AS TEORIAS SOCIOLÓGICAS CRIMINOLÓGICAS E SEUS REFLEXOS NO DIREITO PENAL: UM ESTUDO COMPARATIVO DASTEORIAS DO CONFLITO E DO CONSENSO

CRIMINOLOGICAL SOCIOLOGICAL THEORIES AND THEIR REFLEXES IN CRIMINAL LAW: A COMPARATIVE STUDY OF CONFLICT AND CONSENSUS THEORIES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202411171947


Laura Lacerda Rosado Maciel1,
Pedro Augusto Braga Cardoso2,
Orientadora: Prof. Pauliana Maria Dias3


RESUMO

Este trabalho analisa a intersecção entre a teoria do consenso e a teoria do conflito no contexto do direito penal, destacando suas principais características e implicações práticas. A justificativa para a escolha deste tema reside na necessidade de compreender como essas teorias influenciam a formulação das leis penais e o tratamento dos criminosos em uma sociedade marcada por desigualdades sociais. Os objetivos incluem examinar as divergências e semelhanças entre ambas as abordagens, bem como discutir suas implicações para a justiça penal. A metodologia utilizada foi uma revisão bibliográfica de obras fundamentais de autores como Quinney, Zaffaroni e Foucault, visando uma compreensão aprofundada das teorias. Os principais resultados indicam que, embora as teorias do consenso e do conflito apresentem visões opostas sobre o papel do direito penal, elas também compartilham semelhanças que podem contribuir para a construção de um sistema penal mais justo. Conclui-se que integrar elementos de ambas as abordagens pode proporcionar um entendimento mais abrangente das dinâmicas sociais e da eficácia das leis penais, favorecendo a proteção dos direitos humanos e a inclusão social.

Palavras-chave: teoria do consenso; teoria do conflito; direito penal; desigualdades sociais; justiça.

ABSTRACT

This work analyzes the intersection between consensus theory and conflict theory in the context of criminal law, highlighting its main characteristics and practical implications. The justification for choosing this topic lies in the need to understand how these theories influence the formulation of criminal laws and the treatment of criminals in a society marked by social inequalities. The objectives include examining the divergences and similarities between both approaches, as well as discussing their implications for criminal justice. The methodology used was a bibliographic review of fundamental works by authors such as Quinney, Zaffaroni and Foucault, aiming for an in-depth understanding of the theories. The main results indicate that, although consensus and conflict theories present opposing views on the role of criminal law, they also share similarities that can contribute to the construction of a fairer criminal system. It is concluded that integrating elements from both approaches can provide a more comprehensive understanding of social dynamics and the effectiveness of criminal laws, favoring the protection of human rights and social inclusion.

Keywords: consensus theory; conflict theory; criminal law; social inequalities; justice.

1. INTRODUÇÃO

As teorias sociológicas criminológicas desempenham um papel fundamental na compreensão do comportamento criminoso e na formulação de políticas de justiça penal. A análise dos fenômenos sociais e suas interações com o direito penal revela a complexidade das relações humanas e suas implicações para a prevenção e punição do crime. De acordo com Durkheim (1997), o crime é um fenômeno social que reflete as normas e valores da sociedade, sugerindo que a criminalidade não pode ser entendida apenas a partir da perspectiva individual. Assim, a compreensão do crime e do sistema penal exige uma abordagem multidisciplinar que integre a sociologia, a criminologia e o direito.

A teoria do conflito, por exemplo, destaca a luta entre grupos sociais e a forma como essa dinâmica influencia a definição do que é considerado crime. Segundo Quiney (1977), o estado e as instituições sociais moldam as normas que regulam o comportamento, favorecendo interesses de certos grupos em detrimento de outros. Por outro lado, a teoria do consenso propõe que o direito penal se baseia em um acordo social sobre o que constitui o crime, promovendo uma visão mais otimista da cooperação social. Essa dualidade entre conflito e consenso revela a necessidade de um debate crítico sobre como o direito penal é aplicado e as suas repercussões sociais.

No contexto brasileiro, a relevância das teorias sociológicas criminológicas torna-se ainda mais evidente diante dos desafios enfrentados pelo sistema de justiça criminal, como a desigualdade social e a criminalização de comportamentos em comunidades vulneráveis. A Lei n. 13.140/2015, que institui a mediação como forma de solução de conflitos, exemplifica um esforço para promover uma abordagem mais humanizada e preventiva na resolução de disputas, em contraste com a lógica punitiva predominante (Brasil, 2015).

O presente trabalho tem como problema central a análise da influência das teorias sociológicas criminológicas na configuração do direito penal brasileiro, buscando entender como essas teorias contribuem para a construção de um sistema de justiça mais equitativo e eficaz. Pesquisadores como Zaffaroni (2018) defendem que as teorias sociológicas criminológicas fornecem diretrizes para práticas penais mais justas, compreendendo o crime em seu contexto social e econômico e promovendo práticas menos excludentes.

Os objetivos deste estudo são: (i) discutir as definições e os principais aspectos das teorias do conflito e do consenso; (ii) analisar a relevância da comparação dessas teorias no contexto penal brasileiro; e (iii) propor diretrizes que possam contribuir para a formulação de políticas públicas mais eficazes e justas. A estrutura do trabalho está organizada em cinco capítulos: o primeiro aborda a fundamentação teórica, o segundo analisa as aplicações práticas das teorias criminológicas no direito penal, o terceiro discute a influência das políticas públicas, o quarto apresenta um estudo de caso, e o quinto sugere recomendações para uma prática penal mais consciente e socialmente justa.

A análise das teorias sociológicas criminológicas revela-se essencial para compreender a complexidade do fenômeno criminal e suas interações com o direito penal. As teorias do conflito e do consenso oferecem perspectivas complementares que iluminam a dinâmica social por trás da criminalidade, permitindo uma reflexão crítica sobre a função do sistema penal e suas práticas. Ao considerar o crime como um produto das relações sociais, torna-se evidente que as políticas públicas e o direito penal não devem ser vistos apenas como mecanismos punitivos, mas como instrumentos que podem promover a justiça social e a inclusão (ZAFFARONI, 2018).

A relevância da mediação e de abordagens mais humanizadas na resolução de conflitos, conforme previsto na Lei n. 13.140/2015, demonstra um avanço na busca por alternativas ao encarceramento, especialmente em um contexto marcado por desigualdades sociais. A implementação dessas práticas requer um compromisso contínuo por parte das instituições e da sociedade civil, visando a construção de um sistema de justiça mais equitativo e eficaz (BRASIL, 2015).

Os objetivos delineados neste trabalho foram alcançados ao se discutir a importância das teorias sociológicas para a compreensão do direito penal brasileiro. A comparação entre as teorias do conflito e do consenso não apenas enriqueceu a análise crítica do sistema, mas também destacou a necessidade de uma abordagem integrada que considere as especificidades do contexto social brasileiro (BARATTA, 1999).

