AS DIFERENTES INCIDÊNCIAS DO PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE FRENTE A IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7766955


Leonardo Barbosa Beserra


RESUMO: O direito tributário é disciplina jurídica com acentuada autonomia em relação às demais e parte disso se dá pelo denso arcabouço principiológico que o rege. Muitos desses princípios são de índole constitucional. Destaca-se neste ensaio o princípio da não-cumulatividade. Nessa esteira, será analisado o conceito do referido princípio bem como seu encaixe como técnica de tributação. A problemática principal deste artigo é analisar a manifestação do princípio da não-cumulatividade frente aos tributos diversos, tais como o imposto sobre produtos industrializados – IPI, imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS e das contribuições do PIS e COFINS. O método utilizado foi a pesquisa bibliográfica, utilizando-se a doutrina, legislação e decisões judiciais. Ademais, chegou-se à conclusão de que as diferenças de regimes dos impostos e contribuições no âmbito da não-cumulatividade trazem consequências no campo da natureza do direito discutido e no aspecto material dos tributos.

Palavras-chave: Não-cumulatividade. IPI. ICMS. PIS. COFINS.

Sumário: 1. Introdução. 2. A não-cumulatividade tributária: princípio e/ou técnica de tributação. 3. Contornos da não-cumulatividade nos impostos. 4. A não-cumulatividade e as contribuições (PIS e COFINS) 5. As consequências da não-cumulatividade em impostos e contribuições. 6. Considerações finais. Referências.

1. INTRODUÇÃO

Atualmente, existem no ordenamento jurídico pátrio cinco tributos nos quais o princípio da não-cumulatividade incide, sendo três deles caracterizados como impostos e dois caracterizados como contribuições.

Os referidos tributos são o imposto sobre produtos industrializados – IPI; imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS; impostos residuais; contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS; e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS.

Ocorre que o delineamento constitucional do referido princípio trás consequências distintas a cada um deles, sendo que a importância da matéria levou os Tribunais Superiores a enfrentarem o tema, assentando entendimentos no sistema de precedentes judiciais vinculantes.

Os contornos do princípio da não-cumulatividade no âmbito de cada tributo e as consequências normativas e práticas serão abordadas ao longo deste trabalho.

2. A NÃO-CUMULATIVIDADE TRIBUTÁRIA: PRINCÍPIO E/OU TÉCNICA DE TRIBUTAÇÃO

A doutrina assim define a não-cumulatividade:

A não cumulatividade é uma técnica de tributação que visa impedir que incidências sucessivas nas diversas operações de uma cadeia econômica de produção ou comercialização de um produto impliquem ônus tributário muito elevado, decorrente da tributação da mesma riqueza diversas vezes. Em outras palavras, a não cumulatividade consiste em fazer com que os tributos não onerem em cascata o mesmo produto. (PAUSEN, 2020, pag. 228)

Nessa esteira, é pressuposto para a incidência deste instituto a ocorrência de uma cadeia de incidências consecutivas do mesmo tributo sobre a mesma riqueza, com a cobrança efetiva da oneração tributária em todas elas.

A Constituição Federal prevê a não-cumulatividade em vários dispositivos, tais como art. 153, §3º, II; art. 154, I; art. art. 155, §2º, I e art. 195, §12, mas a definição legal do instituto foi trazida no bojo do Código Tributário Nacional – CTN:

Art. 49. O imposto é não-cumulativo, dispondo a lei de forma que o montante devido resulte da diferença a maior, em determinado período, entre o imposto referente aos produtos saídos do estabelecimento e o pago relativamente aos produtos nele entrados. (BRASIL, 1966)

Dessa forma, a não-cumulatividade é técnica ou princípio tributário por meio do qual se busca extirpar a denominada “tributação em cascata”, que onera as sucessivas operações e prestações com bens e serviços sujeitos a determinado tributo (CAVALCANTE, 2023). 

