APRENDIZAGEM: DA POSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO DA COTA LEGAL PREVISTA NO ART. 429 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO POR MEIO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7826711


Karine Teixeira Stocco de Siqueira¹


RESUMO

O presente trabalho buscou analisar a possibilidade de flexibilização da base de cálculo da aprendizagem por meio da negociação coletiva. Para analisar tal temática, fez-se necessário entender como o ordenamento jurídico brasileiro regulamentou a aprendizagem; contextualizar a amplitude da negociação coletiva; caracterizar os contextos principais em que os instrumentos coletivos buscam flexibilizar a cota legal; e analisar as posições do Ministério Público do Trabalho, dos Tribunais Regionais do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho. Pela modalidade de pesquisa de revisão bibliográfica, foram analisados títulos constantes nas bases de dados SciELO, Periódicos Capes e Bibliotecas Virtuais. Para a realização da pesquisa de jurisprudência, foram analisados acórdãos dos 24 Tribunais Regionais do Trabalho e acórdãos do Tribunal Superior do Trabalho. A título de conclusão, verificou-se que, mesmo diante dos argumentos dos empregadores e dos sindicatos, há uma tendência atual na jurisprudência de declarar a nulidade das cláusulas de acordos e convenções coletivas de trabalho que flexibilizam a cota legal de aprendizagem.

DESCRITORES / PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem. Negociação Coletiva. Proteção da Criança. Legislação & Jurisprudência. Defesa da Criança e do Adolescente.

ABSTRACT

This paper analyses the possibility of flexibilization of the number of apprentices regulated on the Consolidation of Labor Laws by the collective agreements. To fulfill its objective, it was necessary to understand how the apprenticeship was regulated by the Brazilian legal system; to contextualize the collective agreements; to describe the most frequent contexts in which the collective agreements modify the legal number of apprentices that should be employed by each establishment; and to analyze the position of the courts of law and the Ministry of Public Labor Prosecution. It is characterized by a careful review of the literature of the titles in various data banks, such as SciELO, Periodicos Capes and virtual libraries, and also a careful review of case laws or precedents of the Brazilian Superior Labor Court (TST) and the Regional Labor Courts (TRTs). In conclusion, the employers and unions provided good arguments about reducing the legal quota. Even so, there is a tendency in the Superior Labor Court (TST) to declare such clauses in the collective agreements null and void.

DESCRIPTORS/KEYWORDS: Apprenticeship. Collective agreements. Child protection. Legislation & Jurisprudence. Children´s defense.

1  INTRODUÇÃO

De acordo com o art. 227 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, dentre outros, o direito à profissionalização.

Apesar de a CRFB/88 estabelecer que seria possível o trabalho de aprendiz a partir dos quatorze anos (art. 7º, XXXIII), foi só em 2000 que ocorre a publicação da Lei n. 10.097/2000, que ficou conhecida como a Lei da Aprendizagem.

Essa lei define o que é aprendizagem e, com vistas a fomentar e regulamentar o acesso dos jovens ao mercado de trabalho, estabelece diretrizes para o cumprimento do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Segundo BERTAIOLLI, essa lei

“preceitua a aprendizagem ser pacto de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 e menor de 24 anos, inscrito em aprendizagem, formação técnico profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar, com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação” (BERTAIOLLI, 2021).

De acordo com os requisitos estabelecidos no art. 429 da CLT,

os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional. (BRASILa, 2000).

De acordo com esse dispositivo legal, todas as funções que demandem formação profissional estão incluídas na base de cálculo para o cumprimento da cota de aprendizagem.

Contudo, nota-se que diversos empregadores, tendo como base o poder diretivo (RABELO, 2018), dificuldades no cumprimento da cota mínima e divergências quanto ao cálculo da cota legal, buscam reduzir essa base de cálculo, restringindo seu alcance. Para tanto, acabam se valendo de negociações coletivas para tentar flexibilizar o cumprimento da cota legal de aprendizagem.

Cabe observar que a Lei n. 13.467/2017, que trouxe uma série de modificações na Consolidação das Leis do Trabalho e, por isso, foi chamada de Reforma Trabalhista, previu um protagonismo às negociações coletivas, que passaram a ter prevalência sobre a lei em determinados assuntos.

A partir dessa nova visão do direito do trabalho, buscou-se justificar a validade dos acordos e das convenções coletivas de trabalho celebrados pelos sindicatos que transacionam acerca da base de cálculo dos aprendizes.

Diante desse contexto, o presente trabalho tem como objetivo analisar a possibilidade de redução da base de cálculo da cota de aprendizagem por meio de negociação coletiva, descrevendo os argumentos utilizados para a redução e destacando como os Tribunais têm se posicionado a respeito do tema.

Para tanto, buscou-se contextualizar o contrato de aprendizagem no direito brasileiro, destacando seus pontos positivos e negativos e o impacto da Reforma Trabalhista na concretização desse direito.

Após, buscou-se analisar a possibilidade ou não de flexibilização da base de cálculo pela negociação coletiva em cada uma as funções que mais comumente são excluídas da base de cálculo, analisando os motivos pelos quais pode-se entender pela exclusão e quais são os posicionamentos majoritários dos Tribunais pátrios.

