AS ADVERSIDADES NA ADVOCACIA CRIMINAL: ESTIGMAS, ABUSOS E GARANTIAS LEGAIS

ADVERSITIES IN CRIMINAL LAW: STIGMAS, ABUSES AND LEGAL GUARANTEES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202505120028


Ennio Alves de Sousa Andrade Lima1


RESUMO

A advocacia criminal, ao longo da história, sempre esteve marcada por desafios específicos, tanto no exercício profissional quanto na forma como a sociedade percebe seus operadores. Em um contexto social onde a cultura punitivista ainda predomina e a imagem do advogado criminalista frequentemente é associada à defesa do “criminoso”, diversas adversidades se impõem, desde estigmas sociais até abusos de autoridades, o que compromete o pleno exercício da função essencial à justiça. Nesse cenário, o presente artigo tem como objetivo geral analisar as adversidades enfrentadas pelos advogados criminalistas no Brasil, abordando os estigmas sociais, os abusos institucionais e o alcance das garantias legais previstas para o exercício da profissão. A escolha desse tema se justifica pela necessidade de fomentar a reflexão acadêmica e social sobre a importância da advocacia criminal, não apenas para a defesa de direitos individuais, mas para a consolidação de um Estado Democrático de Direito. Trata-se de assunto pertinente e relevante diante dos constantes relatos de violações de prerrogativas profissionais e do preconceito ainda associado a essa atuação jurídica. Além disso, evidencia-se a urgência de reafirmar a essencialidade do advogado criminalista na garantia do contraditório, da ampla defesa e na contenção de arbitrariedades. A partir desse panorama, a pergunta de pesquisa proposta é: quais são as principais adversidades enfrentadas pelos advogados criminalistas no Brasil e de que forma as garantias legais buscam assegurar o livre exercício dessa profissão? Para responder a essa questão, a metodologia adotada consistiu em revisão de literatura, com natureza qualitativa e método dedutivo, analisando obras acadêmicas, artigos jurídicos e dispositivos legais. Os resultados apontaram que os advogados criminalistas enfrentam significativa estigmatização social, além de sofrerem constantes violações de prerrogativas, o que dificulta a atuação ética e técnica. Conclui-se que, apesar dos avanços legais, é fundamental a efetiva aplicação das garantias já existentes e o fortalecimento da valorização social do papel da advocacia criminal na defesa dos direitos e da liberdade.

Palavras-chave: Advocacia Criminal. Estigmas Sociais. Prerrogativas Profissionais. Estado Democrático de Direito.

1. INTRODUÇÃO

A advocacia criminal ocupa papel indispensável no sistema de justiça penal brasileiro, sendo reconhecida constitucionalmente como função essencial à administração da Justiça (art. 133 da Constituição Federal de 1988). Contudo, o exercício dessa atividade, que garante o contraditório, a ampla defesa e a preservação das liberdades fundamentais, enfrenta inúmeras adversidades que transcendem o ambiente jurídico, refletindo estigmas sociais e abusos institucionais. Em um cenário onde a cultura punitivista se intensifica e os índices de encarceramento permanecem elevados com o Brasil ocupando a terceira posição no ranking mundial de população carcerária, ultrapassando 835 mil presos, conforme dados de 2023 (Campitelli Roque et al., 2023) a atuação do advogado criminalista é frequentemente deslegitimada pela opinião pública e até por setores do próprio sistema penal.

Recentes avanços legislativos buscaram reforçar as prerrogativas desses profissionais, como a Lei nº 14.365/2022, que alterou o Estatuto da Advocacia e o Código de Processo Penal, assegurando, por exemplo, a inviolabilidade de comunicações e o direito de peticionar diretamente a autoridades (Brasil, 2022). Ademais, a Lei nº 14.752/2023 extinguiu a multa anteriormente prevista para o advogado que abandona processo penal sem justificativa aceita (Brasil, 2023), medida celebrada pela classe como uma vitória contra penalizações desproporcionais que violavam garantias constitucionais (Faucz; Leonardo, 2023).

