INCLUSION POLICIES AND EDUCATION: BRIEF CONSIDERATIONS ON THE DEBATE
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202505081236
Paulo Cesar Machado1
Resumo
Esse estudo, a partir da pesquisa bibliográfica, apresenta algumas considerações sobre as políticas de inclusão e tem por objetivo contribuir com a reflexão dos educadores sobre a política educacional inclusiva brasileira, principalmente no que se refere às noções conceituais de inclusão/exclusão que a sustentam. Essa pesquisa é alinhada à premissa do direito à Educação Para Todos, balizando-se por referenciais de autores críticos, que propõem a análise dessa conjuntura numa dinâmica indissociável entre o educacional e o social.
Palavras-Chave: Políticas de Inclusão. Preceitos Legais. Inclusão/exclusão. Educação para todos.
Summary
This study, based on the bibliographic research, presents some considerations about inclusion policies and aims to contribute to the reflection of educators on the Brazilian inclusive educational policy, especially with regard to the conceptual notions of inclusion/exclusion that sustain it. This research is aligned with the premise of the right to Education for All, guided by references of critical authors, who propose the analysis of this conjuncture in an inseparable dynamic between the educational and the social.
Keywords: Inclusion Policies. Legal Precepts. Inclusion/exclusion. Educacion for all.
1. INTRODUÇÃO
De forma quase unânime nos documentos oficiais e no discurso educativo, a ideia da “inclusão” marca os debates do sistema educacional. Seguindo as diretrizes internacionais, as políticas educacionais brasileiras expressam um projeto de educação “inclusiva” de caráter nacional, estadual e municipal2.
Nas últimas décadas, contra todas as adversidades, a escola pública brasileira experimentou um notável crescimento no nível fundamental de ensino, conseguindo pela primeira vez na história brasileira vagas para todas as crianças em idade de cursar as séries do ensino fundamental.3 Também se obteve uma grande ampliação no acesso ao ensino médio e nas modalidades de educação de jovens e adultos.
Nessa conjuntura, parece existir uma unanimidade na ideia da inclusão educacional. Reflexões sobre como os educadores analisam as políticas inclusivas, principalmente no que se refere às noções conceituais que a sustentam, são emergentes. Sendo assim, uma vez que a escola é produto e produtora das relações sociais, como os educadores percebem essa abertura da escola para todos, no atual momento histórico? Outras indagações podem ser pensadas nesse eixo, suscitando “desconfiança” com as políticas de inclusão e buscando questionar a noção de inclusão subjacente a esse projeto de educação global.
Neste texto, proponho-me a refletir, brevemente, sobre a noção de inclusão para além do modo como o sistema educacional recebe e distribui os alunos em suas modalidades de ensino e em seus diferentes níveis. Essa noção abrange não apenas o direito à educação e ao acesso ao conhecimento socialmente produzido, mas também aos modos de participação que decorrem das formas de sociabilidade disponíveis para os sujeitos. Por essa ótica, a noção inclusiva deriva-se da noção abrangente de inclusão social, ou seja, a inclusão educacional é um processo mais amplo, indissociável da dinâmica social.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 As Políticas de Inclusão e seus Referencias Legais
Quando se faz referência à inclusão no âmbito educacional, faz-se referência também aos documentos que têm dado sustentação a ela, como por exemplo: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o documento da Conferência Mundial de Educação Para Todos (1990), a Declaração de Salamanca (1994) e a Convenção de Guatemala (1999), emanados de organismos internacionais; em âmbito nacional observa-se: a Constituição Nacional (1998), o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (1996) enquanto política educacional. A perspectiva da educação inclusiva se estabelece, além da LDBEN (1996), a partir do Plano Nacional de Educação Especial (1994), das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001) e da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva (2008). Mais recentemente, o Decreto no 7.611/2011 aborda que: “considera-se público-alvo da educação especial às pessoas com deficiência, com transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades ou superdotação” (BRASIL, 2011a). Entre outros, diversos decretos e leis que regem os direitos das pessoas identificadas com “necessidades educativas especiais”4 e remetem à proposta inclusiva.