Note-se que a doutrina se divide na caracterização da não-cumulatividade como princípio ou técnica de tributação, visto que o CTN não é claro em defini-lo. SABBAG assim refere ao instituto:

No âmbito do ICMS, por exemplo, o princípio da não cumulatividade se mostra mais didaticamente assimilável, o que nos leva a procurar entendê-lo a partir desse gravame estadual, para, após, estendê-lo aos dois demais impostos federais. [omissis] Em razão do princípio em estudo, a incidência do imposto ocorre sobre o valor agregado ou acrescido em cada operação, e não sobre o valor total, não se permitindo a tributação em cascata. É o princípio da não cumulatividade no ICMS, cujos contornos elementares podem ser estendidos aos dois demais impostos. (ANO, pag. 55/56)

De outro lado: 

A não cumulatividade é técnica que tem por objetivo limitar a incidência tributária nas cadeias de produção e circulação mais extensas, fazendo com que, a cada etapa da cadeia, o imposto somente incida sobre o valor adicionado nessa etapa. Assim, ao final da cadeia, o tributo cobrado jamais será maior que o valor da maior alíquota, multiplicado pelo valor final da mercadoria. (ALEXANDRE, 2017, pág. 665)

Neste trabalho, prefere-se a corrente de que a não-cumulatividade é, predominantemente, um princípio de direito tributário, na medida em que se coaduna com a definição de princípio estabelecida na melhor doutrina, ou seja, constitui norma jurídica com mandado de otimização, com forte carga axiológica e variados graus de possibilidades de efetivação (NASCIMENTO, 2022).

Não obstante, seja lá o prisma que se analise o instituto, sabe-se que ele pretende evitar  a incidência de tributo sobre tributo. 

O faz no sistema de débitos e créditos, no qual a cada aquisição tributada de insumo, o adquirente registra como crédito o valor do tributo incidente na operação, ao passo que a cada alienação tributada de produto, o alienante registra como débito o valor do tributo incidente na operação. Ao fim, faz-se uma comparação entre os débitos e créditos, na qual gerará um dever de recolhimento do tributo ou direito a compensação pelo saldo verificado. (ALEXANDRE, 2017)

3. CONTORNOS DA NÃO-CUMULATIVIDADE DOS IMPOSTOS

Como dito acima, a Constituição Federal comanda que a não-cumulatividade deve ser aplicada no IPI, ICMS e imposto residual federal eventualmente instituído. Quanto ao IPI, define:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

[…]

IV – produtos industrializados;

[…]

§ 3º O imposto previsto no inciso IV:

I – será seletivo, em função da essencialidade do produto;

II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores; (BRASIL, 1988)

Do mesmo modo, disciplina acerca do ICMS: 

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: 

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; 

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

III – propriedade de veículos automotores.

[…]

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

Observa-se que a Constituição Federal deu todos os contornos para o cumprimento do princípio da não-cumulatividade, regrando a forma como será operacionalizado, nos moldes expostos pela doutrina, com a compensação, em cada operação, do tributo recolhido nas anteriores. 

É claro que aspectos mais técnicos e instrumentais deste comando constitucional foram mais bem entabulados no CTN e na Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir).

O importante das disposições acima tratadas é o que se extrai da norma constitucional, que é a obrigatoriedade da sistemática de não-cumulatividade nos impostos tratados. Ou seja, o legislador, quando tratar do IPI, ICMS ou Imposto Residual, não poderá normalizá-los de modo em que sejam cumulativos nas sucessivas operações. (PAUSEN, 2020)

O Superior Tribunal de Justiça tem entendido, inclusive, que é inválida norma estadual que restringe a não-cumulatividade:

1. A LC 87/1996, em harmonia com a CF/1988, assegura o direito à compensação, levando em consideração o imposto devido em cada operação na qual haja circulação de mercadoria ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, sem impor que a operação antecedente refere-se a uma determinada mercadoria ou serviço. Destarte, a regra contida no regulamento estadual (art. 37, § 8o. do RICMS/RS) inova o ordenamento jurídico, ou seja, a Administração Pública Estadual, ao exigir que a compensação ocorra entre produtos agropecuários da mesma espécie da que originou o respectivo crédito (não estorno), criou regra nova de compensação do ICMS (por ato infralegal), que não é prevista nem na Constituição Federal nem na LC 87/1996. Desse modo, viola o art. 20, § 6o. da LC 87/1996 a disposição contida em norma infralegal estadual que restrinja seu âmbito de aplicação, criando regra nova de compensação do ICMS, sobretudo porque tal matéria é reservada à lei complementar. Precedente: REsp. 897.513/RS, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 8.2.2013. 2. Agravo Interno do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL a que se nega provimento. (BRASIL, 2019)

A sistemática adotada de forma obrigatória pela Constituição Federal quanto ao IPI e ICMS se justifica por tratar-se de tributos que incidem na circulação de produtos no mercado de consumo, que ocasionam várias operações de aquisição da mesma mercadoria por diversos atores econômicos.