Por fim, espera-se que este estudo contribua para a reflexão sobre a construção de um direito penal mais justo, que leve em conta as realidades sociais e promova a verdadeira justiça. Futuras pesquisas podem aprofundar a relação entre as teorias sociológicas e a prática penal, explorando novas abordagens e soluções que atendam às demandas da sociedade contemporânea. A construção de um sistema penal que respeite os direitos humanos e promova a dignidade das pessoas deve ser uma prioridade para todos os envolvidos na promoção da justiça (FERREIRA, 2017).

2. A INFLUÊNCIA DAS TEORIAS SOCIOLÓGICAS DO CONFLITO NO SISTEMA PENAL: UMA ANÁLISE CRÍTICA
2.1 TEORIA DO CONFLITO X CONSENSO

As teorias sociológicas da criminologia dividem-se em dois grupos principais: teorias do consenso e teorias do conflito. As teorias do consenso, que incluem a Escola de Chicago, a Teoria da Associação Diferencial, a Teoria da Anomia e a Teoria da Subcultura Delinquente, abordam a ideia de que o crime é resultado de um desvio das normas sociais estabelecidas (Sutherland, 1960; Merton, 1938). Por outro lado, as teorias do conflito, como a Teoria do Labelling Approach e a Teoria Crítica, focam nas dinâmicas de poder entre o Estado e os indivíduos que cometem desvios, em vez de analisar as causas do crime em si (BECKER, 1963; BARATTA, 1999).

O movimento do Labelling Approach, que emergiu na década de 1960, representa um marco nas teorias do conflito, ao estudar o processo de criminalização. Este movimento, também conhecido como reação social ou rotulação, tem como principais autores Howard Becker, Erving Goffman e Edwin Lemert. Para uma compreensão mais profunda dessa teoria, é essencial considerar o contexto histórico de sua origem. Após a Segunda Guerra Mundial, na década de 1950, os jovens norte-americanos começaram a buscar novas experiências, afastando-se dos ideais do American Way of Life. A década de 1960 foi marcada por um despertar juvenil e pela luta das minorias contra discriminações sexuais e raciais, com movimentos como o hippie, que se opuseram aos valores tradicionais e ao consumismo, buscando uma sociedade mais justa e sem discriminação. Martin Luther King Jr., por exemplo, se destacou ao questionar a suposta igualdade do sonho americano em seu famoso discurso “I Have a Dream” (BARATTA, 1999).

A teoria do labelling approach surgiu em resposta a esses movimentos contraculturais, que evidenciaram como as leis penais eram utilizadas como instrumentos de repressão, transformando cidadãos comuns em criminosos. Becker, em seu livro “Outsiders”, argumenta que a violação de uma regra resulta na exclusão do indivíduo da sociedade, que passa a ser visto como não confiável. Ele enfatiza que as regras sociais são criadas por grupos e que a violação dessas normas resulta em desvio, afetando particularmente aqueles rotulados como *outsiders*. O desvio não é uma característica intrínseca do ato, mas sim uma consequência da aplicação de regras e sanções sociais, tornando a definição de atos desviantes algo relativo e variável, dependente do contexto social e das percepções da audiência (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2019).

O labelling approach não investiga as razões pelas quais algumas pessoas cometem crimes, mas sim as razões pelas quais certos indivíduos são rotulados como criminosos. Um ato criminoso pode resultar em um novo status social, levando à marginalização e à criação de um rótulo. Por exemplo, um sujeito que furta uma residência pode ser identificado como “ladrão”, mesmo que a ação tenha sido isolada, o que pode conduzi-lo a se associar a outros com experiências semelhantes e a iniciar uma carreira criminal. Esse processo de rotulação gera a criminalização primária e secundária, onde a rotulação inicial impulsiona novos delitos, pois o indivíduo passa a se identificar com o estigma social atribuído a ele. Lemert argumenta que a reação social e a punição imposta ao primeiro desvio frequentemente reforçam o papel de desviante, levando o indivíduo a novos crimes (SANTOS, 2014).

Goffman introduziu o conceito de instituições totais, que se referem a locais onde indivíduos são isolados da sociedade e submetidos a uma vida rigorosamente controlada. Ao adentrar uma dessas instituições, como presídios ou manicômios, o indivíduo perde sua identidade e individualidade, sendo reduzido a um número de registro. O desculturamento que ocorre nesses ambientes prejudica a reintegração social após a liberdade, já que os indivíduos aprendem a viver de acordo com as regras impostas na prisão, sem uma real ressocialização (BATISTA, 2011).

A teoria crítica, inspirada pelo marxismo, identifica o capitalismo como a raiz da criminalidade, promovendo comportamentos egoístas que levam ao cometimento de delitos. De acordo com essa teoria, crimes cometidos por indivíduos menos favorecidos são perseguidos com mais rigor do que aqueles cometidos por pessoas em posições de poder. A criminologia crítica desloca seu foco da criminalidade para a criminalização, evidenciando que a definição do que é crime é fruto de processos seletivos do sistema de justiça, que se baseiam em estereótipos e preconceitos associados a fatores sociais, como marginalização, desemprego e pobreza (CARVALHO, 2014).

Os principais autores do pensamento crítico, como Ian Taylor, Paul Walton e Jock Young, criticam a criminologia tradicional por proteger os interesses do grupo dominante. Eles argumentam que o capitalismo é a origem da criminalidade e propõem reformas estruturais para reduzir desigualdades e, consequentemente, a criminalidade. Portanto, a teoria crítica busca não apenas entender a criminalidade, mas também promover mudanças sociais que possam minimizar os fatores que a geram (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2019). A política de Tolerância Zero, aplicada em Nova York, consiste na repressão e punição de todas as condutas contrárias ao ordenamento jurídico, independentemente da gravidade. Essa abordagem fundamenta-se na ideia de que pequenos delitos, como furto e uso de drogas, podem levar a crimes mais graves, como roubo e tráfico de entorpecentes (Gonzaga, 2018). Essa política resultou na repressão de mendigos e sem-tetos, além da intensificação das abordagens e revistas de suspeitos sob o pretexto da “guerra às drogas” (SHECAIRA, 2018, p. 294).

