THE IMPLICATIONS OF PREGNANCY IN THE SOCIAL LIFE OF ADOLESCENTS: A REFLECTIVE STUDY
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10196543
Thayanna Grumberg Dias de Olivira1
Cibele Cristina Cunha Brígido2
Henrique Miguel de Lima Silva3
RESUMO
Garantir o desenvolvimento integral do cidadão braleiro é um direito assegurado pela Constituição Federal do Brasil. Entretanto, mesmo com um leque de políticas públicas e programas governamentais, a questão da gravidez na adolescencia configura-se como um problema de saúde pública no Brasil e no mundo. Neste sentido, o presente trabalho trata do tema gravidez na adolescência e tem como objetivo saber quais as implicações sociais desse acontecimento na vida social das mães adolescentes. Este estudo aborda aspectos teóricos relativos à adolescência enquanto fase de transição, as relações entre a adolescência e a sexualidade, acrescida da gravidez não planejada. Em campo, buscou-se ainda identificar quais mudanças aconteceram após a gravidez precoce, além de enfatizar a importância da família na vida da adolescente grávida. Como percurso metodológico, optou-se pelo estudo de revisão integrativa de literatura, considerando estudos originais publicações entre 2019 e 2023 em periódicos nacionais e internacionais escritos, principalmente, em língua portuguesa e/ou lingua inglesa. Os resultados da presente pesquisa destacaram que os fatores socioeconômiucos como escolaridade; raça/cor; acesso à saúde e educação, delineiam um perfil histórico de gravidez na adolescência, isto é, das altas concentrações em adolescentes pardas e pretas; com baisa escolaridade e residentes em regiões periféricas.
Palavras-Chave: Gravidez na adolescência; saúde pública; saúde coletiva; saúde da mulher.
ABSTRACT
Ensuring the full development of the Brazilian citizen is a right guaranteed by the Brazilian Federal Constitution. However, even with a range of public policies and government programs, the issue of teenage pregnancy is a public health problem in Brazil and worldwide. With this in mind, this paper deals with the subject of teenage pregnancy and aims to find out what the social implications of this event are for the social lives of teenage mothers. This study addresses theoretical aspects relating to adolescence as a transitional phase, the relationship between adolescence and sexuality, plus unplanned pregnancy. In the field, we also sought to identify what changes occurred after the early pregnancy, as well as emphasizing the importance of the family in the life of the pregnant teenager. As a methodological approach, we opted for an integrative literature review, considering original studies published between 2019 and 2023 in national and international journals written mainly in Portuguese and/or English. The results of this research highlighted that socioeconomic factors such as schooling, race/color, access to health and education, outline a historical profile of teenage pregnancy, that is, high concentrations in brown and black adolescents, with low schooling and living in peripheral regions
Keywords: Adolescent pregnancy; public health; collective health; women’s health.
1. INTRODUÇÃO
A gravidez na adolescência não é um fato novo na história da humanidade, entretanto, o modo como este fenômeno tem sido interpretado pode ser bem distinto para diferentes sociedades ou grupos culturais, além disso, registram-se ainda alterações conforme se transformam os costumes. Em se tratando do cenário brasileiro, a Lei nº 13.798/2.019, tem como objetivo promover ações de educação em saúde; de medicina preventiva e de saúde coletiva por meio de divulgação de informações nos mais diversos setores sociais no intuito de diminuir os índices deste problerma de saúde pública.
A idade propícia à maternidade não é a mesma em todas as sociedades ou épocas. Até a Idade Média, a primeira menstruação era o indício fundamental que comprovava a passagem direta da infância para a vida adulta da mulher, tornando-a apta para o casamento e para ser mãe. Com as profundas mudanças ocorridas na estrutura da sociedade, sobretudo a partir da Modernidade, também se evidenciarão modificações no que se refere ao comportamento relativo à sexualidade na adolescência, sexo antes do casamento, gravidez na adolescência, assim como a quebra de certos tabus, inibições e estigmas.
