AS BIG TECHS, A PRODUÇÃO DE FAKE NEWS E A EXTREMA DIREITA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202503071344


Marcos de Oliveira Silva1
Orientador: Artur Bispo dos Santos Neto2


Uma das principais preocupações e desafios das democracias liberais contemporâneas é o combate às Fake News, que poderiam ser entendidas literalmente como notícias falsas, isso poderia passar a impressão de notícia sem a devida checagem, de erro factual ou dado impreciso. A produção de Fake News, entretanto, não é espontânea, nem um deslize jornalístico. É um trabalho arquitetado pela extrema direita em escala mundial, da qual participam várias think tanks neoliberais e anarcocapitalistas, entre as quais, não é raro, a presença de supremacistas brancos e segmentos neonazistas. Essas Fake News e teorias conspiratórias, têm impulsionado movimentos de extrema direita no mundo. Circulam graças a cumplicidade das BIG TECHS, as quais não apenas permitem a circulação de notícias falsas e postagens neonazistas, como também impulsionam e favorecem essas postagens, graças a lógica do seu algoritmo e da economia da atenção3.

Para analisar as BIG TECHS e sua espinha dorsal, seus algoritmos, e a lógica que orienta os CEOS dessas empresas, recorreremos ao Livro A Máquina do Caos, do jornalista Max Fisher4. Também faremos uma análise de como as Think Tanks de extrema direita, ligadas a Atlas Network, fazem parte da máquina de produzir mentiras, teorias da conspiração, cujo conteúdo de cunho anticomunista, orientalista, racista e revisionista histórico, pretende, ao fim e ao cabo, defender uma visão de mundo ultraliberal, onde todos são empresários de si mesmos, não existindo luta de classes. O fracasso pessoal, teria duas causas: a falta de mérito do próprio sujeito, ou a presença do estado5, que impede esse indivíduo de exercer a sua liberdade total, ou limita as leis naturais, quando desenvolve políticas afirmativas de proteção às minorias. 

O Vale do Silício6, localizado na região da Baía de São Francisco, Califórnia, surgiu como um polo de inovação tecnológica a partir da década de 1950. A sua origem está intimamente ligada aos investimentos em pesquisa e desenvolvimento feitos por universidades como Stanford, empresas estatais como a NASA e o próprio departamento de defesa dos Estados Unidos, o Pentágono está diretamente ligado a criação do Vale do Silício. Também houve o apoio financeiro de empresas de capital de risco. William Shockley, co-inventor do transistor, foi um dos pioneiros ao fundar a Shockley Semiconductor Laboratory em 1956, o que atraiu outros talentosos cientistas e engenheiros para a região. Entre os principais empresários que contribuíram para a consolidação do Vale do Silício estão figuras como Steve Jobs e Steve Wozniak (Apple), Bill Gates e Paul Allen (Microsoft), Larry Page e Sergey Brin (Google), e Elon Musk (Tesla e SpaceX). Ao longo das décadas seguintes, o Vale do Silício se tornou o coração da revolução tecnológica, impulsionando inovações que transformaram a sociedade global.

Segundo Max Fisher, o Vale do Silício foi formado por homens brancos, geeks, incels e misantropos. Boa parte havia desistido das universidades, não tinham vida social, na sua gestão, enquanto empresários, imperava o chauvinismo e a cultura do assédio moral e do que denominavam Majoritarismo7, visto como sinônimo de meritocracia (Fisher, M.2018.  pag. 73).

A misoginia, o antifeminismo é parte dessa cultura, onde crescem os ditos Red Pills, incels e masculinistas8. Boa parte dos engenheiros e programadores, além dos próprios empresários ligados às BIG TECHS vieram do nicho gamer. Em geral, nesses jogos, os homens continuam a salvar a princesa indefesa e as personagens femininas são hipersexualidades, sua função nos jogos é ser salva por homens.  Por isso, quando 

Zoe Quinn, programadora de jogos de São Francisco, foi elogiada pelo jogo “Depression Quest” um simulador de como lidar com a depressão, o Reddit e o 4 Chan, foram palcos de justiçamento masculino, seu e-mail foi vazado, assim como seus documentos pessoais e seu endereço, muitas mensagens pediam o seu suicídio, “a fúria com Quinn e com a imprensa gamer supostamente corrupta tomou conta de parte do 4Chan e do Reddit, depois do Youtube”  (Fischer,M. 2018. Pag. 59).  

Os elogios a Zoe Quinn, foram vistos com desconfiança, insinuações machistas e todo tipo de calúnia. A imprensa gamer, havia se rendido a uma pauta feminista. Zoe Quinn, teria conseguido os elogios por meios sexuais. O “gamergate9”, seria um modelo de justiçamento virtual, que se tornaria comum nas redes sociais.  

Os empresários, engenheiros e programadores do Vale do Silício, são oriundos dessa cultura gamer e geek. Essas pessoas, além de homens brancos, são herdeiros da burguesia norte-americana ligada à tecnologia. Apesar de muito popular, é um mito, que essas empresas tenham surgido em garagens, sendo resultado de jovens geniais, hippies e investidores com faro para o negócio. Fischer nos mostra que: 

Ainda hoje, Shockley está só uns quatro ou cinco pessoas de praticamente toda figura conhecida nas redes sociais. Um dos seus primeiros funcionários, um engenheiro chamado Kleiner, fundou depois a Kleiner Perkins, firma de investimento que contratou Doerr. Doerr, que por sua vez, financiou a Amazon e o Google, onde seus conselhos – que aprendeu com Shockley – se tornaram a base para o modelo de negócios do Youtube. Outro pupilo de Doerr, Marc Andreessen, fundador do Netscape, se tornou um grande investidor e integrante da diretoria do Facebook, além de mentor pessoal de Mark Zuckerberg. Ele foi um dos fundadores de uma firma de investimentos que financiou, entre outras coisas, Slack, Pinterest e Twitter. (FISHER, M. 2018. P. 71-72).

