AS RELAÇÕES ENTRE VIOLÊNCIA DE GÊNERO, DIREITO SEXUAIS E FEMINICÍDIO NAS NARRATIVAS  PROCESSUAIS DO PODER JUDICIÁRIO: UMA ETNOGRAFIA DOCUMENTAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10016025


Suellen Iaskevitz Carneiro1


RESUMO

A presente pesquisa trata-se de uma etnografia documental realizada sobre processos de feminicídio de uma Vara Tribunal do Júri do Estado do Paraná no ano de 2022 na qual buscou compreender as relações entre violência de gênero e direitos sexuais nas narrativas processuais sobre feminicídio em uma organização judiciária do Estado do Paraná. Foram analisados 18 processos dos quais constatou-se que os crimes cometidos tinham como demarcadores de violência de gênero o tipo de lesão, a motivação em razão de ciúmes e traição e o não uso correto do nome social da vítima mulher trans. A violência sexual, por sua vez, veio demonstrada pela não aceitação do trabalho sexual da vítima, não aceitação da gravidez da vítima e a tentativa de ocultar estupros. Por fim, destaca-se: todos os casos estudados se traduziram em crimes de ódio, o que se amolda ao tipo penal e como o feminicídio, violência de gênero e direitos sexuais se entrelaçam entre si e a depender do momento, cada um deles exerce uma força específica, ora maior, ora menor, tudo com o fito de fazer com que o modelo já implementado se mantenha (patriarcado), incidindo sobre as mulheres, na autodeterminação e autonomia.

Palavras-chave: Feminicídio. Violência de gênero. Violência sexual. Administração judiciária. Etnografia documental.

RESUMEN

La presente investigación es una etnografía documental realizada sobre procesos de feminicidio de un Tribunal de Jurado del Estado de Paraná en el año 2022 en la que buscó comprender las relaciones entre violencia de género y derechos sexuales en las narrativas procesales sobre feminicidio en una organización judicial de el Estado de Paraná. Se analizaron dieciocho procesos, de los cuales se encontró que los delitos cometidos tenían como demarcadores de la violencia de género el tipo de lesión, la motivación por celos y traición y el uso incorrecto del nombre social de la mujer trans víctima. La violencia sexual, a su vez, quedó demostrada por la no aceptación del trabajo sexual de la víctima, la no aceptación del embarazo de la víctima y el intento de ocultar las violaciones. Finalmente, se destaca: todos los casos estudiados resultaron en delitos de odio, lo que conforma el tipo penal y cómo el feminicidio, la violencia de género y los derechos sexuales se entrelazan entre sí y dependiendo del momento, cada uno de ellos ejerce una fuerza específica, a veces mayor. , a veces más pequeños, todo ello con el objetivo de mantener el modelo ya implantado (patriarcado), centrándose en la mujer, en la autodeterminación y la autonomía.

Palabras clave: Femicidio. Violencia de género. Violencia sexual. Administración judicial. Etnografía documental.

ABSTRACT

The present research is a documentary ethnography carried out on femicide processes of a Jury Court of the State of Paraná in the year 2022 in which it sought to understand the relationships between gender violence and sexual rights in the procedural narratives about femicide in an organization court of the State of Paraná. Eighteen processes were analyzed, from which it was found that the crimes committed had as demarcation of gender violence the type of injury, the motivation due to jealousy and betrayal and the incorrect use of the social name of the trans woman victim. Sexual violence, in turn, was demonstrated by the non-acceptance of the victim’s sex work, non-acceptance of the victim’s pregnancy and the attempt to hide rapes. Finally, it is highlighted: all the cases studied resulted in hate crimes, which conforms to the criminal type and how femicide, gender violence and sexual rights intertwine with each other and depending on the moment, each of them exerts a specific force, sometimes greater, sometimes smaller, all with the aim of keeping the model already implemented (patriarchy), focusing on women, in self-determination and autonomy.

Keywords: Femicide. Gender violence. Sexual violence. Judicial administration. Documentary ethnography.

INTRODUÇÃO

A violência de gênero é um fenômeno que tem sido objeto de estudo em diferentes campos das ciências. Da Educação à Administração, assim como o Direito, diversas pesquisas têm enfatizado a necessidade não somente de discussões teóricas, mas de proposições de gestão que possibilitem prevenir, combater e responsabilizar agentes de tais ações.

De acordo com Saffioti (2015) a violência de gênero é um conceito amplo que envolve mulheres, crianças, adolescentes e todos os grupos sociais que constituem nossa sociedade. A violência de gênero constitui uma categoria da violência mais geral, envolvendo a violência familiar, intrafamiliar e a doméstica. (SAFFIOTI, 2015). Faz-se uso dessa violência quando a ideologia do patriarcado por si só não é o suficiente para manter o projeto de exploração-dominação masculina e “a execução do projeto de dominação-exploração da categoria social homens exige que sua capacidade de mando seja auxiliada pela violência” (SAFFIOTI, 2015, p. 115). Não obstante, é preciso considerar que essa violência não ocorre tão somente por meio de práticas físicas, mas, também, de práticas simbólicas e institucionais. No caso das instituições que atuam diretamente no combate às violências de gênero, a exemplo das organizações da segurança pública e do judiciário, dados revelam que estas também devem avançar em termos de combate destas práticas violentas em suas próprias estruturas.

 A violência de gênero para Saffioti (2001) é um conceito mais amplo abrangendo vítimas como mulheres, crianças e adolescentes de ambos os sexos. “No exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a conduta das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo menos, tolerância da sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio.” (SAFFIOTI, 2001, p. 115)

A violência de gênero deriva, portanto, das relações de poder entre homens e mulheres dentro da sociedade. Dentro das relações de gênero, a violência funciona como uma estratégia de manifestação do poder masculino e de conformação/dominação das mulheres. De acordo com a autora,

[…] No exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a conduta das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo menos, tolerância da sociedade para punir o que lhes apresenta como desvio. Ainda que não haja nenhuma tentativa, por parte das vítimas potenciais, de trilhar caminhos diversos do prescrito pelas normas sociais, a execução do projeto de dominação-exploração da categoria social homens exige que sua capacidade de mando seja auxiliada pela violência […] (SAFFIOTI, 2001, p.115)

Assim, a violência de gênero é um fenômeno onipresente em todas as sociedades que operam de acordo com a lógica patriarcal, porém apresentam especificidades contextuais em sua forma de manifestação. 

Acerca dos estudos da Administração do Judiciário, percebe-se que há poucos estudos sobre o assunto nas academias. Isso, por si só, demonstra a necessidade de estudos nessa área. Vale a pena destacar o pensamento do Professor Tomás de Aquino Guimarães, o qual afirma que: 

As decisões judiciais interferem nas relações sociais nas sociedades democráticas. Por um lado, os tribunais desempenham um papel importante, sendo necessário reconhecer que “os tribunais são instituições governamentais e os juízes são agentes da sociedade” (Garoupa & Ginsburg, 2015, p. 2). Por outro lado, os tribunais estão sujeitos a críticas quando, por exemplo, atuam como protagonistas na promoção de políticas, como tem feito o Supremo Tribunal Federal em questões políticas, de saúde, científicas, sociais e econômicas. Isso tem sido descrito como supremacia, onde o Supremo Tribunal Federal exerce poder sobre os tribunais inferiores, em detrimento dos demais poderes da república (Brigida & Verbicaro, 2020; Vieira, 2017). (GUIMARÃES, 2020, p. 3)

Guimarães afirma, ainda, que os tribunais precisam ser vistos como organizações, as quais são altamente institucionalizadas e legitimadas no sentido de que sua existência e funcionamento são dados como certos. E, embora sejam organizações institucionalizadas, não estando imunes à avaliações, críticas e demandas sociais e que as pesquisas neste campo “não são um objeto judicial de interesse apenas para o direito ou ciências jurídicas. Existem implicações gerenciais e substantivas dessas organizações na sociedade, e os estudos organizacionais e de administração pública não devem ser reticentes diante das oportunidades de contribuir para o aumento do conhecimento dessas questões”. (GUIMARÃES, 2020, p. 10)

Nesse sentido, considerando a violência de gênero como objeto de estudo na Administração e o judiciário como campo de estudos organizacionais, esse projeto de pesquisa pretende articular esses dois eixos para contribuir, tanto do ponto de vista teórico, quando de gestão, com a Administração judiciária a partir de uma perspectiva das análises organizacionais. Para tanto, faz-se necessário, inicialmente, definir nosso objeto de estudo. 

