ARBITRAGEM NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA: EVOLUÇÃO, FUNDAMENTOS ATUAIS E PERSPECTIVAS À LUZ DA LEI Nº 13.129/2015 E DA LEI Nº 14.133/2021

ARBITRATION IN BRAZILIAN PUBLIC ADMINISTRATION: EVOLUTION, CURRENT FOUNDATIONS, AND PERSPECTIVES ACCORDING TO LAW N. 13129/2015 AND LAW N. 14133/2021

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202506301728


Marco Aurélio Ceccato1


Resumo

O artigo investiga a evolução e a consolidação da arbitragem no âmbito da Administração Pública brasileira, analisando-a sob a ótica das inovações promovidas pela Lei nº 13.129/2015 e pela Lei nº 14.133/2021. Partindo de um histórico de controvérsias acerca da compatibilidade do instituto arbitral com os princípios do Direito Administrativo, o estudo demonstra como a expressa positivação legal superou os entraves, delimitando a arbitragem aos direitos patrimoniais disponíveis. Aborda-se a consagração dos meios alternativos de solução de controvérsias (MASC) na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, que reforça a busca pela consensualidade e eficiência na gestão pública. Em seguida, o texto detalha as particularidades da arbitragem com a Administração Pública, como a preferência por modalidade institucional, o imperativo da lei e sede brasileiras, e a complexa harmonização entre confidencialidade e publicidade. Finalmente, são explorados os desafios persistentes e as críticas à aplicação da arbitragem na esfera pública, incluindo os custos, a especialização de árbitros e a efetividade do controle pelos Tribunais de Contas, culminando em uma projeção das perspectivas para o aprimoramento e a consolidação desse relevante instrumento na desjudicialização e na eficiência da Administração Pública brasileira.

Palavras-chave: Arbitragem. Administração Pública. Contratos Administrativos. Lei nº13.129/2015. Lei nº 14.133/2021. Meios Alternativos de Solução de Controvérsias (MASC). Direitos Patrimoniais Disponíveis. Desjudicialização. Consensualidade

Abstract

This article investigates the evolution and consolidation of arbitration within Brazilian Public Administration, analyzing it from the perspective of the innovations introduced by Law N. 13129/2015 and Law N. 14133/2021. Starting from a historical overview of controversies regarding the compatibility of the arbitral institute with the principles of Administrative Law, the study demonstrates how explicit legal positivation overcame obstacles, delimiting arbitration to disposable patrimonial rights. It addresses the consecration of Alternative Dispute Resolution (ADR) methods in the New Public Bidding and Administrative Contracts Law, which reinforces the pursuit of consensuality and efficiency in public management. Subsequently, the text details the peculiarities of arbitration involving Public Administration, such as the preference for institutional arbitration, the imperative of Brazilian law and seat, and the complex harmonization between confidentiality and publicity. Finally, the persistent challenges and criticisms regarding the application of arbitration in the public sphere are explored, including costs, the specialization of arbitrators, and the effectiveness of oversight by Audit Courts, culminating in a projection of perspectives for the improvement and consolidation of this relevant instrument in the dejudicialization and efficiency of Brazilian Public Administration.

Keywords: Arbitration. Public Administration. Administrative Contracts. Law N. 13129/2015. Law N. 14133/2021. Alternative Dispute Resolution (ADR). Disposable Patrimonial Rights. Dejudicialization. Consensuality.

1.     Introdução: a arbitragem no contexto da consensualidade administrativa contemporânea

A reforma do Estado brasileiro, iniciada em meados da década de 1990, impulsionou uma significativa mudança na lógica de organização e operacionalização da Administração Pública. Tradicionalmente pautada por uma relação hierárquica e verticalizada com o particular, a gestão pública tem se deslocado progressivamente para um regime jurídico que privilegia a consensualidade e a eficiência na resolução de conflitos.

Essa transição reflete uma (já não tão) “nova contratualidade administrativa”, terminologia consagrada por publicistas contemporâneos (MARQUES NETO, 2009, p. 80; MOREIRA NETO, 2014), consistente no fenômeno de deslocamento do eixo da autoridade (pautado no poder de império da Administração e na predominância de atos administrativos) para o da consensualidade (pautado na paridade entre a Administração e o particular e na crescente utilização de novas formas contratuais).

Nesse cenário de transformação, a arbitragem emergiu como um instrumento de crescente relevância, desafiando paradigmas consolidados do Direito Administrativo. Por anos, sua aplicabilidade ao Poder Público foi objeto de intenso debate doutrinário e jurisprudencial, suscitando questionamentos acerca da compatibilidade com princípios basilares como a indisponibilidade do interesse público, a supremacia do interesse público e a legalidade estrita.

Contudo, a crescente complexidade das relações contratuais administrativas e a necessidade de desjudicialização de litígios impulsionaram a busca por mecanismos mais flexíveis e especializados. Parte da doutrina e da jurisprudência já sinalizavam favoravelmente à sua utilização para dirimir conflitos sobre direitos patrimoniais disponíveis.

A controvérsia foi amplamente superada com a promulgação da Lei nº 13.129, de 26 de maio de 2015, que alterou a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996). O diploma legal citado representou um marco decisivo ao positivar expressamente a possibilidade de a Administração Pública direta e indireta utilizar a arbitragem e a mediação para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

Tal inovação legislativa refletiu o amadurecimento do entendimento sobre a natureza da arbitragem e a capacidade da Administração em transacionar sobre temas que envolvam direitos patrimoniais disponíveis, muito embora ainda exista alguma dificuldade quanto à definição deste conceito jurídico indeterminado (DI PIETRO, 2022).

A consolidação dessa tendência foi posteriormente reforçada pela Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Este diploma, que substituiu a Lei nº 8.666/93, incorporou de forma explícita e abrangente a previsão de utilização de meios alternativos (ou adequados) de resolução de controvérsias (MASC), incluindo a arbitragem, para as disputas relacionadas a contratos administrativos (art. 151).