É importante termos a exata noção de que estamos tratando de uma elite ligada à tecnologia. A mais alta e moderna burguesia norte americana branca. Os barões da tecnologia e das mídias sociais estão diretamente ligados a setores estratégicos do Estado Americano, como a Marinha e a NASA. O único idealismo desses bilionários é quebrar todas as barreiras que possam limitar ou diminuir os seus lucros. É uma espécie de neocolonialismo digital. Onde podem entrar em qualquer país10, sobrepondo suas legislações locais, e as únicas leis serão as cláusulas de usuário impostas pelas empresas. Analisar a atuação das grandes empresas de tecnologia da informação e das comunicações e mídias sociais, não pode estar dissociada do papel que essas cumprem dentro do neoliberalismo e mais precisamente dos interesses da burguesia do departamento de estado norte americano. As BIG THECS, são expressões da atual fase imperialista do capitalismo em crise. De acordo Cristiano Capovilla, Coordenador do Grupo de Pesquisa sobre “A luta contra a extrema-direita e o Neofascismo”, a leitura marxista nos diz que:

o processo de acumulação do capital sempre implica na transformação e criação de novas formas de valorização do valor, ampliando as possibilidades materiais do seu desenvolvimento e exploração, pois que sempre elabora novos dispositivos para sua auto reprodução. De fato, o horizonte de eventos contemporâneo conformado pela simbiose entre o neoliberalismo e os clusters das big techs está conduzindo as instituições que intermedeiam as relações políticas entre as nações, classes e indivíduos a uma profunda reforma. (       ) O neoliberalismo como expressão da complexa hegemonia do capital financeiro sobre o conjunto do sistema, isto é, sobre a maior parte das relações capitalistas de produção, apropriação e reprodução do mundo globalizado, propicia a atmosfera conveniente a expansão desmensurada das empresas tecnológicas e vice-versa. A própria característica intrínseca do capital financeiro em mover e circular gigantescos volumes de papeis especulativos esperando realização futura, que pode ocorrer ou não, valorizando-se ou desvalorizando-se instantaneamente, requer profunda interação com meios de monitoramento regular e contínuo no espaço digital11.

Capovilla, em seu artigo “Aproximações entre neoliberalismo, big techs e neofascismo” destaca a interconexão entre o processo de acumulação de capital, o neoliberalismo e a expansão das big techs. No contexto do imperialismo e da crise estrutural do capital, essa simbiose pode ser vista como uma nova fase do imperialismo, onde o capital financeiro exerce hegemonia não apenas sobre a economia, mas também sobre a infraestrutura tecnológica global. A crise estrutural do capital, marcada por ciclos recorrentes de expansão e recessão, encontra nas big techs um meio de estabilização temporária, ao criar novos mercados e formas de valorização. No entanto, essa dependência tecnológica também acentua desigualdades e a exploração, pois o controle sobre dados e informações se torna um novo campo de disputa imperialista, reforçando a dominação econômica e política dos países centrais sobre os periféricos. Assim, o neoliberalismo facilita a expansão descontrolada das BIG TECHS, enquanto estas, por sua vez, sustentam a financeirização e especulação características do capital em crise. 

As BIG TECHS, precisam ser vistas não apenas pela tecnologia que promovem, mas pelo que  são estratégicas ao Capital, especialmente ao norte americano. As redes sociais não são um campo em disputa, elas pertencem a extrema direita, e os grandes capitalistas e acionistas dessas gigantes, tem projeto de poder, que lhes permita aumentar sempre o lucro, quebrando qualquer barreira ou impeditivo.

Por essas razões, todas essas ideias e teorias conspiratórias, que fazem parte do léxico da extrema direita mundial e também brasileira, se tornaram populares, primeiro na internet, e em grupos específicos, fóruns de gamers, comunidades de pessoas que se sentiam excluídas ou desajustadas. Desses grupos conectados surge uma amálgama do ultraliberalismo, conservadorismo cristão, colonialismo revisionismo histórico, que criaram um fascismo adaptado ao século XXI. Todas essas ideias, que hoje são mainstream, já transitavam livremente no 4Chan, no Reddit e mesmo no Youtube. A extrema direita estava repaginada, usando a linguagem do meme e o justiçamento digital, as grandes redes sociais nada faziam em relação a esse crescimento, mesmo quando envolvia a divulgação de pedofilia12, e toda espécie de crime, os donos das redes sociais, responsabilizavam os usuários, mantinham as postagens no ar, até onde conseguiam enfrentar a imprensa, a opinião pública e a lei, ou seja, monetizavam até onde era possível sustentar.  

O pensamento libertário13 já está na origem do Vale do Silício. Desde o surgimento do primeiro computador com preço acessível, o ALTAIR 8800, grupos de engenheiros formavam clubes como Homebrew Computer Club e People’s computer company. Além de alimentarem a sua autoimagem de revolucionários, esses clubes também publicavam tratados sobre a doutrina libertária. A Apple, desponta vendendo uma imagem de empresa voltada para a liberdade e para a “esquisitice”.  Nas palavras de Fischer (2018. 67), citando a historiadora Margaret’ O Mara, o que se via na prática era “O consumismo como revolução, o anarquismo hacker preenchido pelo capitalismo desavergonhado dos anos Reagan” 

As origens do libertarianismo no Vale do Silício remonta a WELL, a primeira rede social do mundo, fundada em 1985. A WELL inicialmente era um catálogo fundado por Stewart Brand, o catálogo orientava os leitores sobre como fazer as coisas por conta própria, Steve Jobs, disse que esse catálogo teria sido uma Bíblia na sua adolescência. Mas em 1985, uma empresa de teleconferências o transformou em um catálogo eletrônico, assim começaram os fóruns de debate eletrônicos. Em 1984, Brand afirmou “acho que os hackers são o corpo de intelectuais mais interessantes e mais eficientes desde os autores da constituição dos EUA” (FISCHER, M. 2018 pag. 67).

Fischer demonstra o entusiasmo dos jovens libertários hacker e misantropos com a criação da WELL e com aquilo que a tecnologia prometia: 

Os fundadores do site o imaginaram como a concretização de seus sonhos da utopia anarquista. A quase ausência de regras, levaria a uma comunidade de autogestão, na qual as ideias iam cair ou subir de acordo com o mérito. Na realidade, conforme entravam engenheiros rabugentos ou combativos, as vozes mais ruidosas e as opiniões mais populares passaram a dominar. Mas como os arquitetos da WELL representavam esses dois lados, eles entenderam isso como a confirmação que sua meritocracia intelectual dava certo. A partir daí, os arquitetos da era da internet que haviam se reunido na WELL viriam a tratar eternamente o Majoritarismo bruto como ideal natural, que acoplariam a toda rede social até hoje. A discussão ruidosa passou a ser vista como meritocracia mais pura: se você não conseguia lidar com seus pares nem ganhar público, se você se sentia intimidado ou indesejado, era porque suas ideias não tinham o mérito da vitória. (FISCHER,M.2018. P.68)

O debate sobre regulamentação das redes sociais e a resistência que isso provoca nos bilionários e proprietários das redes sociais, é uma dupla questão. Trataremos da primeira e mais central, o lucro.  