Apesar desses progressos, situações de constrangimento e violações de prerrogativas ainda são recorrentes. Conforme Martins (2023), a criminalização simbólica da advocacia criminal permanece perpetuada por práticas institucionais arbitrárias e pelo julgamento social que associa o defensor à conduta do réu. Esse cenário é agravado pela influência midiática, que contribui para a deturpação da imagem do advogado criminalista (Ramos, 2023), e pelo preconceito institucional evidenciado na dificuldade de acesso aos autos, comunicação com clientes e atuação livre em plenário (Oliveira, 2023).

Portanto, analisar essas adversidades e as respostas jurídicas recentes é essencial para compreender os desafios éticos, institucionais e sociais enfrentados por esses profissionais na atualidade, especialmente à luz das reformas processuais e penais em curso no Brasil.

Nesse contexto, torna-se imperiosa a reflexão sobre a efetividade das garantias legais e das prerrogativas profissionais asseguradas aos advogados criminalistas diante das adversidades cotidianas, que comprometem não apenas o livre exercício da advocacia, mas também o próprio direito de defesa do acusado, pilar central do Estado Democrático de Direito. A Lei nº 14.365/2022, ao incluir no art. 7º do Estatuto da Advocacia dispositivos que ampliam a proteção à atuação do advogado no âmbito criminal, representou avanço relevante, reconhecendo, entre outros pontos, o direito de os profissionais não serem investigados ou processados por atos praticados no exercício regular de sua profissão, salvo em caso de abuso de direito (Gonçalves Albeche, 2023).

Entretanto, como pontua Silva (2023), a distância entre a legislação e a realidade prática ainda é significativa. Advogados continuam enfrentando entraves ao acesso irrestrito aos autos, restrições abusivas no contato com clientes presos e constrangimentos em audiências e delegacias, situações que fragilizam a defesa técnica e colocam em risco direitos fundamentais. A jurisprudência, por sua vez, ainda oscila na proteção efetiva das prerrogativas, embora o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tenha reafirmado recentemente, no AgRg no HC 716.842/SP, o caráter absoluto do direito de comunicação entre advogado e cliente preso, inclusive sem a presença de terceiros, como garantia inafastável à ampla defesa.

Outro ponto de tensão refere-se à cultura institucional e social que insiste em associar o advogado criminalista à figura do acusado, o que, segundo Pereira (2022), compromete a credibilidade do profissional e dificulta sua atuação em um ambiente processual e midiático muitas vezes hostil. Como indicam Domínguez et al. (2022), o preconceito e a discriminação institucional no sistema penal são realidades documentadas não apenas no Brasil, mas em diversos países, o que evidencia a necessidade de mecanismos de proteção mais eficazes e da valorização do papel social da advocacia criminal.

Assim, a presente pesquisa propõe-se a contribuir para o debate sobre a efetivação das prerrogativas profissionais e a superação dos estigmas que afetam a advocacia criminal no Brasil contemporâneo, a partir da análise normativa, doutrinária e jurisprudencial, considerando os impactos das recentes reformas e as demandas por novos avanços na proteção institucional da atividade.

2. A CRIMINALIZAÇÃO SIMBÓLICA E OS ESTIGMAS SOCIAIS NA ADVOCACIA CRIMINAL

A advocacia criminal no Brasil enfrenta não apenas as adversidades institucionais e processuais inerentes ao sistema de justiça penal, mas também uma intensa carga de estigmatização social. Conforme analisam Silva (2023) e Pereira (2022), o advogado criminalista, ao atuar em defesa de indivíduos acusados de crimes, acaba muitas vezes sendo confundido com os próprios delitos de seus clientes, sendo socialmente etiquetado como “advogado de bandido”.

Esse estigma compromete não só a imagem profissional como também a segurança física e moral desses advogados, em evidente afronta ao artigo 133 da Constituição Federal de 1988, que reconhece a advocacia como função essencial à administração da justiça. Como observa Martins (2023), essa visão distorcida reflete um resquício autoritário na cultura jurídica brasileira, ainda marcada pelo punitivismo exacerbado e pela criminalização simbólica, fenômeno também descrito por Domínguez, Grau e Vergara (2022), ao analisarem a seletividade e os preconceitos presentes no sistema de justiça criminal.