Paralelamente à Tolerância Zero, foi implementado o Movimento Lei e Ordem, que defende a pena criminal como justificada como castigo e retribuição. De acordo com este movimento, delitos hediondos ou que ferem bens jurídicos importantes devem ser punidos com rigor máximo, com penas longas ou até a morte, devendo ser cumpridas em estabelecimentos prisionais de segurança máxima. Esse movimento ampliou as hipóteses de prisão provisória, garantindo uma resposta imediata ao crime e diminuindo os poderes de controle da execução penal (Penteado Filho, 2018). Tanto o Movimento Lei e Ordem quanto a Tolerância Zero sustentam que a prevenção geral resolverá os problemas criminais por meio do “temor iminente de uma pena”, mas na prática resultam apenas no encarceramento em massa, como ocorreu nos Estados Unidos (GONZAGA, 2018).

Os neorrealistas de esquerda buscam respostas efetivas ao crime, retomando o estudo da etiologia do delito e priorizando a vitimologia. Esses pensadores argumentam que, além da pobreza, outros fatores como a competição desenfreada e discriminações sociais favorecem o cometimento de delitos. No que se refere à vítima, os neorrealistas concentram-se nos desprivilegiados, que sofrem mais com a criminalidade, uma vez que o crime gera uma divisão intraclasse, isto é, uma divisão entre as classes menos favorecidas, ignorando que a sociedade capitalista é o verdadeiro inimigo (Shecaira, 2018, p. 298). Além disso, defendem o **neopunitivismo**, que preconiza a redução do controle penal e a extensão a outras esferas que afetam a classe trabalhadora, incluindo violências sexuais, abusos contra crianças e adolescentes, discriminações raciais, violências no trabalho e delitos cometidos pelo Estado e grandes empresas (Shecaira, 2018, p. 298). Por fim, argumentam a favor da reinserção dos delinquentes como alternativa à marginalização e exclusão, além de defenderem que a prisão deve ser mantida apenas em circunstâncias extremas, criticando os defensores do direito penal mínimo e do abolicionismo que favorecem medidas alternativas à prisão (SHECAIRA, 2018, p. 299).

Os autores minimalistas, que defendem o direito penal mínimo e fazem parte da segunda corrente da teoria crítica, propõem a redução do direito penal atual e uma “prudente não intervenção” em certos delitos. Eles acreditam que a aplicação radical da pena pode acarretar mais danos do que benefícios (Shecaira, 2018, p. 302). O direito penal mínimo deve ser utilizado como último recurso, considerando seu caráter fragmentário e subsidiário, protegendo apenas os bens jurídicos mais relevantes e entrando em cena somente quando os outros ramos do direito falharem na solução de um conflito. Essa corrente se relaciona com o princípio da intervenção mínima, que exige cautela do legislador na definição das condutas puníveis e do operador do direito ao aplicar a pena apenas quando outras alternativas se esgotarem (CAPEZ, 2019).

Os minimalistas enfatizam que o direito deve ser uma defesa dos mais vulneráveis, com maior foco na chamada “criminalidade dos oprimidos”, que busca combater o racismo, discriminação sexual, crimes de colarinho branco, crimes ecológicos, belicismo, entre outros (SHECAIRA, 2018, p. 303).

A corrente do direito penal mínimo pode ser resumida em três princípios fundamentais: a transformação social e institucional como meio de desenvolver igualdade e democracia; a redução do direito penal em alguns aspectos, propondo a descriminalização de delitos sem violência e a adoção de medidas que promovam a reintegração social dos indivíduos que cometem delitos, defendendo o direito à vida, saúde e dignidade (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2019).

2.2 A INFLUÊNCIA DA TEORIA DO CONFLITO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

As teorias sociológicas do conflito têm exercido uma influência significativa no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente no que diz respeito à progressão de regime no cumprimento de pena privativa de liberdade, conforme previsto nos artigos 33 e seguintes do Código Penal (Brasil, 1940). Esse sistema foi concebido para mitigar os impactos da reinserção social dos egressos, permitindo que, após cumprirem parte da pena em regime fechado, os detentos transitem para o regime semiaberto, onde têm a oportunidade de trabalhar e estudar. Essa interação com a liberdade se intensifica ainda mais no regime aberto, promovendo uma reinserção gradual. De acordo com a perspectiva de alguns autores, a legislação acolheu a ideia do labelling approach ao criar mecanismos que minimizam a institucionalização da pena privativa de liberdade, estabelecendo uma espécie de desinstitucionalização progressiva (Nações Unidas, 1990; Ferrajoli, 2002). Essa abordagem possibilita que o condenado conviva, de maneira gradual, com parcelas de liberdade, evitando a síndrome decorrente do afastamento social em relação aos homens livres.

Além da progressão de regime, a influência da teoria do labelling é observada na adoção de penas substitutivas ou alternativas à prisão, previstas nos artigos 43 e 44 do Código Penal (Brasil, 1940). Essas penas incluem a prestação pecuniária, a perda de bens ou valores, a limitação de fins de semana, a prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, e a interdição temporária de direitos. O objetivo das penas alternativas é atender ao inciso XLVI do artigo 5º da Constituição Federal, que menciona a possibilidade de penas sociais alternativas, promovendo a ressocialização do autor do delito e evitando o encarceramento, além de combater a estigmatização associada à prisão (Brasil, 1988; Bobbio, 1992). Além disso, essas penas buscam reduzir a reincidência, uma vez que a pena privativa de liberdade está associada a altos índices de reincidência, e também mitigar a superlotação dos presídios, resultando em economias para o Estado e protegendo os interesses da vítima.

Os direitos dos presos, conforme estabelecido nos artigos 40 a 43 da Lei de Execução Penal (Brasil, 1984), estão em consonância com os princípios do labelling approach. O inciso XI do artigo 41, que garante ao detento o direito de ser chamado pelo seu nome de registro, busca reduzir o fenômeno da despersonalização. A Lei de Execução Penal, em seu artigo 103, determina que cada comarca deve dispor de pelo menos uma cadeia pública, permitindo que o preso permaneça próximo de seu meio social e familiar. Os artigos 25 e 27 visam assegurar uma melhor adaptação do sujeito ao retornar à sociedade, prevendo assistência social ao egresso, que consiste em orientação e apoio para sua reintegração à vida livre (SILVA, 2011).

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, LVIII, estabelece que a pessoa civilmente identificada não pode ser submetida à identificação criminal, exceto nas situações previstas em lei, o que visa evitar o estigma criminal e suavizar a transformação da concepção do indivíduo sobre si mesmo (Brasil, 1988; Castro, 2014). Além disso, uma legislação que reflete a influência da teoria do labelling é a lei 9.099/95, que regula os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. O artigo 62 dessa lei determina que o processo deve seguir princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, visando à reparação do dano causado à vítima e à aplicação de pena não privativa de liberdade (Brasil, 1995). O artigo 72 estabelece a possibilidade de composição civil dos danos entre o autor do fato e a vítima, permitindo que ambos cheguem a um acordo que será homologado pelo juiz como alternativa à pena privativa de liberdade. Além disso, o artigo 76 prevê que, nos casos de ação penal pública, o representante do Ministério Público pode propor uma transação penal, cujo cumprimento se dará por pena restritiva de direitos ou multa, como forma de evitar a imposição da pena privativa de liberdade.