É evidente que o lucro é a questão fulcral aqui. Esse lucro é gerado pelo que se denominou de “economia da atenção”. Para as empresas lucrarem, é preciso que as pessoas gastem mais tempo online e usando as redes, para isso elas precisam estar engajadas, comentando e curtindo, discutindo e interagindo nas redes. As postagens negacionistas e de ódio conseguem engajar mais. Quando uma pessoa acredita que vacinas provocam autismo, e que esse é um plano do governo para dominar a população, ela vai criar campanhas online, vai participar ativamente de discussões, porque acredita estar protegendo as crianças. Quando um homem acredita que o feminismo é sobre perder o emprego, ou ter que tolerar a infidelidade feminina, ele tende a participar de fóruns masculinistas que vão reforçar aquela teoria da conspiração.  

Logo no início do livro, nas páginas 24 e 25, Fischer apresenta o caso de René Di Resta, uma mãe, formada em ciência da computação e que, ao que tudo indica, havia trabalhado para a CIA. Di Resta, mãe de primeira viagem, pesquisou no Facebook, dicas básicas para uma mãe sem experiência, mas o que encontrou logo nas primeiras pesquisas foram incontáveis grupos antivacina. Di Resta, consultou o senador do seu estado, descobriu que a taxa de vacinação nas escolas caiu para 30%, preocupante, pois é preciso que a imunização alcance ampla maioria para erradicar uma doença. O seu senador, através de assessoria, informou que não queria comprar briga com o movimento antivacina, embora as pesquisas de opinião na Califórnia, apontassem que 85% da população era favorável à vacinação obrigatória. Entretanto, no Facebook, mesmo buscando grupos pró-vacina, as sugestões eram de grupos antivacina. Di Resta, experiente na área da computação, notou como funciona o algoritmo do Facebook, ao clicar em um grupo antivacina, o Facebook sugere um grupo terraplanista, outro da Grande substituição, negacionismo do holocausto, em fim, toda sorte de teorias conspiratórias, que podem ser observadas no movimento QAnon14

Além do lucro, com a economia da atenção, pois quanto mais tempo online, mais anunciantes, o que também contribui com a maior a valorização das ações das empresas. Também há o segundo fator, que não é desprezível. A posição ideológica dos empresários do Vale do Silício, que viam desde sempre na internet, uma terra sem governo, um lugar onde a liberdade de expressão é absoluta e irrestrita. Em 1996, um documento escrito por um ex-integrante da WELL daria ritmo e compasso ao que deveria ser a internet a partir de então, no manifesto podia se ler “Governos do mundo industrial vocês não tem nenhuma soberania onde nos reunimos” (Fischer, Max.2018. pag.69). A internet deveria ser um lugar sem lei e sem regulamentação. É muito importante a compreensão que esses empresários se veem como revolucionários, acreditam que todo governo é tirano, todo estado e toda regra há autoritarismo e despotismo, mas “narciso acha feio o que não é espelho”. Na sua ideologia libertária, todo poder que acumulam, se sobrepondo, inclusive, a legislações nacionais, não os tornam tiranos. Os capitalistas mais poderosos do nosso tempo, impõe a sua vontade pessoal e os seus lucros acima de tudo, enquanto advogam pela liberdade e vociferam contra o autoritarismo de quem pede regulamentação das redes sociais, impedindo crimes cibernéticos e discursos de ódio. Os empresários ligados às redes sociais e as BIG TECHS se colocarem como arautos da liberdade é um triste e cínico oxímoro que marca o capitalismo atual.

BIG TECHS: TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO E VIOLÊNCIA. 

É possível que o primeiro grande movimento de extrema direita que tenha surgido através das redes sociais, e por elas tenha sido impulsionado seja o QANON. O portal G1 definiu assim o que é movimento: “Em sua essência, o QAnon é uma teoria ampla e completamente infundada que diz que o presidente Trump está travando uma guerra secreta contra os pedófilos adoradores de Satanás do alto escalão do governo, do mundo empresarial e da imprensa” 15O movimento, se vende como AntiEstablishment, mantém uma crença de uma luta do bem contra o mal. Uma das principais crenças do QAnon é que existe uma rede global de elites, incluindo políticos, celebridades e empresários, que estão envolvidos em atividades criminosas como tráfico humano, abuso sexual de crianças e rituais satânicos. Essa ideia é frequentemente associada à teoria da conspiração “Pizzagate”16, que alegava que uma pizzaria em Washington, D.C., era o centro de uma rede de tráfico de crianças, comandada pelo partido democrata e com a ciência e apoio de Hillary Clinton. Nessa rede satânica, estariam empresários judeus, movimentos progressistas e Donald Trump, representa alguém que combate secretamente toda a escumalha de criminosos e pedófilos.  

Essas teorias conspiratórias não ficaram restritas ao 4chan ou ao Reddit, se tornaram populares também no Facebook e no Youtube. Ainda segundo matéria já citada do G1 “Rapidamente, a teoria ganhou milhares de fãs. A quantidade de tráfego sobre o assunto nas principais redes sociais, como Facebook, Twitter, Reddit e YouTube explodiu desde 2017, e os números aumentaram ainda mais durante a pandemia do coronavírus”. O que o QAnon conseguiu, com apoio das redes sociais criar fundamento para uma doutrina fascista. Donald Trump como o líder “Make American Great Again” é o chamado ao passado mítico idealizado; imigrantes, feministas, progressistas, ambientalistas, são inimigos a serem exterminados. No seu livro, Como Funciona o Fascismo: a política do nós e eles, lançado no Brasil em 2017, o cientista político norte americano Jason Stanley, aponta que o passado mítico, a figura do líder máximo, masculino, figura paterna, a criação de inimigos que são desumanizados: o nós contra eles. É uma estratégia criada pelo fascismo manipular as massas. O fascismo é uma revolução para reestabelecer um passado glorioso, idílico, que na verdade jamais existiu. 