Por fim, foram expostos o posicionamento e a atuação do Ministério Público do Trabalho em casos de exclusão das funções no cálculo da cota de aprendizagem por meio da negociação coletiva e, após, demonstrados os resultados de toda a pesquisa feita, para que se pudesse concluir pela possibilidade ou não de flexibilização da cota de aprendizagem.

O presente trabalho se desenvolveu de forma qualitativa, com a realização de pesquisa bibliográfica e documental em textos atuais e relevantes para o objeto da pesquisa e, principalmente, com a realização de pesquisa jurisprudencial.

A revisão da literatura se deu a partir de títulos contidos predominantemente nas bases de dados SciELO, Periódico Capes e Google Acadêmico, além de artigos publicados no site do Ministério Público do Trabalho e, ainda, ampla consulta à jurisprudência de tribunais.

2  REFERENCIAL TEÓRICO

Ao longo da evolução histórica dos direitos humanos, houve uma crescente preocupação quanto ao combate à exploração infantil e à proteção dos direitos das crianças e adolescentes, tendo em vista a sua hoje reconhecida condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Consolidando essa evolução, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 previu o princípio da proteção integral das crianças e adolescentes e definiu que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227 da CRFB/88).

O art. 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também reafirma o princípio da proteção integral, assegurando o “desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade” (BRASILb, 1990).

O princípio da proteção integral das crianças e adolescentes produz reflexos em todo o ordenamento jurídico e, notoriamente, no âmbito do trabalho e da profissionalização (REZENDE, 2021, p. 39).

Assim, a Emenda Constitucional nº 20/1998, buscando concretizar o princípio da proteção, determinou a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos (art. 7º, XXXIII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988).

O art. 60 do Estatuto da Criança e do Adolescente também afirma que é “proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz”

Já o Estatuto da Juventude, em seu art. 9º, afirma que “o jovem tem direito à profissionalização, ao trabalho e à renda, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, adequadamente remunerado e com proteção social”.

Diante de todos esses diplomas normativos, percebe-se todo o arcabouço protetivo que engloba o trabalho de crianças, adolescentes e jovens.

A Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil, dispõe, em seu art. 6º, que “os Estados Partes assegurarão ao máximo a sobrevivência e o desenvolvimento da criança” (BRASILc, 1990).

Uma das facetas do direito ao desenvolvimento é a promoção da aprendizagem profissional. Essa aprendizagem, de acordo com a doutrina, deve ser um programa qualificado, e atende ao seguinte objetivo:

“prepara o adolescente a partir dos quatorze anos para o exercício de uma atividade laboral centrada na educação e no pleno desenvolvimento das potencialidades humanas, já que seu programa deve atender várias diretrizes” (REZENDE, 2021).

A Convenção 117 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que foi ratificada pelo Brasil, afirma que:

“Serão tomadas as disposições adequadas, na medida em que o permitam as circunstâncias locais, a fim de desenvolver progressivamente um amplo programa de educação, de formação profissional e de aprendizado, de modo a preparar eficazmente as crianças e os adolescentes de ambos os sexos para ocupações úteis”.

Tendo em vista esse arcabouço protetivo, o trabalho na adolescência apresenta particularidades que o coloca como questão complexa, pois é necessário considerar fatores de risco, de proteção e de conciliação com os demais direitos das crianças, adolescentes e jovens (AMAZARRAY, 2009, p. 4-5).

2.1  O CONTRATO DE APRENDIZAGEM NO DIREITO BRASILEIRO

A regulamentação do contrato de aprendizagem, no Brasil, ocorreu em 2000, com a publicação da Lei n. 10.097/2000. Essa lei modificou artigos da Consolidação das Leis do Trabalho para regulamentar o trabalho do aprendiz, nos moldes da previsão expressa contida no art. 7º, XXXIII, da CRFB/88.

Atualmente, o Decreto n. 9.579/2018 consolida atos normativos que dispõem sobre a contratação dos aprendizes (BRASILd, 2018).

O contrato de aprendizagem é contrato de natureza especial, que tem por principal característica “o compromisso do empregador de assegurar ao maior de quatorze e menor de vinte e quatro anos, inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e do aprendiz de executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação” (art. 6º da Instrução Normativa nº 146/2018).

Verifica-se, portanto, que as regras referentes ao contrato de aprendizagem estão bem delimitadas no ordenamento pátrio.

Todo um arcabouço normativo foi criado buscando a realização da inclusão social por meio do contrato de aprendizagem que traz, além de formação profissional, renda para a subsistência do adolescente ou do jovem e sua família (TORZECKI, 2022, p. 6).

Assim, a aprendizagem é política de ação afirmativa que busca evitar a exploração desmedida e promover a inserção no mercado de trabalho com a proteção e garantia dos direitos dos adolescentes.

A contratação de aprendizes é uma obrigação legal e social das sociedades empresárias.