No que diz respeito à teoria crítica, observa-se que essa abordagem está sendo cada vez mais adotada globalmente. Um exemplo é encontrado nas Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas Não Privativas de Liberdade, conhecidas como Regras de Tóquio, que têm um viés de intervenção mínima e visam à aplicação de soluções mais brandas e humanas, com foco na ressocialização do indivíduo e no apoio à vítima (Nações Unidas, 1990). No Brasil, as Regras de Tóquio influenciaram a elaboração do Decreto 9.246/2017, que concedeu indulto natalino a diversos presos que atendiam a certos requisitos, como o cumprimento de um quinto da pena, se não reincidentes, em crimes praticados sem violência ou grave ameaça (Brasil, 2017). O decreto também considerou a restituição do prejuízo à vítima como um dos requisitos para a concessão do benefício, demonstrando uma clara influência da vertente abolicionista.

Além do indulto natalino, existem vários outros institutos no ordenamento jurídico brasileiro que, influenciados pela teoria crítica, mostram um afastamento gradual das penas privativas de liberdade. O sursis, por exemplo, disciplinado nos artigos 77 a 82 do Código Penal (Brasil, 1940), evita o encarceramento e suspende a pena, desde que a pena aplicada não exceda dois anos. O livramento condicional, previsto nos artigos 83 a 90 do Código Penal, permite a liberação antecipada do condenado, desde que certas condições sejam atendidas. Diferente do sursis, que suspende a pena antes do início, o livramento condicional representa a fase final do cumprimento da pena e precede a liberdade, servindo como um instrumento de ressocialização que reintegra o sujeito à sociedade de forma gradual (MARTINS, 2015).

Outro instituto que merece destaque, sob a influência da teoria crítica e do labelling approach, é a saída temporária, conforme estabelecido nos artigos 122 a 125 da Lei de Execução Penal (Brasil, 1984). Essa medida tem como objetivo a reinserção gradual do condenado na sociedade, permitindo que ele deixe o estabelecimento prisional para visitar a família ou participar de atividades educativas, desde que preenchidos certos requisitos e compatível com os objetivos da pena (CAMPOS, 2016).

Por fim, a teoria crítica defende que o direito penal deve atuar em defesa dos mais vulneráveis e oprimidos, combatendo o racismo e a discriminação. Nesse contexto, a qualificadora do feminicídio, prevista no art. 121, VI, do Código Penal, introduzida pela Lei 13.104/15 (Brasil, 2015), pode ser entendida como uma medida de proteção às mulheres, que historicamente foram oprimidas devido ao seu gênero. Essa disposição legislativa é uma tentativa de enfrentar a violência de gênero e defender aquelas que necessitam de proteção. As alterações trazidas pela Lei 14.994/24 também reforçam a proteção às mulheres e incluem medidas para ampliar a eficácia no combate ao feminicídio, buscando uma resposta mais contundente do sistema penal (Brasil, 2024).

Conforme apresentado, as teorias sociológicas do conflito exerceram uma influência notável no ordenamento jurídico brasileiro. A influência do labelling approach é evidente no instituto da progressão de regime das penas privativas de liberdade, com o intuito de diminuir os impactos da reinserção social do apenado. Adicionalmente, as penas alternativas à prisão, também baseadas nessa teoria, visam evitar a estigmatização do condenado e, assim, reduzir a reincidência. Os direitos dos presos, dispostos na Lei de Execução Penal, são uma tentativa de mitigar os efeitos da institucionalização e despersonalização, promovendo um suporte social para a reintegração à vida em liberdade. A legislação brasileira tem se mostrado progressista ao adotar medidas que promovem a reinserção social e a proteção dos mais vulneráveis, refletindo um compromisso com a justiça social e a redução da estigmatização e da criminalização excessiva.

2.3 A INFLUÊNCIA DA TEORIA DO CONSENSO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A sociologia alemã exportou ideias divergentes do funcionalismo consensual. No contraponto, sob a ótica de uma teoria social advinda do conflito, os pensadores da Escola de Frankfurt influenciaram grande parte das Ciências Penais, especialmente em uma ótica interdisciplinar que envolve a sociologia, a filosofia, o direito e a psicologia. Essa abordagem crítica tem sido fundamental para questionar as estruturas de poder e as desigualdades sociais que permeiam o sistema penal, propondo uma análise que vai além do mero controle social e busca compreender as relações sociais e as dinâmicas de opressão presentes na sociedade contemporânea (LANDIM, 2010).

Para Luhmann, assim como nas premissas de Durkheim, a função da sanção penal é manter intacta a coesão social, reafirmando a validade da consciência coletiva, a fim de resguardar o consenso coletivo que rege a sociedade. De maneira complexa e hermética, Luhmann cria a Teoria Sistêmica, que sugere que a sociedade seria um sistema social maior, contendo outros sistemas menores, como o sistema jurídico, político e econômico (Luhmann, 1997, p. 47). Para garantir as relações harmoniosas das estruturas, deve haver uma autoproteção contra as ameaças externas (crime) que corrompem a coesão social (Sánchez Herrera, 2012, p. 82). A partir disso, surge a necessidade de um sistema que se autodefenda, conhecido como sistema autopoiético (Luhmann, 1998).

Sobre o sistema autopoiético, Luhmann se baseia nos conceitos dos biólogos chilenos Varela (2000) e Maturana (1997), trazendo a ideia de autopoiese para a sociologia. Segundo os biólogos, os seres vivos são uma rede fechada de moléculas que geram interações entre si, blindando-se contra ameaças externas (bactérias). A ideia central de Luhmann é aplicar esse conceito biológico ao sistema social, onde o sistema jurídico atuaria como uma célula de defesa, garantindo as interações entre as pessoas e protegendo-as de ameaças que possam corromper o sistema por meio do crime (LUHMANN, 2003).

Assim, o sistema jurídico não tem outro objetivo senão restabelecer a normalidade do que foi desnormalizado pelo crime, resguardando a ordem social e a consciência coletiva. Os funcionalistas seguidores de Luhmann acreditam que o poder punitivo produzirá o consenso pela pena que não foi conseguido com as relações sociais (SHECAIRA, 2013, p. 206). Dessa forma, as pessoas passam a crer que o poder punitivo realiza o que, na realidade, não faz. Essa crença resulta em um consenso, que consagra o pensamento de Durkheim sobre a necessidade de reafirmação e satisfação da consciência coletiva existente na sociedade (DURKHEIM, 2014).