Há diferentes tipos de violências de gênero perpetradas contra mulheres e diversas delas acabam resultando em morte. Assim, casos de estupro, mutilação genital, tortura, escravidão, esterilização forçada, heterossexualidade compulsória e, até mesmo, cirurgias estéticas, sempre que ocasionarem a morte de uma ou mais mulheres, deverão ser categorizadas como feminicídio (CAPUTI; RUSSELL, 1992).

No Brasil, o feminicídio foi tipificado pela Lei 13.104/2015, que alterou o Código Penal, a fim de torná-lo uma qualificadora do crime de homicídio, sendo, portanto, submetido ao Tribunal do Júri. 

Como qualquer infração penal, os delitos dolosos contra a vida, quando ocorrem, são investigados pela polícia, no procedimento pré-processual, denominado inquérito policial. Encontradas provas suficientes da materialidade e da autoria, cabe ao Ministério Público oferecer denúncia (ou queixa, ao querelante, no caso de ação privada), inaugurando-se a fase da formação da culpa. Portanto, diante de um juiz togado, colhem-se provas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, garantias do devido processo legal (situação que inexistiu na fase do inquérito).

Finda essa instrução, que se assemelha ao procedimento comum, o juiz poderá avaliar a admissibilidade da acusação, ou seja, se é viável ou não enviar o caso à apreciação dos jurados, no Tribunal do Júri. A cautela é salutar, uma vez que o povo, quando chamado a julgar, não dará voto fundamentado, decidindo em sigilo o destino do réu, motivo pelo qual pode condenar, assim querendo, qualquer um. Por isso, antes que um processo seja oferecido à avaliação dos juízes leigos, há o crivo do magistrado togado. Este, por sua vez, tem a importante missão de filtrar os casos em que existem provas mínimas para que o Júri se reúna decidindo a sorte do acusado, separando os outros, em que fica evidente a carência de provas, devendo ser encerrada a instrução, até que novas provas surjam, se for o caso. (NUCCI, 2022, p. 474)

Apesar de existirem estudos sobre feminicídio e estereótipos de gênero, são escassas as pesquisas que relacionam esses eixos de estudo aos debates sobre direitos reprodutivos e sexuais, sobretudo na Administração e na organização da Justiça, o que demonstra a potencialidade e relevância da pesquisa proposta, tanto do ponto de vista da interdisciplinaridade quanto do preenchimento de lacunas sobre a temática.

Sendo assim, o problema de pesquisa que orienta esse estudo é: Como se configuram as relações entre violência de gênero e direitos sexuais nas narrativas sobre feminicídio em organizações no sistema Judiciário brasileiros?

Para responder a essa pergunta de pesquisa foi realizada uma etnografia documental nos processos de feminicídio que tramitaram em um Tribunal do Júri localizado no estado do Paraná no período de 2015 a março de 2022, a fim de compreender as relações entre violência de gênero e direitos sexuais nas narrativas sobre feminicídio em uma organização judiciária do estado do Paraná. Além disso, será conceituado e historicizado o crime de feminicídio; será realizada a explanação de como é feito o julgamento do crime estudado; demonstrada a evolução da legislação brasileira no que tange aos crimes praticados contra mulher; conceituação de violência de gênero sob a perspectiva de Helleith Saffioti. Por fim, pretende-se demonstrar a importância dos estudos da Administração no Judiciário e a possibilidade e necessidade da interseccionalidade nas pesquisas a serem realizadas na área.

PERCURSO METODOLÓGICO

Essa pesquisa se caracteriza como sendo de natureza qualitativa. Além disso, também se trata de um estudo exploratório, pois, de acordo com Theodorson e Theodorson (1970, p. 20).

Em relação ao campo de pesquisa, este será realizado em um Tribunal do Júri. A escolha desta organização para a realização desta pesquisa visa contribuir com o campo de estudos da Administração judiciária que é um campo de pesquisa na área de Administração, especialmente dos Estudos Organizacionais, que ainda precisa ser desenvolvido.

Para Latour (1993) uma organização judicial pode ser etnografada como qualquer outra. Cada organização é uma configuração particular de atores, sendo que atores podem ser humanos, mas também artefatos, escritas ou outros objetos criados. Latour (2010), ao realizar uma etnografia no Conselho do Estado Francês destaca a circulação dos atos processuais e seus elementos materiais (carimbos, textos e, sobretudo documentos) como matéria prima que transporta o direito no Conselho. Os documentos são como “ferramenta de inscrição”, permitindo a construção de verdades epistemológicas, devido ao seu caráter “móvel”, ainda que igualmente imutável e combinável. Assim, os documentos são, portanto, constitutivos do próprio tribunal. Não apenas seu conteúdo, mas também a forma gráfica, a disposição e organização das informações tornam os documentos reconhecíveis e transformáveis.

Gupta (2012) descreve como estes documentos ou escritos burocráticos importam para as pessoas através de suas formas e práticas, e não apenas por aquilo que a escrita contém, e que uma evidência disso seria a forma instrumental do estado através desses documentos em pessoas iletradas, que não seriam afetadas primeiramente pelo conteúdo do texto, mas por sua forma e prática. 

De fato, a principal tarefa dos funcionários do Estado é escrever. Funções de escrita para anotar, registrar e relatar. No entanto, seria um erro ver a escrita como aquilo que segue a ação. Não é como se as discussões, inspeções, observações e levantamentos fossem, em seguida, anotar o que acontece no curso dessas ações. Em vez disso, a escrita em si precisa ser vista como a atividade central das burocracias (GUPTA, 2012, p. 149).

Os documentos deixam de ser considerados meros instrumentos de racionalização e passam a ser artefatos performadores das mais variadas relações e/ou objetos governamentais.

As etnografias se debruçam sobre discursos e práticas e possibilitam uma “equação compreensiva entre igualdade e diferença, em sua normatividade” (FELTRAN, 2010c, p. 578). 

Sendo assim, o objeto de estudo desta etnografia é os processos de feminicídios tramitados no Tribunal do Juri que constitui o campo desta pesquisa. Entendemos que estes processos são documentos que, ao serem analisados, podem evidenciar como, historicamente, violência de gênero e direitos sexuais são articulados no que se tem denomina de feminicídio no campo do judiciário brasileiro, pois as narrativas produzidas com os processos são relatos e experiências de como gênero é e tem sido produzido em nossa sociedade, o que inclui o campo do judiciário.

A pesquisa ocorreu na seguinte sequência: (i) coleta de casos de feminicídio e narrativas referente ao feminicídio nos processos que tramitam na Vara Plenário do Tribunal do Júri, por meio do acesso ao Portal de serviços online do Tribunal de Justiça do Paraná de processos criminais de feminicídio; (ii) seleção de casos para desenvolvimento da pesquisa para a composição do corpus de análise; (iii) análise dos materiais produzidos com o desenvolvimento do estudo.

Utilizamos os seguintes documentos que compõe os processos: portarias, ofícios, boletins de ocorrência, auto de exibição e apreensão, termos de declaração, relatórios de investigação, laudos (de local, cadavérico, balística, dentre outros que se fizerem necessários); pareceres do Ministério Público; termos de inquirição de testemunhas; mandados de prisão; comunicados; ofícios, certidões, decisões, sentenças, acórdãos, petições, fichas funcionais, cartas precatórias, mandados de intimação, e demais documentos inominados presentes nos autos dos processos.

Além de documentos comumente produzidos ao longo de um processo judicial e administrativo foram analisados: reportagens jornalísticas, avisos afixados nos corredores do fórum, registros impressos oriundos de referências ao caso em redes sociais (realizada principalmente nas páginas de notícias locais), fragmentos de processos referentes a outros casos, a legislação e a doutrina citadas nos documentos produzidos diretamente pelos operadores do direito atuantes no caso, informativos e julgados do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

RESULTADO DA PESQUISA

Nesse tópico serão demonstrados os dados obtidos na pesquisa: principais características do agressor, as principais características da vítima e as principais características do crime. Nesse estudo, para as discussões da caracterização da vítima foram utilizadas as categorias: 1) estado civil da vítima, 2) idade da vítima e, 3) profissão. Vale a pena destacar que os dados relacionados às vítimas são menos detalhados que os dados constantes em relação ao agressor, razão pela qual diversos dados como cor, escolaridade, dentre outros não foram possíveis serem levantados.