Essa previsão legal evidencia a adesão plena do legislador brasileiro à consensualidade, reconhecendo a arbitragem como ferramenta apta a conferir maior segurança jurídica e eficiência às relações contratuais entre o Estado e os particulares.

Diante da expressa positivação e consolidação normativa da arbitragem na Administração Pública, este artigo propõe-se a analisar os fundamentos jurídicos atuais que sustentam sua aplicação em contratos administrativos, suas particularidades operacionais e os desafios e perspectivas para sua efetivação no cenário jurídico brasileiro contemporâneo.

Para tanto, o presente estudo será desenvolvido em capítulos subsequentes que abordarão, respectivamente, os fundamentos jurídicos que respaldam a arbitragem na Administração Pública, as particularidades que a distinguem no âmbito dos contratos administrativos e, por fim, uma análise conclusiva sobre os desafios e as perspectivas futuras desse relevante instrumento de resolução de conflitos.

2.     Fundamentos jurídicos atuais da arbitragem na Administração Pública brasileira

A possibilidade de a Administração Pública recorrer à arbitragem para dirimir seus conflitos representou, por considerável período, um dos temas mais debatidos e complexos no âmbito do Direito Administrativo brasileiro.

A controvérsia residia, fundamentalmente, na aparente antinomia entre a natureza consensual e privatista da arbitragem e os princípios intrínsecos ao regime jurídico administrativo, em especial a indisponibilidade e a supremacia do interesse público.

A visão tradicional, fortemente arraigada, preconizava que a Administração não poderia transigir sobre direitos que, por serem públicos, seriam, em essência, indisponíveis, vinculando-se sempre à satisfação do interesse coletivo (MELLO, 2015, p. 740 e 812). Essa perspectiva impunha, naturalmente, um óbice à plena aceitação da arbitragem.

Não obstante, antes mesmo de uma expressa autorização legal, parte significativa da doutrina já apontava para a compatibilidade da arbitragem em certas esferas, mormente em contratos regidos predominantemente pelo direito privado ou em matérias relativas ao equilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos, desde que não afetado o núcleo do interesse público primário.[2]

Esse movimento precursor alinhava-se à emergência de uma “nova contratualidade administrativa” (MARQUES NETO, 2009), que impulsionava a Administração em direção a um paradigma de maior consensualidade.

2.1. A positivação legislativa: Lei nº 13.129/2015 e a questão dos direitos patrimoniais disponíveis

O ponto fulcral de superação da mencionada controvérsia reside na promulgação da Lei nº 13.129, de 26 de maio de 2015. Este diploma legal, ao promover alterações significativas na Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996), inseriu o § 1º ao seu art. 1º, que, de modo inequívoco, conferiu à Administração Pública a prerrogativa de valer-se do instituto arbitral.[3]

Consoante a dicção legal, estabeleceu-se que: “A Administração Pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis”1 (Lei nº 13.129, de 2015).

A inteligência desse dispositivo reside, sobretudo, na delimitação da arbitragem aos chamados “direitos patrimoniais disponíveis”. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2022) elucida que a autorização para submeter tais direitos à arbitragem não implica renúncia ao interesse público genericamente considerado, mas sim a adoção de uma forma mais eficiente e racional de gestão de bens e interesses que, embora públicos, detêm natureza patrimonial e são, por conseguinte, passíveis de transação.[4]

Distinguem-se, assim, dos direitos indisponíveis, que compreendem o núcleo essencial da atuação administrativa e da soberania estatal, a exemplo da estrita legalidade de um ato administrativo, do exercício do poder de polícia ou da aplicação de sanções em sua essência.

José dos Santos Carvalho Filho (2020) corrobora que a possibilidade de arbitragem se restringe àqueles bens ou interesses que já alcançaram um patamar de disponibilidade, “nos quais seja predominante o aspecto da patrimonialidade”, admitindo valoração econômica.

2.2. A consagração na Lei nº 14.133/2021: meios alternativos de solução de controvérsias nos contratos administrativos

A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021) consolidou e ampliou a aceitação da arbitragem no âmbito das contratações públicas. Diferentemente da Lei nº 8.666/93, que carecia de previsão expressa nesse sentido, a Lei nº 14.133/2021 inseriu os meios alternativos de solução de controvérsias (MASC) no próprio regime geral de licitações e contratos.

O art. 151 da referida Lei nº 14.133/2021, com notável relevância, preconiza que: “Nas contratações regidas por esta Lei, poderão ser utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê de resolução de disputas e a arbitragem”.

A disposição legal sinaliza uma orientação clara do legislador em favor da desjudicialização e da busca por soluções mais ágeis e especializadas, contribuindo decisivamente para a eficiência da gestão pública.

A inclusão do “comitê de resolução de disputas” (Dispute Review Board – DRB) demonstra uma visão moderna da resolução de conflitos, estendendo-a à gestão preventiva durante a execução contratual (OLIVEIRA, 2021).[5] A Lei nº 14.133/2021, portanto, legitima e incentiva o emprego de técnicas consensuais, consideradas indispensáveis para a complexa dinâmica dos contratos administrativos.

2.3. A necessária harmonização da arbitragem com os princípios do direito administrativo

A admissão legal e a subsequente consolidação normativa da arbitragem impuseram uma reinterpretação dos princípios do Direito Administrativo, com vistas a uma harmonização que preserve a essência do regime público.

2.3.1. Princípio da legalidade

Com a vigência das Leis nº 13.129/2015 e nº 14.133/2021, a utilização da arbitragem pela Administração Pública encontra-se inequivocamente amparada pela legalidade expressa.[6]

O debate, doravante, concentra-se não mais na permissibilidade do instituto, mas nas condições e limites de sua aplicação, que devem estar em estrita conformidade com as normas e princípios administrativos. A legalidade impõe que a opção pela arbitragem seja devidamente motivada e que os procedimentos e as matérias arbitráveis observem os preceitos normativos.

2.3.2. Princípio da indisponibilidade do interesse público

Este princípio, fulcral para o Direito Administrativo, não é relegado a segundo plano pela arbitragem; ao revés, ele se configura como o limite material da atuação arbitral.

Consoante já delineado, a arbitragem é admitida exclusivamente para litígios que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis. Questões que envolvam a legalidade em sentido estrito, o exercício de poderes inerentes à soberania estatal ou a discricionariedade pura do administrador não são passíveis de arbitragem.

A arbitragem atua no espectro de flexibilidade que o próprio interesse público, em dadas circunstâncias, permite para sua otimizada satisfação.[7]

2.3.3. Princípio da publicidade

A publicidade é um esteio da atividade administrativa. Malgrado a confidencialidade seja uma característica marcante da arbitragem, ela é mitigada quando o Poder Público é parte.

Informações essenciais, como a previsão da cláusula arbitral no edital, os custos envolvidos no procedimento e o próprio teor do laudo arbitral podem e devem ser acessíveis ao escrutínio público, em conformidade com o princípio da publicidade e os ditames da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011). José dos Santos Carvalho Filho (2021) leciona que se deve dar “total transparência aos resultados da arbitragem, exigência, aliás, prevista no art. 2º, § 3º, da Lei da Arbitragem”.

O sigilo, em regra, restringe-se ao processo deliberativo dos árbitros e a dados estritamente estratégicos ou comerciais das partes.

2.3.4. Princípio da eficiência

A arbitragem coaduna-se diretamente com o princípio da eficiência, consagrado no art. 37, caput, da Constituição Federal.

Ao oferecer um método de resolução de litígios que se destaca pela celeridade, especialização e pelo potencial de desafogar o Poder Judiciário, a arbitragem contribui para uma gestão mais eficiente de solução das lides (OLIVEIRA, 2021).[8]

A expertise dos árbitros em áreas técnicas complexas, frequentemente presente em grandes projetos de infraestrutura, é um fator de valorização que favorece a qualidade da decisão.

2.3.5. O controle da atividade administrativa

Mesmo ante a adoção da arbitragem, o controle sobre a Administração Pública permanece integralmente salvaguardado. O laudo arbitral, investido da mesma força de uma sentença judicial, submete-se ao controle de legalidade pelo Poder Judiciário, mediante a ação anulatória prevista na Lei de Arbitragem.

Este controle, contudo, circunscreve-se à verificação de vícios formais ou de procedimento, vedado o reexame do mérito da controvérsia.

Adicionalmente, os Tribunais de Contas continuam a exercer sua função fiscalizatória sobre a legalidade, legitimidade e economicidade da decisão da Administração em optar pela arbitragem e dos custos inerentes ao processo arbitral (BRASIL, Tribunal de Contas da União, 2013)[9].

2.4. Requisitos e condições para a utilização da arbitragem pela Administração Pública

A utilização da arbitragem pela Administração Pública está condicionada à observância de requisitos e condições específicas, as quais se revelam essenciais para sua validade jurídica. 

Primeiramente, o fundamento legal expresso para a permissão do uso da arbitragem encontra-se, principalmente, nas Leis nº 13.129/2015 e nº 14.133/2021, que conferiram à Administração a prerrogativa inequívoca de recorrer a este método de solução de controvérsias.

Em segundo lugar, o litígio deve, imperativamente, ter como objeto um direito de natureza patrimonial disponível. Isso significa que a controvérsia deve versar sobre direitos sobre os quais a Administração detém capacidade de dispor, excluindo-se as matérias que tocam o núcleo da indisponibilidade do interesse público, conforme pormenorizado em capítulo precedente.

Adicionalmente, faz-se imperativa a previsão formal da arbitragem no edital e no contrato. A possibilidade de submeter o litígio à arbitragem deve ser expressamente prevista e detalhada tanto no edital de licitação quanto no instrumento contratual correspondente, conforme inferido dos arts. 153 e 154 da Lei nº 14.133/2021. Essa exigência visa a garantir a publicidade e a previsibilidade do método de resolução de conflitos para todos os licitantes e contratados.

Por fim, o procedimento arbitral deve ser pautado pela arbitragem de direito, ou seja, pela aplicação das regras jurídicas positivadas, e não por equidade, conforme art.152 da Lei nº 14.133/2021 e art. 2º, § 3º, da Lei nº 9.307/1996. 

A arbitragem por equidade, ainda que teoricamente admitida no âmbito privado, ostenta aplicação excepcionalmente restrita e é rejeitada no direito público brasileiro. Essa restrição decorre das limitações impostas pela indisponibilidade do interesse público e pela intrínseca vinculação da Administração à legalidade, conforme dispositivos legais citados.

Esses fundamentos revelam que a arbitragem, no âmbito da Administração Pública, não configura uma derrogação irrestrita dos princípios do Direito Administrativo. Antes, configura-se como um mecanismo que, devidamente regulamentado e balizado por requisitos claros, harmoniza a busca por eficiência e consensualidade com a fundamental e indeclinável preservação do interesse público.

3. Aspectos distintivos da arbitragem em contratos administrativos: a peculiaridade da intervenção pública

Uma vez abordadas as questões que, por longo tempo, permearam o debate e, finalmente, culminaram na positivação da possibilidade de conflitos oriundos de contratos administrativos serem submetidos à arbitragem, impõe-se uma análise específica das particularidades inerentes a esta modalidade arbitral.

A despeito da expressa admissão legal do instituto, a adoção da arbitragem pela Administração Pública não a equipara, em todas as suas vertentes, à sua utilização no universo do direito privado. Os contratos administrativos, dada a sua natureza singular e sua teleologia específica, permanecem inseridos em um regime jurídico de índole peculiar.

Este regime imprime características distintivas ao instituto arbitral quando aplicado ao Poder Público. Tais particularidades derivam da imperiosa necessidade de compatibilizar a celeridade e a especialização que são próprias da arbitragem com os princípios basilares e as prerrogativas inalienáveis que resguardam o interesse público.

Como aspectos fundamentais a serem delineados neste capítulo, a Lei de Arbitragem (LAB) confere às partes a faculdade de eleger: (i) se a arbitragem será institucional ou ad hoc (Lei nº 9.307/1996, art. 21); (ii) a instituição arbitral que, eventualmente, conduzirá o procedimento (Lei nº 9.307/1996, art. 5º); (iii) a lei aplicável ao mérito do litígio (Lei nº 9.307/1996, art. 2º); e (iv) o regramento processual da arbitragem, incluindo o idioma dos atos processuais, a sede do procedimento e os parâmetros de confidencialidade (Lei nº 9.307/1996, art. 11).

Não obstante, conforme já assinalado em análises precedentes, a arbitragem em contratos administrativos exibe peculiaridades que a distinguem das disputas puramente comerciais. Dessa forma, é imperativo que se confira a devida atenção a essas nuances, a fim de que as convenções de arbitragem sejam celebradas de maneira adequada e eficaz.

3.1. Escolha da modalidade arbitral: institucionalidade ou arbitragem ad hoc

A despeito da omissão inicial da Lei de Arbitragem quanto à modalidade de arbitragem a ser adotada pela Administração Pública, a doutrina, já em período pretérito, apontava para a compatibilidade de ambas as formas. A ausência de vedação explícita era interpretada como uma autorização implícita para a escolha da modalidade que melhor atendesse ao interesse público (RIBEIRO, 2009, p. 180).

Com o advento da Lei nº 14.133/2021, o cenário ganhou contornos mais definidos. Embora não haja uma determinação categórica de que a arbitragem deva ser exclusivamente institucional, o art. 154, ao dispor sobre a escolha de árbitros e colegiados arbitrais mediante “critérios isonômicos, técnicos e transparentes” sinaliza uma possível preferência pela via institucional, evitando-se a singularidade da arbitragem ad hoc.

Essa preferência advém da maior segurança jurídica, da expertise administrativa e da estrutura de apoio que as instituições arbitrais especializadas oferecem. Tais elementos mostram-se mais compatíveis com as exigências de publicidade e controle que incidem sobre a Administração.

Ademais, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021) promoveu uma disposição expressa em relação à oportunidade da pactuação da arbitragem. O art. 153 da Lei nº 14.133/2021 determina que “contratos poderão ser aditados para permitir a adoção dos meios alternativos de resolução de controvérsias”.

Tal previsão elimina as discussões existentes no passado quanto à possibilidade de serem adotadas meios alternativos de solução de controvérsias no curso da execução contratual, garantindo segurança jurídica e prevenindo questionamentos ulteriores sobre a legitimidade da opção pelo método de resolução de conflitos.

Por fim, a Lei nº 14.133/2021 reforça a tese sustentada pela doutrina administrativista (OLIVEIRA, 2021) segundo a qual a seleção de árbitros e de câmaras arbitrais se configura, por sua própria natureza, como uma autêntica hipótese de inexigibilidade de licitação. Tal caracterização decorre da intrínseca inviabilidade de competição que permeia a escolha de serviços técnicos especializados e de alta confiança.

Contudo, essa dispensa do processo licitatório não elide a imperiosa necessidade de a Administração Pública observar critérios de isonomia, tecnicidade e irrestrita transparência em sua decisão. Tais balizas podem ser eficazmente asseguradas, por exemplo, por meio do credenciamento ou cadastramento prévio de instituições arbitrais que demonstrem cumprir os requisitos básicos e proporcionais estabelecidos pela própria Administração.

Esse mesmo raciocínio, aliás, encontra-se expressamente contemplado no novo diploma legal licitatório (Lei nº 14.133/2021, art. 6º, XLIII, e art. 79), estendendo-se, naturalmente, à escolha dos comitês de resolução de disputas. A complexidade e a especificidade das funções atribuídas a estes comitês impõem uma seleção pautada pela expertise e pela confiança, elementos que transcendem a mera competição por preço.

3.2. A natureza do objeto arbitrável: aprofundamento sobre os direitos patrimoniais disponíveis

Consoante exaustivamente abordado no Capítulo 2, a submissão de litígios à arbitragem pela Administração Pública restringe-se aos “direitos patrimoniais disponíveis”. A compreensão aprofundada dessa delimitação é imperativa, porquanto a fronteira entre o que é disponível e o que é indisponível nem sempre se revela de discernimento imediato.

Direitos patrimoniais disponíveis são aqueles que, por sua natureza, admitem uma transação ou composição sem que haja qualquer vulneração ao interesse público primário.

Ilustram essa categoria, de forma mais evidente, as discussões atinentes ao reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos, pleitos indenizatórios decorrentes de desapropriações (excluído o ato expropriatório em si, que ostenta natureza de direito público), conforme Decreto-Lei nº 3.635/1941 (art. 10-B), cálculos de penalidades contratuais, reajustes, repactuações, bem como disputas relativas a atrasos na execução de obras ou na prestação de serviços.

Nesses casos, o cerne do conflito gravita em torno de valores, prazos e responsabilidades financeiras que, apesar de envolverem recursos públicos, não impactam diretamente o poder de império ou a discricionariedade essencial da Administração.

Em contrapartida, são insuscetíveis de arbitragem matérias que envolvam a legalidade de um ato administrativo em sua essência (tal como a validade de um procedimento licitatório, a regularidade de um decreto expropriatório ou a aplicação de uma sanção que não possua caráter meramente pecuniário), a prerrogativa unilateral de revogação do contrato por superveniente interesse público (ressalvada a indenização devida), ou a própria formulação de políticas públicas.

Nesses cenários, o interesse público primário – a supremacia da lei e o exercício da discricionariedade administrativa – deve prevalecer e ser exercido diretamente pelo Poder Público, sob o crivo do controle jurisdicional. A arbitragem de Direito, com o laudo devidamente fundamentado, assevera que os árbitros aplicarão a legislação e os princípios administrativos pertinentes.

3.3. Idioma e sede da arbitragem: o silêncio da Lei nº 14.133/2021

Historicamente, a legislação federal apontou para a necessidade de que a arbitragem envolvendo a Administração Pública fosse conduzida em território nacional e em língua portuguesa. Tal perspectiva é inferida de diplomas como a Lei de Concessões Públicas (Lei nº 8.987/95, art. 23-A, introduzido pela Lei nº 11.196/05), Lei de Parcerias Público-Privadas (Lei nº 11.079/04, art. 11, III) e Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas/RDC (Lei nº 12.462/2011, alterada pela Lei nº 13.190/2015).

Além disso, uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, que considerava o art. 13 da Constituição Federal de 1988 sobre o idioma oficial e o art. 1º sobre a soberania, já conduzia a esse entendimento.

Contudo, com o advento da Lei nº 14.133/2021, não houve previsão expressa de que arbitragens envolvendo a Administração Pública fossem conduzidas em território nacional e em língua portuguesa. Mesmo antes, a Lei nº 13.129/2015, que alterou a Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996), não previu essa obrigatoriedade. 

Tais inovações legislativas suscitam dúvidas interpretativas em razão de antinomias jurídicas aparentes: o silêncio do legislador nos diplomas de 2015 e 2021 implica reconhecer que não mais existiria a obrigatoriedade de que arbitragens envolvendo a Administração Pública sejam conduzidas em território nacional e em língua portuguesa? A doutrina jurídica administrativista ainda não parece ter se aprofundado sobre essa questão.

De qualquer forma, a primazia da arbitragem nacional e do idioma português fundamenta-se não apenas em razões de soberania e ordem pública, mas também em aspectos eminentemente práticos. A escolha de uma sede arbitral no exterior imporia a necessidade de homologação da sentença arbitral estrangeira perante o Superior Tribunal de Justiça, conforme as regras da Convenção de Nova Iorque de 1958 (Decreto nº4.311/2002), da Constituição Federal de 1988 (art. 105, I, “i”) e da Lei de Arbitragem (art. 36).

Considerando que a Lei de Arbitragem (LAB) define a sentença arbitral estrangeira com base em um critério puramente geográfico (Lei nº 9.307/1996, art. 34, parágrafo único), a imposição da sede em território brasileiro evita burocracias desnecessárias e confere maior celeridade e segurança jurídica à execução do laudo arbitral, tanto para a Administração quanto para o particular.

Ressalva-se, por óbvio, a possibilidade de realização de atos processuais pontuais fora do território nacional, como depoimentos de testemunhas estrangeiras, sem que isso altere a sede jurídica da arbitragem no Brasil.

3.4. Confidencialidade versus publicidade: o equilíbrio necessário

A característica da confidencialidade, frequentemente associada à arbitragem entre particulares, não se traduz em uma obrigatoriedade per se, dada a omissão da Lei de Arbitragem nesse particular. Ainda que haja um dever de discrição dos árbitros (Lei nº 9.307/1996, art. 13, § 6º), este não se confunde com o sigilo absoluto do procedimento.

De todo modo, no contexto das arbitragens que envolvam a Administração Pública, a questão assume uma dimensão crítica, dada a inquestionável necessidade de observância do princípio constitucional da publicidade (CF/1988, art. 37, caput), que não pode ser derrogado.

Alguns doutrinadores propugnam por uma interpretação restritiva da publicidade nesses casos, defendendo uma “publicidade mitigada” (MARTINS, 2011, p. 74-107). Nela, apenas a divulgação interna das decisões (dentro do órgão público), para fins de controle pelos órgãos competentes, seria suficiente, dispensando-se a publicidade irrestrita. Contudo, tal posicionamento tende a ser minoritário.

As boas práticas de governança pública, traduzidas no conceito de accountability, impõem uma crescente observância da transparência em todas as esferas da atuação estatal.[10] Essa tendência reflete-se na produção legislativa que, cada vez mais, prestigia o acesso à informação e a ampla publicidade dos atos oficiais (vide, por exemplo, Lei de Acesso à Informação – Lei nº 12.527/2011).[11]

Ademais, no que concerne aos contratos administrativos, é inquestionável que estes se originam de processos licitatórios nos quais a publicidade e a transparência são condições preliminares e essenciais. Seria, portanto, contraditório à própria lógica dos contratos públicos que qualquer ato posterior visasse a mitigar a ampla publicidade sem uma justificativa robusta.

Não obstante, reconhece-se que as arbitragens comerciais frequentemente envolvem questões concorrenciais sensíveis e estratégias de negócios. A ampla divulgação dessas informações poderia, em tese, acarretar prejuízos aos particulares, o que, inclusive, poderia desestimular a sua contratação com a Administração Pública.

Por esse motivo, e conforme sugestão da melhor doutrina (LEMES, 2003, p. 387), é possível conciliar a publicidade devida à atuação administrativa com a proteção de dados sensíveis. Poder-se-ia adotar, como modelo, o procedimento utilizado em processos administrativos no âmbito da legislação de defesa da concorrência (Lei nº 12.529/2011, art. 49, parágrafo único), que prevê o tratamento especial para documentos sigilosos, permitindo a formação de autos em apartado quando requerido pelas partes.

3.5. O laudo arbitral e seus efeitos no âmbito administrativo: o controle necessário

O laudo arbitral, uma vez proferido, adquire entre as partes a mesma eficácia de uma sentença judicial, ostentando a natureza de título executivo judicial (Lei nº 9.307/1996, art. 31). Para a Administração Pública, essa equivalência implica que a decisão arbitral é plenamente vinculante e deve ser cumprida com a mesma observância devida a uma decisão emanada do Poder Judiciário.

Contudo, tal vinculação não elide a possibilidade de controle judicial ulterior, que, todavia, se manifesta de forma restrita. Esse controle se opera por meio da ação anulatória, por meio da qual o Poder Judiciário poderá sindicar vícios formais ou de procedimento da arbitragem, tais como a inobservância dos limites da convenção arbitral ou a carência de requisitos essenciais do laudo.

Impende sublinhar que o mérito da controvérsia, que foi objeto da decisão arbitral, permanece incólume à revisão judicial. Essa dualidade de controle – de um lado, a decisão de mérito proferida por árbitros especializados, e de outro, o controle de legalidade formal pelo Judiciário e de economicidade pelos Tribunais de Contas – visa a salvaguardar a segurança jurídica e a proteção do interesse público.

As particularidades da arbitragem em contratos administrativos, assim delineadas, evidenciam que, não obstante sua expressa admissão no ordenamento jurídico, o instituto é singularmente modulado pela natureza da parte pública. Tal conformação exige rigorosa cautela em sua aplicação e estrita observância dos requisitos legais e dos princípios que informam a Administração Pública, garantindo que a busca por eficiência e consensualidade não comprometa a preservação do interesse coletivo.

3.6. Desafios persistentes e críticas à arbitragem na Administração Pública póslegislação

A expressa positivação e consolidação normativa da arbitragem para a Administração Pública, conquanto representem um avanço inegável, não elidem a subsistência de desafios e a recorrência de críticas que permeiam a sua efetiva aplicação. A mera permissão legal não resolve, por si só, todas as complexidades inerentes à inserção de um instituto de índole tradicionalmente privada no regime jurídico de direito público.

Um dos questionamentos mais prementes diz respeito aos custos da arbitragem para o erário. As despesas com taxas administrativas das câmaras arbitrais, honorários dos árbitros e honorários advocatícios tendem a ser significativamente superiores às despesas processuais no âmbito do Poder Judiciário, de modo que a arbitragem somente seria economicamente vantajosa para casos de maior vulto econômico (SICA; PIMENTEL, 2020).

Embora a arbitragem possa gerar economia indireta pela celeridade e especialização, a questão do custo direto é uma preocupação legítima. Isso ocorre especialmente considerando a escassez de recursos públicos e a necessidade de justificar a economicidade da escolha do método em face de alternativas menos onerosas.

Adicionalmente, a formação e a especialização de árbitros e câmaras na matéria de direito público ainda representam um desafio. Malgrado o mercado arbitral brasileiro seja maduro em disputas comerciais, a complexidade dos contratos administrativos e a aplicação dos princípios de direito público demandam árbitros com conhecimento aprofundado não apenas em direito privado, mas também na intrincada teia do Direito Administrativo, do Direito Constitucional e das finanças públicas.

Outro ponto de crítica e de debate reside na perene questão da “disponibilidade” em casos mais limítrofes. Embora a doutrina e a jurisprudência tenham avançado na delimitação dos direitos patrimoniais disponíveis, a fronteira nem sempre é clara em situações complexas que envolvem nuances de interesse público.

A ausência de um catálogo exaustivo e a interpretação em concreto de cada caso podem gerar insegurança jurídica quanto à validade de uma convenção de arbitragem. Isso é particularmente relevante quando o litígio tangencia prerrogativas estatais ou o mérito de atos administrativos. A eventual anulação de um laudo arbitral por ausência de arbitrabilidade do objeto pode representar um custo e um risco considerável.

Por fim, a efetividade do controle dos Tribunais de Contas sobre a arbitragem permanece como um desafio. Malgrado o controle jurisdicional seja restrito aos aspectos formais do laudo arbitral, os Tribunais de Contas mantêm sua prerrogativa de fiscalizar a legalidade e a economicidade da decisão da Administração em optar pela arbitragem e dos custos a ela inerentes.

A complexidade dos temas discutidos em arbitragens de grande vulto e a confidencialidade inerente a alguns aspectos do procedimento podem, em tese, dificultar o pleno exercício dessa fiscalização. Exige-se, assim, dos órgãos de controle uma capacitação cada vez maior para atuar nesse novo cenário.

Esses desafios, longe de descredibilizarem a arbitragem como instrumento de resolução de conflitos para a Administração Pública, impõem uma reflexão constante sobre a necessidade de aprimoramento normativo, regulatório e operacional. A superação dessas críticas contribuirá para a consolidação e a plena efetividade do instituto no panorama do Direito Administrativo brasileiro.

4. Conclusão

A análise da arbitragem no contexto dos contratos administrativos, em sua evolução recente no ordenamento jurídico brasileiro, revela uma transformação paradigmática na gestão das relações entre o Estado e os particulares. O que outrora representava um campo de intensa controvérsia doutrinária e jurisprudencial, marcado pela tensão entre a indisponibilidade do interesse público e a busca por consensualidade, encontra-se hoje expressamente positivado e consolidado pela legislação pátria.

A Lei nº 13.129/2015, ao alterar a Lei de Arbitragem, atuou como o marco decisivo. Ela conferiu à Administração Pública, de maneira inequívoca, a prerrogativa de submeter à arbitragem litígios concernentes a direitos patrimoniais disponíveis, pondo fim às controvérsias acadêmicas e jurisdicionais até então existentes.

Essa inovação legislativa, como se demonstrou no Capítulo 2, não implicou a derrogação dos princípios basilares do Direito Administrativo, mas sim uma releitura de sua aplicação. Permitiu, assim, que a busca por eficiência e especialização harmonizassese com a legalidade e a supremacia do interesse público. A delimitação rigorosa dos “direitos patrimoniais disponíveis” tornou-se o balizador indispensável para a validade do procedimento arbitral.

Posteriormente, a Lei nº 14.133/2021, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, solidificou essa tendência. Inseriu os meios alternativos de solução de controvérsias (MASC), incluindo a arbitragem, no próprio regime geral das contratações públicas.

A possibilidade de adoção de meios alternativos de solução de controvérsias, insculpida no art. 151, indica uma orientação legislativa clara pela desjudicialização e pela adoção de métodos mais céleres e técnicos. Esses métodos se mostram aptos a lidar com a crescente complexidade dos contratos administrativos.

As particularidades da arbitragem em contratos administrativos, exploradas no Capítulo 3, reforçam a necessidade de uma aplicação criteriosa do instituto. A imposição legal da previsão da cláusula compromissória no edital e no contrato, a exigência de lei material brasileira e de sede arbitral em território nacional, bem como a condução em língua portuguesa, são requisitos que moldam o procedimento arbitral à natureza da parte pública.

A harmonização entre confidencialidade e publicidade emerge como um desafio contínuo. Demanda soluções que protejam informações sensíveis sem comprometer a transparência inerente à gestão pública.

Nesse diapasão, a arbitragem configura-se não como um desvirtuamento do regime jurídico administrativo, mas como um instrumento que, ao ser aplicado com rigor e conformidade aos princípios que o informam, pode oferecer soluções eficazes para a Administração Pública.

A manutenção do controle judicial, restrito aos aspectos formais e procedimentais do laudo arbitral, e a perene fiscalização dos Tribunais de Contas sobre a legalidade e economicidade do processo, garantem que a eficiência almejada seja alcançada sem preterir a salvaguarda do interesse coletivo.

Não obstante os avanços legislativos e a harmonização com os princípios administrativos, a plena efetivação da arbitragem na esfera pública não se exime de desafios e críticas, como se explorou no Capítulo 3. 

A questão dos elevados custos para o erário, a premente necessidade de qualificação de árbitros e câmaras especializadas em Direito Público, a perene delimitação dos direitos patrimoniais disponíveis em casos limítrofes, e a garantia da efetividade do controle pelos Tribunais de Contas constituem pontos de atenção que demandam constante reflexão e aprimoramento.

De todo modo, as perspectivas futuras para a arbitragem na Administração Pública são promissoras. Apontam para sua crescente consolidação como ferramenta essencial na gestão de contratos complexos. 

A sedimentação de precedentes e a elaboração de boas práticas pelas instituições arbitrais, em colaboração com o Poder Público, tenderão a aprimorar a segurança jurídica e a eficácia desse mecanismo, contribuindo para uma Administração Pública mais célere, eficiente e desjudicializada.

REFERÊNCIAS

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos. 4. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017.

BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. O Direito Administrativo, a Arbitragem e a Mediação. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 32, mar/2012.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência nº 139.519/RJ. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Primeira Seção, julgado em 11 out. 2017, DJe 10 nov. 2017

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 2.143.882/SP. Relator: Ministro Paulo Sérgio Domingues. Primeira Turma, julgado em 11 jun. 2024, DJe 18 jun. 2024

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2145/2013-Plenário. Relator: Ministro Benjamin Zymler. Sessão de 14 ago. 2013. Informativo de Licitações e Contratos, n. 164, e Boletim de Jurisprudência, n. 4, de 26 ago. 2013.

CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2020. Livro eletrônico.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 35. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. Livro eletrônico.

LEMES, Selma Maria Ferreira. Arbitragem na Concessão de Serviços Públicos – Arbitrabilidade Objetiva. Confidencialidade ou Publicidade Processual? Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, vol. 21, jul./set. 2003.

LEMES, Selma Maria Ferreira. Arbitragem na Administração Pública – Fundamentos Jurídicos e Eficiência Econômica. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Do contrato administrativo à Administração contratual. Revista do Advogado, n. 107, dez. 2009.

MARTINS, Amanda Athayde Linhares. Idioma, sede e lei material estrangeiros na arbitragem com a Administração Pública. Revista Brasileira de Arbitragem, vol. 8, n. 29, 2011.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 32. ed. revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2015.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Atualização por José Emmanuel Burle Filho e Carla Rosado Burle. 42. ed. São Paulo: Malheiros, 2016.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. Livro eletrônico.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 9. ed. revista, atualizada e reformulada. Rio de Janeiro: Método, 2021. Livro eletrônico.

RIBEIRO, Diogo Albaneze Gomes. Arbitragem e Poder Público. Revista Brasileira de Infraestrutura, ano 1, n. 2, 2009.

SALLA, Ricardo Medina. Arbitragem e direito público. Revista Brasileira de Arbitragem, vol.5, n. 22. 2009.

SALLES, Carlos Alberto de. Arbitragem em contratos administrativos. São Paulo: Método, 2011.

SICA, Heitor; PIMENTEL, Wilson. Custo do processo arbitral versus custo do processo judicial: uma análise econômica da realidade brasileira. Revista Brasileira de Arbitragem, vol. 17, n. 68, 2020.


[2] Essa opinião é compartilhada por CARMONA (2009), RIBEIRO (2013), SALLES (2011), BACELLAR FILHO (2012) e SALLA (2009). 

[3] “No âmbito da Administração Pública, desde a Lei n. 8.987/95, denominada Lei Geral das Concessões e Permissões de Serviços Públicos, com a redação dada pela Lei n. 11.196/05, há previsão expressa de que o contrato poderá dispor sobre o emprego de mecanismos privados para resolução de conflitos, inclusive a arbitragem. No mesmo sentido a Lei n. 9.478/97, que regula a política energética nacional, as atividades relativas à extração de petróleo e a instituição da ANP (art. 43, X) e a Lei n. 13 .129/15, que acresceu os §§ 1º e 2º, ao art. 1º da Lei n. 9.307/96, quanto à utilização da arbitragem pela Administração Pública” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de Competência nº 139.519/RJ. Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Primeira Seção, julgado em 11 out. 2017, DJe 10 nov. 2017).

[4] Di Pietro (2022) aprofunda essa ideia: “Portanto, é correto afirmar que o interesse público é indisponível. Mas isto não significa que todos os direitos patrimoniais, no âmbito do direito público, sejam indisponíveis. Por vezes, a disponibilidade de um patrimônio público pode ser de mais interesse da coletividade do que a sua preservação. Por que se aceita a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos? Porque, sem a recomposição, o contrato pode tornar-se inviável e levar à necessidade de sua rescisão. É do interesse público a continuidade dos contratos administrativos. Por isso, não assiste razão ao Tribunal de Contas da União quando afirma que a arbitragem contraria o princípio da indisponibilidade do interesse público. Confunde-se o princípio da indisponibilidade do interesse público com o conceito de patrimônio indisponível. Aliás, também não lhe assiste razão quando alega que a arbitragem contraria o princípio da vinculação ao edital. Os árbitros não podem descumprir os termos do edital e do contrato. A cláusula de arbitragem deve estar prevista no edital e no contrato para ser admitida.

[5] “Além dos métodos tradicionais de resolução de conflitos, mencionados acima, é possível mencionar, ainda, os dispute boards, utilizados de forma pioneira nos Estados Unidos na década de 70, durante a construção do Eisenhower Tunnel no Colorado. O dispute board, também conhecido como Comitê de Resolução de Conflitos, pode ser considerado órgão colegiado, geralmente formado por três experts, indicados pelas partes no momento da celebração do contrato, que tem por objetivo acompanhar a sua execução, com poderes para emitir recomendações e/ou decisões, conforme o caso” (OLIVEIRA, 2021).

[6] “O entendimento de que, antes das alterações promovidas na Lei de Arbitragem pela Lei 13.129/2015, era vedado à administração pública sujeitar-se ao procedimento arbitral contraria a orientação dominante na doutrina especializada ao tempo em que essa possibilidade não era explícita na legislação. Também destoa de precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 2.143.882/SP. Relator: Ministro Paulo Sérgio Domingues. Primeira Turma, julgado em 11 jun. 2024, DJe 18 jun. 2024).

[7] “Após alguma hesitação a respeito, o referido diploma, alterado pela Lei no 13.129, de 26.5.2015, veio a admitir que a Administração Pública recorra à arbitragem para solucionar conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis (art. 1o, § 1o). Ficam, portanto, excluídos direitos indisponíveis ou que não tenham natureza patrimonial, hipótese em que o Poder Público terá que recorrer ao Judiciário. Algumas leis, inclusive, já previam essa hipótese, caso da Lei nº 11.079/2004 (parcerias público-privadas) e da Lei nº 8.987/1995 (concessões e permissões)” (CARVALHO FILHO, 2020).

[8] “Entendemos que a arbitragem deve ser admitida nos contratos administrativos, uma vez que se trata de forma moderna de solução de lides que atende às exigências de eficiência administrativa (princípio da eficiência), notadamente pela velocidade e tecnicidade da decisão” (OLIVEIRA, 2021).

[9] “Nos contratos firmados por sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica, a adoção de cláusulas de juízo arbitral deve estar técnica e economicamente justificada e comprovadamente em conformidade com as práticas de mercado” (BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2145/2013-Plenário. Relator: Ministro Benjamin Zymler. Sessão de 14 ago. 2013. Informativo de Licitações e Contratos, n. 164, e Boletim de Jurisprudência, n. 4, de 26 ago. 2013).

[10] “Modernamente, no âmbito da ciência política, os estudiosos têm tratado o controle dentro do campo da accountability pública, expressão que indica a análise de aspectos fundamentais da Administração, como a gestão de recursos públicos, o exercício de atribuições públicas e a condução de instituições estatais, públicas ou privadas. Recorre-se, pois, a um campo mais amplo e efetivo do controle. Dois são os fundamentos do sistema: de um lado, o evidente destaque do Estado na regulação da vida pública e privada e, de outro, a emergência da democracia, modelo mais justo e popular de governo” (CARVALHO FILHO, 2020).

[11] “Existem hipóteses de sigilo na Administração Pública, que têm que ser respeitadas, porque agasalhadas pelo ordenamento jurídico, como as que protegem a segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XXXIII, da Constituição), as que protegem a intimidade e o interesse social (art. 5º, LX), além de outras previstas em favor das próprias empresas, agasalhadas pelo direito positivo. Desse modo, devem ser observadas, dentre outras leis que disponham sobre sigilo, as contidas na Lei de Acesso a Informações – Lei nº 12.527, de 18-11-11, regulamentada pelo Decreto nº 7.724, de 16-5-12” (DI PIETRO, 2022).


1Mestre e bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Procurador da Fazenda Nacional (PGFN). Atuou como Procurador do Município de Sorocaba-SP, colaborador da Escola de Gestão Pública da Prefeitura de Sorocaba-SP e como Assessor Jurídico no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Seção de Direito Público). Advogou na área de resolução de conflitos (advocacia contenciosa e consultiva em matérias diversas). Foi também servidor público na Câmara Municipal de São Paulo-SP. Tem experiência na área jurídica, com ênfase em Direito Público, atuando principalmente em temas de Direito Administrativo, Constitucional e Processo Tributário. Contato: marco.a.ceccato@gmail.com.