Portanto, na Teoria Sistêmica de Luhmann, adota-se um enfoque sintomatológico, que se preocupa mais com a manifestação de uma disfunção no sistema do que com as causas de conflito que podem ocorrer dentro dele A missão do Direito Penal, portanto, não se limita a proteger bens jurídicos, mas também a desempenhar funções (Otto, 2004). É exatamente nesse contexto que surge o pensamento polêmico de Günther Jakobs, que afirma: “o fato, do ponto de vista de uma pessoa racional, significa uma desautorização da norma, um ataque à sua vigência, e a pena também significa algo; significa que a afirmação do autor é irrelevante e que a norma segue vigente sem modificações, mantendo-se, portanto, a configuração da sociedade” (JAKOBS, 2003).

Entretanto, Shecaira ressalva que Jakobs conduz o ideário funcionalista às suas últimas consequências. Seu pensamento, por ser extremo e, de certo modo, isolado, não pode ser utilizado como instrumento de ataque genérico ao funcionalismo. Muitos autores funcionalistas procuraram incorporar às suas teorias o respeito aos princípios mais caros do Direito Penal, como toda a escola do pensamento liderada na Alemanha (Shecaira, 2013, p. 206; Zaffaroni, 2011, p. 211).

3 ANÁLISE COMPARATIVA DAS TEORIAS

A análise comparativa das teorias sociológicas do direito penal revela distinções fundamentais entre abordagens tradicionais e contemporâneas. As teorias clássicas, como a de Émile Durkheim, enfatizam a função social da pena como meio de reafirmação da consciência coletiva e manutenção da ordem social (DURKHEIM, 2014). Em contraste, a Escola de Frankfurt e a teoria crítica, influenciadas pela perspectiva do conflito, questionam a eficácia e a justiça do sistema penal, destacando como ele pode perpetuar desigualdades sociais e marginalizar grupos vulneráveis (GROSSI, 2017). A teoria autopoiética de Niklas Luhmann também oferece uma visão inovadora, propondo que o sistema jurídico se autossustenta como uma rede de interações, visando proteger a sociedade de ameaças externas, como o crime, mas também enfatizando que essa proteção pode não refletir necessariamente uma justiça social efetiva (LUHMANN, 2003). Assim, enquanto as teorias clássicas tendem a legitimar o sistema punitivo, as abordagens críticas e autopoiéticas instigam uma reflexão sobre suas implicações sociais e éticas.

3.1 SEMELHANÇAS ENTRE AS TEORIAS

As teorias do conflito e do consenso, embora opostas em sua essência, apresentam algumas semelhanças fundamentais. Ambas reconhecem a função do direito penal como meio de controle social. Em sociedades complexas, onde a diversidade cultural e social é prevalente, o direito penal atua como um mecanismo de normatização e controle, independentemente da abordagem adotada (Luhmann, 1997). Essa convergência se reflete na elaboração das leis penais, que frequentemente buscam equilibrar os interesses da sociedade e dos indivíduos.

Além disso, tanto o conflito quanto o consenso consideram a importância das instituições sociais na construção da ordem social. O Estado, em ambas as teorias, é visto como um agente regulador que estabelece normas e padrões de comportamento. As leis penais são formuladas a partir de uma necessidade social percebida, que, seja em uma perspectiva crítica ou integradora, busca a proteção da coletividade (ZAFFARONI, 2011).

Outra semelhança importante é a consideração do papel da vítima e do criminoso nas discussões teóricas. Tanto a teoria do consenso quanto a do conflito enfatizam a necessidade de proteger as vítimas, embora suas abordagens sobre o tratamento dos criminosos diferem. Há um reconhecimento de que a criminalidade não pode ser ignorada e que a resposta penal deve ser adequada (FOUCAULT, 1987).

Por fim, ambas as teorias têm implicações na prática legislativa e judicial, influenciando a forma como as leis são criadas e aplicadas. As reformas legislativas frequentemente refletem uma tentativa de equilibrar as demandas sociais e a necessidade de garantir os direitos dos indivíduos, independentemente da perspectiva teórica que predomine (GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2014).

Uma das principais semelhanças entre as teorias do conflito e do consenso é a percepção de que o direito penal deve evoluir com a sociedade. Ambas reconhecem que as normas jurídicas não são estáticas, mas sim dinâmicas e influenciadas por mudanças sociais, culturais e políticas. Esse entendimento leva à necessidade de constante revisão e atualização das leis penais, para que possam atender às novas realidades e expectativas da população. Tanto o consenso quanto o conflito destacam que, à medida que a sociedade se transforma, as normas devem ser adaptadas para refletir esses novos valores, garantindo, assim, a relevância do sistema jurídico (ZAFFARONI, 2011).

Outra convergência importante diz respeito ao entendimento da criminalidade como um fenômeno social complexo. Tanto a teoria do consenso quanto a do conflito reconhecem que as causas da criminalidade são multifacetadas, envolvendo fatores individuais, sociais e econômicos. Essa visão holística leva à proposta de que a abordagem penal deve considerar não apenas o ato criminoso, mas também o contexto em que ele ocorre. Assim, tanto os defensores do consenso quanto os do conflito defendem a importância de políticas públicas que abordem as causas subjacentes da criminalidade, promovendo a inclusão social e a igualdade de oportunidades (RODRIGUES, 2018).

Além disso, tanto as teorias do consenso quanto do conflito podem ser vistas como reflexos das tensões presentes na sociedade. Ambas as abordagens têm suas raízes em um reconhecimento da luta constante entre diferentes grupos sociais, cada um buscando defender seus interesses e valores. Enquanto a teoria do consenso pode enfatizar a busca pela harmonia e pela mediação entre interesses divergentes, a teoria do conflito destaca a natureza contestatória dessas relações, ressaltando que o direito penal pode ser usado como um instrumento de controle social para manter a ordem estabelecida. Essa dinâmica entre a coesão e a disputa é fundamental para compreender a aplicação do direito penal em contextos sociais complexos (FOUCAULT, 1987).

Outra semelhança significativa é a ênfase na legitimidade do sistema jurídico. Ambas as teorias reconhecem que a aceitação e a adesão das normas jurídicas pela sociedade são essenciais para a eficácia do direito penal. A teoria do consenso vê essa legitimidade como resultado da reflexão dos valores compartilhados, enquanto a teoria do conflito pode interpretá-la como uma construção que se dá através da imposição e aceitação das normas por parte dos grupos dominantes. Independentemente da perspectiva adotada, a legitimidade é um fator crucial para a aplicação efetiva das leis e para a manutenção da ordem social (LUHMANN, 1997).