Para caracterização ‘do agressor’, as categorias utilizadas para a sua construção são estruturadas a partir de elementos sóciodemográficos. Estas categorias são utilizadas pelo Sistema judiciário para caracterizar o que se denomina de “perfil” sociodemográfico do agressor. A partir destes determinantes que políticas públicas de segurança pública, por exemplo, são definidas. As categorias utilizadas são: 1) cor/raça; 2) idade; 3) escolaridade; 4) idade que começou a trabalhar e, 5) vícios. Além dos gráficos há a informação de residência, se rural ou urbana, e religião. 

Com relação crime, há seis categorias utilizadas para a sua categorização: a) relacionamento com a vítima, uma vez que a literatura aponta para uma proximidade parental neste tipo de crime; b) local do crime, podemos observar uma síntese do que foi apontado acima, relacionando os espaços públicos/privados com a representação masculino/feminino; c) motivação, uma vez mais apontando para os laços que ligam vítima e agressor; d) meios utilizados, registra a grande quantidade e heterogeneidade desses objetos (armas) associando-os ao estado emocional do agressor; e) dias de semana e, e) horário, estes dois últimos a fim de relacionar a inexistência de dia ou semana para o cometimento do feminicídio. Essas categorias também são as utilizadas pelo Sistema judiciário para a caracterização de um crime. 

Os dados colhidos foram submetidos à análise estatística descritiva tendo as categorias sociodemográficas apresentadas no início dessa seção como base de sistematização destas informações. Para preservar a identidade das partes e envolvidos no processo, os nomes utilizados serão fictícios e outros dados (qualquer dado que possa identificar ou individualizar pessoas) serão omitidos. Após o levantamento dos dados, foram obtidos os seguintes resultados com relação aos agressores:

Figura 1. Dados dos Agressores.

Diagrama
Descrição gerada automaticamente

Fonte 1. Da Pesquisa (2023).

Inicialmente destaco que os dados (ao considerar cor/raça) acabam por refletir os dados indicados pelo IBGE de que a cidade estudada é majoritariamente constituída por brancos, sendo que os brancos representam 78,66 % da população da localidade pesquisada. Entretanto, historicamente, os homens brancos não são considerados como homens violentos em nosso país, o que causa estranheza, especialmente se considerarmos a cultura do patriarcado, herdado da colonialidade do poder de vida e de morte impresso e disseminado sobre os corpos colonizados nas relações baseadas na moral cristã e neoliberal. Violências acontecem de inúmeras formas e são sustentadas pela lógica maniqueísta de diferenciação entre um “eu” – cuja referência é o homem branco, cristão, heterossexual e capitalista – e o “outro”, herdeiro de uma subontologia: “alguns seres estão abaixo de outros seres” (MALDONADO-TORRES, 2019, p. 36-41)

Sueli Carneiro ao tratar de violência contra a mulher afirma que “Os estudos sobre o tema revelam, também, que a maioria de agressores e vítimas são homens e mulheres brancos, quando tomamos como fonte os registros das instituições públicas de assistência às vítimas” (CARNEIRO, 1995, p. 11)

Resta evidente, também, que os homens mais novos são maioria na prática do crime de feminicídio (tentado ou consumado), dado que se coaduna com os números do país. A população carcerária do Brasil é relativamente jovem. De acordo com a Lei 12.852 de 05 de agosto de 2013 – Estatuto da Juventude são considerados jovens pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade. 

Com relação ao grau de escolaridade, depreende-se que 9 dos 19 agressores disseram possuir apenas o 1º grau incompleto (termo usado nos interrogatórios prestados na Delegacia de Polícia e aqui replicados), em contrapartida nenhum dos agressores indicaram possui ensino Superior, apenas 2 afirmaram que possui 3º grau incompleto

Acerca da relação de violência, renda e desemprego Saffioti afirma que homens foram criados para serem fortes, não foram feitos “para falhar” e quando falham, neste caso falham no dever de manutenção de sua prole, sendo o sentimento de impotência gerador de violência (SAFFIOTI, 2015, p. 38).

Para Saffioti, aos homens sempre lhes coube prover as necessidades materiais da família, sendo que este papel de provedor constitui o elemento de maior peso na definição da virilidade. Assim, “homens que experimentam o desemprego por muito tempo são tomados por um profundo sentimento de impotência, pois não há o que eles possam fazer.” (2015, p. 38) tal sentimento de impotência é gerador de violência, bem como pode resultar em impotência sexual. “Disto decorrem, de uma parte, homens prontos para a transformar a agressividade em agressão, e mulheres, de outra parte, sensíveis, mas frágeis para enfrentar a vida competitiva” (SAFFIOTI, 2015, p. 39)

Apenas 1 reside na zona rural, todos os demais indicaram residir na zona urbana. Acerca da violência urbana Lira e Monteiro (2017) afirmam que é na cidade que a violência ocorre com maior vigor

A violência não se distribui de forma homogênea no território. A literatura especializada indica que violência de todos os aspectos e motivos também ocorrem nas zonas rurais. Porém, é na cidade que os desentendimentos interpessoais aparecem com maior vigor, talvez pela própria estrutura centralizadora e concentradora que o meio urbano apresenta. A violência revela-se imbricada a fatores da (des)ordem urbana ao ponto de permitir diferenciar o que se chama de violência urbana. (LIRA E MONTEIRO, 2017, p. 246)

Além disso, é essencial pensar que As cidades nunca foram pensadas para as mulheres. Ser um corpo generificado no espaço é ser atravessado por diversas questões que resultam em como será a experiência urbana.” (MARQUES, 2022, s.p.).  Para Kern (2021), ser mulher nos espaços da cidade é um desafio e, ao pensar pela ótica racial, a autora demonstra que existem ainda mais dificuldades que os sujeitos racializados enfrentam, os corpos racializados estão em constante alerta, na medida em que são vistos como ameaça e isso os torna alvo de desconfiança e da polícia.

Há, ainda, o fato de que o direito da mulher estar sozinha na cidade não é algo natural na experiência urbana das mulheres, “a cultura do estupro nos ensina que estar sozinha em público é estar aberta para sofrer uma ameaça de violência sexual e, portanto, a vigilância faz parte da experiencia de estar sozinha na cidade para a maioria das mulheres” (KERN, 2021, p.156). Apenas em dois interrogatórios foi possível perceber a indicação de religião dos agressores, sendo que em ambos os agressores disseram católicos.

Assim, tem-se que perfil de agressor encontrado foi de: homens brancos, com até trinta anos de idade, de baixa escolaridade (ensino fundamental completo), sem vícios, residentes na zona rural e todos tinham algum tipo de relacionamento com a vítima.

Os dados utilizados nessa subseção para a caracterização das vítimas são decorrentes de duas fontes documentais nos processos: termos de Depoimento (quando as vítimas sobreviveram) e dos laudos de necropsia (quando mortas). Assim, como no caso do interrogatório apresento anexo modelo de termo de depoimento prestado na Delegacia de Polícia e Laudo de Necropsia.

Figura 2. Dados das vítimas.

Gráfico
Descrição gerada automaticamente com confiança média

Fonte 2. Da Pesquisa (2023).

Dentre as vítimas de feminicídio constatou-se que apenas uma mulher era transexual. Com relação às demais vítimas não houve a indicação de identidade de gênero. A transexualidade, neste caso, foi utilizada como uma qualificadora do corpo da vítima, visto ela se deslocar da expectativa de normalização de gênero na sociedade. Por isso, a qualificação de cisgeneridade não ser descrita ao longo do processo 

Ao total são 23 vítimas mulheres. O número se torna maior do que o número de processos porque há processos em que o número de vítimas é maior do que uma, ou seja, praticado no mesmo momento e mesmas circunstâncias contra mais de uma pessoa. 

Tais mulheres possuem idade de 12 a 60 anos e o número de vítimas é maior entre as mulheres de 20 a 39 anos. A vítima mais nova possui 12 anos de idade, considerada adolescente pelo Estatuto da Criança e Adolescente – ECA, o qual prevê que é adolescente a pessoa que possui entre 12 e 18 anos de idade.