Conforme delimitado em publicação do Ministério Público do Trabalho,

“as políticas de ações afirmativas prevista nos artigos 428 a 433 da CLT, em especial a cota de aprendizagem inserta no artigo 429, a exemplo, refletem um círculo de ações de substrato constitucional para a inclusão do adolescente no mercado de trabalho, concretizando a rede de proteção idealizada pela sociedade brasileira por meio de seus representantes no exercício do poder constituinte originário” (MPT, 2021).

Impõe-se destacar que o Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 4º, inclui como dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação de direitos de crianças e adolescentes, incluído o direito à profissionalização.

Esse direito deve ser exercido com a observância da proteção no trabalho, observando- se, ainda, a capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho (art. 69, inciso II, do ECA).

Dessa forma, também deve ser considerado que o contrato de aprendizagem permite a preparação dos adolescentes e a ampliação de sua formação qualificada para a inserção no mercado de trabalho. A aprendizagem contribui, inclusive, para a elevação do nível de escolaridade do aprendiz.

Para além desses aspectos, é de suma importância apontar que a aprendizagem profissional consiste em uma estratégia para a erradicação do trabalho infantil, além de promover a quebra do ciclo de exclusão social e facilitar a qualificação profissional (SÁ, SOUZA e CORREA, 2021, p. 121). Consiste, por isso, em importante ferramenta para a concretização da cidadania plena de jovens em situação de vulnerabilidade social.

Atualmente, a aprendizagem profissional é a única política pública de profissionalização para adolescentes em vigor no Brasil, restando clara a sua caracterização como medida de proteção legal do adolescente (COORDINFÂNCIA, 2019).

Já há estudos que concluíram pela grande relevância que o Programa Aprendiz Legal teve na vida de jovens pesquisados:

“Quase a totalidade se referiu ao programa como fator determinante na construção de suas vidas profissionais. Eles destacaram, em suas respostas, as oportunidades oferecidas a partir do programa de aprendizado. Citaram a conquista do primeiro emprego, a aquisição de experiência, a inserção no mercado de trabalho, a nova visão da vida profissional, a melhora na qualidade de vida (do ponto de vista financeiro), o crescimento pessoal, o “ganho” de responsabilidade, entre outras. Eles perceberam que o Programa Aprendiz facilitou a entrada no mercado de trabalho e que essa inserção, sem o programa, poderia ter sido mais difícil” (GRAEBIN, 2019).

Entretanto, tais vantagens na empregabilidade de jovens aprendizes encontram um limite na resistência do cumprimento da cota legal por parte das sociedades empresárias.

O art. 429 da Consolidação das Leis do Trabalho estabelece que estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a 5% a 15% dos trabalhadores cuja função demande formação profissional.

E o art. 428 do mesmo diploma legal conceitua o contrato de aprendizagem:

Art. 428. Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação.

Contudo, as empresas de médio e grande porte, que estão obrigadas a contratar aprendizes, argumentam que nem sempre conseguem atingir a cota mínima determinada pela lei. Afirmam que o descumprimento da cota legal não decorre de desinteresse ou inércia na busca dos profissionais, mas de inexistência de aprendizes em condições de preencher as vagas ofertadas.

Além disso, há empresas que exercem atividades consideradas perigosas ou insalubres, proibidas para menores de 18 anos. Nesses casos, não seria possível o emprego de jovens em tais atividades. Por isso, argumentam sobre a possibilidade de redução da base de cálculo da cota, alegando que haveria funções, como a de vigilantes ou de motoristas, que não poderiam compor a base de cálculo para contratação de aprendizes.

Tendo em vista funções consideradas incompatíveis com o exercício da aprendizagem, os empregadores afirmam que não seria possível a realização da parte prática da aprendizagem em suas dependências.

Outro argumento utilizado para o não cumprimento da cota é a falta de cursos técnicos específicos para algumas atividades ofertados pelo Sistema Nacional de Aprendizagem.

Com relação à obrigatoriedade de preenchimento da cota sem levar em consideração suas especificidades, “a determinação expressa para contratação deste tipo de profissional, independentemente da situação econômica, estrutural, histórica, ambiental, laboral ou fiscal da

empresa, se analisada com as pujanças da relação trabalhista moderna, fere o poder diretivo do empregador” (RABELO, 2018, p. 231).

O gasto extra com a contratação de funcionários que podem não agregar à estrutura econômica da empresa também é apontado como um fator de desestimulo à contratação de profissionais aprendizes.

Dessa forma, diante dos obstáculos alegados pelas empresas, nota-se que o Brasil não atinge todo o potencial de contratação de aprendizes. Caso a lei fosse efetivamente cumprida, o número de aprendizes contratados no país poderia ser o dobro, já que, em abril de 2021, havia déficit de 53,5% de contratos ativos de aprendizagem (SÁ, SOUZA E CORREA, 2021, p. 125).

Observa-se, ainda, que a pandemia do coronavírus levou a um aumento do desemprego na faixa etária dos jovens, cuja taxa de desemprego retroagiu 6,2 pontos percentuais entre o quarto trimestre de 2020 e o de 2021, passando de 29% para 22,8% (IPEA, 2022).