Nesse sentido, no mesmo ano de 2011 foi aprovado o Decreto nº 7.612, que institui os Direitos da Pessoa com Deficiência – Plano Nacional Viver sem Limites e, por meio desse decreto, experimenta-se um investimento de dotações orçamentária para a criação de 27 cursos de graduação em Letras com habilitação em Libras e 12 cursos de Pedagogia na perspectiva Bilíngue – Libras (Língua Brasileira de Sinais) e Língua Portuguesa por todo Brasil (BRASIL, 2013); em 2015, foi aprovada a Lei n° 13.146, conhecida como Lei da Inclusão ou Estatuto da Pessoa com Deficiência. Em seu Art. nº 28º, consta que incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar a oferta de Educação Bilíngue, em Libras como primeira língua e na modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua, em escolas e classes bilíngues e em escolas inclusivas (BRASIL, 2015).
Já em 2020, foi aprovado o Decreto de nº. 10.502, que institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida. Nesse documento, a Educação Bilíngue para surdos é desvinculada do mito segregacional para a perspectiva linguística cultural, ou seja, passou a ser considerada como uma modalidade de educação que deve promover a especialidade linguística e cultural aos educandos surdos, aos deficientes auditivos e aos surdocegos que optam pelo uso da Libras, ofertando, assim, o ensino em escolas e em classes bilíngues de surdos, tendo a Libras como primeira língua e língua de instrução e comunicação, e a língua portuguesa na modalidade escrita como segunda língua (BRASIL, 2020).
Já muito recentemente, no ano de 2021, foi aprovada a Lei nº 14.191, que altera a LDBEN de 1996, incluindo a modalidade de Educação Bilíngue para surdos, com preceitos almejados pelos movimentos surdos, inclusive as propostas expressas no Relatório do Grupo de Trabalho, designado pelas Portarias nº 1. 060/2013 e nº 91/2013, contendo subsídios para a Política Linguística de Educação Bilíngue Libras – Língua Portuguesa (BRASIL, 2014).
O surgimento dessas referências e suas relações com as implementações de políticas educacionais de inclusão são objeto de estudos motivados por diferentes interesses na temática, buscando refletir sobre as práticas de inclusão no Brasil e em outros países. Para citar alguns exemplos, seguem os autores: Ferraro (1999), Laplane (2006), Michels (2006), Garcia e Michels (2007), Machado (2008), Lodi e Albuquerque (2016), entre outros.
O combate aos mecanismos de exclusão está presente de forma potente nas falas de muitos educadores, e não conseguimos imaginar, no atual momento, um educador que se manifeste contra a inclusão escolar. Certamente, lembrar-se-á das políticas públicas de inclusão, dentre as quais pode-se lembrar das discussões a respeito dos alunos com “necessidades educativas especiais” e das cotas para populações específicas, que têm ocupado grande espaço nos debates educacionais.
Todas as modalidades de educação em seus diferentes níveis apresentam uma avalanche de enunciados, como por exemplo: “inclusão”, “escola inclusiva”, “inclusão escolar”, “avaliação inclusiva”, “dinâmicas de inclusão” e “pedagogia inclusiva”. Essas são expressões cada vez mais frequentes no discurso educacional, que reforçam e disseminam o slogan da promessa – “escola para todos” ou “Educação Para Todos”.
2.2 A Dinâmica Social da inclusão e a Inclusão Educacional
A noção de inclusão está para além do modo como o sistema educacional recebe e distribui seus alunos na escola “inclusiva”. Nessa ótica, a noção inclusiva deriva-se da noção abrangente de inclusão social, ou seja, a inclusão educacional é um processo mais amplo, indissociável da dinâmica social. O pensar sobre as políticas inclusivas na dinâmica indissociável entre o educacional e o social faz-se fundamental para não reforçar noções equivocadas de inclusão/exclusão, que podem estar mascaradas numa unanimidade até mesmo pelos educadores.