Por fim, é importante considerar que, embora as teorias do conflito e do consenso apresentem diferenças fundamentais, elas podem ser complementares na prática. Ao integrar elementos de ambas as abordagens, é possível desenvolver um sistema de justiça penal que não apenas busque a ordem e a coesão social, mas que também reconheça e aborde as desigualdades e tensões que permeiam as relações sociais. Essa perspectiva integrativa pode levar à construção de um sistema penal mais justo e equitativo, que respeite os direitos dos indivíduos ao mesmo tempo em que busca atender às necessidades da coletividade (GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, 2014).

3.2. DIFERENÇA ENTRE TEORIAS

As diferenças entre a teoria do conflito e a teoria do consenso são marcantes e influenciam significativamente o tratamento dos crimes e dos criminosos. Enquanto a teoria do consenso vê o direito penal como um reflexo dos valores sociais amplamente aceitos, a teoria do conflito critica essa visão, argumentando que as leis são moldadas por relações de poder e interesses específicos (Batista, 2002). Essa divergência implica que as propostas de reforma legal e penal serão muito diferentes, dependendo da abordagem adotada.

Outra diferença significativa reside na visão que cada teoria tem sobre a criminalidade. A teoria do consenso tende a considerar os criminosos como desvios temporários da norma social, enquanto a teoria do conflito os vê como produtos de desigualdades estruturais (Quinney, 1977). Essa diferença de perspectiva se traduz em abordagens práticas diferentes, onde a primeira pode favorecer a reabilitação e a reintegração, enquanto a segunda pode levar a uma crítica mais incisiva das condições sociais que geram a criminalidade.

Além disso, a abordagem do conflito enfatiza as desigualdades sociais e econômicas que contribuem para o comportamento criminoso. Ela aponta que os grupos marginalizados são frequentemente os mais penalizados pelas leis penais, que não levam em conta as circunstâncias que levam à criminalização desses indivíduos ( Gonzaga, 2018 ). Em contraste, a abordagem do consenso pode minimizar essas desigualdades ao se concentrar na manutenção da ordem social.

Essas diferenças também afetam as implicações práticas no direito penal. A aplicação da teoria do consenso pode resultar em um sistema de justiça que favorece o tratamento equitativo dos criminosos, enquanto a teoria do conflito pode fomentar um sistema mais punitivo e desigual. As consequências dessas abordagens se refletem nos direitos fundamentais e na proteção de grupos sociais vulneráveis, com a teoria do consenso geralmente defendendo a proteção dos direitos humanos, enquanto a teoria do conflito questiona as estruturas de poder que perpetuam a desigualdade (SHECAIRA, 2018).

Além das distinções já mencionadas, a teoria do conflito também propõe que a criminalização não é apenas um reflexo das normas sociais, mas um mecanismo utilizado por grupos dominantes para controlar e marginalizar aqueles que desafiam a ordem estabelecida. Essa visão crítica sugere que as leis penais são frequentemente aplicadas de maneira desproporcional a grupos sociais menos favorecidos, perpetuando um ciclo de desigualdade e exclusão (Durkheim, 1997). Assim, o tratamento dos criminosos sob essa perspectiva não é apenas uma questão de desvio individual, mas uma reflexão sobre as relações de poder e a estrutura social que dá suporte a esse desvio.

Ademais, a teoria do conflito busca compreender as motivações subjacentes à criminalidade, destacando como fatores sociais, econômicos e políticos influenciam o comportamento desviante. Essa abordagem sugere que a criminalidade pode ser entendida como uma resposta às opressões enfrentadas por indivíduos e comunidades marginalizadas, desafiando a noção de que o crime é inerentemente uma falha moral ou individual (Becker, 1963). Essa visão ressalta a necessidade de intervenções que abordem as causas sociais da criminalidade, ao invés de focar exclusivamente na punição.

Por outro lado, a teoria do consenso enfatiza a importância da construção de um contrato social que abarca valores e normas compartilhadas, promovendo um sistema de justiça que busca a harmonia social. Essa abordagem pressupõe que, se os indivíduos respeitam as leis, é porque essas leis estão alinhadas com suas crenças e valores fundamentais. Portanto, a criminalização é vista como uma forma de proteger a sociedade contra comportamentos que ameaçam a coesão social. Contudo, essa perspectiva pode obscurecer as vozes de grupos marginalizados que podem não se sentir representados ou protegidos pelas normas vigentes (LUHMANN, 1998).

Outra implicação importante das diferenças entre essas teorias reside na forma como elas moldam as políticas de prevenção e intervenção no contexto penal. A teoria do consenso tende a promover políticas baseadas na educação e na reabilitação, focando na reintegração do criminoso à sociedade. Por outro lado, a teoria do conflito pode resultar em um enfoque mais crítico, que se propõe a reformar não apenas o indivíduo, mas também as condições sociais e estruturais que alimentam a criminalidade, reconhecendo que a mudança deve ocorrer em múltiplos níveis para ser eficaz (RODRIGUES, 2018).

Por fim, é crucial reconhecer que a interação entre essas duas teorias não é necessariamente excludente. A combinação de elementos de ambas pode oferecer uma compreensão mais abrangente do fenômeno criminal, permitindo o desenvolvimento de políticas que promovam a justiça e a equidade. Assim, ao integrar as abordagens do consenso e do conflito, pode- se estabelecer um sistema penal que, ao mesmo tempo, busque a manutenção da ordem social e a redução das desigualdades estruturais que geram a criminalidade, refletindo um compromisso mais amplo com os direitos humanos e a dignidade de todos os indivíduos (SHECAIRA, 2018).

3.3. IMPLICAÇÕES PRÁTICAS NO DIREITO PENAL

As implicações práticas das teorias do conflito e do consenso são evidentes no funcionamento do sistema judicial e na aplicação das leis penais. A teoria do consenso frequentemente resulta em uma legislação que busca uma resposta uniforme às transgressões, focando na prevenção e na reintegração dos infratores (Brasil, 1940). Essa abordagem reflete uma visão otimista do potencial de reabilitação dos indivíduos, enfatizando a necessidade de medidas que atendam às causas subjacentes da criminalidade.

Por outro lado, a teoria do conflito tende a gerar uma aplicação das leis que favorece o controle social e a manutenção da ordem. Isso se traduz em um sistema penal que pode ser mais punitivo e que ignora as desigualdades que afetam a vida dos indivíduos mais marginalizados (Ferrajoli, 2002). A criminalização de certos comportamentos, muitas vezes relacionados a questões socioeconômicas, revela como as leis podem ser usadas para manter estruturas de poder existentes.

As consequências dessas abordagens se refletem nos direitos fundamentais dos indivíduos. A teoria do consenso propõe que a proteção dos direitos humanos deve ser central na formulação das políticas penais, enquanto a teoria do conflito alerta para o fato de que, em muitos casos, os direitos dos indivíduos são sacrificados em nome do controle social e da proteção da ordem (Luhmann, 1998). Essa tensão é evidente nas discussões sobre a eficácia e a justiça do sistema penal.