O grande contingente de desempregados e o aumento das taxas de ocupação nos trabalhos informais levam também à queda da contratação de aprendizes. A falta de obrigatoriedade de reposição das vagas em virtude da diminuição dos vínculos de emprego decorrente da crise de saúde pública e da crise política que ocorreram com a pandemia de 2020 levou a uma queda do número de aprendizes ativos em 2020. Contudo, em 2021, já foi possível observar um retorno quase aos patamares de antes da pandemia (BRASIL, Ministério do Trabalho e Previdência, 2022).

Tais números demonstram a dificuldade de implementação da cota legal, o que acaba esvaziando a efetividade da política de inserção dos aprendizes no mercado de trabalho.

2.2  DA BASE DE CÁLCULO PARA A COTA LEGAL DE APRENDIZAGEM

O art. 429 da CLT determina que a porcentagem de aprendizes deve ser calculada tendo em vista as funções que demandem formação profissional.

O § 4º do art. 428 da Consolidação das Leis do Trabalho define que a formação técnico- profissional na qual os aprendizes devem estar inscritos se caracteriza por atividades teóricas e práticas, metodicamente organizadas em tarefas de complexidade progressiva desenvolvidas no ambiente de trabalho.

Já o Decreto n. 9.579/2018, no seu art. 52, determina que, para a definição das funções que demandem formação profissional, será considerada a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho e Previdência.

O Decreto n. 11.061/2022, que modificou a lei de aprendizagem, incluiu os parágrafos 1° e 2° no art. 52:

§ 1º Ficam excluídas da definição de que trata o caput: (Redação dada pelo Decreto nº 11.061, de 2022)
I – as funções que demandem, para o seu exercício, habilitação profissional de nível superior, exceto as funções que demandem habilitação profissional de tecnólogo; ou (Incluído pelo Decreto nº 11.061, de 2022)
II – as funções que estejam caracterizadas como cargos de direção, de gerência ou de confiança, nos termos do disposto no inciso II do caput e no parágrafo único do art. 62 e no § 2º do art. 224 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto- Lei nº 5.452, de 1943. (Incluído pelo Decreto nº 11.061, de 2022)
§ 2º Deverão ser incluídas na base de cálculo: (Incluído pelo Decreto nº 11.061, de 2022)
I – as funções que demandem formação profissional, independentemente de serem proibidas para menores de dezoito anos de idade; (Incluído pelo Decreto nº 11.061, de 2022)
II – as funções que demandem, para o seu exercício, habilitação profissional de técnico de nível médio; e (Incluído pelo Decreto nº 11.061, de 2022)
III – as funções que demandem, para o seu exercício, habilitação profissional de tecnólogo. (Incluído pelo Decreto nº 11.061, de 2022).

De acordo com o disposto, o cálculo da cota se faz por todas as funções que demandem formação profissional, independentemente de serem proibidas para menores de dezoito anos de idade.

A Instrução Normativa nº 146/2018, que dispõe sobre a fiscalização do cumprimento das normas relativas à aprendizagem profissional, determina como deve ser feito o cálculo:

§ 6º É incluído na base de cálculo do número de aprendizes a serem contratados o total de trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional, utilizando-se como único critério a Classificação Brasileira de Ocupações elaborada pelo Ministério do Trabalho, independentemente de serem proibidas para menores de dezoito anos.

O Tribunal Superior do Trabalho tem reiterado entendimento quanto à ratificação da validade da utilização da CBO para o cálculo da cota:

“I – AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELA RÉ FORCE SERVIÇOS TERCEIRIZADOS EIRELI. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. 1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONTRATO DE APRENDIZAGEM. BASE DE CÁLCULO. UTILIZAÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÕES (CBO). ACÓRDÃO REGIONAL EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho tem ratificado a utilização da Classificação Brasileira de Ocupações – CBO – como o critério a ser utilizado para a base de cálculo do número de jovens aprendizes a serem contratados. O Tribunal Regional, ao utilizar a Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, elaborada pelo Ministério do Trabalho, como parâmetro de definição de quais as funções que demandam formação profissional e, respectivamente, devem ser incluídas no cálculo da cota de aprendizes, proferiu decisão em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. […]” (AIRR-1205- 76.2018.5.09.0028, 8ª Turma, Relator Ministro Emmanoel Pereira, DEJT 17/12/2021).

Veja-se que a posição dos Tribunais e do Ministério do Trabalho e Emprego é a de que a Classificação Brasileira de Ocupações, elaborada pelo Ministério do Trabalho, é o critério a ser utilizado para a correta aferição da base de cálculo do número de jovens aprendizes a serem contratados.

A justificativa para a utilização de um critério objetivo é a adoção de um parâmetro uniforme, isonômico, para todas as empresas obrigadas a contratar aprendizes.

Assim, ao consultar uma função na CBO, é necessário verificar, no item “Características do Trabalho”, o subitem “Formação e experiência”, que indica a necessidade ou não de formação profissional para efeitos do cálculo do número de aprendizes a serem contratados pelos estabelecimentos (MTECBO, 2022).

É necessário considerar que, apesar de o recentíssimo Decreto 11.061, de 04 de maio de 2022, ter permitido uma maior flexibilização no cálculo de cotas para a aprendizagem, em nada alterou a cota obrigatória de contratação de aprendizes e tampouco dispôs sobre a possibilidade de flexibilização das funções que demandem formação profissional incluídas na Classificação Brasileira de Ocupações.