Com relação ao grau de escolaridade das vítimas tem-se que 3 eram estudantes universitárias, uma possuía o ensino médio completo e uma analfabeta. Não foi possível levantar a escolaridade das demais vítimas, diante da ausência de informações a respeito nos autos. Outro ponto que chama a atenção é o fato de que em muitos processos inexistem a informação da raça e da cor da vítima, sendo que naqueles que possuem somente é possível encontrar tal informação no laudo de lesão corporal ou laudo de necropsia.

Com relação à profissão das vítimas, a maioria das vítimas não tiveram sua ocupação/profissão informadas, daquelas informadas a maioria são dona de casa (termo usado na Delegacia de Polícia para qualificação). 

Nesse ponto podemos fazer correlação da ausência de indicação de profissão da vítima nos processos pesquisados, ou, ainda, a indicação, em sua grande maioria, como sendo as vítimas donas de casa com a afirmação de Saffioti (1973, p. 130) no sentido de que a mulher possui quatro papéis sociais fundamentais: produção, sexualidade, reprodução e socialização da geração imatura. 

O sexo enquanto condição que permite a vivência de papéis no terreno da reprodução e da sexualidade, como funções não necessariamente vinculadas, e no da socialização dos imaturos, enquanto atribuição social feminina, atua, de uma parte, como mediador na constituição de trabalhadoras, assim como interfere, de outra parte, na própria diferenciação da categoria de trabalhadoras (SAFFIOTI, 1976, p. 131)

O sexo, portanto, é elemento que serve como meio de regulação do grau e qualidade da absorção da força de trabalho feminino. “A produção constitui, pois, o momento determinante em última instância da condição social da mulher” (SAFFIOTI, 1976, p. 131)

É evidente que o desempenho de funções no lar também apresenta um caráter econômico na medida em que equivale a uma certa poupança, devendo, pois, ser acrescida ao orçamento familiar. Contudo, as funções domésticas, embora de natureza econômica, inibem a determinação da mulher como pessoa economicamente independente que deveria ser na sociedade individualista de padrão urbano-industrial capitalista. (SAFFIOTI, 1976, p. 151)

Para a autora, o emprego de mão de obra feminino quando determinado por pretensões de mobilidade social ascendente, vincula-se muito mais à concretização das possibilidades de ascensão dos membros masculinos da família do que da própria mulher (SAFFIOTI, 1976, p. 152-153). Aprofundando, ainda mais, o tema, Saffioti (1987) afirma que os afazeres domésticos não são considerados trabalho propriamente ditos, mas tão somente atividades de manutenção do trabalho legítimo e possui tal caráter diante da tradição e costumes atribuídos ao papel da mulher na sociedade.

Os afazeres domésticos não são considerados trabalhos por se tratar de atividades de manutenção das condições para a realização do legítimo trabalho; este sim, verdadeiramente produtivo, posto que se consubstancia em produtos com valor monetário. Além disso, esse trabalho é pago por meio de salário e realizado no domínio público […] O ocultamento das tarefas domésticas não parecem ser unicamente uma discriminação contra o trabalho realizado dentro do lar. Essencialmente, diz respeito à tradição e aos costumes da sociedade em relação ao papel feminino, ao qual secularmente foi atribuído o exercício dessas atividades. Seu lugar legítimo continua sendo referido ao lar. (SAFFIOTI, 1987, p. 46)

Nesse mesmo sentido Davis (2016) afirma que as tarefas exercidas pela dona de casa não são reconhecidas e são invisíveis, uma vez que são vistas como algo natural à mulher e seu papel. Assim como as obrigações maternas de uma mulher são aceitas como naturais, seu infinito esforço como dona de casa raramente é reconhecido no interior da família. As tarefas domésticas são, afinal de contas, praticamente invisíveis: “Ninguém as percebe, exceto quando não são feitas – notamos a cama desfeita, não o chão esfregando e lustrado”. Invisíveis, repetitivas, exaustivas, improdutivas e nada criativas – esses são os adjetivos que melhor capturam a natureza das tarefas domésticas. (DAVIS, 2016, p. 236)

Assim, “a sociedade investe muito na naturalização deste processo. Isto é, tenta fazer crer que a atribuição do espaço doméstico à mulher decorre da sua capacidade de ser mãe” (SAFFIOTI, 1987, p. 9), ou seja, “é natural que a mulher se dedique aos afazeres domésticos, aí compreendida a socialização dos filhos, como é natural sua capacidade de conceber e dar à luz.” (SAFFIOTI, 1987, p. 9)

Segundo Engels, ” (…) o trabalho doméstico das mulheres perdia agora sua importância, comparado ao trabalho produtivo do homem; este trabalho passou a ser tudo, aquele, uma insignificante contribuição.” (Engels, 1979, p.182). “A forma mais significativa da divisão sexual do trabalho é a que se faz entre o trabalho doméstico […] e o trabalho assalariado pelo capital” (BOTTOMORE, 2001, p. 384) A ideologia capitalista atribui, assim, um papel social para a mulher, que define seu trabalho, inclusive ao tratar as tarefas domésticas como não trabalho, e ao colocá-la enclausurada na esfera reprodutiva ensinada e atribuída à mulher como condição natural, sendo vítima de superexploração.

Outro ponto importante é de que em apenas um processo constou como profissão que a vítima era estudante, ainda que em outros dois processos indicassem que as vítimas eram estudantes do ensino superior, no decorrer do processo, especialmente na oitiva de testemunhas há a informação de que as vítimas cursaram curso de nível superior.

Assim, como no caso dos agressores, apenas uma vítima residia na zona rural. Todas as demais residiam na zona urbana. Com relação à cor das vítimas 5 eram brancas, 1 era parda e as demais não tiveram a cor/raça definida nos autos. Assim como nos agressores, o número de pessoas brancas se sobrepõe às demais. Neste ponto vale a pena salientar que a pesquisadora usou os dados trazidos pelo documento processual, se abstendo de indicar cor, raça ou gênero se não constante nos processos pesquisados, mas constasse, por exemplo, em reportagens ou veículos de comunicação, quando o crime apresentava esse tipo de repercussão social.

Não foram encontrados dados formais como renda, vícios, idade com que as vítimas começaram a trabalhar, conforme apresentado em relação aos agressores. Assim, o perfil das vítimas é de: mulheres brancas, com idade de 20 a 39 anos, residentes na área urbana.

No que tange às características dos feminicídios estudados, temos o seguinte panorama:

Figura 3. Dados dos Crimes.

Diagrama
Descrição gerada automaticamente

Fonte 3. Da Pesquisa (2023).

Os dados identificados nas denúncias para delinear as características dos crimes constantes nos processos estudados são: Local do crime, instrumento utilizado, motivação, horário, dia de semana em que o crime ocorreu e relacionamento do agressor com a vítima.

Inicialmente depreende-se que o agressor em todos os processos estudados tinha ou teve algum tipo de relacionamento com a vítima, seja familiar ou amoroso. Depreende-se ainda, que na maioria dos casos, o agressor era companheiro da vítima, ou seja, agressor e vítima ainda mantinham o relacionamento quando da perpetração do crime.

No livro o Segundo Sexo, Simone de Beauvoir inicia o capítulo intitulado A mulher casada afirmando que “o destino que a sociedade propõe tradicionalmente à mulher é o casamento” (1967, p. 165). A autora defende, também, que homens e mulheres possuem diferentes posições dentro de um casamento, sendo que à mulher a posição dada não lhe assegura qualquer dignidade.

O casamento sempre se apresentou de maneira radicalmente diferente para o homem e para a mulher. Ambos os sexos são necessários um ao outro, mas essa necessidade nunca engendrou nenhuma reciprocidade; nunca as mulheres constituíram uma casta estabelecendo permutas e contratos em pé de igualdade com a casta masculina. Socialmente, o homem é um indivíduo autônomo e completo; ele é encarado antes de tudo como produtor e sua existência justifica-se pelo trabalho que fornece à coletividade. Vimos por que razões o papel de reprodutora e doméstica em que se confinou a mulher não lhe assegurou igual dignidade. (BEAUVIOR, 1967, p. 166)

Ao tratar sobre essa submissão no casamento, Saffioti afirma que “o casamento é um contrato, que dá ao homem o título de patriarca e o direito de exercer seu domínio.”

Carole Pateman, em sua obra Contrato Sexual (1993) afirma que o contrato do casamento além de um contrato social é também um contrato sexual segundo o qual há a fruição de liberdade do homem e a sujeição pela mulher

O contrato sexual é um pacto sexual-social, mas a história do contrato sexual tem sido sufocada. As versões tradicionais da teoria do contrato social não examinam toda a história e os teóricos contemporâneos do contrato não dão nenhuma indicação que metade do acordo está faltando. A história do contrato sexual também trata da gênese do direito político e explica por que o exercício desse direito é legitimado, porém, essa história trata o direito político enquanto direito patriarcal ou instância do sexual – o poder que os homens exercem sobre as mulheres. A metade perdida da história conta como uma forma caracteristicamente moderna de patriarcado se estabelece. A nova sociedade civil criada através do contrato original é uma ordem social patriarcal (PATEMAN, 1993, p. 15-16)

Segundo Pateman, as sufragistas do século XIX enfrentaram apenas a ideia de que o espaço privado não seria a única esfera a que a mulher deveria ter acesso, ressaltando terem negligenciado a consideração do espaço doméstico como o lugar feminino por excelência (PATEMAN, 1993, p.267).

A dominação dos homens sobre as mulheres e o direito masculino de acesso sexual regular elas estão em questão na formação do pacto original. O contrato social é uma história de liberdade; o contrato sexual é uma história de sujeição. O contrato original cria ambas, a liberdade e a dominação. A liberdade do homem e a sujeição da mulher derivam do contrato original e o sentido da liberdade civil não pode ser compreendido sem a metade perdida da história, que revela como direito patriarcal dos homens sobre as mulheres é criado pelo contrato. A liberdade civil não é universal – é um atributo masculino e depende do direito patriarcal.(…) O pacto original é tanto contrato sexual quanto social; é sexual no sentido de patriarcal – isto é, o contrato cria o direito político dos homens sobre as mulheres –, e também sexual no sentido do estabelecimento de um acesso sistemático dos homens aos corpos das mulheres. (PATEMAN, 1993, p.16-17).

Nesse ponto, a família estaria no centro da desvalorização cultural e da dependência econômica vinculada aos papéis tradicionais de gênero, sob o manto do privado e as mulheres acabam sendo o próprio objeto do contrato, o qual permite que os “homens transform[e]m seu direito natural sobre as mulheres na segurança do direito patriarcal civil” (PATEMAN, 1993, p. 21).

A possibilidade de exploração advém do fato de que tais contratos transferem o direito de controle para as mãos de apenas uma parte do contrato, o homem/marido. (PATEMAN, 1993, 24). Tal contrato envolve a submissão pessoal em que uma parte aliena seus direitos e concede o controle deles ao outro. Há uma suposta entrega da autonomia e perda da posição de efetivamente exercer tais direitos.

A fórmula do contrato permite a legitimação das relações interpessoais de subordinação porque está assentada no individualismo possessivo. A mulher ou o trabalhador podem abrir mão de uma boa parte de sua autonomia, em troca do salário ou da proteção do marido, porque se julga que são “proprietários de si mesmos” e, portanto, podem alienar direitos como se alienam propriedades externas (MIGUEL, 2017, p. 05).

Pateman revela que

A história do contrato sexual explica por que uma assinatura, ou mesmo um ato verbal, é insuficiente para validar um casamento. O ato que sela o contrato, é – significativamente – chamado de ato sexual. Somente depois de o marido ter exercido seu direito conjugal é que o contrato de casamento se consuma. (PATEMAN, 1993, pg. 245)

A autora ainda relaciona o contrato de casamento com o contrato de prostituição e argumenta que, “na estrutura da instituição da prostituição, as ‘prostitutas’ estão submetidas aos ‘clientes’, exatamente como as ‘esposas’ estão submetidas aos ‘maridos’, na estrutura do casamento” (PATEMAN, 1993, p. 286), A prostituição é, portando também uma forma de dominação sexual das mulheres pelos homens.

Assim, a subordinação da mulher está inserida no contrato sexual pelo qual ela perdeu sua autonomia, mesmo na prostituição, cujo ato sexual parece ser voluntário, ele não o é. A sujeição está alicerçada na falta de qualificação intelectual e profissional a que as mulheres estão mais sujeitas do que os homens em razão do papel que esperam que ela exerça no ambiente privado, voltado para o cuidado dos considerados vulneráveis (crianças e idosos) e as tarefas domésticas diárias.

Conforme Saffioti,

As violências física, sexual, emocional e moral não ocorrem isoladamente. Qualquer que seja a forma assumida pela agressão, a violência emocional está sempre presente. Certamente, se pode afirmar o mesmo para a moral. O que se mostra de difícil utilização é o conceito de violência como ruptura de diferentes tipos de integridade: física, sexual, emocional, moral. Sobretudo em se tratando de violência de gênero, e mais especificamente intrafamiliar e doméstica, são muito tênues os limites entre quebra de integridade e obrigação de suportar o destino de gênero traçado para as mulheres: sujeição aos homens, sejam pais ou maridos. Desta maneira, cada mulher colocará o limite em um ponto distinto do continuum entre agressão e direito dos homens sobre as mulheres. Mais do que isto, a mera existência desta tenuidade representa violência. Com efeito, paira sobre a cabeça de todas as mulheres a ameaça de agressões masculinas, funcionando isto como mecanismo de ordem social, cada mulher o interpretará singularmente. Isto posto, a ruptura de integridades como critério de avaliação de um ato como violento situa-se no terreno da individualidade. (SAFFIOTI, 2015, p. 79-80)

É possível afirmar que toda a violência praticada por um homem contra uma mulher, em razão da condição desta, decorre de um comportamento forjado por meio de acordos sociais, notadamente no contrato sexual. É o contrato sexual que estabelece os papéis de vítima e de algoz.

Conforme Pateman,

O contrato sexual nunca é mencionado. Ele é uma dimensão suprimida da teoria do contrato, uma parte integrante da opção racional pelo conhecido acordo original. O contrato original, como em geral é entendido, é apenas uma parte do ato da gênese política descrito nas páginas dos teóricos do contrato clássico dos séculos XVII e XVIII. (PATEMAN, 1993, p. 11)
Ainda segundo a autora, “O contrato original é um pacto sexual-social, mas a história do contrato sexual tem sido sufocada” (PATEMAN, 1993, p. 15), bem como “a construção patriarcal da sexualidade, e do que significa ser um indivíduo sexuado, é possuir e ter acesso à propriedade sexual” (PATEMAN, 1993, p. 272)

Nesse ponto destaco Engels que ao tratar da família monogâmica afirma que 

Em sua origem, a palavra família não significa o ideal – mistura de sentimentalismo e dissensões domésticas – do filisteu de nossa época; – a princípio, entre os romanos, não se aplicava sequer ao par de cônjuges e aos seus filhos, mas somente aos escravos. Famulus quer dizer escravo doméstico e família é o conjunto dos escravos pertencentes a um mesmo homem. Nos tempos de Gaio, a família ‘id est patrimonium’ (isto é, herança) era transmitida por testamento. A expressão foi inventada pelos romanos para designar um novo organismo social, cujo chefe mantinha sob seu poder a mulher, os filhos e certo número de escravos, com o pátrio poder romano e o direito de vida e morte sobre todos eles. “A palavra não é, pois, mais antiga que o férreo sistema familiar das tribos latinas, que nasceu ao introduzirem-se a agricultura e a escravidão legal, depois da cisão entre os gregos e latinos arianos.” E Marx acrescenta: “A família moderna (…) encerra, em miniatura, todos os antagonismos que se desenvolvem, mais adiante, na sociedade e em seu Estado. (Engels, 1979, p. 61)

Assim, a família como conhecemos não surge do resultado do amor, mas como a propriedade patriarcal de tudo o que é doméstico. 

A monogamia teve como pretensão assegurar os direitos do homem sobre a propriedade, para isso passa a exigir a “[…] fidelidade da mulher e, por conseguinte, a paternidade dos filhos, aquela é entregue, sem reservas, ao poder do homem: quando este a mata, não faz mais do que exercer o seu direito.” (ENGELS, 2000, p. 62).

A monogamia foi pensada com a finalidade de perpetuar o poder masculino na sociedade, poder este que iniciou no ambiente familiar, estendendo-se ao ambiente público. A monogamia não surgiu como forma de reconciliação entre o homem e a mulher, nem “[…] como a forma mais elevada de matrimônio. Pelo contrário, ela surge como forma de escravização de um sexo pelo outro, como proclamação de um conflito entre os sexos […]” (ENGELS, 2000, p. 70). Ainda, como afirma o autor, “A primeira divisão do trabalho é o que se faz entre o homem e a mulher para a procriação dos filhos.” (ENGELS, 2000, p. 70). Tal divisão repercutiu para a divisão da sociedade em classes sociais.

As relações de poder que se estabelecem entre o homem e a mulher na família monogâmica podem ser entendidas como um antagonismo de classes, 

[…] o primeiro antagonismo de classe que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia e a primeira opressão de classe coincide com a opressão do sexo feminino pelo sexo masculino. A monogamia foi um grande progresso histórico, mas, ao mesmo tempo, ela abre, ao lado da escravatura e da propriedade privada, a época que dura ainda hoje, onde cada passo para frente é ao mesmo tempo um relativo passo atrás, o bem-estar e o progresso de uns se realizam através da infelicidade e do recalcamento de outros. (ENGELS; LENIN; MARX, 1980, p. 22-23).

O Estado é quem regulamenta as relações entre os indivíduos, as relações entre proprietários e produtores. Trata-se aqui da mulher como produtora da força de trabalho e como força de trabalho. No momento em que a sociedade se torna monogâmica, definitivamente está instaurado o poder masculino sobre a mulher, tendo como seu aliado o Estado, representando a força de coesão, que age em favor da classe dominante em detrimento da classe dominada. Para Engels (2000), em todos os períodos históricos, o Estado sempre representou os interesses da classe dominante, destinado a oprimir a classe oprimida e explorada. O Estado é tão masculino, que na sociedade civilizada, o homem, mesmo depois de morto, tem poder de determinação sobre seus bens mediante o testamento.

Engels afirma, ainda, que a única forma de conceder liberdade à mulher num casamento será com a supressão da produção capitalista e condições de propriedade criadas por ela

O matrimônio (…) só se realizará com toda liberdade quando, suprimidas a produção capitalista e as condições de propriedade criadas por ela, forem removidas todas as considerações econômicas acessórias que ainda exercem uma influência tão poderosa na escolha dos esposos. Então, o matrimônio já não terá outra causa determinante que não a inclinação recíproca. (Engels, 1979:89)

Depreende-se, também, que depois dos companheiros o maior número de agressores são os ex-companheiros (aqueles que não mais possuem relacionamento com a vítima), seguidos de genros, os quais em geral mataram ou tentaram matar suas sogras porque elas intervieram nas agressões que ocorriam contra suas filhas. Há, ainda, um caso de tentativa de feminicídio com estupro de vulnerável (praticado contra menor de 14 anos) por tio1 (ex-companheiro da tia da vítima).

Para Saffioti, “uma vez casada, de jure ou de facto, a mulher constitui propriedade do homem, devendo estar, como qualquer objeto mulher-objeto, sexualmente disponível para seu companheiro” (SAFFIOTI, 1994, p. 152).

O patriarcado encontra-se intimamente ligado à apropriação masculina do corpo da mulher pelo homem. “Neste regime, as mulheres são objetos de satisfação sexual dos homens, reprodutoras de herdeiros, de força de trabalho e novas reprodutoras” (SAFFIOTI, 2015, p. 105). Assim sendo, a mulher é uma propriedade a ser possuída pelo homem, assim como uma de suas riquezas acumuladas.

E exploração e dominação e dominação perpassa por diversas esferas da vida da mulher incluindo sua capacidade reprodutiva, pois a sexualidade da mulher é controlada pela figura masculina. “Seja para induzir as mulheres a ter grande número de filhos, seja para convencê-las a controlar a quantidade de nascimento e o espaço de tempo entre filhos, o controle está sempre em mãos masculinas […]” (SAFFIOTI, 2015, p. 106). Tendo sido tirada sua capacidade de comandar a própria vida ou tomar suas próprias decisões.

Tal situação é visível no processo estudado em que o agressor tentou matar a companheira porque ela não aceitou provocar aborto do filho que estava esperando dele. Assim, os direitos sexuais e reprodutivos da mulher encontram-se sobre o cativeiro dos homens, sendo que o acesso e o uso possuem regras estipuladas pelo patriarcado.

Nesse contexto, os direitos sexuais (aqui vistos como aqueles direitos que se configuram como  a  liberdade  e  capacidade  para  desfrutar  a  sexualidade  a  partir  da  ética  pessoal,  sem  ter presente a culpa e outros fatores que venham a enfraquecer as relações sexuais), bem como os direitos reprodutivos (que  envolvem  o  direito  ao  acesso  à  saúde  reprodutiva  e  sexual,  incluindo benefícios  científicos,  o  direito  à  liberdade  e  à  segurança,  a  autoderminação  e  a  liberdade  de escolha da maternidade, a não discriminação e o respeito às escolhas feitas), são constantemente controlados,  violados  e  restringidos  às  mulheres.

O local do crime em sua grande maioria é praticado no interior de residências, seja no lar comum do casal ou na residência da vítima. Poucos foram os casos de feminicídio praticados em local público ou local de trabalho da vítima. Este último registrou apenas 1 caso, sendo importante destacar que se tratava de local de trabalho em que vítima e agressor trabalhavam juntos, uma vez que eram sócios do local.

Assim, temos que a casa, símbolo de proteção, na verdade é um ambiente facilitador da prática do feminicídio por estar protegido pela tutela  jurídica da privacidade e intimidade.

De acordo com Sabadell (2005, p.  8)

Os estudos estatísticos indicam que no aspecto privado produzem-se graves violações  dos  direitos fundamentais   das   mulheres. Uma parte significativa da socialização e atuação das mulheres desenvolve-se neste espaço, o qual permanece fora do alcance efetivo das normas que protegem, por sua vez, os espaços públicos, o que acaba por garantir a ‘privacidade’ dos homens.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, a residência é o local em que as mulheres são mais vítimas de feminicídio. 65,6% do total de crimes cometidos foi realizado na residência. (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2022)

Bucher (2003, p. 171) afirma que “é neste espaço da vida familiar que se desenvolvem, também, os sentimentos de injustiça, de opressão, de sofrimento, de ameaças e de tristeza”. É dentro de casa que são “praticados os mais diversos atos de violência, alguns deles culminando em situações extremadas, que podem levar à morte de um ou mais membros da família.” (BUCHER, 2003, p. 171)

Sueli Carneiro (2003) nesse mesmo sentido afirma que 

Sabemos que o espaço privado, familiar, que deveria constituir-se no refúgio de paz das famílias é, por excelência, o espaço em que a violência doméstica e sexual tem o seu ponto mais alto de incidência. Perpetradores ou agentes do abuso sexual na maioria absoluta dos casos são maridos, companheiros, pais, padrastos, tios, ou outros membros próximos da família. (CARNEIRO, 2003, p. 11)

Assim, o ambiente familiar não possui a característica de proteção da mulher e “na família não impera necessariamente a harmonia, porquanto estão presentes, com frequência, a competição, a trapaça e a violência.” (SAFFIOTI, 2015, p. 78). Há, entretanto, uma ideologia da defesa da família que impede a denúncia da violência sofrida e tolerância de violências sofridas por anos, muitas vezes com o fim de manter o nome da família imaculado. (SAFFIOTI, 2015).

Segundo Saffioti, “A violência doméstica tem lugar, predominantemente, no interior do domicílio. Nada impede o homem, contudo, de esperar sua companheira à porta de seu trabalho e serrá-la exemplarmente, diante de todos os seus colegas, por sentir-se ultrajado com sua atividade extralar” (SAFFIOTI, 2015, p. 76)

Os principais motivos indicados nas denúncias para a prática do feminicídio foram a não aceitação do término do relacionamento e desconfiança de traição, seguidos de ciúmes. Assim, o término da relação é um dos principais motivos para o cometimento do feminicídio, para Saffioti (2015) a decisão de romper o relacionamento quando tomada pela mulher é considerada uma afronta pelo homem.

Como o território humano não é meramente físico, mas também simbólico, o homem, considerado todo-poderoso, não se conforma em ter sido preterido por outro por sua mulher, nem se conforma quando sua mulher o abandona por não mais suportar maus-tratos. Qualquer que seja a razão do rompimento da relação, quando a iniciativa é da mulher, isto constitui uma afronta para ele. Na condição de macho dominador, não pode admitir tal ocorrência, podendo chegar a extremos de crueldade. (SAFFIOTI, 2015, p. 65)

Assim, o motivo, qualquer que seja ele, nada mais é do que um dos elementos nucleares do patriarcado, residindo na dominação da mulher. 

(…) quando há uma separação, o homem – muitas vezes inconformado com a perda de sua amada ou de seu objeto de dominação – passa a perseguir a mulher, ameaçando-a de morte, caso ela não concorde em restabelecer a relação marital e, não raro, comete esse homicídio. Isso significa que, embora o casamento formal tenha sido desfeito, a relação continua existindo para o homem, pelo menos simbolicamente. A grande diferença entre o galinheiro e a sociedade, entre os animais e o ser humano, reside na capacidade humana de simbolizar. Por construir cultura, elemento ausente nas sociedades animais, o ser humano atribui significado a suas ações e às dos outros, assim como aos objetos e aos fatos. Em virtude disso, o macho da espécie humana estabelece não apenas seu território geográfico, mas também um território simbólico no qual reina soberano sobre mulheres, crianças, adolescentes e idosos. O homem é socialmente poderoso, e essas outras categorias são frágeis.  (SAFFIOTI, 1997, p. 39)

Além disso, “cabe lembrar que o sentimento de propriedade do homem em relação à mulher ultrapassa os limites da vigência da sociedade conjugal, pois, mesmo depois da separação do casal, o ex-companheiro julga-se no direito de espancar a mulher e até matá-la, a fim de impedir a reconstituição da vida amorosa” (SAFFIOTI, 1994, p. 19)

Nesse mesmo sentido Ferri afirma que 

O homem acredita ter o direito de matar a mulher, só porque surpreenda ou creia em adultério, intervém, não a veemência de uma paixão, como o amor, mas a manifestação de um egoísmo possessório, que representa, na civilização contemporânea, a sobrevivência bárbara do domínio e da opressão marital sobre a mulher escrava e besta de carga, cujo corpo, na fantasia reta ou desequilibrada do esbulho, se deva fazer voltar ao antigo senhor a violência. (FERRI, 2009, p. 64)

Segundo Eluf (2014, p. 163) o homem “quer recuperar, por meio da violência, o reconhecimento social e a autoestima que julga ter perdido com o abandono ou adultério da mulher”. Para Ferri (2009), a ideia de posse da vítima é nítida no agressor, que a percebe como sendo parte sua e entendendo que seu distanciamento é um risco para sua própria sobrevivência. Os agressores que não conseguem lidar e conter suas ansiedades e frustrações são os que provavelmente acabam por delinquir.

Ainda, conforme Eluf (2014), o homem tem mais dificuldades para lidar com a traição e suportar a rejeição, sente-se diminuído na superioridade que pretende ter sobre a mulher, e busca eliminar aquela que o desprezou. O instrumento majoritariamente utilizado para agredir as mulheres foi a faca.

Neste ponto, faço, ainda, que de forma breve uma reflexão sobre o uso da faca como instrumento para agressão da mulher, enquanto objeto que pertence à cozinha, lugar tão ligado à mulher culturalmente.  “Considerando aspectos concretos, mas, principalmente simbólicos, entende-se que às mulheres (donas de casa e empregadas domésticas) foi concedida a “posse” da cozinha, sem que para isso tenham sido previamente consultadas.” (PENA; SARAIVA, ano, p. 559). Segundo Certeau (2009, p. 212), a atribuição à mulher do ato de cozinhar é equivocadamente associada a uma “manifestação da essência feminina”.

Conforme Floyd (2004, p. 71), não é possível, contudo, desconsiderar a cozinha como um espaço no qual acontecem fenômenos culturais, políticos e econômicos que atribuímos a outros espaços domésticos: “[…] a cozinha que vemos não é ‘apenas’ ou necessariamente um espaço doméstico. Muitas vezes tem uma qualidade mais ambígua, indistinta, nem decisivamente contextualizada nem limitada pela necessidade de parecer completamente real”

A cozinha é um espaço de opressão das mulheres e “[…] enquanto o significado de outros espaços tem de ser continuamente renegociado, a cozinha mantém a sua reputação como um espaço ideologicamente carregado, inequívoco no sentido e impermeável à mudança” (FLOYD, 2004, p. 61).  Constitui, portanto, uma “[…] zona de sujeição feminina, onde as mulheres devem gerir uma rotina incessante de trabalho para a satisfação das pessoas acima delas na hierarquia doméstica, social e política” (FLOYD, 2004, p. 62). E é justamente nesse lugar de sujeição e considerado ‘feminino’ que a principal arma que mata mulheres – faça – se encontra. 

Com relação ao instrumento utilizado uma pesquisa realizada pelo Ministério Público de São Paulo, Raio X do Feminicídio, indica que a faca é o instrumento mais utilizado para matar mulheres, o que leva a crer que na cidade pesquisada, tal quadro se repete. Além disso, o próprio local de cometimento do crime, normalmente na residência, facilita o acesso a tal arma. Assim, “O agressor usa instrumentos “caseiros” como facas, ferramentas, materiais de construção ou suas mãos, o que estiver ao seu alcance, para agredir e matar. Além disso, utiliza esses instrumentos com voracidade e repetição de golpes, como se pretendesse “destruir” a mulher.” (MPSP, s.p.)

Foi possível, também, perceber que a maioria dos crimes ocorreram nas quintas-feiras no período da tarde, entre meio-dia e 18:00 horas. 

Corroborando com o dado encontrado o Raio X do Feminicídio informa que “O feminicida pratica crimes durante o dia ou noite, durante a semana ou final de semana, indistintamente. Assim, não é verdade que age somente quando está sob efeito de álcool, de madrugada ou nos finais de semana.” (MPSP, s.p.)

Aqui, nos cabe uma reflexão acerca da casa como sendo um local perigoso para mulheres. Segundo a Pesquisa “Percepções da população brasileira sobre feminicídio”, realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e Locomotiva 90% dos brasileiros consideram que o local de maior risco de assassinato para mulheres é dentro de casa, por um parceiro ou ex-parceiro. (INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO, 2023)

Chama a atenção, ainda, o fato de como “a família é uma instituição, indubitavelmente, violenta” (SAFFIOTI, 1995, p. 158)

Com efeito, o domicílio constitui um lugar extremamente violento para as mulheres e crianças de ambos os sexos, especialmente as meninas. Desta sorte, as quatro paredes de uma casa guardam os segredos de sevícias, humilhações e atos libidinosos/estupros graças à posição subalterna da mulher e da criança face ao homem e da ampla legitimação social dessa supremacia masculina (SAFFIOTI; ALMEIDA, p.33, 1995).

Saffioti ironiza que a família e os conhecidos mais próximos às mulheres, que deveriam oferecer proteção, representam, ao contrário, maior perigo de risco de vida do que as pessoas estranhas; que na maioria das vezes a reconhecem como sujeito de direito. Por isso, num contrato entre desiguais, o que realmente configura a relação entre homens e mulheres, a troca de proteção e serviços sexuais se dá pela de obediência; ou seja, a socialização se dá através da tutela:

De alguma forma, os filhos participam das relações violentas: ou diretamente como vítimas do pai e/ou mãe (mulher também é afetada pela síndrome do pequeno poder) ou presenciando cenas ou, ainda, tomando o partido de um dos litigantes. Não pode haver melhor escola de violência. E, em termos de relações cronificadas de violência, a família oferece os melhores cursos que o espaço público. (SAFFIOTI, 1994, p. 458)

Dentre os processos estudados chama atenção o caso de uma menina que foi vítima de estupro de vulnerável e tentativa de feminicídio perpetrado pelo tio (ex-companheiro da tia), o que demonstra que a noção de família extrapola os muros e o crime pode acontecer para além da residência da vítima.

Não há maiores dificuldades em se compreender a violência familiar, ou seja, a que envolve membros de uma mesma família extensa ou nuclear, levando-se em conta a consanguinidade e a afinidade. Compreendida na violência de gênero, a violência familiar pode ocorrer no interior do domicílio ou fora dele, embora seja mais frequente o primeiro caso. A violência intrafamiliar extrapola os limites do domicílio. (SAFFIOTI, 2015, p. 71)

A violência é um elemento de constituição da racionalidade que orienta o patriarcado e, segundo Saffioti (1995) o álcool ou o uso de drogas não é a causa da violência, mas tão somente um detonador dela. 