Dessa forma, mesmo que ausente a previsão nas leis de regência do IPI e do ICMS, os contribuintes fariam jus ao mecanismo de registro de débitos e créditos para fins de dar concretude ao princípio da não-cumulatividade por decorrer diretamente do texto constitucional. (CAVALCANTE, 2023)

4. A NÃO-CUMULATIVIDADE E AS CONTRIBUIÇÕES (PIS E COFINS)

Cabe destacar, em princípio, que as contribuições do PIS e COFINS não se assemelham com os impostos tratados no item anterior. Estes possuem fato gerador ligado à circulação de produtos e prestação de alguns serviços, como no caso do ICMAS. 

Já o PIS e COFINS possuem como fato gerador o auferimento de receitas, com exceção do PIS-folha e PIS e COFINS-Importação, nos quais os fatos geradores são a folha de salários e o ato de importar. (CASTRO, LUSTOZA e GOUVÊA, 2015)

Esta diferença marcante de fatos geradores já seria suficiente para profundas diferenças na incidência da não-cumulatividade nas contribuições em comparação com os impostos retro mencionados. 

Ocorre que, originariamente, o princípio da não-cumulatividade não era previsto para as contribuições. No ano de 2003, a Emenda Constitucional nº 42 inseriu o referido princípio no âmbito das contribuições com a inserção do §12 no art. 195 da Constituição Federal. 

O referido dispositivo assim disciplina:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: […]

§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do capu t, serão não-cumulativas. (BRASIL, 1988)

Veja-se que a norma constitucional definidora do princípio nas contribuições é sensivelmente distinta. Diferentemente do que ocorre com os impostos, o texto da certa maior deixou a cargo da legislação ordinária a definição dos setores onde o princípio seria aplicado.

Com isso, a incidência do princípio em tela ficou a cargo da opção de política fiscal, dando ensejo ao surgimento de dois regimes de tributação das contribuições do PIS e COFINS, um cumulativo e outro não-cumulativo.

As empresas que optarem pela apuração do lucro real para incidência das contribuições do PIS e COFINS estão sujeitas à incidência do princípio da não-cumulatividade ao passo que aquelas que optarem pela sistemática do lucro presumido não serão abrangidas pelo referido princípio. (CASTRO, LUSTOZA e GOUVÊA, 2015)

No entanto, ao exercer a opção pela coexistência dos dois regimes e ao disciplinar o regime não cumulativo, o legislador deve ser coerente e racional, observando o princípio da isonomia, a fim de não gerar desequilíbrios concorrenciais e discriminações arbitrárias ou injustificadas. (CAVALCANTE, 2023)

Estabelecidas essas premissas, cabe esclarecer como funciona a não-cumulatividade das contribuições em comento. Sobre o tema cabe a seguinte lição doutrinária: 

A não-cumulatividade do PIS e da COFINS é própria e deve ser adequada e correspondente à natureza do fato gerador das contribuições, vale dizer, a receita bruta. De outro turno, à míngua de determinações constitucionais ou mesmo de uma teoria sólida como a dos créditos físicos, reais e condicionados, aplicáveis ao IPI e ao ICMS (malgrado também sujeita a discussões), não há critério prévio que possa definir as operações aptas a gerar crédito. Neste contexto, são capazes de gerar créditos as operações definidas pelo direito positivo, vale dizer, as operações expressas pela lei e aquelas acolhidas pelo Poder Judiciário. (CASTRO, LUSTOZA e GOUVÊA, 2015, pag. 556)

Dessa forma, conclui-se que a não-cumulatividade das contribuições do PIS e da COFINS ocorre pela forma de cálculo da receita bruta onde incidirá a alíquota tributária. As operações que a lei determinar terão seus valores excluídos da renda bruta, de forma que essa será reduzida com registro dos valores autorizados pelo regime não-cumulativo.