Esse processo de criminalização simbólica se materializa não apenas na opinião pública, mas também em práticas institucionais. Como apontam Campitelli Roque, Nepomuceno Araujo e Silva Sanchez (2023), as sobrecargas do Judiciário e a precariedade carcerária estimulam decisões sumárias e desconsideração das garantias legais, o que afeta diretamente a atuação defensiva dos advogados criminalistas. 

A título de exemplo, a antiga previsão de multa para o advogado que abandonasse processo penal, posteriormente revogada pela Lei nº 14.752/2023 (BRASIL, 2023), era frequentemente utilizada de maneira abusiva para coagir advogados a permanecerem em causas mesmo diante de situações éticas ou de risco, o que evidenciava a instrumentalização da legislação para constranger a atuação da defesa.

Além disso, jurisprudências recentes demonstram a dificuldade de aplicação prática das prerrogativas da advocacia criminal. Conforme aponta Albeche (2023), mesmo após a promulgação da Lei nº 14.365/2022 (BRASIL, 2022), que reforçou a inviolabilidade dos escritórios de advocacia e a necessidade de presença da OAB em buscas e apreensões, os advogados seguem relatando abusos e arbitrariedades. 

Caso emblemático foi o de um advogado criminalista em Rondônia, em 2019, que, ao mencionar a então recém-aprovada Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019) em petição, foi denunciado ao Conselho da OAB pelo magistrado sob alegação de intimidação (Mendes; Sousa, 2022). Situações como essa evidenciam, segundo Santos (2022), a resistência de setores do Judiciário em aceitar a atuação independente e combativa da advocacia criminal, essencial para a concretização do devido processo legal.

A OAB Nacional, por sua vez, tem buscado regulamentar sua atuação na defesa das prerrogativas profissionais, conforme destaca Oliveira (2023). A edição do Provimento nº 205/2021 estabeleceu parâmetros para a presença de representantes da entidade em diligências de busca e apreensão em escritórios, garantindo a inviolabilidade dos arquivos físicos e digitais dos advogados, como previsto na Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia). Além disso, campanhas institucionais e manifestações públicas, como destacam Ramos (2023) e Souza (2022), têm se mostrado importantes instrumentos para conscientizar a sociedade sobre a importância da advocacia criminal na proteção dos direitos e garantias fundamentais.

Por fim, as contribuições de Silva (2023) e Martins (2023) são essenciais para propor caminhos que enfrentem a estigmatização e os abusos sofridos pelos advogados criminalistas. Ambos defendem a necessidade de inclusão obrigatória do ensino sobre prerrogativas profissionais nos cursos de Direito, além da ampliação dos canais de denúncia e proteção institucional aos advogados vítimas de violações. 

Assim, a construção de um ambiente jurídico mais democrático e garantista passa, necessariamente, pelo reconhecimento da advocacia criminal não como cúmplice do delito, mas como guardiã dos direitos individuais e do devido processo penal.

3. MÉTODOS

Para a realização deste estudo, adotou-se uma metodologia de caráter qualitativo, com abordagem dedutiva e análise descritiva, considerando a complexidade do tema e a necessidade de compreender as adversidades enfrentadas pela advocacia criminal no Brasil a partir de uma perspectiva teórica e normativa. Segundo Minayo (2020), a pesquisa qualitativa permite interpretar fenômenos sociais complexos a partir de seus significados, relações e contextos, o que se mostra essencial para compreender os estigmas, abusos e garantias legais relacionados à atuação do advogado criminalista. Nesse sentido, a revisão de literatura foi utilizada como método, possibilitando a análise de produções acadêmicas, legislações, jurisprudências e publicações especializadas que abordam a temática proposta.

Conforme Gil (2020), a revisão de literatura consiste no exame sistemático de obras relevantes já publicadas, com o objetivo de reunir, organizar e discutir o conhecimento existente sobre determinado assunto. Assim, o levantamento de dados foi realizado por meio da consulta a leis atualizadas, em especial a Lei nº 14.365/2022 e a Lei nº 14.752/2023, além de doutrinas jurídicas, jurisprudências de tribunais superiores e artigos científicos publicados em periódicos de circulação nacional entre os anos de 2020 e 2025, garantindo a atualidade e relevância das informações coletadas. Também foram analisadas publicações disponíveis em revistas eletrônicas indexadas em bases jurídicas e acadêmicas.

Os critérios de inclusão consideraram obras e artigos que tratassem diretamente das prerrogativas da advocacia criminal, da atuação profissional no processo penal, dos estigmas sociais e dos obstáculos institucionais enfrentados pelos advogados criminalistas. Foram excluídos trabalhos que abordassem de forma tangencial ou genérica a advocacia, sem foco específico na seara criminal ou que não apresentassem fundamentação jurídica atualizada. O percurso metodológico compreendeu a seleção inicial das fontes, seguida pela leitura exploratória e analítica, permitindo a identificação dos principais conceitos e argumentos, os quais foram sistematizados e organizados de acordo com os eixos temáticos da pesquisa.

De acordo com Lakatos e Marconi (2017), a análise descritiva permite apresentar e discutir os dados coletados de maneira ordenada e interpretativa, possibilitando a identificação de padrões e contradições no tratamento jurídico e social conferido à advocacia criminal. A partir dessa sistematização, foi possível construir um panorama crítico e fundamentado acerca das adversidades enfrentadas pelos advogados criminalistas, evidenciando as conquistas legislativas recentes e os desafios ainda persistentes para a efetivação plena das prerrogativas profissionais no sistema de justiça penal brasileiro.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados desta pesquisa demonstraram que, embora avanços legislativos importantes tenham sido conquistados recentemente, como a promulgação da Lei nº 14.365/2022, a prática da advocacia criminal no Brasil continua marcada por desafios estruturais e institucionais. A referida norma, ao modificar o Estatuto da Advocacia e o Código de Processo Penal, ampliou as prerrogativas profissionais e buscou conferir maior segurança ao exercício da defesa criminal, reconhecendo direitos essenciais como a comunicação reservada com o cliente preso e a inviolabilidade de documentos e correspondências profissionais (Brasil, 2022). 

Os estigmas enfrentados pela advocacia criminalista no Brasil permanecem como um dos maiores entraves para o exercício pleno e respeitado dessa atividade essencial à justiça penal. Martins (2023) observa que a atuação do advogado criminal é historicamente associada à proteção de condutas ilícitas, visão amplificada por setores midiáticos e segmentos do Judiciário. 

Ramos (2023) reforça esse cenário ao demonstrar, por meio de levantamento empírico, como a cobertura jornalística tende a retratar o advogado de defesa como parte do crime, afetando sua imagem pública e institucional. Tal percepção distorcida compromete a legitimidade social da advocacia criminal e contribui para a criminalização simbólica da profissão, apesar de sua função constitucionalmente assegurada no art. 133 da Constituição Federal e reafirmada na Lei nº 14.365/2022, que atualizou o Estatuto da Advocacia para proteger a dignidade do exercício profissional (BRASIL, 2022).

Em relação aos abusos institucionais, Silva (2023) e Santos (2022) relatam que, frequentemente, advogados criminalistas são alvos de restrições ilegais de acesso aos autos, reuniões sigilosas com clientes e até perseguições institucionais. Oliveira (2023) aponta que a violação das prerrogativas, especialmente o cerceamento de comunicação privada com o réu preso, representa não apenas uma ofensa à advocacia, mas uma afronta direta ao direito de defesa e ao devido processo legal. 

A aprovação da Lei nº 14.365/2022 trouxe avanços importantes, como a previsão do art. 7º-B, que garante a suspensão dos prazos processuais em caso de violação de prerrogativas, embora, como enfatiza Gonçalves Albeche (2023), sua eficácia dependa da resistência cultural de autoridades públicas que historicamente ignoram tais garantias (Brasil, 2022).

Quanto às garantias legais, Faucz (2023) ressalta que a recente Lei nº 14.752/2023 representa significativa conquista para a advocacia criminal ao extinguir a multa aplicada ao advogado que abandona processo penal sem justa causa, sanção que vinha sendo utilizada de forma coercitiva contra defensores que enfrentavam situações abusivas e riscos à integridade profissional. Segundo os autores, essa modificação legislativa contribui para equilibrar a relação processual e assegurar ao advogado a possibilidade de reagir a violações sem o temor de penalidades financeiras injustificadas (Brasil, 2023).

Complementando essa análise, Campitelli Roque et al. (2023) contextualizam que a efetividade das garantias legais concedidas pela legislação recente, embora louvável, enfrenta obstáculos estruturais, como a sobrecarga do Judiciário e o déficit de políticas públicas voltadas à proteção do exercício profissional no ambiente prisional e forense. Assim, as normas positivas, apesar de progressistas, esbarram na dificuldade prática de implementação e fiscalização.

Domínguez et al. (2022), ao analisarem a seletividade penal e os estigmas institucionais, concluem que a discriminação institucionalizada contra minorias e defensores de seus direitos revela a urgência de ações estruturantes para consolidar o direito de defesa como núcleo inviolável do processo penal. Nesse sentido, Souza (2022) propõe a criação de observatórios de prerrogativas e de políticas institucionais de combate aos abusos, iniciativa que poderia consolidar os avanços das Leis nº 14.365/2022 e nº 14.752/2023 em favor da advocacia criminal (Brasil, 2022; Brasil, 2023).

Desse modo, os autores convergem ao apontar que a superação dos estigmas e abusos, bem como a efetivação das garantias legais, demanda mais que mudanças normativas, exigindo transformações institucionais, culturais e sociais profundas para garantir à advocacia criminal o respeito e a liberdade necessários para o exercício técnico e ético de sua função no Estado Democrático de Direito.

Gonçalves Albeche (2023) observa que, embora o texto legal represente um avanço normativo, sua efetividade depende da atuação comprometida dos órgãos jurisdicionais e do respeito das autoridades policiais e judiciárias às garantias profissionais.

A dificuldade de concretização das prerrogativas também se manifesta diante da resistência de alguns segmentos do Poder Judiciário e das forças policiais, que, segundo Silva (2023), ainda limitam, de forma indevida, o acesso dos advogados criminalistas a seus clientes e aos autos processuais. Como exemplo, destaca-se o julgamento do AgRg no HC 716.842/SP pelo Superior Tribunal de Justiça, que reafirmou a inviolabilidade da comunicação entre advogado e réu preso, reconhecendo que a restrição desse direito configura violação à ampla defesa (Equipe Juspodivm, 2024). A despeito dessa decisão, relatos de impedimentos ao exercício pleno das prerrogativas continuam recorrentes, indicando a persistência de práticas institucionais que afrontam o Estatuto da Advocacia.

Outro avanço relevante foi a publicação da Lei nº 14.752/2023, que extinguiu a multa para advogados que, por justa causa, se retirarem de processos penais (Brasil, 2023). Faucz (2023) destacam que essa alteração legislativa corrigiu uma distorção histórica que penalizava indevidamente a defesa técnica e compromete a autonomia do advogado, especialmente em casos de afronta às suas prerrogativas ou violação ética processual. 

No entanto, Martins (2023) alerta que a criminalização simbólica da advocacia criminalista ainda persiste, alimentada por narrativas midiáticas e discursos judiciais que associam a defesa penal ao crime praticado pelo acusado, criando estigmas que fragilizam a atuação profissional.

As adversidades enfrentadas no ambiente institucional se somam a fatores estruturais, como a sobrecarga do Judiciário e a precariedade do sistema penitenciário brasileiro. Campitelli Roque et al. (2023) ressaltam que a morosidade processual e as condições degradantes das unidades prisionais comprometem o direito de defesa e ampliam as dificuldades para o trabalho do advogado criminalista. Nesse cenário, o advogado atua não apenas como defensor técnico, mas como garantidor das condições mínimas de legalidade e dignidade do acusado no processo penal.

Adicionalmente, Domínguez et al. (2022) apontam, com base em estudo comparado, que a advocacia criminal enfrenta discriminações institucionais que se manifestam em decisões judiciais e procedimentos administrativos, reforçando desigualdades e preconceitos históricos. 

Essa constatação dialoga com as análises de Pereira (2022) e RamoS (2023), para quem o preconceito institucionalizado contra a advocacia criminal reflete uma cultura punitivista e midiática que transforma o advogado criminalista em alvo de desconfiança social e institucional.

Portanto, os dados levantados indicam que, embora as reformas legislativas recentes, como as Leis nº 14.365/2022 e nº 14.752/2023, tenham sido importantes, há um descompasso entre os avanços normativos e sua implementação efetiva. Como defende Oliveira (2023), a superação desse quadro demanda não apenas alterações legais, mas a construção de uma cultura institucional voltada à valorização das prerrogativas profissionais e à proteção do direito de defesa como elemento essencial do Estado Democrático de Direito.

Diante das adversidades relatadas, diversos autores propõem alternativas e perspectivas para o fortalecimento da advocacia criminal e o reconhecimento institucional de sua importância no sistema de justiça penal. Oliveira (2023) sugere que a ampliação da formação técnico-jurídica e ética dos advogados criminalistas, aliada à atuação ativa das seccionais da OAB no monitoramento e denúncia de violações de prerrogativas, constitui uma estratégia relevante para reduzir os abusos institucionais e resgatar o respeito social e institucional pela atuação do defensor criminal. Segundo a autora, é imprescindível que as prerrogativas previstas na Lei nº 14.365/2022 sejam internalizadas pelos operadores do direito e garantidas sem condicionantes indevidas, o que só se efetivará com a educação jurídica continuada e com a atuação vigilante da advocacia organizada (Brasil, 2022).

Martins (2023) aponta que uma das formas de combater a criminalização simbólica da advocacia criminalista é promover o debate público e acadêmico sobre a importância do advogado no processo penal democrático. Para o autor, ao ocupar os espaços midiáticos, acadêmicos e institucionais com argumentos qualificados e dados sobre a importância do exercício pleno do direito de defesa, a advocacia criminal pode desconstruir a associação equivocada entre defensor e crime, atualmente fomentada por segmentos da mídia e do Poder Judiciário. 

Ramos (2023) reforça essa ideia ao evidenciar, em seu estudo, que a percepção pública sobre a advocacia criminal é diretamente influenciada pela cobertura midiática sensacionalista, sendo essencial a atuação da OAB e das entidades acadêmicas para equilibrar essa narrativa e apresentar à sociedade o papel constitucional da defesa criminal.

No campo legislativo, Faucz (2023) defende a regulamentação mais clara e objetiva sobre as situações de impedimento e suspeição de autoridades policiais e judiciais que afrontarem prerrogativas advocatícias, bem como a tipificação penal das condutas que violem direitos dos advogados no exercício da defesa técnica.

Tal proposta, segundo os autores, além de proteger os profissionais, fortalece o próprio sistema de garantias constitucionais. Em consonância, Gonçalves Albeche (2023) propõe a ampliação do controle judicial sobre os atos que interfiram na atuação do advogado, garantindo acesso imediato e prioritário ao Judiciário para o enfrentamento de eventuais arbitrariedades.

Outro aspecto relevante apontado por Campitelli Roque et al. (2023) é a necessidade de reformulação estrutural do sistema penitenciário e de racionalização da gestão processual, pois a sobrecarga judicial e as condições degradantes dos estabelecimentos prisionais prejudicam não apenas os acusados, mas também dificultam o trabalho defensivo, limitando o contato do advogado com o cliente e inviabilizando estratégias eficazes de defesa. A efetividade das prerrogativas, portanto, não pode ser analisada de forma isolada, mas vinculada a um contexto institucional e estrutural mais amplo.

Por fim, Domínguez et al. (2022) e Souza (2022) convergem ao sugerir que a advocacia criminal deve se articular internacionalmente, compartilhando boas práticas e estratégias de resistência institucional em defesa do direito de defesa e contra a discriminação institucionalizada no sistema penal. Os autores destacam que as experiências internacionais, sobretudo em países que enfrentam cenários de criminalização profissional semelhantes, podem oferecer subsídios para o aprimoramento das políticas de proteção às prerrogativas no Brasil.

Assim, os resultados e análises dos autores apontam que, para que as conquistas legislativas representadas pelas Leis nº 14.365/2022 e nº 14.752/2023 (Brasil, 2022; Brasil, 2023) sejam efetivas, é indispensável uma atuação articulada entre a advocacia, o Poder Legislativo, o Judiciário, o Ministério Público e a sociedade civil, além do enfrentamento do discurso punitivista e midiático que estigmatiza o defensor criminal. Trata-se de um esforço institucional, político e cultural indispensável à manutenção do Estado Democrático de Direito.

5. CONCLUSÃO 

A análise realizada ao longo deste artigo permitiu constatar que a advocacia criminal no Brasil permanece marcada por profundas adversidades que comprometem a efetivação do direito de defesa e o pleno exercício das prerrogativas profissionais asseguradas pela legislação vigente. Ao abordar os estigmas, abusos institucionais e garantias legais, evidenciou-se que o advogado criminalista enfrenta não apenas desafios técnicos e jurídicos, mas também simbólicos e culturais, que reforçam uma visão socialmente negativa sobre sua função. Percebe-se que, a criminalização simbólica da advocacia criminal e a influência midiática contribuem para distorcer a percepção pública sobre esses profissionais, gerando obstáculos que transcendem o espaço jurídico e se manifestam no cotidiano forense e na relação com os órgãos do sistema de justiça.

A aprovação da Lei nº 14.365/2022 representou importante avanço ao atualizar o Estatuto da Advocacia e fortalecer garantias como a inviolabilidade da comunicação entre advogado e cliente e a suspensão de prazos processuais em casos de violação de prerrogativas Do mesmo modo, a promulgação da Lei nº 14.752/2023 significou relevante vitória institucional, extinguindo uma multa punitiva que vinha sendo utilizada como instrumento de coerção processual contra advogados criminalistas. Entretanto, a mera positivação normativa, embora indispensável, não é suficiente para superar os entraves estruturais e culturais que limitam a efetividade dessas garantias.

A reflexão aqui proposta reforça que o reconhecimento social e institucional da advocacia criminal depende da consolidação de políticas públicas voltadas à proteção das prerrogativas e à valorização da função defensiva no processo penal. Persiste a necessidade de ações que promovam a conscientização da sociedade, a qualificação permanente dos operadores do direito e o compromisso ético dos profissionais com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Como evidenciado, a sobrecarga do Judiciário, as deficiências estruturais do sistema carcerário e a seletividade penal ainda comprometem a aplicação efetiva dos direitos previstos nas recentes reformas legislativas.

Diante desse cenário, conclui-se que a superação dos estigmas e abusos contra a advocacia criminal, bem como a consolidação de suas garantias legais, passa necessariamente por uma transformação institucional e cultural profunda, que reconheça a centralidade do advogado criminalista na preservação do Estado Democrático de Direito e na proteção dos direitos fundamentais. A valorização desse profissional não se limita à defesa de interesses individuais, mas constitui verdadeiro compromisso coletivo com a legalidade, a ética processual e a justiça penal garantista.

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1Advogado e Servidor Público Municipal (Professor). Bacharel em Filosofia pela Faculdade João Calvino (2010). Graduado em Direito pela Faculdade São Francisco da Paraíba (2016); Licenciatura Plena em Filosofia pela Faculdade de Ciências e Letras de Cajazeiras (2013); Possui Graduação em Teologia pela Faculdade América Latina (2021); graduação em Pedagogia pela FACULDADE DAS TERRAS DE BRASÍLIA (2010). Especialista em Ensino Religioso, Direito Penal e Processo Penal; Direito Administrativo e Direito Previdenciário. Mestre em Psicologia Organizacional e do Trabalho pela Universidade Potiguar – Unp. Doutor em Educação e Novas Tecnologias pelo Centro Universitário Internacional UNINTER. Consultor Jurídico em vários municípios da Paraíba. Professor na Universidade Anhanguera (Campus Pau dos Ferros) e Tutor da Disciplina de Direito Administrativo e Direito Penal.