Além disso, as abordagens teóricas impactam a forma como as práticas judiciais são desenvolvidas. O judiciário pode ser influenciado a adotar uma postura mais compreensiva e restaurativa, alinhada à teoria do consenso, ou uma postura mais reativa e punitiva, de acordo com a perspectiva do conflito. Isso pode resultar em tratamentos desiguais para grupos sociais vulneráveis, refletindo as disparidades existentes na sociedade (OTTO, 2004).

Por fim, a análise dessas implicações práticas é crucial para o entendimento de como as teorias do conflito e do consenso moldam a realidade do sistema penal. O desafio reside em encontrar um equilíbrio que reconheça a importância da segurança pública e, ao mesmo tempo, garanta os direitos fundamentais e a dignidade dos indivíduos, promovendo uma legislação penal que respeite os princípios da justiça social (BRASIL, 2015).

4. PROPOSTA PARA APRIMORAMENTO DA LEGISLAÇÃO PENAL

A proposta para aprimoramento da legislação penal é fundamental para atender às demandas de uma sociedade em constante transformação, onde questões sociais, econômicas e culturais impactam diretamente a criminalidade e a eficácia do sistema de justiça. O atual ordenamento jurídico penal brasileiro, embora tenha avanços significativos, ainda apresenta lacunas e desafios que necessitam de uma análise crítica e de uma abordagem inovadora. É imprescindível que a legislação penal seja revisada e adaptada para garantir não apenas a segurança pública, mas também a proteção dos direitos humanos e a promoção da ressocialização dos indivíduos. Nesse sentido, o aprimoramento da legislação penal deve contemplar a descriminalização de condutas que não representam efetiva ameaça à sociedade, a implementação de penas alternativas mais eficazes e a promoção de políticas que priorizem a prevenção e a reintegração social, contribuindo para uma justiça mais equitativa e humana (ZAFFARONI, 2008).

4.1. SUGESTÕES PARA UMA LEGISLAÇÃO MAIS EQUILIBRADA

A partir da análise das teorias do conflito e do consenso, é possível identificar várias sugestões para um aprimoramento da legislação penal no Brasil. Primeiramente, é fundamental considerar a implementação de um sistema mais restaurativo que busque a reintegração social dos infratores. Esse sistema deve reconhecer as circunstâncias que levam à criminalidade, promovendo programas de educação e reabilitação que abordem as causas sociais subjacentes (PAVARIN,1983).

Em segundo lugar, a legislação deve ser revisada para garantir que não perpetue desigualdades sociais e econômicas. Isso pode ser alcançado através da inclusão de medidas que abordem especificamente os direitos dos grupos marginalizados, assegurando que suas vozes sejam ouvidas e respeitadas no processo legislativo (Becker, 1963). A criação de políticas públicas que promovam a inclusão social é essencial para reduzir as taxas de criminalidade e promover a justiça social.

Além disso, é crucial que as leis penais sejam elaboradas com base em evidências empíricas que reflitam a realidade social do país. Isso inclui a realização de estudos que avaliem a eficácia das políticas penais existentes e que promovam uma abordagem baseada em dados para a formulação de novas legislações (Durkheim, 1997). A participação da sociedade civil nesse processo é fundamental, garantindo que a legislação reflita as necessidades e as realidades da população.

Outro ponto importante é a necessidade de promover uma educação continuada para os profissionais do direito, incluindo juízes, promotores e defensores públicos. Isso garantirá que os operadores do direito estejam atualizados em relação às melhores práticas e teorias criminológicas, promovendo um sistema judicial mais justo e eficaz (Soares, 2019). A formação contínua deve incluir tópicos sobre direitos humanos, desigualdade social e abordagens restaurativas.

Por fim, é imprescindível que haja um monitoramento e avaliação contínuos das políticas públicas relacionadas à justiça penal. Isso permitirá a identificação de falhas e a realização de ajustes necessários para garantir que a legislação penal esteja em consonância com os princípios de justiça social e proteção dos direitos fundamentais, refletindo um compromisso com a equidade e a inclusão (ZAFFARONI, 1991).

4.2. RECOMENDAÇÕES PARA POLÍTICAS PÚBLICAS

As políticas públicas devem ser orientadas por uma abordagem que considere as necessidades e as realidades da população. É essencial que o sistema de justiça criminal seja acessível e sensível às questões sociais que permeiam a criminalidade. Isso inclui a implementação de programas de prevenção ao crime que se concentrem em áreas vulneráveis, promovendo educação e oportunidades de emprego como alternativas à criminalidade (SÁNCHEZ HERRERA, 2012).

Adicionalmente, a promoção de iniciativas de mediação e conciliação entre infratores e vítimas pode ser uma estratégia eficaz para resolver conflitos de maneira mais humanizada e restaurativa. A legislação deve incentivar práticas que promovam a reparação de danos, permitindo que as vítimas tenham um papel ativo no processo de justiça (Passetti, 2000). Essas práticas podem contribuir para a redução da reincidência criminal e fortalecer os laços comunitários.

Outra recomendação é o fortalecimento das instituições responsáveis pela aplicação da lei, garantindo que elas atuem de maneira imparcial e equitativa. Isso envolve investimentos em capacitação e formação de pessoal, bem como a promoção de mecanismos de supervisão e controle social para evitar abusos e garantir a proteção dos direitos dos cidadãos (DE LIMA, 2001).

Por fim, é necessário um engajamento contínuo da sociedade civil na formulação e avaliação das políticas públicas. Isso pode ser feito através da criação de espaços de diálogo e consulta, onde diferentes segmentos da sociedade possam contribuir para o desenvolvimento de um sistema penal mais justo e eficaz (Rodrigues, 2018). Essa participação é fundamental para garantir que as políticas atendam às reais necessidades da população e reflitam os princípios de equidade e justiça.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas considerações finais deste trabalho, relembramos que o foco foi a análise comparativa entre as teorias do conflito e do consenso no direito penal. Ao longo da pesquisa, exploramos como essas teorias influenciam a formulação e a aplicação das leis penais, além de discutirmos suas implicações práticas no sistema de justiça criminal. A teoria do conflito, que enfatiza as tensões entre diferentes grupos sociais, foi contraposta à teoria do consenso, que busca identificar valores e normas compartilhados que sustentam a ordem social.

Os objetivos propostos foram plenamente alcançados, pois conseguimos delinear as características fundamentais de cada teoria e suas respectivas abordagens em relação à criminalidade e à punição. Realizamos uma análise crítica da legislação penal brasileira, ressaltando como as diferentes teorias influenciam as políticas públicas e a atuação das instituições judiciárias.