2.3  DO IMPACTO DA REFORMA TRABALHISTA NAS NEGOCIAÇÕES COLETIVAS

A Lei n. 13.467/2017, de 13 de julho de 2017, conhecida como Reforma Trabalhista, trouxe diversas alterações à Consolidação das Leis do Trabalho.

Essa lei, no suposto desiderato de reduzir o índice de desemprego e ampliar as possibilidades para a empregabilidade, trouxe uma reforma substancial à estrutura das normas trabalhistas no país (MOURA, BARROSO, 2017, p. 252).

A mais notável dessas alterações foi a preponderância e o estímulo à negociação coletiva, negócio jurídico no qual são estipuladas condições que regerão as relações de trabalho.

O novo art. 611-A da CLT passou a prever que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei em diversos casos, o que se chamou de “prevalência do negociado sobre o legislado”.

Desse modo, muitos direitos dispostos em normas infraconstitucionais, agora, podem ser livremente alterados pelas partes, tanto para aumentá-los, quanto para reduzi-los ou até suprimi-los.

A justificativa para a preponderância atual da negociação coletiva seria fomentar a maior liberdade sindical, a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição entre as partes.

Entretanto, tal justificativa não se sustenta na prática, pois o que se viu foi a redução ou supressão de direitos trabalhistas básicos, sem a devida contrapartida.

Deve-se fazer a ressalva de que, nas tentativas de conciliação entre a classe trabalhadora e a patronal, esta última acaba sendo a detentora de maior poder e força nas negociações. Por isso, ao determinar a preponderância das práticas negociais sobre os direitos positivados historicamente conquistados pelos trabalhadores, acaba ocorrendo inegável restrição aos direitos trabalhistas. A doutrina vem se posicionando sobre essa realidade:

“O Direito Coletivo, por sua vez, parte justamente da igualdade entre as partes. Nesse sentido, expressa que os trabalhadores reunidos são capazes de negociar com o empregador sozinho (que por si só é um sujeito coletivo) ou com uma pluralidade de empregadores, reunidos por meio de entidades sindicais. Na prática, esse pressuposto teórico, na maioria das vezes, não reflete a realidade, pois as entidades sindicais patronais acabam tendo mais força.” (SILVA, 2022).

Nesse sentido, tendo como perspectiva a prevalência da autonomia da vontade coletiva, normas favoráveis aos trabalhadores são suprimidas para dar lugar a uma negociação na qual deveria haver uma suposta paridade de armas.

Contudo, percebe-se que, na prática, o empregador tem força desproporcional nas mesas de negociação e, desse modo, as matérias e valores que agora podem ser discutidos acabam atingindo direitos mínimos do trabalhador previstos nas normas constitucionais e infraconstitucionais (PIROLO, OLIVEIRA, 2017, p. 14).

O princípio da proteção ao trabalhador, que sempre serviu de núcleo basilar do Direito do Trabalho, acaba por ceder diante das cláusulas eventualmente precarizantes estabelecidas nas convenções e acordos. Gustavo Seferian, a respeito da ampla valorização da negociação coletiva, entende que:

“É de se ressaltar que desde 11 de novembro de 2017, sob a discursividade de estímulo à liberdade e à negociação sindicais, percebe-se que os interesses patronais alçam-se a um novo patamar de possibilidades, isso diante da legalização da prevalência absoluta do coletivamente negociado frente ao legislado. A nova lógica se afirma baseada nas perspectivas de que a negociação coletiva, ao ser fomentada, deve atender aos anseios mais amplos de sustentabilidade empresarial e viabilização da atividade econômica, ao arrepio da lógica de proteção que sempre se colocou enquanto tônica do Direito do Trabalho e marca da negociação coletiva. Tudo isso sob o lustro de que, em verdade, apenas se estaria estimulando as práticas negociais como forma de solução de conflitos coletivos de trabalho”. (SEFERIAN, 2020).

É necessário ter em mente que o Direito do Trabalho, historicamente, desenvolveu-se tendo como base o princípio da proteção. Esse princípio busca assegurar a igualdade material, levando em consideração o desequilíbrio inerente existente no contrato de trabalho entre empregado e empregador.

Para justificar a predominância das cláusulas negociais sobre os direitos legalmente previstos, invoca-se a visão de que o princípio da proteção somente seria aplicável ao Direito Individual do Trabalho. Isso porque seria necessário, nas relações individuais, mitigar o desequilíbrio na relação de poder instituída no âmbito das relações de trabalho entre empregador e empregado.

Já no Direito Coletivo do Trabalho, predominaria o princípio da liberdade sindical e da autonomia coletiva da vontade, já que os sindicatos não se encontrariam sujeitos aos mesmos limites que a autonomia individual.

O Supremo Tribunal Federal, no Tema 152 da tabela de Repercussão Geral (STF, 2016), ao examinar a validade de cláusula de acordo coletivo que instituiu a quitação genérica no Plano de Dispensa Incentivada, já se manifestou no seguinte sentido:

A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e na Convenção n. 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida.