A este respeito, autores como Pinheiro et al (2019) destacam as alterações na saúde da adolescentes decorrentes como transfornos emocionais e psiquiátricos; evasão escolar; risco de vida por pré-eclâmpsia; exclusão social e reprodução de probleza considerando o perfil epidiológico da gravidez na adolescência no Brasil e no mundo. Ainda de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2019), cerca de 16 milhões de adolescentes se tornam mães no mundo. No cenário nacional, entre 2010 e 2018, a taxa de natalidade foi de 52,7/1000 adolescentes entre 15 e 19 anos (OMS, 2019).
Cabe destacar que a escolha desse tema tem por motivo o fato de o assunto ser ainda considerado polêmico socialmente, em decorrência de vários aspectos, tais como: ético, moral, religioso, científico, econômico e principalmente por se entender que a evolução do comportamento humano não é mais a mesma de décadas e séculos passados. Assim, buscou-se entender a gravidez na adolescência como um fenômeno socialmente constituído e não meramente como um problema de saúde pública.
Para muitos profissionais a gravidez na adolescência é um fato que causa transformações na vida social das adolescentes, podendo acarretar prejuízo na qualidade de vida e nas oportunidades futuras das adolescentes. A finalidade principal desse estudo é identificar e analisar as implicações sociais resultantes da gravidez na adolescência vivenciadas pelas mães, procurando resgatar o significado desse acontecimento de acordo com o contexto sociocultural no qual se insere e do ponto de vista dos principais sujeitos envolvidos, ou seja, as mães adolescentes, sobretudo, quando suas chances de engradivar aumenta em 2,48 vezes em decorrência do não planejamento (DOMINGUES, 2019).
Neste sentido, compreender o perfil epidemiológico da gravidez na adolescência e suas impactos na saúde da mãe e da criança são indispensáveis para que a atuação do médico e da equipe multiprofissional em saúde possa, com base nas evidências científicas, desenvolver as melhores estratégias de atuação neste problema de saúde pública.
2. ADOLESCÊNCIA: TRANSIÇÃO, GRAVIDEZ NÃO PLANEJADA E SAÚDE PÚBLICA
De acordo com Tiba (1994), a adolescência é uma espécie de segundo parto, no qual a criança nasce da família para a sociedade. A família é o útero que proporciona o desenvolvimento e prepara a criança para, neste período da adolescência, sobreviver na sociedade por si mesma. Se no ventre materno a mensagem dominante que a criança recebia era ditada pelos cromossomos, no útero familiar a mensagem dominante será a do “como somos”.
Ao considerar esta concepção clássica, destacamos a importância dos profissionais de saúde em,
desenvolver um sistema de atenção a adolescentes capaz de lidar com as diversas situações; fortalecer a capacidade das meninas de decidir sobre sua vida sexual e sua vida reprodutiva, incluindo o momento adequado para engravidar; e envolver os meninos para que possam participar do processo de decisão, com responsabilidade e cuidado (UNICEF, 2020, p. 11).
Neste sentido, não podemos descrever adolescência como simples adaptações às transformações corporais, mas como um importante período no ciclo existencial da pessoa, uma tomada de posição social, familiar, sexual e entre o grupo. É nessa etapa que acontece o acirramento de conflitos familiares, a maturação sexual, de valores e conhecimentos que determinarão sua vida. É também nessa fase que se iniciam definições no campo profissional. Convém destacar que os dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2016) demosntram maiores concentrações de graviez na adolescência de modo não planejado em três regiões: Centro Oeste; Nordeste e Norte.
Tais mudanças possibilitam o surgimento de comportamentos irreverentes e desafiantes com os outros e também levam ao questionamento dos modelos e padrões infantis, necessários ao próprio crescimento.
Osório (1992) afirma que adolescência é uma etapa evolutiva peculiar ao ser humano, onde culmina o processo maturativo bio-psico-social do ser humano. Compreende esse período percebendo a importância dos aspectos biológicos, psicológicos, sociais e culturais necessariamente indissociáveis e cujo conjunto de características permite a unidade do fenômeno “adolescência”.