Para termos dimensão do quanto as redes sociais, as BIG TECHS, defendem de forma irrestrita a liberdade de expressão da extrema direita, é preciso lembrar do emblemático caso Auernheimer, famoso hacker e provocador no 4Chan.  Auernheimer promoveu uma violenta campanha de difamação e linchamento virtual da blogueira Kithy Sierra. O motivo de tal campanha venal? A blogueira pedia que o 4Chan tivesse moderadores para controlar e retirar postagens de ódio, cabe lembrar, que um dos fóruns mais populares se chamava “assistindo um negro morrer”17 onde os usuários postavam vídeos de pessoas negras sendo assassinadas ou morrendo em graves acidentes. Para intimidar Sierra, a reação de Auernheimer foi postar o número de contribuinte e o endereço da blogueira, isso rendeu a Sierra uma série de ameaças, fizeram circular fotos dos seus filhos editadas com imagens pornográficas, Auernheimer chegou a postar mensagens, como se fossem de Kithy Sierra se oferecendo sexualmente, isso fez com vários homens batessem na porta da blogueira dia e noite. Sierra, foi completamente afastada da vida pública.

Com a certeza da impunidade e a proteção das BIG TECHS, Auernheimer começou a postar sermões de cunho nazista no Youtube. Em 2010, o site TECCHUNC, porta voz do Vale do Silício, deu a Auernheimer um prêmio pelos serviços prestados à internet. O prêmio, era a demonstração de solidariedade, já que Auernheimer estava sendo investigado pelo FBI por roubar 141 endereços de e-mail. Isso aconteceu em 2010 “no ano seguinte Auernheimer entrou para o Daily Stormer, um fórum neonazista proeminente, fundado e habitado por 4 channers, onde postou uma foto revelando uma tatuagem no peito de uma suástica do tamanho de um punho” (Ficher, M, 2018. P. 82) 

Como dito anteriormente, as BIG TECHS promovem um neocolonialismo digital que nos tempos hodiernos são tão nodais ao Soft Power americano, quanto a indústria do audiovisual. Essas gigantes da internet, buscam o lucro a qualquer custo. Para isso, não deve existir soberania nacional, nem autodeterminação dos povos, mas apenas a vontade dos grandes empresários do Vale do Silício. Como colonizador, as BIG TECHS, estão preocupadas em lucrar em cada palmo onde chega e não há ética que não seja a do lucro, por isso, não deve haver moderação de conteúdo, nem restrição alguma. 

Um dos casos mais famosos, de como o Facebook foi responsável pelo aumento da violência em um país, é o caso de Mianmar18. O fato ocorreu em 2011, com a chegada ao poder de Thein Sein, líder com visão pró-ocidente, que procurou se distanciar politicamente da China e se aliar aos EUA. Para garantir o acesso a internet, ainda muito escasso e precário no país, em 2012, apenas 0,5% da população tinha acesso a qualquer tipo de conexão. O Facebook, para ampliar o acesso a internet, faz acordos com operadoras locais, que não poderiam cobrar pelos dados móveis de um aparelho celular barato, que já vinha com uma versão simplificada do Facebook. Em 2015, a população com acesso a internet já era de 40%. Para a maioria esmagadora dessas pessoas, a única fonte de informação online era o feed de notícias da rede de Mark Zuckerberg.  

“Com o Facebook vieram os discursos de ódios e as Fake News, Wirathu, um monge que havia passado uma década preso por seus discursos de ódio, quando solto, criou imediatamente perfis no Facebook e no Youtube, onde espalhou ódio contra os muçulmanos “No Facebook, acima de tudo, as suas postagens circulavam e recirculavam entre usuários que aceitavam como verdade, criando uma realidade alternativa “ (FISHER, M. 2018. P. 55) 

Aela Callan, pesquisadora de Stanford, alertou a gerentes do Facebook em fins de 2013, sobre a força e o perigo dos discursos de ódio em Mianmar. A rede social tinha apenas um moderador que sabia revisar conteúdo em birmanês. Diante do alerta, a empresa nada fez. Em 2014, depois de um alerta de Callan e de mais uma vez, a empresa não se posicionar sobre o assunto, silenciando para o perigo iminente.  

“Wirathu compartilhou uma postagem na qual afirmava falsamente que muçulmanos donos de duas casas de chá na cidade de Mandalay tinha estuprado uma budista. Ele postou os nomes dos donos da loja e disse que a agressão fictícia era o tiro de largada de um levante dos muçulmanos contra os budistas. Insistiu que o governo deveria fazer um ataque preventivo, invadindo casas de muçulmanos e mesquitas. (FISCHER, M. 2018. p.55)”

A postagem viralizou, o recado era muito claro: os “cidadãos de bem” deveriam fazer o justiçamento que o estado se omitia a fazer. A situação saiu do controle, explodiu a violência contra muçulmanos, o Facebook manteve todas as postagens no ar. Como nenhum pedido feito na rede social para retirar as postagens foi sequer respondido, o governo de Mianmar decidiu bloquear temporariamente o Facebook. No dia seguinte a empresa entrou em contato com os representantes do governo, a preocupação não era a explosão de violência no país, mas desbloquear o mais rápido possível o Facebook. Com o desbloqueio, o público de Wirathu só aumentou, assim como a violência contra os muçulmanos no país “centenas se revoltaram em Mandalay, atacando lojas, muçulmanos e seus proprietários, matando duas pessoas e ferindo várias” (FISCHER, M. 2018. pag.56) 

O caso de Mianmar é um exemplo triste e didático, de como as redes sociais amplificam o extremismo e monetizam discursos de ódio. A empresa foi alertada, mas permitiu que teorias da conspiração que colocavam o país em risco circulassem livremente. Um conspiracionista criminoso foi alçado a guru. A xenofobia e a islamofobia normalizadas. Nada disso seria possível sem um o Facebook, impulsionando e sugerindo postagens de ódio. Como, possivelmente, a extrema direita mundial, não teria a mesma musculatura, forma e força, sem a existência das redes sociais. É preciso que fique claro, as BIG TECHS contribuem diretamente e conscientemente para a ascensão da extrema direita, pois há interesses comuns, os bilionários do Vale do Silício, assumiram o Trumpismo, não são apenas Ancaps, são neofascistas.  