Algumas questões de ordem teórica auxiliam a compreender este campo de discussão. Autores como Bourdieu e Champagne (1997) e Castel (2000), numa perspectiva política e social, apresentam conceitos que levam a inferir sobre as relações de complementaridade entre as noções de inclusão/exclusão, trazendo implicações do contexto da globalização e das políticas neoliberais como pano de fundo ao debate da proposta inclusiva no âmbito da educação. Em particular, aquelas visões que a caracterizam como um processo que gera desigualdades, mesmo que algumas vezes sejam travestidas para o sentido contrário. Esses autores contribuem para a superação de análises que podem ser fragmentadas e que perdem a visão do processo. Castel (2000) examina o que chama de “armadilhas da exclusão”, alertando para a ambiguidade e heterogeneidade presente no termo “exclusão”, quando deslocado de um processo, o que fragiliza a análise da conjuntura social. Por sua vez, Bourdieu e Champagne (1997) analisam a multiplicidade das formas contemporâneas de exclusão social, não somente das modalidades mais explícitas, tais como o desemprego e o racismo, como também das menos evidentes, como a educação. Para eles, a educação se ocupa com o que chamam de “excluídos do interior” do sistema educacional. Ao que parece, a universalização e a democratização do ensino chocam-se com os imperceptíveis mecanismos sociais responsáveis pela exclusão, numa sociedade cuja promessa é “incluir a todos”, mantendo os mecanismos geradores de desigualdade social.
Ao pontuar-se, mesmo que brevemente, os conceitos de “armadilhas da exclusão” e “excluídos do interior” do sistema educacional, mencionados pelos autores citados, tem-se o intuito de destacar, a partir desses conceitos, dois traços que se consideram relevantes quando o debate é o projeto global de educação inclusiva: a ênfase na igualdade de direitos individuais, que constituem a base das referências legais e dos documentos norteadores das implantações das políticas inclusivas, e a unanimidade do discurso da educação inclusiva, até mesmo entre os educadores, muitas vezes sem criticidade e deslocando tais questões do processo social mais amplo.
2.2.1 Igualdade de Direitos Individuais
Do ponto de vista da ênfase na igualdade de direitos individuais, mesmo que esse reconhecimento seja colocado como inalienável e que se testemunhe um avanço na elaboração conceitual, na explicação e na enunciação dos direitos das pessoas e, particularmente, no direito à educação expressa na ampliação da “escola para todos”, ainda assim, é parte de um projeto social amplo que sugere prudência e estudos.
Esse projeto é hoje encampado nos debates sobre a globalização, sobre o neoliberalismo e sobre as políticas responsáveis pela exclusão social. Essa dimensão política parece ausente quando se fecha uma análise apenas das políticas educacionais inclusivas, a partir das práticas das escolas e dos sistemas educativos em geral.
Castel (2000), ao discutir possíveis “armadilhas da exclusão”, faz críticas às políticas de inserções isoladas das situações já degradadas, renunciando a uma intervenção preventiva para diminuir a vulnerabilidade das populações atingidas de riscos e para promover a integração social. Isso se aplica às políticas educacionais inclusivas, uma vez que, ao lidar com o risco da exclusão, não se pode perder o conjunto dos componentes que constituem, hoje, a questão social na sua globalidade, algo que exigiria o esforço governamental para intervir, sobretudo, nos processos da produção e da distribuição das riquezas sociais.
Tais componentes políticos e econômicos indicados pelo autor balizam significativamente os Planos Nacionais de Educação dos países alinhados com a política neoliberal, que vêm limitando as verbas destinadas à educação. Se for esse o horizonte que se apresenta, então até que ponto e para quem faz sentido as políticas inclusivas? E como se relacionam com os direitos individuais?
Mesmo que o autor não se refira ao contexto brasileiro, seu alerta inspira a reflexão e a desconfiança sobre a unânime proposta de educação do nosso país, filiado às diretrizes do projeto neoliberal. É uma proposta vinculada aos interesses dos financiadores internacionais definidos pelo Banco Mundial, pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pela Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) – fundadas na tese do “Estado Mínimo”, na concepção reprodutivista de educação, da subordinação às regras globalizantes do mercado –, portanto diretamente relacionada com as reformas constitucional/administrativa/do ensino, reformas essas que comprometem conquistas sociais e a qualidade da educação para a população (BRASIL, 1997, p. 11).