Enquanto parte inerente do ciclo de vida humano, a adolescência constitui-se de características próprias, que a diferenciam das demais faixas etárias. Este é um período confuso, de contradições, de formação da identidade e da auto-estima. É quando se deve deixar de ser criança para entrar no mundo adulto, repleto de responsabilidades e cobranças, mundo este tão desejado pela sensação da liberdade a ser adquirida, mas também tão temido (RAMOS et al., 2000, p. 18).
No que diz respeito ao Brasil, existem diferentes modos de se ver a adolescência, sobretudo quando se considera a classe social em que o/a adolescente está inserido/a. Nas classes mais privilegiadas, a adolescência é entendida como um período de experimentação, sem grandes consequências emocionais, econômicas e sociais, pois o adolescente não assume responsabilidades e na maioria das vezes dedica-se apenas aos estudos, sendo essa a sua única via de acesso ao mundo adulto. Já nas classes mais baixas, os riscos de experimentar, tentar e viver novas experiências são maiores e não há a possibilidade de se dedicar somente aos estudos, tornando a adolescência um período em que antecederá a constituição da própria família (KAHALLE et al.,1997; PEREIRA, 1996 apud BUENO, on-line. 2009).
A adolescência remete a várias definições, inclusive por parte da mídia, onde é prontamente associada a problemas como drogas, gravidez e violência. Já no que diz respeito à família, o adolescente ora é visto como uma criança grande, ora como um adulto em miniatura.
Segundo Ranña (2005, p. 46), do ponto de vista social, “os parâmetros históricos para todas as etapas do crescimento humano foram perdidos nas sociedades ocidentais contemporâneas caracterizadas pelo capitalismo e pela globalização”. Isso significa dizer que todas as passagens são problemáticas, ou seja, é difícil crescer, adolescer, ser adulto, assumir a maternidade, envelhecer e morrer.
Assim, o adolescer coloca os jovens diante de desafios, barreiras e escolhas. A sociedade e a família exigem deles maior responsabilidade em relação a sua própria vida. Ao pensar nos dados epidemiológicos de gravidesz na adolescência demonstram que no Brasil a taxa de nascimento de crianças filhas de mães entre 15 e 19 anos é 50% maior que a média mundia visto que a taxa mundial apresenta 46 nascimentos a cada 100 meninas, enquanto no Brasil a axa é de 68,4 gestaões a cada 100 adolescentes (BRASIL, 2023).
Ao Pensar na faqixa entre 10 e 14 anos, os as 02 regiões com maiores concentrações foram Nordeste com 61,2 mil adolescentes grávidas e região Sudeste com 42,8 mil gravidez considerando o período entre 2010 e 2020 (BRASIL, 2022). Dessa maneira, discorrer sobre educação sexual e sexualidade configura-se como uma das principais estratégias de educação em saúde, sobretudo, as regiões com maiores índices, como o Norte que ocupa a terceira posição no Brasil.
3. ADOLESCÊNCIA E SEXUALIDADE: IMPACTOS NA GRAVIDEZ NÃO PLANEJADA
Falar de sexualidade pressupõe falar de intimidade, uma vez que ela está estreitamente ligada às relações afetivas. A sexualidade é parte integrante e comunicante de uma pessoa, consigo mesma e com as outras, portanto, para ser compreendida não se pode separá-la do indivíduo como um todo, nem da continuidade de uma sociedade.
Convém destacar que, com base nos dados do Ministério da Saúde, no Brasil, a prevalência da gravidez na adolescência corresponde a 13.9%, sendo que em 2020, dos 1.722.907 nascidos vivos, 240.113 foram de mães adolescentes. (BRASIL, 2021)
Convém destacar ainda que a adolescência é uma fase onde encontramos um indivíduo com o corpo na puberdade e a mente descobrindo o pensamento. Neste período, ocorrem muitas transformações, tal como mencionado no tópico anterior, e é nesta fase que o adolescente costuma se dar conta também do seu principal atributo sexual, que é a capacidade orgasmática, ou seja, a possibilidade de obtenção de prazer através do sexo.