AS BIG THECS E AS THINK TANKS: ULTRALIBERALISMO E NEOFASCISMO 

Para compreender a morfologia dessa nova direita, precisa-se entender a importância e o papel que vem cumprindo, os chamados think tanks liberais. Um elo crucial que sustenta e articula muitos dos institutos liberais na América Latina é a conexão com o instituto neoliberal dos Estados Unidos, Atlas Network (ou Atlas Economic Research Foundation). A Atlas atua como uma organização guarda- chuva, orientando a criação e manutenção de institutos neoliberais “parceiros”. 

Fundado em 1981, o objetivo deste instituto é “fortalecer uma rede global de organizações independentes da sociedade civil, que promovam a liberdade individual e removam as barreiras ao desenvolvimento humano” (VIDAL-LOPEZ, 2022, ). A entidade estabelece parcerias com F.A. Hayek Foundation na Slovaquia, a Association for Liberal Thinking na Turquia, o Lithuanian Free Market Institute, e Libertad y Desarrollo no Chile para estabelecer Free Enterprise Training Centers e conta com financiamento tanto de recursos do Departamento de Estado dos Estados Unidos (National Endowment for Democracy e o Center for Internacional Private Enterprise) quanto de recursos repassados por empresas transnacionais poderosas como Exxon Mobil, Koch Industries, John Templeton Foundation, Earhart Foundation, Donors Trust, Sarah Scaife Foundation etc. 

O referido think tanks conta com 470 institutos parceiros espalhados em 97 países ao redor do mundo. Desde 2003, a Atlas ampliou sua intervenção ideopolítica na América Latina na perspectiva de assegurar os interesses do grande capital norte-americano: 

A Atlas e seu Centro para AL não desempenham um papel marginal. Os seus “casos de sucesso” estão relacionados com o enfraquecimento de pautas e de governos considerados de esquerda. O primeiro caso de destaque é o México, onde os parceiros mexicanos da Atlas responderam fortemente à “Quarta Transformação” do presidente Andrés Manuel López Obrador. O Instituto Mexicano para a Competitividade trabalhou para expor abusos de gastos públicos por meio de projetos como a Política Comercial do México no Século XXI. Em uma ação conjunta, o presidente do México Evalúa, Luis Rubio, foi responsável pela publicação de folhetos que visavam desestabilizar Obrador. (VIDAL-LOPEZ, 2022, p. 24) 

A Atlas emerge com o propósito essencial de cumprir a função de formação política necessária à reprodução do capital mediante um processo que Friederich Hayek denominou de “batalha das ideias”. Ela está associada aos desejos de renovação do liberalismo e suas raízes estão interligadas com a Sociedade Mont Pélerin. Os seus preceitos ideológicos estão assentados em intelectuais como Friedrich Hayek, Ludwig Von Mises e Milton Friedman, e as ações de Antony Fisher. 

F. Hayek, uma figura influente na disseminação do neoliberalismo, acreditava que as estratégias para propagar esse ideário deveriam ser fundamentadas em uma visão de longo prazo, focando em uma frente intelectual que ele chamou de “revendedores de segunda mão”. Esses revendedores teriam a tarefa de criar um ambiente favorável e influenciar a opinião pública, visando estabelecer um consenso neoliberal na sociedade. É sob a perspectiva do pensamento de F. Hayek que Fisher consolidou a organização dessa “batalha das ideias” ao criar e difundir os “laboratórios de ideias” ao redor do mundo. (VIDAL-LOPEZ, 2022, p. 16) 

A conexão entre a Atlas e a promoção da ideologia neoliberal na América Latina se fortaleceu com a chegada de Alejandro Chafuen ao instituto, e posteriormente, à sua presidência (1991-2017). Chafuen, um economista argentino que vive nos EUA e membro da Sociedade Mont Pèlerin, foi pessoalmente convidado por Fisher para integrar a Atlas. Como resultado desses esforços, a instituição passou a focar na América Latina e, atualmente, conta com 101 institutos parceiros na região (VIDAL- LOPEZ, 2022, p. 23). 

A atuação da Atlas e dos think tanks, vão muito além de difundir e divulgar ideias anarcocapitalistas nas redes sociais. É importante observar como esses institutos têm atuado na América do Sul. 

Em relação ao Cone Sul, a Atlas destaca as atuações da rede uruguaia representada pelo Centro de Estudos para o Desenvolvimento que obteve sucesso na criação da nova lei de empreendedorismo que reduz custos e processos burocráticos para que empreendedores possam entrar com mais facilidade no mercado. Outro país que recebeu elogios foi o Brasil. O relatório do Centro expressa que a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência da República é uma “surpresa agradável” e que a equipe econômica do governo “tem sido excelente no avanço da reforma previdenciária, desencadeando o crescimento econômico por meio da desregulamentação e privatizando a Eletrobrás, a maior concessionária da América Latina” (ATLAS NETWORK’S CENTER FOR LATIN AMERICA, 2019, p. 4). O destaque é dado para a atuação do Instituto de Estudos Empresariais (IEE) no processo de privatização da Eletrobrás e para as ações empregadas pelo Livres no que diz respeito à regulamentação da infraestrutura no Brasil. Por fim, o Estudantes pela Liberdade (EPL) foi agraciado com o prêmio Smith Outreach de Estudantes da Atlas Network em 2019 por conta dos esforços desse instituto encabeçado por um de seus membros e Diretor Federal de Desburocratização, Geanluca Lorenzon, na condução da Medida Provisória da Liberdade Econômica assinada no governo Jair Bolsonaro. (VIDAL- LOPEZ, 2022, p. 25) 

As think tanks, enquanto “laboratório de ideias”, têm como imperativo minimizar esses efeitos, assegurando os interesses corporativos do CIM mediante a infiltração de seus agentes e representantes nas estruturas administrativas governamentais, na perspectiva de direcionar as políticas estatais para os interesses direitos do grande capital transnacional. É importante entender a atuação desses think tanks, seus financiamentos e métodos de atuação, especialmente na internet, para compreender que a construção dessa direita ultraliberal, não se constrói de forma espontânea, ao contrário, há investimento e atuação conjunta de empresários nacionais e internacionais, além do próprio Estado norte-americano, para construir um consenso ultraliberal, em que o indivíduo, não se perceba enquanto sujeito pertencente a uma classe social explorada, mas como empresário de si mesmo, como único responsável pelo seu sucesso ou fracasso. 