Nesse precedente, o STF assentou que, no direito coletivo do trabalho, não haveria a mesma assimetria de poder presente nas relações individuais. Em tese, no Direito Coletivo do Trabalho, não existiria a superioridade de um grupo em detrimento de outro, e predominaria a equivalência na relação entre as partes.

Contudo, a realidade fática demonstra que o suposto equilíbrio de forças entre as classes operária e econômica é uma falácia, pois há uma grande fragilidade das entidades sindicais brasileiras. O que ocorre, assim, é que a assimetria entre as partes existente também no direito coletivo gera um retrocesso na proteção aos direitos laborais.

Além disso, a reforma trabalhista trouxe, em complementação à prevalência do negociado sobre o legislado, a positivação do “princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva” (art. 8º, § 3º, da CLT, com a mudança introduzida pela Lei n. 13.467/2017). Esse postulado limita a atuação do Judiciário na análise das cláusulas das convenções e acordos firmados.

Dessarte, o papel dos magistrados seria tão somente o de verificar a conformidade das negociações às cláusulas gerais de validade dos negócios jurídicos:

“§ 3º No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.”

Essa regra foi repetida pelo art. 611-A, § 1º, da CLT, também introduzido pela Lei 13.467/2017. Parece, então, que a intenção do legislador, ao adotar esse princípio, foi a de que a Justiça do Trabalho verificasse tão somente a capacidade do agente, se o objeto seria lícito, possível e determinado ou determinável e, por fim, se a forma estaria prescrita ou não defesa em lei (SILVA, 2022, p. 19).

Como se percebe, portanto, o texto da reforma, ao inserir um inovador postulado com a nomenclatura de “princípio”, pretendeu delimitar a atuação da Justiça do Trabalho e acabou por frear juízes e tribunais que poderiam agir para anular instrumentos coletivos que ferissem direitos sociais dos trabalhadores.

Por outro ângulo, o novo artigo da CLT pode ser entendido como uma espécie de contrapeso aos efeitos gerados pelo entendimento de que haveria um grande ativismo judicial na proteção do trabalhador (REZENDE, 2017, p. 36), fato que levaria à perpétua insegurança jurídica sofrida pelos empregadores, já que os tribunais agiriam para criar direitos sem previsão legal.

No entanto, na 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, promovida pela ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, foi aprovado o seguinte enunciado:

2. INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA LEI 13.467/2017 Os juízes do Trabalho, à maneira de todos os demais magistrados, em todos os ramos do Judiciário, devem cumprir e fazer cumprir a Constituição e as Leis, o que importa no exercício do controle difuso de constitucionalidade e no controle de convencionalidade das Leis, bem como no uso de todos os métodos de interpretação/aplicação disponíveis. nessa medida: I. Reputa-se autoritária e antirrepublicana toda ação política, midiática, administrativa ou correicional que pretender imputar ao juiz do Trabalho o “dever” de interpretar a Lei 13.467/2017 de modo exclusivamente literal/gramatical; II. A interpretação judicial é atividade que tem por escopo o desvelamento do sentido e do alcance da Lei trabalhista. É função primordial do Poder Judiciário trabalhista julgar as relações de trabalho e dizer o direito no caso concreto, observando o objetivo da República Federativa do Brasil de construir uma sociedade mais justa e igualitária. Exegese dos artigos 1º, 2º, 3º, 5º, inciso XXXV, 60 e 93, IX e 114 da CRFB; III. Inconstitucionalidade do § 2º e do § 3º do artigo 8º da CLT e do artigo 611-a, §1º, da CLT. Será inconstitucional qualquer norma que colime restringir a função judicial de interpretação da Lei ou imunizar o conteúdo dos acordos e convenções coletivas de Trabalho da apreciação da Justiça do Trabalho, inclusive quanto à sua constitucionalidade, convencionalidade, legalidade e conformidade com a ordem pública social. Não se admite qualquer interpretação que possa elidir a garantia da inafastabilidade da jurisdição, ademais, por ofensa ao disposto no art. 114, I, da CF/88 e por incompatibilidade com os princípios da separação dos poderes, do acesso a Justiça e da independência funcional. (grifou- se). (ANAMATRA, 2017).

Verifica-se, portanto, que, após a entrada em vigor da Reforma Trabalhista, inúmeras polêmicas foram suscitadas, com interpretações divergentes pelos destinatários da norma, especialmente no que diz respeito à amplitude das negociações coletivas e ao papel do Juduiciário.

Cabe observar que a Reforma Trabalhista não alterou diretamente os dispositivos concernentes ao contrato de aprendizagem. Contudo, ao ampliar o campo da negociação coletiva, sem dúvida interferiu em todo o sistema jurídico laboral.

3  MATERIAIS E MÉTODOS

Para a execução da pesquisa, foram pesquisados argumentos utilizados pelos sindicatos em seus respectivos sites e nas peças processuais constantes dos processos encontrados. Também foram feitas pesquisas nas convenções coletivas de trabalho firmadas pelos sindicatos representantes das categorias descritas.