Como resutado da gravidez não planejada na adolescência, destaca-se, com base nos estudos de Andrade et al (2020), que fatores como baixa cobertura de assitência no pré-natal; vulnerabilidades sociais; baixa escolaridade contribuem para que este problema de saúde pública seja ainda mais complexo. Outrossim, destaca-se ainda que a compreensão dos fatores associados ao processo de gravidez na adolescência pode contribuir no desenvolvimento de políticas públicas para garantia dos direitos humanos e diminuição das históricas desigualdades sociais (ROSENDO; RONCALLI, 2015).
Assim, a sexualidade vivida pelo adolescente ganha feição no contexto social e cultural em que está inserido, ou seja, é pautada pela linguagem e valores vigente em cada época, sendo, portante, tema transversal da educação pública brasileira e proposta de atuação da Atenção Primária em Saúde – APS. Neste sentido, ressalta-se que,
A sexualidade é um elemento importante para a análise da dinâmica do adolescente. As mudanças físicas que caracterizam a fase incluem alterações hormonais que, muitas vezes, provocam estados de excitação tidos como incontroláveis, resultando em uma intensificação da atividade de masturbação. Nessa fase, também ocorre a consolidação do tipo de atração sexual vivida pelo indivíduo (MOREIRA et al., 2008, p. 314).
Atualmente percebemos o exercício da sexualidade começando cada vez mais cedo, impulsionado por uma pressão social que leva as crianças a se tornarem precocemente adolescentes e da mesma forma os impulsionam a ingressarem na vida adulta, mesmo não estando preparados psicologicamente para tal.
A sexualidade pode ser pensada a partir de uma esfera na qual são construídas e transformadas relações sociais, culturais e políticas, pelos diferentes valores, atitudes e padrões de comportamentos existentes na sociedade moderna. O adolescente contemporâneo vive sua sexualidade em meio às referências que invadem seu imaginário. Ele é ator integrante do espetáculo de nossa cultura e, como tal, é continuamente convocado a consumir imagens mais que a refletir, a elaborar ou a pensar (MOREIRA et al., 2008, p. 314).
O despertar da sexualidade na adolescência traz consigo uma leva de desinformação. Muitas vezes por não disporem de informação ou por puro constrangimento de falar sobre sexo com seus filhos, os pais acabam não cumprindo seu papel de educador, deixando assim o jovem em desvantagem.
O direcionamento de diversos fatores, como o desconhecimento do corpo, a omissão da família/escola sobre assuntos pertinentes à adolescência, o pouco envolvimento dos serviços públicos, o bombardeamento ativo ao qual estão expostos pela mídia, com programas, novelas e até propagandas apelando ao sexo, fazem com que os jovens iniciem precocemente suas atividades sexuais, não cônscios das implicações de sua vida sexualmente ativa (MOREIRA et al., 2008, p. 315).
A gravidez precoce é uma das ocorrências mais preocupantes relacionadas à sexualidade na adolescência, com sérias consequências para a vida das adolescentes envolvidas, de seus filhos que nascerão e de suas famílias. Dados apontados no estudo de Bezerra e Matos (2022) apontam que cerca de 80% do número de gravidez na adolescência no Brasil não é planejando, colocando em risco saúde da mãe; da crianã; evasão escolar; manutenção da pobreza e aumento da desigualdade social., conforme será discutido a seguir.
4. GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: BREVE HISTÓRICO
Sabemos que a gravidez na adolescência não é um fato novo na sociedade. Muitas de nossas avós ou bisavós tiveram filhos quando ainda bastante jovens, pois o contexto social e a cultura daquela época eram bastante diferentes do que vivemos hoje. As mulheres eram incentivadas e muitas vezes obrigadas a se casarem jovens e consequentemente a engravidarem jovens. Além disso, a mulher tinha papel restrito dentro da sociedade, limitando-se ao trabalho doméstico e a cuidar dos filhos e do marido.
Na Antiguidade, os contratos de casamento aconteciam quando a menina se encontrava entre os 13 e 14 anos. Segundo registros históricos, essa era provavelmente a faixa etária da Virgem Maria quando deu a luz (MOTTA & SILVA, 1994). Na atualizade, este problema de saúde pública torna-se complexo e crítico, sobretudo, quando levamos em consideração às vulnerabilidades sociais considerando escolaridade; raça/cor; economia e acesso aos direitos básicos como saúde; educação; nutrição e moradia (GENZ el tal, 2017).
Esses autores também nos mostram alguns casos excepcionais que traduzem situações de precocidade sexual associada a desordens genéticas, como o caso da menina que deu a luz aos 6 anos de idade em 1658, ou o caso da menina Anna Mimmenthaler, em 1751, que menstruou aos 2 anos e deu a luz ao primeiro filho aos 9 anos. Na América Latina aconteceu o caso da menina Lina Medina que menstruou aos 08 meses e deu à luz aos 5 anos através de cesariana. No Brasil, houve um caso na Bahia em 1884, onde uma menina com menstruações regulares desde o nascimento deu a luz aos 7 anos, através de parto natural, a dois fetos do sexo masculino natimortos (MOTTA & SILVA, 1994). Estes casos são excepcionais, não há regra e certamente se devem a alguma alteração hormonal desconhecida à época.
Segundo Taquette (1991), o segmento da adolescência no século de XIX se distinguia apenas no sexo masculino, pois escolarização era monopólio dos homens. As mulheres estavam excluídas. Entre elas, a infância era de curta duração e a adolescência inexistente. A partir dos 10 anos, as meninas já eram “mulherzinhas”, pois recebiam uma educação que as treinava a se comportar desde cedo como adultas, faziam exercícios de mãe de família, governavam a casa e casavam-se aos 12 ou 13 anos.
Com as mudanças que aconteceram em nossa sociedade, os costumes foram alterados e principalmente o papel da mulher. Muitos autores apontam à liberalização dos costumes como uma das principais causas do aumento nos índices de gravidez precoce, tendo em vista que a revolução sexual, ocorrida nas décadas de 1960 e 1970, em consequência do movimento feminista, favoreceu o aumento da gravidez na adolescência não somente no Brasil, mas também em outros países, como nos Estados Unidos, onde na década de 1970 ocorreu uma “epidemia” de adolescentes grávidas.
As estatísticas nos mostram que nos últimos anos o número de adolescentes grávidas vem crescendo significativamente. Somente no ano de 2022 foram realizados mais de 400mil partos em adolescentes por todo o país (Ministério da Saúde, on-line, 2022). Este fenômeno não acontece só no Brasil, mas também em outros países, como por exemplo, nos Estados Unidos e na América Latina, onde essa situação ocorre com bastante frequência. Acrescenta-se ainda que vários problemas de saúde são decorrentes deste processo tais como a anemia, desnutrição, sobrepeso, hipertensão, pré-eclâmpsia, desproporção céfalo-pélvica e depressão pós-parto (NASCIMENTO; XAVIER, SÁ, 2011).
Outrossim, ressalta-se que historicamente o fato de as mulheres engravidarem no início de sua vida reprodutiva não é inusitado. Contudo, o quadro de aceleradas mudanças demográficas, associado a uma difusão maciça de informações no campo da sexualidade, inexistente no cenário de gerações precedentes e torna o fenômeno difícil de ser compreendido. Outro aspecto relevante é que o exercício da sexualidade juvenil não se encontra mais submetido ao casamento como fora outrora.
Profundas mudanças operadas na acepção social das idades e do gênero redefiniram as expectativas sociais depositadas nos jovens. Contornos singulares são conferidos a uma gestação que passa a ser considerada “precoce” no seio de um conjunto de representações sociais, que a projetam como um retrocesso e uma ameaça à concretização dos ideais contemporâneos associados à juventude. Essa conjuntura confere, no mínimo, um grau considerável de ambiguidade à questão.
Dessa maneira, a maternidade na adolescência é considerada indesejável e apontada como origem de vários problemas; pois se tornou incompatível com as novas demandas sociais, ao mesmo tempo em que é estimulada por diversos meios sociais.