O sucesso dessas think tanks está diretamente ligado ao terreno fertil que ganharam nas redes sociais: Youtube, Reddit, Facebook, Twitter, são os espaços utilizados para a cooptação de jovens e divulgação de teorias conspiracionacionitas ao gosto do freguês. O Facebook vendeu dados dos usuários para a empresa  Cambridge Analytica19, o que permitiu às think tanks, uma produção de Fake News mais eficiente. Para adultos o pânico moral, a ameaça trans, os imigrantes criminosos, as escolas como lugar de doutrinação de esquerda. Para os mais jovens, a linguagem do meme, ser rebelde, significa ser direita20, já que as Think Tanks e a extrema direita se vendem como revolucionária e antissistema. O Facebook, também vendeu dados dos usuários para a Amazon, Spotify, Netflix e Microsoft. O historiador e professor de literatura comparada, João Cézar Castro Rocha, no seu livro Guerra cultural e retórica do ódio: crónicas de um Brasil pósapocalítico, análise o fenômeno da juventude conservadora do Brasil, fazendo a seguinte observação: 

“entre os anos de 2002 e 2016, a presença, democrática e legítima, de um partido de esquerda no governo federal, permitiu o estabelecimento de uma associação nova: ser oposição ao sistema, ao establishment, passou a significar assumir posições de direita. Pouco a pouco os tristes trópicos assistiram à formação de um tipo improvável: o conservador revolucionário, no milagre da proliferação de oxímoros, autêntica “máquina engenhosa e disparatada: arcaísmo e novidade, conservadorismo e revolução” (Castro Rocha, 2021. pag.128)

A Cambridge Analytica21, atuou na primeira eleição de Donald Trump, no referendo que tirou a Inglaterra da União Europeia, e na campanha de Jair Messias Bolsonaro em 2018. As fake news, vinham com disparos de mensagens no whatsapp, nesse caso, ficou evidente que a META, não apenas vendeu os dados, mas colaborou com a Cambridge Analytica22. Essas fake news, são produzidas, por Canais de Youtube de direita e Think Tanks neoliberais. Esses vídeos, postados no Youtube, eram impulsionados com os compartilhamentos no Facebook e no Whatsapp. A Cambridge Analytica, empresa de tecnologia,que trabalha essencialmente com análise de dados, traçou perfis psicológicos dos usuários a partir dos dados fornecidos pelo Facebook. A empresa, propriedade do bilionário Robert Mercer, era presidida por Steve Bannon, um dos grandes articuladores da extrema direita mundial.   

A presença do PT no poder durante 13 anos, os governos Obama nos EUA, ou os demais governos identificados com a esquerda na América Latina, não são a causa do fenômeno do jovem de direita, conservador. O fracasso retumbante das políticas neoliberais e conciliatórias que esses governos tentaram implantar, ajudam a explicar a desilusão de parte da juventude com ideias de esquerda. A crise do capitalismo, entre 2007 e 2008, com consequências e desdobramentos até os dias atuais, a falta de perspectiva e a propaganda massiva nas redes sociais, parecem uma explicação mais plausível para que parte da juventude considere o fascismo e a defesa do conservadorismo um ato de rebeldia. 

O que a Cambridge Analytica fez, como análise de dados, foi classificar perfil psicologico de usuários, de modo que cada um recebesse uma postagem que dialogasse com os seus afetos e valores, para uma pessoa religiosa, seriam impulsionados e sugeridos vídeos que tratam de como a esquerda tem um plano para destruir o cristianismo, ou como muçulmanos imigrantes podem fazer “A Grande substituição”, tranformando a Europa em um continente islâmico. Para homens jovens e solitários, postagens de cunho machista, com ataques as feministas e as discussões de gênero.  

O papel da Cambridge Analytica foi traçar o perfil psicológico, da Meta e das BIG TECHS, garantir a circulação dessas Fake News e teorias conspiratórias, mesmo as mais bizarras, mais uma vez citando Jason Stanley, o fascismo preconiza a criação de uma realidade paralela, o que o autor chama de Irrealidade, a anticiência e o conspiracionismo são braços do fascismo. A peça que faltava para esse esquema, que ajudou a eleger Trump e Bolsonaro, seria quem produzir tantos vídeos, materiais falsos e memes. Os vídeos precisam ter linguagens diversas, longas ou curtas. Os memes, deveriam chegar em homens e mulheres, jovens e adultos, as matérias precisavam conter um radicalismo liberal, um conservadorismo cristão e um senso de urgência, de uma ameaça comunista cada vez mais presente. Aqui entra o papel da Atlas Network, financiando Think Tanks, que aliaram o libertarianismo Ancap, com um discurso religioso, conservador, neocolonial e revisionista. Essas Think Tanks e canais de direita, atuam em diversas frentes e tem expertise na produção de audiovisual. Nos EUA, na Europa e na América Latina, foi possível observar como os discursos que negavam a pandemia da Covid-19, às mudanças climáticas e atacavam os direitos trabalhistas, usavam das mesmas estratégias, e da mesma linguagem.  

Nos EUA, citamos o caso Auernheimer contra a blogueira Sierra, No Brasil, dois integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL), armaram uma farsa para acusar de pedofilia o Padre Julio Lancelloti, o objetivo era impulsionar a campanha eleitoral de Artur do Val a prefeito de São Paulo. Segundo Matéria da revista Piau23, o adolescente que supostamente teria sido assediado pelo padre, era na verdade Guto Zacarias, então assessor parlamentar de Artur do Val (conhecido pelo canal Mamãe Falei). Segundo a matéria: 

O golpe era parte da estratégia de impulsionar a candidatura de Do Val. “O vídeo do padre foi produzido pelo MBL na época da campanha do Arthur”, afirma Fernando Dainese. “O Guto se passou por um menor de idade. Eu não estava à frente dessa situação. Mas eu vi ele fazer essa operação contra o padre.” Lucas Studart confirma: “Foi armado todo um suspense para mobilizar a militância do MBL”, diz ele, que na época era um dos coordenadores cariocas do MBL. A conta falsa foi criada no dia 2 de setembro de 2020, e “Matheus Rocha Nunes” manteve contato com a suposta conta do padre até o dia 14 de setembro. Nesse meio-tempo, no dia 10, enquanto transcorria a farsa, Do Val deu entrevista à rádio Jovem Pan, dizendo o seguinte: “Não pode falar do padre Julio Lancellotti, aquele tranqueira lá. Eu vou desmascarar esse padre, inclusive. Pode cortar esse trecho e guardar: eu vou desmascarar esse padre.”