Para a pesquisa jurisprudencial, foram pesquisados acórdãos nas bases de jurisprudência constantes dos sites de cada um dos 24 Tribunais Regionais do Trabalho do país. Para tanto, foram utilizadas diversas palavras-chave: “base de cálculo”, “aprendizes”, “aprendizagem”, “negociação coletiva”, “convenção coletiva”, “cláusula”, e os nomes das respectivas funções que se estava pesquisando.

As mesmas palavras-chave foram utilizadas na pesquisa na base de jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho.

Já na pesquisa realizada no site do Supremo Tribunal Federal, foi utilizado como referência o tema 1.046 de repercussão geral.

Além disso, foram pesquisados pareceres do Ministério Público do Trabalho e petições iniciais de ações ajuizadas pelo Parquet laboral, na base de dados própria do MPT. Além disso, foram pesquisados artigos constantes, principalmente, da área da COORDINFÂNCIA do Ministério Público do Trabalho.

4  DISCUSSÕES

Diante de todas as modificações normativas trazidas pela reforma trabalhista, e com a justificativa de especificar particularidades de cada categoria profissional, alguns instrumentos coletivos começaram a prever a redução da cota legal de aprendizagem.

Nesse ponto, cabe observar que o art. 611-B da Consolidação das Leis do Trabalho foi taxativo ao enumerar os direitos sobre os quais não se poderia negociar, indicando que, exclusivamente quanto à supressão ou redução de tais direitos, haveria ilicitude na convenção ou acordo coletivo de trabalho.

Apesar de o inciso XXIV afirmar que não seria possível a redução ou supressão de “medidas de proteção legal de crianças e adolescentes”, nada afirmou acerca das regras e requisitos para cumprimento da cota legal de aprendizagem.

Além disso, o art. 611-A, que enumerou as hipóteses nas quais a convenção e o acordo coletivo de trabalho terão prevalência sobre a legislação, elenca um rol meramente exemplificativo, de modo que outros direitos podem ser livremente negociados, haja vista a expressão “entre outros” no caput do referido artigo.

Por isso, não havendo vedação taxativa pelo art. 611-B, os sindicatos passaram a entender que seria possível a flexibilização da base de cálculo da cota legal de aprendizagem por meio de negociação coletiva.

4.1  DA FLEXIBILIZAÇÃO DA COTA LEGAL DE APRENDIZAGEM

Tendo em vista a natureza de algumas atividades desenvolvidas pelas empresas e por considerá-las incompatíveis com o instituto da aprendizagem, passou-se a prever, nos instrumentos coletivos, cláusulas específicas que preveem a exclusão da base de cálculo da cota de algumas funções, por considerá-las conflitantes com a finalidade do instituto da aprendizagem.

Há também casos em que a suposta dificuldade de contratação de aprendizes leva o sindicato a entender pela redução da base de cálculo da cota. Os empregadores alegam a dificuldade em encontrar trabalhadores aprendizes para suprir a cota legal.

Ainda, a grande amplitude das funções da Classificação Brasileira de Ocupações que deveriam ser incluídas na base de cálculo gera inúmeras reclamações e divergências no cômputo da base de cálculo.

Na prática, a fiscalização do trabalho entende que o que não está excluído pela CBO deve ser incluído como base de cálculo para a aprendizagem. Dessa forma, faz caber na base de cálculo das cotas de aprendizes todas as mais diversas situações encontradas no dia a dia dos estabelecimentos, sem um critério objetivo quanto às funções desempenhadas pelos aprendizes e sem uma análise cuidadosa da natureza das atividades desempenhadas (CEBRASSE, 2022).

É necessário ter em vista que as normas jurídicas previstas nos instrumentos coletivos são criadas pelos próprios destinatários dessas normas, o que, na teoria, aproximaria o direito da realidade social.

Com a justificativa de melhor adequar o cálculo da cota de aprendizagem com a realidade, o número final de vagas que devem ser preenchidas por aprendizes é reduzido drasticamente.

Abaixo, são apresentadas as situações mais comuns nas quais se pretende reduzir a cota legal de aprendizagem por meio da negociação coletiva.

4.1.1  Função de vigilante

A ocupação de vigilante está incluída na Classificação Brasileira de Ocupações sob o código 5173. No subitem “formação e experiência”, há a previsão de que esta função demanda formação profissional para efeitos do cálculo do número de aprendizes a serem contratados pelos estabelecimentos.

Contudo, há inúmeros instrumentos coletivos que excluem da base de cálculo, para a aplicação das cotas de aprendizagem, a função de vigilante.

Como justificativas, são adotadas diversas premissas. A primeira delas é a de que a Constituição da República Federativa do Brasil proíbe, em seu art. 7º, XXXIII, qualquer trabalho perigoso aos menores de dezoito anos.

Do mesmo modo, o art. 67 do Estatuto da Criança e do Adolescente veda ao adolescente aprendiz o trabalho “perigoso, insalubre ou penoso” e o “realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social” (ECA, 1990).

A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu art. 403, parágrafo único, também estabelece que:

“Parágrafo único. O trabalho do menor não poderá ser realizado em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a frequência à escola”.