Frequentemente, aponta-se para o alcoolismo como a causa, seja do espancamento, seja da violência sexual praticada por homens dentro da família. Quero afastar totalmente o álcool como causa. Ele pode ser um fator detonador da violência, um fator imediato, porque alcoolizada, a pessoa executa coisas que não executaria se não estivesse alcoolizada. Acontece que o que a pessoa é capaz de executar é aquilo que está lá dentro. Eu, por exemplo, se tomar uma gota além do que eu posso tomar, simplesmente durmo. Não bato em ninguém, não agrido, não dou risada. Cada pessoa reage de uma maneira, com aquilo que traz dentro. (SAFFIOTI, 1995, p. 6)

Nesse mesmo sentido Freitas e Pinheiro afirmam que “às performances dos homens associam-se o poder e controle sobre a mulher, bem ao exemplo do modelo machista que já discutimos, em que se admite a violência física, aliada ao uso da bebida alcoólica e alguns artifícios para realçar a potência e a liberdade do homem” (FREITAS E PINHEIRO, 2013, p. 99)

Segundo Rosa (2017) o álcool se apresenta como um problema complexo diante do fato de que o homem se esconde atrás do álcool para cometer a agressão e a mulher torna-se mais tolerante diante do fato de seu agressor estar alcoolizado.

Outro aspecto que torna ainda mais complexo o fenômeno do alcoolismo, da pobreza e da violência doméstica, é a crença de que é o álcool o responsável pelas agressões, o que diminui a culpa do agressor e aumenta a tolerância da vítima. O agressor, dependente, comete a violência contra a companheira que não o denuncia porque quando este não está sob o efeito do álcool a agressão não ocorre; nestas realidades, as denúncias só acontecem quando existe o real risco de morte. No caso do agressor alcóolatra, a bebida chega ao cérebro, aguça o sistema nervoso simpático, rebaixa a consciência crítica de consciência e aumenta a agressividade; impulsionado pelos problemas sociais já mencionados, agride a mulher; muitos pesquisadores afirmam que o álcool que move a violência doméstica. (ROSA, 2017, p 260)

Assim, não é o álcool o causador da agressividade do homem, mas tão somente uma substância que descortina sua verdadeira face.

Por fim, há as lesões provocadas nas vítimas. Dos 18 processos analisados, 11 processos dão conta de que as lesões foram produzidas na cabeça, rosto e/ou pescoço da vítima. 

Segundo Souza apud  Freitas e Pinheiro (2013, p.104) “o caráter simbólico que o rosto tem associado à vergonha e à honra, pois ser honrado tradicionalmente significa “ter vergonha na cara”. Danos ao rosto representam humilhação para aqueles que os suportam, bem como o respeito à honra implica necessariamente no respeito ao rosto”. A autora exemplifica que isso se reflete nas seguintes frases: “não tire graça com a minha cara” ou “não se atreva a me desrespeitar”.

Le Breton afirma que

O rosto é, de todas as partes do corpo humano, aquela onde se condensam os valores mais elevados […] A alteração do rosto, que expõe a marca de uma lesão, é vivida como um drama […] um machucado, mesmo que grave, no braço, na perna ou na barriga não enfeia, não modifica o sentimento de identidade. (BRETON, 2006, p.70-71)

As marcas infligidas intencionalmente no rosto e na cabeça da mulher podem configurar, ainda, um recurso a mais do poder masculino exercido sob a forma de violência física sobre uma área corporal de grande visibilidade e simbolizada culturalmente. Segundo Le Breton, trata-se de “uma sutil hierofania cuja perda (desfiguração) frequentemente priva toda a razão de viver, fissurando profundamente o sentimento de identidade.”

CONCLUSÃO

Na etnografia identificou-se que nenhum dos casos tinha uma mulher como agressora, segundo Saffioti (2015, p. 55-56) “Em geral, a mulher não tem coragem de matar. Quando deseja fazê-lo, contrata alguém para realizar o serviço sujo, guardando para si o planejamento.”

Todos os casos estudados se traduziram em crimes de ódio, o que se amolda ao tipo penal. Além disso, restou demonstrado que quando falamos de feminicídio não falamos apenas da morte de uma mulher, ou do não respeito à vida, mas sim de como tal fato está intimamente ligada à violência de gênero e como esta violência de gênero é um obstáculo e uma negativa aos direitos sexuais das mulheres. Quase como na metáfora do nó de Saffioti, esses três componentes: feminicídio, violência de gênero e direitos sexuais se entrelaçam entre si e a depender do momento, cada um deles exerce uma força específica, ora maior, ora menor tudo com o fito de fazer com que o modelo já implementado se mantenha (patriarcado), incidindo sobre as mulheres, na nossa autodeterminação e autonomia. Vivemos, ainda, em um estado estruturado pelo racismo e sexismo e é isso que irá determinar a forma como as mulheres, de forma interseccional, irão experimentar suas vidas ou suas mortes.

Para finalizar os resultados desse estudo, fiz a opção de sistematizar os resultados em duas subseções. A primeira sobre violência de gênero e feminicídio e a segunda sobre violência de gênero, direitos sexuais e feminicídio. Deste modo, entendo que esse modo, talvez alternativo, de apresentar os resultados da pesquisa materializam o que aprendi ao longo dessa trajetória de análise: que escolhi finalizar o trabalho, mas que as violências contra as mulheres seguem. Talvez, você que lê esse trabalho possa ter a sensação de: mas, cadê o final dessa dissertação? Em alguma medida, essa pode ser a sensação que deveríamos ter todos os dias em relação às violências contra as mulheres para que possamos, quem sabe, lutarmos com ainda mais forças contra o feminicídio. Os feminicídios aqui estudados se mostram como atos de ódio, ainda que os agressores afirmem que cometeram o crime pelo que denominam como sendo amor. A motivação dos agressores não foi o amor, mas um sentimento de propriedade e de ódio por terem sido abandonados ou contrariados. Os crimes são praticados com muito ódio, raiva, podendo se dizer que são verdadeiros atos de extermínio, com reiteração de golpes, não é simplesmente uma morte, mas uma morte com dor.  

Dos processos estudados depreende-se que os crimes possuem as seguintes características: praticados em sua grande maioria no interior do lar comum, do meio-dia às 18:00 horas, tendo como motivação a não aceitação do fim do relacionamento e a desconfiança de traição. O instrumento mais utilizado foi a faca e o rosto, o principal alvo do corpo das mulheres que foram violentadas.

Os agressores em sua grande maioria eram companheiros das vítimas, homens brancos de 18 a 30 anos de idade, cuja escolaridade é 1º grau incompleto e dizem não possuir vícios. As vítimas, por sua vez, são mulheres de 20 a 30 anos, cuja profissão mais indicada é a de dona de casa (termo utilizado na qualificação das vítimas).

Como bem definiu o Relatório Final da Comissão Parlamentar Mista de  Inquérito  sobre  a  Violência  contra  a  Mulher  (CPMI)  do Congresso Nacional:

O  feminicídio  é  a  instância  última  de  controle  da  mulher  pelo homem:  o  controle  da  vida  e  da  morte.  Ele  se  expressa  como afirmação  irrestrita  de  posse,  igualando  a  mulher  a  um  objeto, quando  cometido  por  parceiro  ou  ex-parceiro;  como  subjugação  da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada  ao  assassinato;  como  destruição  da  identidade  da  mulher, pela  mutilação  ou  desfiguração  de  seu  corpo;  como  aviltamento  da dignidade  da  mulher,  submetendo-a  a  tortura  ou  a tratamento  cruel ou degradante (BRASIL, 2013, p. 1003)

O feminicídio é, para a Sagot (2013, p. 03) “a forma mais extrema de terrorismo sexista”, ou seja, a  expressão mais dramática da desigualdade entre o feminino  e  o  masculino,  “e  mostra  uma  manifestação  extrema  de  domínio,   terror, vulnerabilidade social, de extermínio e inclusive impunidade.”


1(…) o abuso sexual, sobretudo incestuoso, deixa feridas na alma, que sangram, no início sem cessar, posteriormente, sempre que uma situação ou um fato lembre o abuso sofrido. (…) Feridas do corpo podem ser tratadas com êxito num grande número de casos. Feridas da alma podem, igualmente, ser tratadas. Todavia, as probabilidades de sucesso, em termos de cura, são muito reduzidas e, em grande parte dos casos, não se obtém nenhum êxito. (SAFFIOTI, 2015, p. 19)

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1Advogada, Bacharel em Administração Pública e Mestre em Administração