De acordo com a investigação feita pela revista Piauí e as pessoas ouvidas, a armação contra o Padre Júlio Lancelloti – conhecido pelos seus trabalhos sociais e posições progressistas dentro da igreja católica – partiu de Renan Santos, coordenador do MBL.  Guto Zacarias, conseguiu eleger-se deputado estadual por São Paulo no último pleito. Uma das suas propostas como deputado, é o reconhecimento do preconceito racial contra pessoas brancas24.  

Facebook, Whatsapp e Youtube, fizeram coro com a Revista Oeste e o correio do povo, para espalhar a Fake News difamatória, armada pelo MBL, mas esse não seria nem o primeiro, muito menos o único caso, nem sequer o mais famoso.  

Durante o debate sobre a inclusão de questões de gênero e sexualidade em planos de educação, em 2016, surge uma das fake News mais mambembes e bizarras que se viu no Brasil, que mesmo um roteirista de comédia, pensaria duas vezes antes de escrever, é a famigerada “mamadeira de piroca”. A história falsa afirmava que escolas estariam distribuindo “mamadeiras em formato de pênis” para crianças, como parte de uma suposta agenda de “ideologia de gênero”. Apesar de absurda, a Fake News, criada no anonimato da internet, tornou-se viral graças às redes sociais e as thinks tanks de extrema direita, que endossam uma narrativa igualmente falsa, que o governo estaria preparando um Kit Gay, para ser distribuído às crianças, outra fake News, produzida em 2011.  

O que não surpreende, é como pautas da direita americana, chegam rapidamente ao Brasil. O Youtube e o Spotify, com seus vários podcasts e canais, entre os mais populares: Redcast, Einerd, Ocidente em Fúria e a produtora de audiovisual Brasil Paralelo, tem se empenhando em construir uma batalha contra o que chamam de agenda Woke. “O uso do termo “woke” surgiu na comunidade afroamericana. Originalmente, ele queria dizer “estar alerta para a injustiça racial”. Na leitura da extrema direita, a maior participação de negros, latinos, asiáticos ou personagens LGBTQIA+, representaria um plano de destruição do ocidente judaico cristão e faria parte de uma leitura gramsciana e frankfurtiana comunista. 

As grandes empresas de tecnologia, juntamente com think tanks neoliberais, constituem uma nova força dominante na direita mundial. Organizados tanto em partidos políticos quanto de forma independente, esses grupos utilizam a internet e estudos avançados de análise de dados, psicologia social e comportamental como ferramentas poderosas de manipulação das massas, que sabem usar com eficácia. A extrema direita, organizada globalmente, conta com teóricos e se beneficia das redes sociais, além de uma vasta rede de think tanks, patrocinada pela Atlas Network e grandes empresários. Essa estrutura sofisticada de influência permite a disseminação rápida e eficaz de suas ideias, facilitando a mobilização e o engajamento de seguidores em diversas plataformas e países. A combinação dessas tecnologias e estratégias de persuasão molda a opinião pública e direciona políticas, reforçando a posição e o alcance da direita radical no cenário político atual. 


3Um dos melhores exemplos políticos do uso da economia da atenção, é o coach e ex-candidato a prefeito de São Paulo, o goiano Pablo Marçal. Marçal, sabe como poucos, como utilizar as redes sociais: o mais novo expoente da extrema-direita, têm método e visam incrementar o engajamento nas redes sociais. Para ele, “a forma mais poderosa de entrar [no inconsciente coletivo] é sendo criticado, [criando] uma polêmica, uma destruição. A aplicação desse método pôde ser vista quando o extremista disse à adversária, em debate televisivo, que “mulher não vota em mulher porque é inteligente”. Em que pese o grande alvoroço e as reações indignadas, tanto dos oponentes quanto daqueles que compreendem a lógica que subjaz a qualquer argumentação política, a resultante parece ter sido benéfica ao emissor da bruta sentença. Isso ocorre – e aqui está o primeiro ponto – porque a frase chocante obtém atenção e encontra eco em público mais amplo, notadamente nas centenas de milhões que acessam diuturnamente as redes sociais, ganhando mais relevância do que o próprio evento em que foi proferida. Por meio de procedimentos técnicos que potencializam os algoritmos do ciberespaço, os debates programáticos tornaram-se, tão somente, a busca de meios e formas, sejam quais forem, para aumentar o engajamento, as visualizações, as curtidas e, consequentemente, os rendimentos e os votos.  Disponível no endereço https://grabois.org.br/2024/10/28/cristiano-capovillaaproximacoes-entre-neoliberalismo-big-techs-e-neofascimo/

4Max Fischer é repórter do New York Times e foi finalista do prêmio Pulitzer em 2019 com uma reportagem coletiva sobre as redes sociais. Também colaborou com outros periódicos, como a Atlantic e o Washington Post

5https://mises.org.br/artigos/2181/sem-o-estado-quem-cuidara-dos-pobres vale a leitura do texto do Instituto Mises, algumas críticas ao Estado, são partilhadas pelo próprio Marx, no seu texto Glosas Críticas Marginais ao Artigo ‘O Rei da Prússia e a Reforma Social. Por um Prussiano'”, a diferença é que Marx não defende a desigualdade como um dado natural, a sua crítica ao Estado, é no sentido da superação do Estado e da exploração do homem pelo homem. https://mises.org.br//article/3421/para-o-progresso-precisamos-de-mais-desigualdade-e-nao-demen

6Informações disponíveis nos seguintes endereços eletrônicos  https://fia.com.br/blog/vale-dosilicio/ e https://fia.com.br/blog/vale-do-silicio/

7O Majoritarismo é uma espécie de princípio, crença que impera entre os CEOs do Vale do Silício, começou na cultura dos fóruns, em especial no 4chan. Em linhas gerais, o fórum funcionava da seguinte maneira, um usuário postava um tema, que poderia receber aprovações ou reprovações, quando recebia reprovações, subia na tela, recebia comentários e era discutido, se recebia reprovações, ficava embaixo e esquecido. Para os jovens empresários, essa era uma boa medida para avaliar as coisas, se a sua opinião era majoritária, mesmo que você a impusesse sob coerção, então você teve mérito, se a sua ideia não foi aclamada, então não há mérito, assim, as discussões entre engenheiros, acionistas e técnicos do Vale do Silício sempre se deu, não se trata do melhor argumento, mas de quem consegue, por qualquer meio, se tornar majoritário. É a lógica da imposição, seja por autoridade, assédio moral, prestígio, relações pessoais ou poder econômico. Tudo, menos a racionalidade do argumento. Como quem vence, sempre é mais poderoso, isso reforça a crença que há meritocracia.

