relaxamento por mais tempo, como diz no artigo de Santos e Danem (2012, pg. 03) “Entre os usuários da maconha, 50% deles fazem uso do álcool e do tabaco, existindo uma tendência ao acréscimo e a cominação ao uso da cocaína, anfetaminas, inalantes e medicamentos”.
Isso também é dito por um entrevistado no relato a seguir.
[…] Comecei pelo álcool. Comecei por uma cerveja, uma cerveja aqui e outra ali […] Passei a beber todo dia. A cerveja se tornou frequente. Bebia ingerindo cocaína, até que conheci o crack, uma droga que tem uma abstinência muito forte, por exemplo, se você fuma uma aqui a abstinência é tanto que você não demora dois ou cinco minutos e já quer fumar mais e mais uma atrás da outra, como se diz, tomava uma cerveja e já fumava uma pedra […] (Joaquim, 52 anos)
Como foi dito na entrevista, em um momento a bebida já não era mais suficiente para o indivíduo, então ele começou a consumir substâncias mais pesadas.
Tanto a bebida quanto o consumo de drogas ilícitas podem ser encontradas com facilidade em festas ou por influências de pessoas ao redor, como é dito no seguinte relato.
[…] E daí nós fomos pra casa de uma amiga… aí chegamos lá e nós fomos beber, né? Beber e comemorar, beber e comer, aí depois nós fomos para a casa de uma colega nossa e ela usava pedra, né? Fumava, mas nas escondidas, nas “entoca”. Aí como eu tava muito bebida, eu fui lá pra trás, né? […](Marta, 30 anos)
A bebida alcoólica pode ser sim uma entrada para drogas ilícitas porque em algum momento, ela já não é mais suficiente para o indivíduo, então ele tem a necessidade de ir atrás de algo mais eficaz, assim podendo fazer misturas e entrando de vez na dependência química.
Além de outros fatores, a família possui um papel de grande importância no caminho que o dependente químico percorre até sua reabilitação, observa-se que até mesmo antes do processo de reabilitação, este apoio é crucial para que os dependentes cheguem a buscar ajuda e principalmente para que permaneçam em tratamento. É grande o número de famílias onde algum de seus membros é dependente químico “[…] em 2005, estimava-se que pelo menos 28 milhões de pessoas convivem no Brasil com um familiar dependente químico” (BRAUN, DELLAZZANA-ZANON, HALPERN, 2014, p. 124).
Inicialmente a família pode ser um dos motivos que levam o usuário a procurar ajuda, como pode ser observado nestes fragmentos:
[…] Tava muito feia mesmo, até meus filhos olhavam pra mim e tinham vergonha de mim, entendeu? Eu não quero mais isso pros meus filhos, sabe? A minha filha, ela tem 8 anos, ela é uma menina muito inteligente, e muito sabida, o meu filho fez 11 anos, tá entendendo? E eu não quero passar pelo o que minha mãe passou[…](Marta, 30 anos).
É importante salientar ainda, que a falta de apoio dos familiares também afeta a forma como o dependente químico se vê e consequentemente afeta sua vontade em pedir ajuda:
[…] comecei a roubar da casa da minha tia, era minha família então eu sabia que não iam me denunciar, até que um dia meu primo me pegou roubando e me expulsou da casa deles, ele disse que não queria mais noiado ali, eu nunca tinha sido chamado de noiado, aquilo me deixou tão mal que eu preferi ficar na rua e me afastei de todo mundo, quis até me matar, usei tanta droga, mas tanta droga só pra ter overdose e conseguir me matar […](Felipe, 29 anos).
Nas entrevistas realizadas foi nítido como os entrevistados se preocupavam com o que suas famílias pensam sobre eles e sobre as condições em que se encontram, a maioria ainda mantém contato com seus familiares, porém sentem vergonha de estarem onde estão, sendo assim este contato é reduzido.
É fundamental entender o contexto familiar em que o usuário de drogas está inserido e entender como cada família lida com esta condição, muitas vezes os familiares de dependentes químicos não sabem como proceder diante de uma situação como essa, por isso tanto o dependente quanto a família necessitam de acompanhamento psicológico.
As intervenções com famílias de dependentes de álcool e outras drogas, incluindo todos os membros familiares, ampliam o foco em relação à forma como as famílias vivenciam a problemática. Estudos nacionais e internacionais reforçam essa abordagem como eficaz e produtiva, pois favorece a adesão do dependente químico ao tratamento; melhora os padrões adaptativos da família (funcionamento familiar); reestrutura a interação familiar problemática; reduz o consumo de drogas; diminui a taxa de recidivas; e refina a resolução de problemas. (HORTA, DASPETT, EGITO, MACEDO, 2016, p.1028).
5. Considerações finais
Realizar este estudo foi de grande valia para nós, como pessoas e pesquisadoras, foi interessante ter a percepção de que os participantes estavam abertos ao diálogo, abertos para contar suas histórias, teve grande valia perceber como eles queriam ser ouvidos, demonstrou a importância do acolhimento e da escuta que é algo tão importante em nossa profissão, mas para além disso, nossa existência dentro da sociedade.
Com base em nossas pesquisas e nas entrevistas realizadas podemos dizer que é necessário que hajam mais trabalhos de prevenção quanto ao uso de substâncias químicas, pois é possível observar que o número de pessoas que se tornam dependentes das drogas está crescendo cada vez mais, o uso está crescendo principalmente entre os jovens que na maioria das vezes são mais suscetíveis às sugestões de amigos, colegas, entre outros.
Ao longo da pesquisa, foi possível observar que houve um crescimento pessoal importante nas pesquisadoras, onde houve o aprendizado que ultrapassou as barreiras do estudo e tocou no lado humano. Entrevistar pessoas que estão diariamente lidando com dor de precisar lutar contra a abstinência e as consequências do uso desenfreado de substâncias em sua recuperação foi uma experiência humana fundamental.
Devido às palavras ditas acima, reafirmo que é de profunda relevância o trabalho dos psicólogos e outros profissionais junto ao tema com o intuito de levar informações aos jovens, suas famílias e à população em geral. É preciso levar informação voltada para a prevenção do uso e também para os familiares,em geral, para que seja possível perceber comportamentos ou ações que sinalizem algo fora do padrão considerado normal, caso o uso já tenha sido iniciado. Pois é responsabilidade de um todo o cuidado, acolhimento e apreço ao próximo.
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