Nesta perspectiva, nota-se que as expectativas sociais diante da adolescência alteram- se social e historicamente: o que em dado momento é tido por aceitável e “natural”, em outro contexto considera-se inaceitável. Assim, a gravidez na adolescência no Brasil tem sua própria vitalidade e particularidade.
A constatação do aumento da fecundidade entre jovens dos 10 aos 14 anos, transforma o Brasil em um dos países que mais sofrem com o impacto na saúde pública no que se refere ao fenômeno gravidez na adolescência.
No Brasil, a gravidez na adolescência ainda é vista como indesejada e decorrente da falta de informação sexual dos jovens com relação ao uso de contraceptivos. Esta ideia, apesar de muito difundida, não considera a complexidade da questão, que está muito além da desinformação sexual (DADOORIAN, 2000, p.12).
Estima-se que no Brasil um milhão de nascidos a cada ano têm mães com idade entre 10 a 19 anos, o que corresponde a 20% do total de nascidos no País.
Segundo o Ministério da Saúde (on-line, 2023), em 2022 foram houve redução de 18% no número de gestações na adolescencia. Ainda assim, são 380 mil partos em que as mães são meninas de até 19 anos, o que representa 14% dos nasmentos no Brasil.
Encontrar-se inesperadamente com uma gravidez na adolescência é ter que assumir uma posição de enfrentamento com toda a sociedade, e é para a adolescente ter que assumir vida sexual ativa, fugindo das condutas delineadas pela sociedade. A passagem das fases naturais de uma mulher é acelerada de forma brutal e violenta, fazendo com que ela viva uma situação conflitiva. Se para a mulher adulta ser mãe é árduo, com certeza, terá mais dificuldades uma adolescente para assumir seu novo papel.
5. A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NA ADOLESCÊNCIA
A família é uma instituição que se adapta a partir de influências religiosas, políticas, sociais e morais de cada época. Dentro da família o indivíduo nasce, cresce, desenvolve-se e morre, dessa forma a família é considerada a base da formação de uma pessoa para o relacionamento com seus semelhantes em uma sociedade.
Ao longo do tempo a família passou por inúmeras transformações inclusive no que diz respeito a sua formação, pois a família do passado era formada por um grande número de indivíduos e com o passar do tempo foi diminuindo, formando a chamada família nuclear, composta pelo pai, pela mãe e pelos filhos.
A família passou por várias mudanças até chegar a nossa atual concepção. Este processo de construção da família está baseado na articulação entre a história da família e a história da infância, com o surgimento de um “sentimento de família” e um “sentimento de infância” (ARIÈS, 1981 apud DADOORIAN, 2000, p. 93).
A atual família brasileira tem como referência o modelo patriarcal e isto se evidencia quando percebemos, através das pesquisas, que a maioria das adolescentes grávidas tem vontade de ter a sua casa e de morar com o marido e os filhos. A gravidez na adolescência, ao mesmo tempo em que exige novos arranjos na estrutura e funcionamento familiar, questiona os pais e a própria adolescente sobre os modos de percepção e expressão da sexualidade.
Não obstante, a família tem papel determinante para a formação da pessoa e sua integração social. De maneira geral, ela funciona como espaço indispensável para garantia de sobrevivência, de desenvolvimento e da proteção integral dos filhos e demais membros, independente do arranjo familiar ou da forma como vem se estruturando. Ela desempenha um papel decisivo na educação formal e informal, pois é em seu espaço que são absorvidos os valores éticos e humanitários e onde se aprofundam laços de solidariedade.
Ao contrário da imagem coletiva de perfeição e harmonia, é comum que haja na família a existência de conflitos, especialmente entre pais e filhos durante o período da adolescência. No entanto, quando esses se tornam constantes, ou seja, quando o diálogo entre ambos torna-se insuficiente, o adolescente passa a sentir falta de uma relação mais próxima e amorosa com seus pais, o relacionamento entre ambos é prejudicado e isso cria dificuldades para o seu desenvolvimento.
A ausência de laços afetivos fortes na família, a pouca atenção voltada aos peculiares problemas dos adolescentes e o sentimento de abandono são fatores que concorrem para levar a jovem a apoiar-se apenas no namorado. Nos casos em que se configurar o receio e abandono também por parte deste, a adolescente, já carente de afetividade, vai aceitando o curso que o namoro vai tomando, sem aperceber-se dos riscos físicos e emocionais a que está sujeita. Além disso, pode ver na gravidez, a solução para agredir os pais, punindo-os pela falta de afeto (SWAIN, 2004).
Grande parte dos pais acha que conversar sobre sexo com seus filhos é uma coisa desrespeitosa e constrangedora, gerando assim adolescentes mal instruídos, induzindo a um risco maior de iniciar sua vida sexual sem nenhum conhecimento.
A educação sexual existe desde que o bebê se encontra no útero materno. É feita através de atos, palavras e, principalmente, atitudes dos que convivem com a criança. Quando o pai belisca o traseiro da mãe, ele está mostrando desejo. Quando ela responde com olhar carinhoso ou malicioso, ou reclama e fica brava, ela também está ensinando algo. Essa “educação do dia-a-dia” é a mais importante que a criança recebe: é a que estabelece sua postura frente à sexualidade (SUPLICY, 1991 apud MONTEIRO, CUNHA E BASTOS, 1998, p.17).
A maioria dos pais idealiza que seus filhos realizem sonhos e ideais paternos não concretizados, limita-se a impor suas vontades e assim esquecem que seus filhos precisam de orientação e apoio para tomar suas próprias decisões. Muitas vezes o adolescente aparece com novas linguagens como é o caso das gírias, estilos diferentes de se vestir e se comportar e usa isso como forma de enfrentar sua família. Para o adolescente enfrentar os pais é enfrentar o mundo.
A gravidez precoce representa mudanças bruscas na vida da adolescente, tanto na parte física quando na parte psicossocial, por isso é muito importante o apoio do seu companheiro, dos amigos, mas principalmente da família. Os pais são peças fundamentais na orientação dos jovens, sobretudo no caso de uma gravidez indesejada, embora nem sempre consigam cumprir tal tarefa.
Conhecer sobre sexo e gravidez é fundamental para a compreensão da própria vida. Toda adolescente deve ter a oportunidade de aprender a respeito de uma das experiências mais fundamentais da vida de seus pais, que apesar de geralmente reservados, são as pessoas mais indicadas para expor aos filhos os fatos sobre relação sexual. A educação sexual é a preocupação da maioria dos pais, dada a importância do sexo na vida do indivíduo e à dificuldade que os próprios pais têm em orientar seus filhos sobre o assunto. Falar em sexo termina sendo um tabu no seio da família (SILVA, 2008, p. 16).
De acordo com pesquisa realizada por Bocardi (2003), a concepção de uma criança altera a vida não só da adolescente, mas também de toda a família, estabelecendo uma inversão de papéis, tendo em vista que a adolescente deixa o papel de filha para assumir o papel de mãe. Nesse contexto, a família sente todas essas mudanças decorrentes do nascimento da criança, inclusive com o aumento da preocupação, passando dessa forma a cuidar não só da criança como também da jovem mãe, além disso, se estabelecem rotinas e horários, que mudam os hábitos dessa família.
Para a adolescente a mudança de vida acontece de forma radical; no primeiro momento, há a tendência de abandonar os estudos e, assim, surge à interferência em sua relação social. Após o nascimento da criança, a obrigação em estar sempre ao lado do filho, amamentando ou prestando cuidados, afasta ainda mais a adolescente de seu convívio social, interrompendo o vínculo afetivo com seus amigos, pois o filho impede que estas jovens exerçam atividades peculiares a sua idade, como vinha acontecendo anteriormente à gestação. Este isolamento do grupo de amigos é natural, uma vez que estes continuam vivendo seus sonhos de adolescentes e caminhando para o desenvolver da idade adulta; entretanto, as mães adolescentes precisam assumir abruptamente esse papel, o que acarreta responsabilidades independentemente do querer tê-las ou não (BOCARDI, 2003, p. 111).