Neste toar, por exemplo, a Lei nº 10.833/2003 estabelece operações a serem excluídas da receita bruta para fins de não-cumulatividade:

Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:

I – bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos:

a) no inciso III do § 3o do art. 1o desta Lei; e 

b) nos §§ 1o e 1o-A do art. 2o desta Lei;

II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2o da Lei no 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da Tipi;

III – energia elétrica e energia térmica, inclusive sob a forma de vapor, consumidas nos estabelecimentos da pessoa jurídica; (BRASIL, 2003)

Sendo assim, ao invés de pagar a diferença entre créditos e débitos ocorrida nos impostos, a não-cumulatividade das contribuições consiste na retirada de determinadas operações da cadeia produtiva tributada e, consequentemente, da base de cálculo.

5. AS CONSEQUÊNCIAS DA NÃO-CUMULATIVIDADE EM IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES

As diferentes formas de incidência do princípio da não-cumulatividade dos impostos e contribuições geram uma gama de consequências jurídicas a serem enfrentadas pelos intérpretes. Tentaremos trazer as mais marcantes. 

A primeira delas é que a aplicação do princípio em voga gera, no âmbito das contribuições, a redução da base de cálculo do tributo com a exclusão de determinadas operações, de forma que, por impactarem na regra matriz, devem estar previstas em lei. 

Há aqui uma forma de não-cumulatividade quase que ficta, pois não se compensa o tributo pago na operação anterior, e sim há a exclusão do valor total da operação da base de cálculo.

Ademais, não há obrigatoriedade de adoção do regime não-cumulativo pelo legislador.

No que tange aos impostos o quadro é completamente distinto. Não há redução das bases de cálculos do IPI ou ICMS. A não-cumulatividade é real. O imposto é calculado normalmente com incidência da alíquota sobre a base de cálculo. No entanto, como os produtos que sofrem a incidência tributária já foram objeto de exações dos mesmos tributos em operações anteriores, apura-se o que já foi pago e desconta-se do que será pago.

Para melhor ilustrar, tomemos a seguinte situação como exemplo:

Suponhamos que a indústria pagou R$ 100 mil para o fornecedor do plástico; imagine que de R$ 100 mil, R$ 10 mil é referente ao IPI, ou seja, essa quantia é custo de IPI que o fornecedor repassou para a indústria. Vamos agora imaginar que a indústria vendeu os computadores e, por essa venda, foi cobrada R$ 500 mil de IPI. Como a indústria já pagou R$ 10 mil na aquisição dos insumos, vai utilizar esse crédito para descontar do valor do IPI e assim só irá pagar R$ 490 mil de IPI pelas vendas. Isso é a não cumulatividade. (CAVALCANTE, 2023)

Isto acaba por determinar em cada caso, pontos polêmicos de natureza diversas. Nos casos do IPI e ICMS, discute-se sobre o creditamento ou não sobre operações anteriores beneficiadas por isenções ou imunidades. Nos casos do PIS e COFINS, discute-se o alcance das operações descritas em lei a situações concretas para fins de exclusão da base de cálculo, como é o caso da interpretação de “insumo” constante do art. 3º, II, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.

Outra consequência é a natureza da discussão sobre o instituto. Quantos aos impostos, por terem a não-cumulatividade delineada na Constituição Federal, atraem o cabimento do Recurso Extraordinário e, consequentemente, a atuação do Supremo Tribunal Federal. Já as contribuições, tiveram relegadas à legislação infraconstitucional a normatização da não-cumulatividade, atraindo a atuação do Superior Tribunal de Justiça, via Recurso Especial, para decidir as controvérsias atinentes. 

A última consequência é a autonomia do legislador ordinário para determinar os contornos da não-cumulatividade. No caso dos impostos, não há autonomia, pois o regime é de imposição constitucional, sendo direito subjetivo dos contribuintes. Já no caso das contribuições o legislador tem liberdade de definição, contanto que seja coerente e racional. 

Insta consignar que o Supremo Tribunal Federal jugou, em sede de repercussão geral, discussões acerca da não-cumulatividade, onde coadunou-se com a tese aqui defendida:

I. O legislador ordinário possui autonomia para disciplinar a não cumulatividade a que se refere o art. 195, § 12, da Constituição, respeitados os demais preceitos constitucionais, como a matriz constitucional das contribuições ao PIS e COFINS e os princípios da razoabilidade, da isonomia, da livre concorrência e da proteção à confiança; II. É infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a discussão sobre a expressão insumo presente no art. 3º, II, das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03 e sobre a compatibilidade, com essas leis, das IN SRF nºs 247/02 (considerada a atualização pela IN SRF nº 358/03) e 404/04. III. É constitucional o § 3º do art. 31 da Lei nº 10.865/04. (BRASIL, STF, 2022) 

Dessa forma, o STF entendeu que o § 12 do art. 195 da CF autoriza o legislador a limitar o regime não cumulativo de modo a não gerar desequilíbrios concorrenciais e discriminações arbitrárias ou injustificadas. Mais ainda, assentou que a discussão sobre o que consistem insumos deve ocorrer no âmbito do STJ.