O problema de pesquisa abordado consistiu em entender como as teorias do conflito e do consenso se manifestam no direito penal e suas consequências para a justiça social. A resposta encontrada indica que ambas as teorias oferecem perspectivas valiosas, mas a adoção de uma abordagem exclusivamente punitiva, orientada pela teoria do consenso, pode desconsiderar as desigualdades sociais e as causas estruturais da criminalidade, evidenciando a necessidade de um sistema penal mais restaurativo e inclusivo. Os principais resultados da pesquisa mostram que a aplicação das teorias do conflito e do consenso no direito penal não é apenas uma questão acadêmica, mas tem impactos diretos na formulação de políticas públicas e na prática judiciária.

Observou-se que uma abordagem equilibrada, que reconheça as contribuições de ambas as teorias, pode levar a um sistema de justiça mais eficaz e equitativo. O estudo oferece importantes contribuições para a compreensão do direito penal contemporâneo, destacando a relevância de uma análise crítica das leis penais, que considere a diversidade de vozes na sociedade. Além disso, reflete sobre os desafios e as possibilidades de aprimoramento das leis penais, sugerindo que uma abordagem que considere tanto a proteção social quanto os direitos dos indivíduos pode resultar em soluções mais justas. Embora o estudo tenha proporcionado insights significativos, algumas limitações foram encontradas. A falta de dados atualizados sobre a aplicação das teorias no contexto brasileiro e a diversidade de interpretações sobre o tema podem ter restringido uma análise mais abrangente, além da complexidade das interações sociais e jurídicas que torna difícil isolar fatores específicos que influenciam a criminalidade e a aplicação das leis.

Para aprofundar a discussão sobre o tema, sugerimos que futuros trabalhos possam explorar a aplicação prática das teorias do conflito e do consenso em casos específicos, como na abordagem de crimes ambientais ou crimes de ódio. Ademais, pesquisas que investiguem a percepção pública sobre o direito penal e seu impacto na formulação de políticas poderiam enriquecer a discussão.

Por fim, o desenvolvimento de estudos que considerem a intersecção entre as teorias do conflito e do consenso com questões de raça e classe social também é recomendável.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível  em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em: 5 nov. 2024.

BRASIL. Código Penal. Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Brasília, 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1940/1940L2848.htm>. Acesso em: 5 nov. 2024.

BRASIL. Lei de Execução Penal. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Brasília, 1984.    Disponível   em:    <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210.htm>. Acesso em: 5 nov. 2024.

BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Regula os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.                      Brasília, 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm>. Acesso em: 5 nov. 2024. BRASIL. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o Código Penal para tipificar o crime de feminicídio.  Brasília, 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2015/L13104.htm>. Acesso em: 5 nov. 2024.

BRASIL. Lei nº 14.994, de 2 de dezembro de 2024. Altera a Lei nº 7.210, de 1984, que institui a Lei de Execução Penal. Brasília, 2024. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2024/L14994.htm>. Acesso em: 5 nov. 2024.

BRASIL. Decreto nº 9.246, de 24 de dezembro de 2017. Concede indulto natalino a diversos presos. Brasília, 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/decreto/d9246.htm>. Acesso em: 5 nov. 2024.

GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. Tratado de Criminología. 5. ed. Valencia: Tirant lo Blanc, 2014.

GONZAGA, Cristiano. Manual de Criminologia. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. Ebook.

GONZAGA, Sandra. Direito Penal e Direitos Humanos: Uma Perspectiva Crítica. São Paulo: Editora RT, 2018.

JAKOBS, Günther; CANCIO MELIÁ, Manuel. Derecho Penal del Enemigo. Madrid: Civitas, 2003.

LUHMANN, Niklas. A Sociedade da Sociedade. São Paulo: Editora Paulus, 1997.

LUHMANN, Niklas. A Teoria da Sociedade e o Direito Penal. São Paulo: Editora Malheiros, 1998.

LUHMANN, Niklas. Complejidad y Modernidad: de la unidad a la diferencia. Ed. e trad. J. Berian e J. M. García Blanco. Madrid: Trotta, 1998.

LUHMANN, Niklas. Sociedade y sistema: la ambición de la teoría. Trad. Santiago López Petil e Dorothee Schmitz. Introdução de Ignácio Izuzquiza. Barcelona: Paidós, 1997.

NAÇÕES UNIDAS. Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas Não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio). Resolução 45/110 da Assembleia Geral. Nova Iorque: ONU, 1990.

OTTO, Harro. Grundkurs Strafrecht, Allgemeine Strafrechtslehre. 7. Aufl. Berlin: W. de Gruyter, 2004.

OTTO, Jorge. O Direito Penal e a Questão Social: Crítica e Propostas. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2004.

PAVARIN, Adolfo. O Delito e a Reabilitação: Um Estudo sobre Medidas Sociais e Educativas. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983.

PASSI, Edna. Direito Penal e Mediação de Conflitos. São Paulo: Editora Método, 2000.

QUINNEY, Richard. Class, State and Crime. New York: Longman, 1977. RODRIGUES, Carlos. A Participação da Sociedade Civil na Política Criminal. Brasília: Editora UnB, 2018.

SÁNCHEZ HERRERA, Esiquio Manuel. Derecho penal y autopoiesis: Reflexiones acerca de los Sistemas Penales Sociológicos Cerrados. Revista Derecho Penal y Criminología, v. XXXIII, n. 94, p. 75-95, jan.-jun. 2012.

SÁNCHEZ HERRERA, Juan. Políticas Públicas e Justiça Criminal. São Paulo: Editora Lumen Juris, 2012.

SHECAIRA, Sérgio. Teoria do Crime e Política Criminal: A Contribuição de Cesare Beccaria. São Paulo: Editora RT, 2018.

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 7. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.

SOARES, Eduardo. Direito Penal e Política Criminal no Brasil: Uma Análise Crítica. São Paulo: Editora Atlas, 2019.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A Questão Penal e o Estado Penal. São Paulo: Editora RT, 1991.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; SLOKAN, Alejandro; ALAGIA, Alejandro. Direito Penal Brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2011. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; CARRIÓN, José; MANTOVANI, Fernando. Direito Penal: Teoria Geral do Delito. São Paulo: Editora Malheiros, 2011.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 2018.


1Acadêmica do curso Direito da Universidade Una Bom Despacho –MG. E-mail:
lauralacerda7@hotmail.com Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Direito da Una. 2024. Orientadora: Prof. Pauliana Maria Dias, Mestre em Direito Processual.

2Acadêmico do curso Direito da Universidade Una Bom Despacho – MG. E-mail: pedroabcardoso@hotmail.com. Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Direito da Una. 2024. Orientadora: Prof. Pauliana Maria Dias, Mestre em Direito Processual

3Orientadora, Mestre em Direito Processual