Bocardi (2003) diz que além da perda nas relações sociais as adolescentes também sentem a necessidade de trabalhar para ajudar no orçamento da família, dessa forma o sonho de voltar a estudar torna-se mais distante ainda.
Independente da classe social ou da cultura, a gravidez na adolescência acarreta em perdas e mudanças profundas na vida da adolescente, o que diferencia é que nas classes mais baixas, as meninas são obrigadas a trabalhar para ajudar no sustento da família.
Em relação aos cuidados com as crianças, Bocardi (2003) refere em sua pesquisa que todas as adolescentes precisam da ajuda de suas mães na assistência as crianças, pois se sentem inseguras ao assumir os cuidados sozinhas. As que se casam dizem que seus companheiros não ajudam nos cuidados com o bebê e se justificam pelo fato de estarem estudando e trabalhando, esta situação passa a ser mais um problema para a adolescente, pois sentem a necessidade de dividir preocupações e anseios com seus companheiros.
Assim, podemos dizer que as adolescentes grávidas percorrem um longo e doloroso caminho, desde o momento da notícia da gravidez até o nascimento do bebê, com muitas perdas em vários níveis, pessoal, social, educacional dentre outros e a família tem papel fundamental e estruturante para com o futuro dessas jovens mães. Mas, se as famílias não estão estruturadas para tal orientação, seria importante que o Estado tomasse em conta essa responsabilidade, desenvolvendo políticas voltadas a tal propósito.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final deste estudo, pudemos entender melhor o universo das adolescentes grávidas dentro das suas especificidades e responsabilidades que surgem quando estas passam a ser mães.
São bastante significativas as mudanças que acontecem na vida das adolescentes grávidas, desde simples mudanças físicas até problemas sociais significativos advindos desta condição, não só para as jovens mães, mas também para toda sua família.
O que se evidencia é que as adolescentes grávidas necessitam de atenção especial, com programas que atendam as suas necessidades específicas, com atendimento multidisciplinar para atender essas adolescentes que se encontram fragilizadas com essa situação, pois a maioria delas não tem condições financeiras nem emocionais para assumir a maternidade.
Para realizar uma ação interligada, torna-se essencial apoiar a criação de programas que têm como objetivo trabalhar com a prevenção da gravidez na adolescência, dando atenção especial àquelas jovens que correm maior risco de engravidar, bem como do estado ampliar a qualidade da APS e da educação enquanto garantias constitucionais que podem ressignificar o processo de gravidez na adolescência no Brasil, sobretudo, quando se considera que o Brasil figura a segunda posição no ranking mundial.
Trata-se, assim, de acreditar que a gravidez na adolescência não é uma espécie de epidemia a ser erradicada, mas que cabe ao Estado e à sociedade organizada oferecer meios não coercitivos para que o adolescente, bem como todo o cidadão brasileiro, possa determinar o número de filhos que pretende ter, quando isso deve acontecer, bem como viabilizar a sua constituição familiar. Trata-se também, numa proposta de pesquisa-intervenção, de construir espaços de diálogo, reflexão e cidadania, para e com os adolescentes de classes populares. Espaços onde possam rediscutir a própria noção de gravidez na adolescência, contextualizando-a, historiando-a e mostrando a sua heterogeneidade para, então, problematizá-la tendo em vista a história de vida de cada sujeito, sua família e sua comunidade, no contexto de alternativas concretas e opções autônomas.
Portanto, não basta controlar os danos e consequências negativas da gravidez na adolescência. É preciso educar e qualificar culturalmente os jovens e as suas famílias para evitar a situação.
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1 Graduanda em Medicina pela UNINORTE-AC
2 Médica. Pós-Graduada em Medicina da Família e Comunidade. Orientadora de TCC e Preceptora do Curso de Medicina da UNINORTE-AC
3 Pós-Doutorado em Ensino pelo PPGE/UERN. Docente da UFPB e professor permanente no MPLE/UFPB e PROLONG/UFPB.