Ocorre que o STJ já havia fixado tese sobre o tema, a qual estava suspensa aguardando o julgamento do tema 756 da Repercussão Geral do STF, quando do julgamento do tema repetitivo 780:

[…] PIS E COFINS. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. NÃO-CUMULATIVIDADE. CREDITAMENTO. CONCEITO DE INSUMOS. DEFINIÇÃO ADMINISTRATIVA PELAS INSTRUÇÕES NORMATIVAS 247/2002 E 404/2004, DA SRF, QUE TRADUZ PROPÓSITO RESTRITIVO E DESVIRTUADOR DO SEU ALCANCE LEGAL. DESCABIMENTO. DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE INSUMOS À LUZ DOS CRITÉRIOS DA ESSENCIALIDADE OU RELEVÂNCIA. […] 1. Para efeito do creditamento relativo às contribuições denominadas PIS e COFINS, a definição restritiva da compreensão de insumo, proposta na IN 247/2002 e na IN 404/2004, ambas da SRF, efetivamente desrespeita o comando contido no art. 3o., II, da Lei 10.637/2002 e da Lei 10.833/2003, que contém rol exemplificativo. 2. O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte. […] 4. Sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 (arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015), assentam-se as seguintes teses: (a) é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003; e (b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de terminado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte. (BRASIL, STJ, 2018)

Neste ínterim, ficou a cargo do STJ definir os contornos do que seria “insumo” após a conjugação do tema nº 756 da Repercussão Geral do STF e do tema repetitivo nº 780 do STJ.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O princípio da não-cumulatividade possui índole constitucional e foi pensado para atenuar os efeitos deletérios da “tributação em cascata” dentro da cadeia produtiva. Ele representa uma forma de intervenção estatal na economia, possuindo nítido caráter de extrafiscalidade.

Ocorre que, dependendo da espécie tributária na qual incida, adquire roupagens diferentes, atuando em pontos diversos dos aspectos de cada tributo, principalmente quando comparamos impostos e contribuições.

De fato, nos impostos a não-cumulatividade possui aspecto real e nas contribuições é, digamos, fictício. Nestas, o princípio atua abrandando a base de cálculo excluindo determinadas operações do conceito de renda bruta. Naquelas, compensam-se tributos já pagos com os que serão pagos.

Cabe ainda afirmar que no IPI e ICMS, o regime não-cumulativo é obrigatório, ao passo que no PIS e COFINS coexistem sistemática cumulativa e não-cumulativa por expressa permissão constitucional.

REFERÊNCIAS

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______. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Brasília, 1966. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm>. Acesso em: 28 jan. 2023.

______. Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003. Altera a Legislação Tributária Federal e dá outras providências. Brasília, 2003. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.833.htm>. Acesso em: 28 jan. 2023.

______. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário 841979/PE. Tema 756 – Alcance do art. 195, § 12, da Constituição federal, que prevê a aplicação do princípio da não-cumulatividade à Contribuição ao PIS e à COFINS. Relator: Min. DIAS TOFFOLI, 25 de novembro de 2022. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4647544&numeroProcesso=841979&classeProcesso=RE&numeroTema=756>. Acesso em: 20 jan. 2023.

______. Superior Tribunal de Justiça (1. Turma). Agravo Interno no Recurso Especial n. 1.513.936/RS. ICMS. Aproveitamento. Exigência de que a compensação ocorra entre produtos agropecuários da mesma espécie da que originou o respectivo não estorno. Norma estadual (RICMS/RS) que viola o art. 20, § 6o. Da lc 87/1996. Agravo interno do estado do Rio Grande do Sul a que se nega provimento. Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. 27/5/2019. Disponível em <https://processo.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=%28%28AIRESP.clas.+ou+%22AgInt+no+REsp%22.clap.%29+e+%40num%3D%221513936%22%29+ou+%28%28AIRESP+ou+%22AgInt+no+REsp%22%29+adj+%221513936%22%29.suce.>. Acesso em 20 jan. 2023.

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