8A produtora de áudio visual de extrema direita Brasil Paralelo, mantém o Podcast Red Pill e o Linhagem Geek, ambos com conteúdo de ataque às mulheres. No caso do Red Pill, há uma leitura de que as mulheres vêm dominando os homens, que gradativamente estão se tornando fracos e “femininos”. Na linhagem Geek, a crítica é direcionada ao que chamam de agenda Woke, além de criticarem a troca de gêneros e de etnias de personagens de quadrinhos, os apresentadores também façam comentários misóginos, e defendem para as mulheres um lugar de submissão.

9O Gamergate foi uma campanha de assédio online que começou em agosto de 2014 e se estendeu até 2015. O movimento foi direcionado principalmente contra mulheres na indústria de videogames, incluindo a desenvolvedora de jogos Zoë Quinn, a crítica de mídia feminista Anita Sarkeesian e a desenvolvedora de jogos BriannaWu. https://epoca.globo.com/vida/noticia/2014/11/bgamergateb-e-guerra-contra-mulheres-nosvideogames.html

10Em 2019, durante o golpe de estado na Bolívia, em uma publicação na sua rede social X (exTwitter), o bilionário dono da Tesla já havia avisado: “Vamos dar golpe em quem quisermos! Lide com isso”. A mensagem foi uma resposta a um usuário que afirmava que Musk tentaria um golpe na Bolívia para controlar a extração de lítio no país. A Bolívia é rica em lítio, minério essencial na produção de baterias, essas, por sua vez, fundamentais aos carros da Tesla, empresa de Musk.

11https://grabois.org.br/2024/10/28/cristiano-capovilla-aproximacoes-entre-neoliberalismo-bigtechs-e-neofascimo/

12Um fórum muito popular no Reddit era o Jailbait (chave de cadeia), no qual os usuários postavam fotos íntimas de meninas menores de idade, o termo o Jailbait era o segundo mais pesquisado no Reddit. A rede social só retirou esse fórum do ar, depois de semanas de denúncias da CNN. (FISCHER. M.p. 95 e 96)

13Libertário, é como se autodenominam os anarcocapitalistas, também chamados de Ancaps, defensores da escola austríaca de economia, em especial Ludwig von Mises e Murray Rothbard

14O movimento QAnon é uma teoria da conspiração que surgiu em 2017, inicialmente em fóruns online como o 4chan e o 8chan (agora conhecido como 8kun). O nome “QAnon” vem de “Q”, um pseudônimo usado por um indivíduo ou grupo que postava mensagens anônimas alegando ter acesso a informações secretas e privilegiadas sobre um suposto plano global de elites poderosas. Essas postagens são conhecidas como “Q drops” ou “Q posts”. https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/01/07/qanon-o-que-e-e-de-onde-veio-o-grupo-queparticipou-da-invasao-ao-congresso-dos-eua.ghtml

15https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/01/07/qanon-o-que-e-e-de-onde-veio-o-grupo-queparticipou-da-invasao-ao-congresso-dos-eua.ghtml

16https://www.poder360.com.br/opiniao/q-anon-pizzagate-e-as-idiossincrasias-das-teorias-daconspiracao-por-paula-schmitt

17(FISCHER, M. p. 96) Sobre os conteúdos com mortes de pessoas negras assassinadas ou morrendo em acidentes do CEO do 4Chan foi “Não vamos proibir conteúdo que não seja ilegal, mesmo que consideremos detestável  ou que, pessoalmente condenemos”

18(FISCHER, M. p. 54 e 55)

19G1 https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2018/12/19/facebook-compartilhoumais-dados-com-gigantes-tecnologicos-do-que-o-revelado-diz-jornal.ghtml

20É importante ler a matéria publicada no site da Unisinos, no endereço eletrônico https://www.ihu.unisinos.br/categorias/614295-a-rebeldia-passou-a-ser-de-direita-frases-do-dia

21https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/entenda-o-escandalo-de-uso-politico-dedados-que-derrubou-valor-do-facebook-e-o-colocou-na-mira-de-autoridades.ghtml

22PRIVACIDADE HACKEADA. (2019). Direção: Karim Amer, Jehane Noujaim. Disponível em: Netflix. Acesso em: 23 fev. 2025.

23https://piaui.folha.uol.com.br/armacao-do-mbl-contra-padre-julio-lancellotti/

24Guto Zacarias é um homem negro. Na sua página no site da Alesp constam as informações:  Zacarias preside atualmente a Frente Parlamentar em Apoio à Privatização da Sabesp, iniciativa que antecipará em até quatro anos a universalização do atendimento de saneamento básico a todos os paulistas. No primeiro ano de mandato, Guto já aprovou a Lei Nº 17.743/2023  (Jovem Paulista), que institui o ensino de empreendedorismo e educação financeira na Educação Básica. Na área da segurança pública, são mais de 10 iniciativas que visam munir os órgãos de segurança de apoio político, otimização de recursos financeiros via milhões destinados à qualificação profissional, tecnologias e armamentos, criação de batalhões, combate ao uso de drogas ilícitas e enfrentamento ideológico, garantindo a confiança e o bem-estar dos profissionais durante o exercício de seu trabalho. As informações estão disponíveis no endereço https://www.al.sp.gov.br/deputado/?matricula=300673

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1Professor de História da Secretaria Estadual de Alagoas – SEDUC – AL, graduado em História pela Universidade Estadual de Alagoas, especialista em História do Brasil pela Faculdade Batistas de Minas Gerais – IPMIG, mestrando em serviço social, pelo Programa de Pós-graduação em Serviço Social (PPGSS) – UFAL.
2Possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal de Alagoas (1993), mestrado em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco (2000), doutorado em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Alagoas (2007) e realiza pós-doutorado em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Atua como professor Associado III na Universidade Federal de Alagoas, nos cursos de Filosofia e Serviço Social. É Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas…