ARBITRAGEM: A LIBERDADE DE ESCOLHA AO ACESSO À JUSTIÇA

ARBITRATION: FREEDOM OF CHOICE AND ACCESS TO JUSTICE

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8373870


Sandra Regina de Moraes1


RESUMO: 

Este artigo aborda a arbitragem como um método de resolução de conflitos que oferece às partes liberdade da escolha de um tribunal privado para a resolução de contendas, evitando as burocracias do sistema judicial tradicional. Ademais, esse método proporciona maior celeridade e confidencialidade em relação aos processos judiciais. Em termos de procedimento, há maior flexibilidade, permitindo a personalização do processo de acordo com sua complexidade e urgência. Isso é benéfico no que tange às disputas comerciais complexas, que requerem rapidez e especialização.

Ao optar pela arbitragem é necessário observar se esse é o método que melhor se adequa às necessidades das partes, pois é importante reconhecer que questões de direitos fundamentais ou de interesse público podem necessitar de intervenção do sistema judicial, no sentido de garantir uma solução adequada.

Por fim, a liberdade de escolha dos métodos alternativos é uma forma de se acessar a justiça de forma ágil e econômica, assim, a arbitragem desempenha um papel imprescindível no que concerne à promoção de um sistema de justiça acessível e eficaz. 

Palavras-chave: arbitragem; liberdade; acesso; justiça. 

ABSTRACT:

This article discusses arbitration, one of the methods of conflict resolution, which offers the parties the freedom to choose a private tribunal to resolve disputes, avoiding the bureaucracy of the traditional judicial system. In addition, this method offers greater speed and confidentiality than court proceedings.

In terms of procedure, there is greater flexibility, which makes it possible to customize the process according to its complexity and urgency. This is beneficial when it comes to complex commercial disputes, which require speed and specialization.

When choosing arbitration, it is necessary to consider whether this is the method that best suits the needs of the parties, as it is important to recognize that issues of fundamental rights or public interest may require the intervention of the judicial system in order to guarantee an adequate solution.

Finally, the freedom to choose alternative methods is a way of accessing justice in an agile and economical way, so arbitration plays an essential role in promoting an accessible and effective justice system.

Keywords: arbitration; freedom; access; justice. 

1 INTRODUÇÃO

A justiça é um direito fundamental de todos os cidadãos. No entanto, em muitos cenários, seu acesso é prejudicado devido à burocracia que torna o processo moroso, dificultando a realização desse direito. Nesse contexto, há um aumento da adoção de alternativas para a resolução de conflitos, sendo a arbitragem um exemplo a ser destacado. 

A arbitragem representa um modelo de resolução de conflitos que concede às partes envolvidas a autonomia da escolha de um árbitro de sua confiança para resolver a disputa, em vez de recorrer ao Poder Judiciário. Essa liberdade de escolha proporciona benefícios ao acesso à justiça, uma vez que as partes podem optar por um especialista no objeto debatido e abreviam o processo de resolução. Ademais, a arbitragem se destaca por sua flexibilidade e pela redução de complexidades burocráticas quando comparada ao processo judiciário convencional. Ao poder escolher as regras do procedimento e o local em que se dará o processo, torna-se vantajosa, especialmente nas lides internacionais, em que as diferenças de cultura e legais trazem óbice ao processo. 

Ressalta-se, entretanto, que a arbitragem não é adequada para todos os tipos de conflitos e é imprescindível avaliar atenciosamente suas vantagens e desvantagens antes de optar por um árbitro ou câmara arbitral para que se resolva a matéria. Após essa decisão, é preciso garantir que o processo seja imparcial e justo. 

Com esse artigo, pretende-se discorrer sobre o acesso à justiça como princípio que fortalece o Estado Democrático, a atualidade da arbitragem no Brasil e, também, vislumbrar suas perspectivas futuras, além de verificar se a arbitragem é um modo vantajoso de solução de conflitos. 

2  BREVE HISTÓRICO BRASILEIRO DO ACESSO À JUSTIÇA

O sistema jurídico brasileiro tem suas raízes nas tradições do direito romano e português, que foram incorporadas durante o período colonial. No período imperial, o acesso à justiça era limitado à elite, com um sistema judicial concentrado nas mãos do imperador. A Justiça era uma regalia da nobreza e dos ricos, enquanto a maioria da população era abandonada e não tinha voz ou recursos para buscar a resolução de conflitos perante o Estado.

A partir da República, em 1889, houve uma tentativa de democratizar o acesso à justiça. A Constituição de 1891 estabeleceu a independência do Judiciário e instituiu a igualdade perante a lei como um princípio fundamental. No entanto, a realidade do acesso à justiça ainda era bastante limitada, especialmente para os mais pobres.

Com a ditadura militar houve uma restrição ainda maior do acesso à justiça, além de violações generalizadas dos direitos humanos. O sistema de justiça estava mais preocupado em reprimir a dissidência política do que em garantir a proteção dos direitos dos cidadãos e, dessa forma, muitos ativistas e opositores políticos foram perseguidos, presos e torturados. 

Esse quadro só se alterou com a redemocratização do Brasil, a partir da década de 1980, em que o acesso à justiça volta a ser centro de preocupação, juntamente com a efetivação dos direitos fundamentais. A Constituição de 1988 estabeleceu um sistema jurídico mais inclusivo, garantindo o acesso gratuito à justiça para os mais pobres por meio da assistência jurídica gratuita. Além disso, foram criados mecanismos como a Defensoria Pública, que visa fornecer assistência jurídica aos que não têm condições de arcar com os custos de um advogado particular.

Porém, ainda prevalecem as questões acerca da morosidade da justiça e de como isso afeta a visão que os cidadãos têm do Poder Judiciário como um todo, conforme ensina Sadek:

[…] são inegáveis os efeitos perniciosos provocados pelos meandros a serem percorridos e das etapas a serem ultrapassadas até que se chegue à porta de saída. A lentidão acaba por minar a confiança no Poder Judiciário e por provocar impactos que extrapolam o âmbito individual, atingindo a sociedade como um todo. Na esfera econômica, por exemplo, o grau de litígio e o tempo até uma solução judicial afetam as empresas, o ambiente de negócios, o governo e o ritmo de desenvolvimento do país.

Para o cidadão comum, os reflexos da morosidade são nocivos, corroendo a crença na prevalência na lei e na instituição encarregada da sua aplicação. Repete-se, com frequência, que a lei não vale igualmente para todos e que os processos permanecem por um longo tempo nos escaninhos do Judiciário, afetando indivíduos, famílias, grupos.[…] [SADEK, 2014, p. 62]

Nos últimos anos, tem havido esforços para fortalecer o acesso à justiça no Brasil. Por exemplo, a Lei de Mediação, de 2015, incentivou a resolução de conflitos por meio de métodos alternativos, como a mediação e a conciliação, como forma de desafogar o sistema judiciário e proporcionar uma solução mais rápida e eficaz para as partes envolvidas. 

3 O ACESSO À JUSTIÇA COMO FUNÇÃO INDISPENSÁVEL DO ESTADO DEMOCRÁTICO

O acesso à justiça é um princípio fundamental que está intrinsecamente ligado aos princípios constitucionais do processo. A Constituição Federal de um país estabelece as bases e os direitos fundamentais que devem nortear o sistema de justiça, garantindo que todos os cidadãos tenham igualdade de oportunidades para buscar a proteção de seus direitos e interesses. No ensinamento de Cappelletti e Garth: 

O “acesso” não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica. (CAPPELLETTI, GARTH, 1988, p. 13) 

Ao analisar os princípios constitucionais do processo, é possível identificar como eles convergem para a garantia do acesso à justiça. O exercício do direito à justiça implicará sempre no uso de instrumentos processuais, procedimentos regulados na lei ordinária. Sempre será observado para validade e conhecimento do direito e dentro do processo o respeito ao contraditório e a ampla defesa.

 Além disso, o acesso à justiça é uma função indispensável do Estado democrático, pois representa a materialização dos direitos fundamentais dos cidadãos. Em um Estado democrático, o Poder Judiciário desempenha um papel essencial na proteção dos direitos individuais e coletivos, na promoção da igualdade perante a lei e na garantia de uma sociedade justa e equitativa.

O Estado democrático tem o dever de proporcionar mecanismos eficazes para que todos os cidadãos possam buscar a proteção de seus direitos e interesses perante o sistema de justiça. Isso implica em garantir que o acesso à justiça seja amplo, igualitário e eficaz, superando quaisquer barreiras econômicas, sociais e culturais que possam limitar o pleno exercício desse direito.

O acesso à justiça é indispensável para a efetivação dos demais direitos previstos na Constituição e nas leis. Afinal, de que adiantaria a existência de direitos fundamentais se não houvesse mecanismos adequados para sua proteção e garantia? O Estado democrático tem a responsabilidade de assegurar que todos os indivíduos tenham acesso ao sistema de justiça, independentemente de sua condição social, econômica ou cultural.

Além disso, o acesso à justiça contribui para o fortalecimento da confiança dos cidadãos nas instituições democráticas, pois demonstra que o Estado está comprometido com a garantia dos direitos e com a solução pacífica dos conflitos. É por meio do acesso à justiça que a população encontra um canal legítimo para resolver disputas, obter reparação por danos sofridos e buscar a responsabilização por violações de direitos.

A função do Estado no acesso à justiça transcende a disponibilização de tribunais e juízes. Abarca, também, a implementação de políticas públicas e a adoção de medidas destinadas a tornar o sistema de justiça mais acessível, eficiente e igualitário. Isso engloba investimentos na infraestrutura judiciária, na capacitação dos profissionais do direito, na promoção da mediação e da conciliação como métodos alternativos de resolução de conflitos, na ampliação da assistência jurídica gratuita e na eliminação de obstáculos burocráticos que dificultam o acesso à justiça.

Com a implantação do Estado Social de Direito junto às funções das nações modernas, ocorreu o ingresso à jurisdição dos direitos individuais e coletivos, do que os alemães chamam de Sozialer Rechstaat, também denominado Welfare State.

Ressalte-se que constitui objetivo fundamental constitucional a erradicação da pobreza e da marginalização, assim reduzindo as desigualdades sociais e regionais. Dessa forma, a necessidade de se criar condições de igualdade social e regional demonstrada pelo constituinte revela uma desarmonia social, que pode ser dirimida quando se proporciona uma solução pacífica de controvérsias. 

A hipossuficiência do cidadão está reconhecida no Direito brasileiro em vários livros de Direito, dentre eles a CLT e o CDC. A incapacidade de entendimento e o desconhecimento do direito são as regras para que exista este tipo de tratamento para grande parte da população brasileira. A legislação que explicitamente prevê esta situação transporta para a sociedade o reconhecimento de que antes da importância do acesso à Justiça, perfilhamos nas pessoas e também nos grupos de pessoas a impossibilidade de sozinhas praticarem atos jurídicos perfeitos e, portanto podemos afirmar sem qualquer dúvida que a hipossuficiência constitui grande obstáculo ao acesso à Justiça.

Saliente-se, uma vez mais, que o acesso à justiça e sua democratização não significam apenas o alargamento, os caminhos e a saída pelas portas do Poder Judiciário. A inclusão de parcelas da população até então excluídas representa, principalmente, propiciar condições para o conhecimento e a apropriação de direitos. Nesse sentido, acesso à justiça equivale a inserção, a participação, a trilhar um caminho para a redução das desigualdades econômica, social e cultural. [SADEK, 2014, p. 65].

Por isso, a problemática do acesso à justiça é de âmbito internacional, sendo tema de constante atualização mundial. Trata-se então, da busca da efetividade da igualdade e bem-estar da sociedade, pelo qual as pessoas podem reivindicar o cumprimento de seus direitos sociais, políticos, e/ou resolver seus litígios sob a tutela do Estado que atende de imediato à demanda. Essas seriam as finalidades básicas da estrutura jurídica.

4 O ACESSO À JUSTIÇA COMO SÍNTESE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO.

O acesso à justiça é um princípio fundamental que está intrinsecamente ligado aos princípios constitucionais do processo. A Constituição Federal de um país estabelece as bases e os direitos fundamentais que devem nortear o sistema de justiça, garantindo que todos os cidadãos tenham igualdade de oportunidades para buscar a proteção de seus direitos e interesses.

O acesso à justiça pode ser compreendido como a capacidade de qualquer cidadão, independentemente de sua condição socioeconômica, cultural ou de qualquer outra natureza, de se valer do aparato judicial para resolver seus conflitos e obter a tutela jurisdicional necessária. É um princípio que está intimamente relacionado à ideia de igualdade perante a lei e à busca pela justiça social.

Aspecto de extrema relevância é o perfeito conhecimento da realidade sócio-político-econômica do País, para que em relação a ela se pense na correta estruturação dos Poderes e adequada organização da Justiça, se trace uma correta estratégia de canalização e resolução de conflitos e se organizem convenientemente os instrumentos processuais preordenados à realização efetiva de direitos. 

Não se organiza uma Justiça para uma sociedade abstrata, e sim para um país de determinadas características sociais, políticas, econômicas e culturais. [WATANABE, 1988 p.129]

Ao analisar os princípios constitucionais do processo, é possível identificar como eles convergem para a garantia do acesso à justiça.  O exercício do direito à justiça implicará sempre no uso de instrumentos processuais, procedimentos regulados na lei ordinária. Sempre será observado para validade e conhecimento do direito e dentro do processo o respeito ao contraditório e a ampla defesa.

  O duplo grau de jurisdição é todo ato decisório do juiz que possa prejudicar um direito ou um interesse da parte deve ser recorrível, como meio de evitar ou emendar os erros e falhas que são inerentes aos julgamentos humanos; e, também, como atenção ao sentimento de inconformismo contra julgamento único, que é natural em todo ser humano. O princípio do duplo grau de jurisdição visa assegurar ao litigante vencido, total ou parcialmente, o direito de submeter à matéria decidida a uma nova apreciação jurisdicional, no mesmo processo, desde que atendidos determinados pressupostos específicos, previstos em lei. Esse princípio indica a possibilidade de revisão, por via de recurso, das causas já julgadas pelo juiz de primeiro grau (ou primeira instância), que corresponde à denominada jurisdição inferior. Garante, assim, um novo julgamento, por parte dos órgãos da “jurisdição superior”, ou de segundo grau (também denominada de segunda instância).

  A existência de órgãos superiores e da garantia do duplo grau de jurisdição não interfere nem reduz as garantias de independência dos juízes, visto que este princípio tem por principal fundamento a natureza política, qual seja, a de que nenhum ato estatal pode imune aos necessários controles.

         Pelo princípio do livre convencimento o juiz é livre para apreciar as provas produzidas.

  O juiz, quando de posse dos elementos probatórios, passará ao exame dos autos, onde vigora o sistema da livre apreciação das provas, que permite ao mesmo, avaliar a qualidade das provas per se, a fim de se convencer da verdade, da falsidade ou da inexatidão parcial a respeito das afirmações apresentadas pelas partes no processo.

  Assim, a função do magistrado no direito moderno não pode se resumir a observar passivamente os conflitos existentes, figurando como simples espectador. A lei processual moderna confere-lhe poderes para participar ativamente do processo, podendo reclamar as provas que achar convenientes e apreciar livremente as mesmas de acordo com suas circunstâncias e fatos.

  Das medidas judiciais constitucionais: o acesso à justiça implica, também, na possibilidade de medidas em face de decisões ou omissões dos representantes dos Estado, isto no mais diversos órgãos públicos.

  São remédios constitucionais o habeas-corpus, o habeas data, o mandado de segurança individual, o mandado de segurança coletivo, o mandado de injunção, a ação popular e o direito de petição e eventualmente a ação civil pública, embora não prevista no artigo 5º da Constituição, serve à mesma finalidade, provocar o controle jurisdicional a fim de corrigir atos lesivos de direitos individuais ou coletivos. Explicitamos alguns deles:

  Habeas-Corpus: decidido pelo juiz, costuma revogar ordens de prisão para garantir o direito de ir e vir. É instrumento de proteção à liberdade de locomoção da pessoa dentro do território nacional ou fora dele, contra atos ilegais ou abuso de poder praticados por agentes públicos. Pode ser preventivo, para impedir coações em via de ser realizadas, ou repressivas, para suspender uma coação em andamento.

  Habeas-Data: sempre que os responsáveis por dados pessoais constantes em registros e bancos de dados governamentais ou de caráter público se recusarem a fornecer informações pessoais aos próprios interessados, pode-se recorrer a esse recurso, para garantir o direito à informação.

  Mandado de Segurança: é usado para proteger os demais direitos não amparados pelo Habeas-Corpus ou Habeas-Data diante da realização ou da iminência de ato ilegal ou abuso de poder praticados por agentes públicos, como a aplicação de uma lei suspeita de ser anticonstitucional.

  Também pode ser preventivo ou repressivo. A Constituição permite mandados de segurança coletivos, impetrados por partidos políticos com representação no Congresso Nacional, organizações sindicais e demais entidades de classe ou associações legalmente constituídas há pelo menos um ano.

  Mandado de Injunção: os direitos e as liberdades que dizem respeito à nacionalidade, à soberania e à cidadania previstos na Constituição, mas ainda não regulamentados, contam com o recurso desse tipo de mandado. O juiz elabora uma norma para o caso concreto, permitindo assim, o exercício desse direito, que pode ser individual ou coletivo.

  Ação Popular: esse tipo de ação pode ser pedido por qualquer cidadão brasileiro, a fim de proteger o patrimônio público, histórico e cultural, do meio ambiente e da moralidade administrativa diante de um ato lesivo imoral ou ilegal.

   Ação Civil Pública: é mais ampla que a ação popular, pois, além do patrimônio público ou social, também se pode entrar na justiça para proteger outros direitos coletivos ou difusos. Quem propõe a ação é o seu titular é o Ministério Público ou., então, as associações juridicamente constituídas, como partidos políticos com representantes no Congresso Nacional e entidades de classe.

   Ação Direta de Inconstitucionalidade: quando não há leis sobre determinado assunto ou se ela contraria princípios constitucionais, esse tipo de ação funciona como um instrumento de proteção da própria Constituição e da legalidade. Pode ser requerida pelo Presidente da República, pela mesa do Senado e da Câmara Federal, pelos partidos políticos com representação no Congresso Nacional, pela Ordem dos Advogados do Brasil e pelas entidades sindicais e de classe de âmbito nacional com mais de um ano de existência legal.

5 A NECESSIDADE DE AMPLIAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA

A necessidade de ampliação do acesso à justiça é uma realidade em muitos países, incluindo o Brasil. Apesar dos progressos no sistema jurídico, persistem diversas barreiras que limitam o acesso efetivo à justiça por parcela significativa da população.

Uma das principais barreiras é de natureza econômica. Muitos indivíduos não possuem recursos financeiros suficientes para arcar com os custos de um processo judicial, que podem incluir taxas judiciais, honorários advocatícios e custas processuais. A ausência de acesso a serviços jurídicos gratuitos ou de baixo custo faz com que muitos cidadãos fiquem impossibilitados de buscar a proteção de seus direitos perante os tribunais.

Ademais, a complexidade do sistema jurídico também representa um óbice ao acesso à justiça. As leis e procedimentos judiciais podem ser intrincados e de difícil compreensão para aqueles que não possuem formação jurídica, tornando o processo judicial inacessível e desencorajando as pessoas a buscar a solução de seus conflitos por meio do sistema judiciário formal.

Outra barreira é a distância física entre as pessoas e os fóruns judiciais. Em muitas regiões do país, especialmente áreas rurais e periferias urbanas, a falta de infraestrutura adequada torna difícil o acesso físico aos tribunais. Isso prejudica especialmente aqueles que dependem do transporte público ou que têm dificuldades de locomoção.

A ampliação do acesso à justiça requer a adoção de medidas que visem superar essas barreiras. Para isso, é necessário investir na ampliação e fortalecimento da assistência jurídica gratuita, garantindo que todos tenham acesso a serviços legais de qualidade, independentemente de sua situação financeira.

Além disso, é importante investir em programas de educação jurídica e divulgação de informações sobre direitos e procedimentos legais, de forma a capacitar as pessoas para lidar com questões legais cotidianas e para buscar a solução de seus conflitos de forma mais informada e autônoma.

A utilização de métodos alternativos de resolução de conflitos, como a mediação e a conciliação, também desempenha um papel fundamental na ampliação do acesso à justiça. Esses métodos são mais informais, menos custosos e mais ágeis que o processo judicial tradicional, permitindo que as partes cheguem a uma solução consensual de forma mais rápida e eficaz.

Ademais, é necessário promover a descentralização do sistema judiciário, com a criação de mais juizados especiais e a utilização de tecnologias que facilitem o acesso virtual aos tribunais. Isso permitirá que as pessoas tenham acesso à justiça de forma mais próxima e conveniente, reduzindo a necessidade de deslocamentos e aumentando a eficiência dos processos.

5  O PROCESSO NA CÂMARA DE ARBITRAGEM

 Qualquer cidadão pode recorrer à arbitragem desde que a disputa seja acerca de direitos patrimoniais disponíveis. Através do compromisso arbitral, um negócio jurídico, as partes submetem uma contenda à decisão de um árbitro, por elas selecionado – como determinado pelo artigo 9º da Lei de Arbitragem. 

 Dessa forma, qualquer matéria de direito patrimonial disponível pode ser submetida à apreciação de um árbitro, entre elas: causas do direito imobiliário, do consumidor, conflitos empresariais (como sociedades), indenizações, etc. Já as questões familiares, de impostos ou criminais precisarão buscar outros meios para que sejam resolvidas. A Lei também prevê que a autoridade judicial só pode reconhecer o compromisso arbitral se for provocado.  

Os árbitros podem ser quaisquer pessoas capazes e de confiança das partes (artigo 13 da Lei de Arbitragem). Ao montar a câmara de arbitragem, cuida-se para que o número de árbitros seja sempre ímpar, para evitar empates. Caso as partes concordem, os próprios árbitros podem nomear outro, se for necessário. Se não houver um acordo, entretanto, as partes podem requerer ao órgão do Poder Judiciário que decidirá sobre a causa da nomeação de um árbitro. 

Ademais, a arbitragem tem modalidades diferentes. Pode ser doméstica (nacional) ou internacional. Quando internacional, é necessário eleger um país neutro para a solução do conflito. Pode ser avulsa ou institucional. A arbitragem avulsa é realizada sem a participação de entidade especializada, o que pode reduzir o custo para as partes. Dessa forma, há a liberdade da escolha no sentido de poder decidir se as partes preferem um árbitro de instituição especializada na temática da disputa, o que pode encarecer o processo, ou se preferem um árbitro neutro apenas. 

A arbitragem institucional (ou administrada) ocorre quando as partes contratam uma instituição especializada que praticou os procedimentos e aplicará as regras contidas na Lei de Arbitragem, respeitando os prazos e atos processuais, como também o formato da arbitragem (com relação ao número de árbitros e suas nomeações). Ademais, tratará dos custos para a realização do processo arbitral e os relativos às perícias e audiências. 

A modalidade de arbitragem expedita (ou simplificada) é, como o nome diz, uma forma mais simples e mais barata, aplicando-se a questões que exigem apenas um árbitro e não tão complexas. Há nessa modalidade a redução de taxas e honorários, pois não se faz necessária a fase de instrução. Assim, o processo todo é mais célere, justamente porque a contenda é mais simples.   Já na modalidade de arbitragem ordinária tem-se o oposto, com a necessidade peremptória de formação de Tribunal Arbitral, com fases mais longas e com mais fases.

A modalidade de investimento é uma forma de resolver disputas entre investidores estrangeiros e os Estados anfitriões. Conhecida também como Resolução de Litígios entre Investidores e Estado. O consentimento para esse tipo de arbitragem ocorre em Acordos Internacionais de Investimento, como tratados bilaterais ou de livre comércio. Essa modalidade traz uma maior liberdade para o investidor, além de garantir proteções extras, como: contra expropriação, liberdade de transferência de fundos, tratamento justo e equitativo, tratamento nacional ou tratamento da nação mais favorecida, entre outros.  As proteções variam com o acordo de cada país e investidor. 

A Arbitragem Comercial Internacional também é garantida por convenções internacionais e ocorre quando há elementos jurídicos, contendas acerca de contratos comerciais e um ou mais sujeitos de direito internacional privado. 

Por fim, há também a modalidade Arbitragem de Direito, em que o julgamento do árbitro deve seguir ao ordenamento legal e a Arbitragem de Equidade, em que a decisão deve se pautar pelo critério de equidade. Há, ainda, a Arbitragem mista, em que as regras legais e o critério de equidade são norteadores da decisão arbitral. 

6  A AUTONOMIA PRIVADA COMO PRINCÍPIO DA ARBITRAGEM NO BRASIL

A autonomia privada é um dos princípios fundamentais da arbitragem no Brasil. Esse princípio reconhece a liberdade das partes em escolher a arbitragem como meio de solução de suas controvérsias e estabelecer as regras que irão reger o procedimento arbitral.

No âmbito da arbitragem, as partes têm autonomia para decidir se irão submeter suas disputas ao juízo estatal ou optar por resolver seus conflitos por meio de um tribunal privado de arbitragem. Essa escolha é um exercício de autonomia privada, que permite às partes selecionar o método mais adequado e eficiente para a resolução de sua controvérsia.

A autonomia da vontade apresenta-se essencial, pois corrobora o que foi dito a respeito do protagonismo das partes quanto ao procedimento. Nesse sentido, as partes podem deliberar sobre as regras procedimentais (CPC/15, art, 166, §4º) e escolher, de comum acordo, o terceiro imparcial que auxiliará na resolução do conflito (CPC 15, art. 168, caput). Ainda, segundo a Lei de Mediação, as partes podem estipular em cláusulas escalonadas (art. 23), condicionando o início da via judicial ou arbitral à prévia tentativa de resolução autocompositiva. (MAZZEI; CHAGAS, 2016, p.68-69)

Além da escolha da arbitragem em si, as partes também têm a liberdade de estabelecer as regras procedimentais que irão reger o processo arbitral. Elas podem determinar o número de árbitros, a forma de seleção dos árbitros, a aplicação de regras técnicas e especializadas, a confidencialidade do procedimento, entre outros aspectos relevantes para a condução do processo.

Essa autonomia privada é um dos elementos distintivos da arbitragem em relação ao processo judicial estatal. Enquanto no sistema judicial as regras e procedimentos são estabelecidos por lei e devem ser seguidos de forma obrigatória, na arbitragem as partes têm a possibilidade de adaptar e personalizar o processo de acordo com suas necessidades e interesses.

A autonomia privada na arbitragem é respaldada pela legislação brasileira. A Lei de Arbitragem (Lei nº 13.126/2015) reconhece a validade e eficácia dos acordos de arbitragem, possibilitando ampla liberdade para definir as regras aplicáveis ao procedimento arbitral. Essa legislação também prevê a intervenção mínima do Poder Judiciário na arbitragem, respeitando e fortalecendo a autonomia das partes.

Essa autonomia é vista como um princípio fundamental, pois garante que as partes sejam protagonistas no processo de solução de suas controvérsias. Ela permite que as partes escolham árbitros especializados e conhecedores do assunto em disputa, o que contribui para decisões mais informadas e técnicas. Além disso, proporciona flexibilidade e agilidade no procedimento, adaptando-se às particularidades e complexidades da disputa.

No entanto, é importante ressaltar que a autonomia privada na arbitragem não é absoluta. Ela deve ser exercida dentro dos limites estabelecidos pela legislação e respeitando os princípios fundamentais do devido processo legal, da igualdade entre as partes e da ordem pública.

CONCLUSÃO

Em conclusão, a arbitragem representa uma importante alternativa para o acesso à justiça, oferecendo às partes envolvidas a liberdade de escolher um tribunal privado para resolver suas disputas. Através desse método alternativo de resolução de conflitos, as partes podem selecionar árbitros especializados no assunto em questão, o que resulta em decisões mais informadas e técnicas.

A liberdade de escolha na arbitragem contribui para um acesso mais amplo e inclusivo à justiça, uma vez que permite que as partes selecionem um meio de resolução que melhor atenda às suas necessidades e expectativas. Além disso, a arbitragem oferece maior celeridade e confidencialidade em comparação aos processos judiciais tradicionais.

Ademais, proporciona flexibilidade em termos de procedimento, permitindo que as partes personalizem o processo de acordo com sua complexidade e urgência. Esse aspecto é particularmente benéfico em disputas comerciais complexas, onde a rapidez e a especialização são fundamentais.

No entanto, é importante reconhecer que nem todas as questões são adequadas para a arbitragem. Questões relacionadas a direitos fundamentais ou de interesse público podem exigir a intervenção do sistema judicial para garantir uma solução adequada.

Em suma, a arbitragem, ao oferecer a liberdade de escolha às partes envolvidas, proporciona uma alternativa eficiente e especializada para a resolução de disputas. Ao permitir o acesso à justiça de forma mais ágil, econômica e adaptada às necessidades das partes, a arbitragem desempenha um papel importante na promoção de um sistema de justiça mais acessível e eficaz. A liberdade de escolha na arbitragem fortalece o acesso à justiça, ao mesmo tempo em que contribui para a eficiência e especialização na resolução de conflitos.

REFERÊNCIAS: 

BRASIL. Constituição da República Federativa    Do Brasil De    1988. https://www.planalto.gov.br/ Acesso em: 27/07/2023

CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988. 

GUIMARÃES, José Lázaro Alfredo. As ações coletivas e as liminares contra atos do Poder Público. Salvador, Panorama Gráfica e Editora, 2a. edição, 1993.

MAZZEI, Rodrigo e CHAGAS, Bárbara Seccato Ruis. Breve ensaio sobre a postura dos atores processuais em relação aos métodos adequados de resolução de conflitos. Apud ZANETTI Jr., Hermes e CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Justiça Multiportas: mediação, conciliação, arbitragem e outros meios de solução adequada para conflitos. Salvador: Juspodvm, 2016. 

SADEK, Maria Tereza Aina.  Acesso à Justiça: Um direito e seus obstáculos. Revista USP. São Paulo. Nº 101. P. 55-66. Março/Abril/ Maio, 2014. Disponível em: https://www.direitorp.usp.br/wp-content/uploads/2021/04/Maria-Tereza-Sadek.pdf Acesso em: 12/06/2023. 

WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e Sociedade Moderna. In: GRINOVER, Ada Pellegrino et al.(coord.) Participação e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.


1 Formação a acadêmica: Mestranda
Instituição: PUC – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
E-mail:srm1@uol.com.br