Discutindo as reformas propostas pelo governo, Frigotto (1998, p. 31) enfatiza que: “[…] a estratégia adotada pelo neoliberalismo, através de nossos governantes, para ajustar-se à reestruturação produtiva, que se dá pela descentralização/autonomia/desregulação e privatização”. Tal perspectiva não pode deixar de ser considerada quando se quer compreender os critérios usados para a definição de necessidades e de priorizações do governo na avalanche de reformas, que desmontam as conquistas e os direitos sociais em tempos de tanta ênfase na inclusão educacional, algo que é paradoxal.
Desde a reforma da Constituição Brasileira de 1988, posta em curso pelo governo federal a partir do governo do presidente Collor, intensificada no período de gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHS), presente nos governos do presidente Lula, e moldada pelos organismos financeiros internacionais, assiste-se à transformação do Estado garantidor de direitos em mero prestador de serviços, submetido às condições do mercado. Diante de tal concepção e ações consequentes, o poder público vai perdendo progressivamente a sua capacidade de fazer frente a demandas sociais e financiamento das políticas públicas de atendimento universal com qualidade, mas repassa à escola a responsabilidade por essa “qualidade” por meio da inserção de todos, contribuindo com a ilusão da igualdade de direitos individuais.
2.2.2 A Unanimidade do Discurso da Escola Inclusiva
O segundo traço a refletir é sobre a unanimidade do discurso a favor da escola inclusiva adotado pelos educadores, e os documentos e referências citados ao conceituarem a escola como um espaço democrático e competente para trabalhar com todos os alunos. Essa noção de “educacional inclusiva” levanta uma série de problemas que estão relacionados a já citada dissociação da dimensão política e social da educação, que conduz a noção de inclusão a interpretações reducionistas, com as consequentes implicações para a implementação de políticas identificadas com tal noção. A questão está em que esse paradigma não se restringe à educação, mas domina também as relações sociais e o mercado de trabalho. Diante desse fato, a prescrição que postula a aceitação de todos sem apresentar argumentos razoáveis e sem abordar os problemas que ela inevitavelmente acarreta, soa autoritária e alienada do contexto social em que a educação se insere.
O discurso de “Educação Para Todos” – aparentemente inquestionável e politicamente correto – não se sustenta quando analisado a partir da ótica de Bourdieu e Champagne (1997), especificamente sobre os chamados “excluídos do interior” do sistema educacional, ou seja, o que parece uma exclusão pela inclusão.
A realidade educacional brasileira integra o cenário de muitos sistemas de ensino, presentes em muitos países, destinados a acolher uma multidão de alunos cada vez mais despreparados. Isso pode ser explicado pelo fato de que, da década de 1950 até a década de 1990 – período em que localizamos o aumento de vagas nas escolas brasileiras –, os sistemas de ensino passaram por uma mudança, com pequenas variações locais, consistindo no seguinte: da anterior estabilidade restritiva dos sistemas, baseada, sobretudo, na eliminação precoce de todos os alunos às vezes até por falta de vagas, os sistemas reestruturaram-se e assumiram as formas da assim chamada “democratização”. Essa democratização, no entanto, é paradoxal: embora fundada no direito ao acesso à educação para alunos de categorias sociais antes excluídas, de formas facilmente perceptíveis, na verdade oferece um ensino de baixa qualidade que disfarça a exclusão.
O argumento de Bourdieu e Champagne (1997) sobre o paradoxo da democratização do ensino pode ser assim expresso: antes, a escola eliminava pura e simplesmente já no início da escolarização, ainda na primeira série. Após as modificações estruturais, essa exclusão é diluída no tempo e postergada para níveis subsequentes de escolaridade, ou seja, a educação agora exclui de modo suave sem traumas aparentes. Ou seja, joga a responsabilidade para a “incompetência individual”, culpando a vítima pelo fracasso. Como citado a seguir:
A Escola exclui, como sempre, mas ela exclui agora de forma continuada, a todos os níveis de curso, e mantém no próprio âmago aqueles que ela exclui, simplesmente marginalizando-os nas ramificações mais ou menos desvalorizadas (BOURDIEU; CHAMPAGNE, 1997, p. 485).
Essas ideias expressam que a força da eliminação “branda” reside, portanto, na suposta equidade e na ilusão da continuidade, sugerindo outras noções de “inclusão” que aquelas aparentemente prescritas nos projetos inclusivos. Como explicar o que está acontecendo nos sistemas de ensino? Para compreender tais fatos, precisam ser combinadas outras noções conceituais que apontem para uma visão de conjunto e que possam desvelar as intenções que a racionalidade econômica encobre, levando às possíveis interpretações reducionistas dos projetos de educação inclusiva. Não se pode ter a percepção do senso comum e reduzir a discussão das políticas públicas de inclusão ao conceito de acesso à Educação Para Todos. O que seria o ideal, mas com qualidade e, para isso, exige-se no mínimo o investimento financeiro suficiente. Além disso, teríamos que encontrar na escola o cumprimento de seu papel social: embora ela possa ser reprodutora de uma formação ideológica dominante, pode ser também um meio de transformações sociais, incentivando a atuação e o fortalecimento de outras formações ideológicas dentro de seu interior.
Machado (2023, p. 71) ao refletir sobre a educação bilíngue de surdos, por exemplo, ressalta a relevância as inter-relações entre educação, linguagem, cultura e surdez, de modo que para esse estudante uma perspectiva unilateral em “uma dessas áreas não daria conta de explicar e interpretar as tensões, conflitos, rupturas e descontinuidade existentes, historicamente, na educação de surdos”.
Góes (1999) alerta para a urgência de uma reflexão profunda, dentro da escola, a respeito da rede ideológica que, por exemplo, torna aluno e professor solidários na manutenção de uma realidade (de fracasso) que acabam por não superar, um currículo que contempla saberes e valores de um grupo específico, de um mundo estranho à realidade de vida dos atores que compõem a educação.
Nesse sentido, são alentadoras as palavras de Apple (1998, p. 44), com suas ponderações sobre a pedagogia crítica de fato:
Mas, a não ser que nos comprometemos pessoalmente como atores animados e vivos em múltiplos projetos emancipatórios atualmente em marcha, não restam dúvidas sobre o que acontecerá. Os neoliberais, unidos aos neoconservadores, aos populistas autoritários e a outros setores da nova classe média ascendente, estão já a mobilizar-se. Estão atualmente a reconstruir o senso comum. […] As vidas e o futuro da maioria de nossos cidadãos (não como consumidores ou artigos de venda, mas como Freire os viu – como agentes de transformação social e cultural) estão em risco. Há trabalho a fazer.
3. CONCLUSÃO
Este estudo, de alguma maneira, evidencia o desejo de verdadeira inclusão e do reconhecimento ao direito à Educação Para Todos. Percebe-se avanços nos preceitos legais, significando conquistas para assegurar a implantação de políticas inclusivas educacionais, no entanto, alinhados com essa proposta e diante da realidade que se explicitou por meio desta pesquisa e dos estudos teóricos apresentados, termina-se com a convicção de que os ensaios na construção da democratização do ensino, inclusive com unanimidade universal, não se fecham na educação propriamente dita.
Uma unanimidade que impressiona positivamente, à primeira vista – afinal, trata-se de processos generosos, que visam “incluir” os que foram sempre excluídos –, muitas vezes esconde “armadilhas” ideológicas, que perversamente excluem com as mesmas forças e sob os mesmos princípios que proclamam a inclusão.
A reflexão apresentada traz a necessidade de se pensar sobre as políticas inclusivas na dinâmica indissociável entre o educacional e o social, para não reforçar noções equivocadas de inclusão/exclusão, uma vez que ambas se relacionam. Os dois pontos de partida, os conceitos de Bourdieu e Champagne (1997) e Castel (2000), considerados relevantes para essa reflexão constituem, talvez, um pretexto para suscitar questões, mais que respostas, quando o debate é o projeto global de educação inclusiva. A emergência de perguntas é, contudo, essencial para refletir sobre o impacto dos modos de compreensão da noção de inclusão pelos educadores, para contribuir com sua reformulação e, finalmente, para reconsiderar, a partir de outras noções, as formas de implementação das políticas inclusivas.
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1Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)