A função de vigilante é considerada de risco, já que desenvolvida em ambiente essencialmente perigoso, sendo o profissional constantemente exposto a riscos para sua vida e incolumidade física. Além disso, na maior parte das vezes, os vigilantes, inclusive, manuseiam armas de fogo.

Note-se que a própria CBO, na descrição de formação dessa ocupação, afirma que os vigilantes passam por treinamento obrigatório em escolas especializadas em segurança, onde aprendem a utilizar armas de fogo.

Conforme disposição expressa do art. 7º, XXXIII, da CRFB/88, é possível a contratação de menor a partir de 14 anos na condição de aprendiz

Desse modo, argumenta-se que a atividade de vigilância seria incompatível com a finalidade do contrato de aprendizagem e com a proteção da integridade física e do desenvolvimento psíquico, social e moral dos empregados menores. O ambiente no qual é desenvolvida tal atividade não seria propício ao convívio para adolescentes e jovens.

Observe-se que a Lei n. 7.102/83, que estabeleceu normas para a contratação de vigilantes, determina que:

“Art. 16 – Para o exercício da profissão, o vigilante preencherá os seguintes requisitos:
I – ser brasileiro;
II – ter idade mínima de 21 (vinte e um) anos;
III – ter instrução correspondente à quarta série do primeiro grau;
IV – ter sido aprovado, em curso de formação de vigilante, realizado em estabelecimento com funcionamento autorizado   nos   termos   desta   lei. (Redação dada pela Lei nº 8.863, de 1994)
V – ter sido aprovado em exame de saúde física, mental e psicotécnico;
VI – não ter antecedentes criminais registrados; e
VII – estar quite com as obrigações eleitorais e militares”.

Ao estabelecer que a idade mínima de 21 anos para o exercício da profissão de vigilante, a lei também teria limitado a contratação de aprendizes para tal atividade. Isso porque o contrato de aprendizagem se encerra aos 24 anos. Assim, somente poderiam ser contratados aprendizes entre 21 e 23 anos, o que certamente acarreta maior dificuldade na busca por interessados.

Ademais, alega-se que o curso de formação de vigilantes, previsto pela Lei n. 7.102/83, não seria compatível com os cursos de aprendizagem profissional ofertados pelas entidades qualificadoras.

Isso porque, para o exercício da profissão de vigilante, há a exigência de ter sido aprovado em curso de formação específico, o que não se mostra compatível com a exigência de estar o aprendiz inscrito em “programa de aprendizagem formação técnico-profissional metódica” a que alude o art. 428 da CLT.

Para que haja a contratação como vigilante, é essencial a aprovação em curso específico, credenciado pela Polícia Federal. Tal exigência não se coadunaria com o exercício da aprendizagem, já que deve haver a habilitação profissional técnica completa para o exercício do cargo de vigilante. Haveria, pois, uma incompatibilidade lógica entre o profissional já formado e o menor aprendiz. Ao ser contratado como aprendiz, o profissional já capacitado para ser vigilante experimentaria, em verdade, uma redução precarizante de seus direitos.

A Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores afirma haver, inclusive, parecer da Coordenação-Geral de Controle de Serviços e Produtos da Polícia Federal sobre a contratação de menor aprendiz por empresas de segurança privada. Referido documento reafirma o entendimento de que a legislação pátria não possibilita a contratação de menor aprendiz para o desempenho das funções de vigilante (FENAVIST, 2020).

Há o entendimento, então, de que a proposta de formação profissional do aprendiz não teria pertinência com a função de vigilante.

Sustenta-se, ainda, que o serviço de vigilância armada seria incompatível com a idade máxima dos aprendizes, pois o próprio Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/2003) veda a aquisição de arma de fogo para cidadão comum com menos de 25 anos de idade.

Ao restringir a cota de aprendizagem nessa função, os sindicatos também levam em consideração o argumento das empresas de que não há cursos de aprendizagem disponíveis na área de vigilância no Sistema “S”, responsável por realizar os cursos de aprendizagem profissional.

O Poder Judiciário tem decisões contraditórias quanto à possibilidade ou não de exclusão da base de cálculo da cota legal de aprendizagem dos empregados vigilantes.

No Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, os julgados mais recentes entendem não haver motivos para a exclusão da função de vigilante da base de cálculo para a cota de aprendizagem. Veja-se:

RECURSO ORDINÁRIO. CONTRATO DE APRENDIZAGEM. ARTIGO 429 DA CLT. BASE DE CÁLCULO DO NÚMERO DE APRENDIZES. DECRETO N.5.598/2005. Segundo o artigo 429 da CLT, os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional. De acordo com o artigo 10 do Decreto n. 5.598/2005, em vigor no período em discussão, somente as funções que exigem habilitação de nível técnico ou superior e os cargos de direção, confiança ou gerência, além dos empregados que executem serviços sob o regime de trabalho temporário, são excluídos do cálculo do número de aprendizes a serem contratados. Já o artigo 11, parágrafo único, do mesmo Decreto, prevê que, no caso de atividades que não possam ser exercidas por menores de dezoito anos, a contratação de aprendizes deverá ocorrer entre as idades de dezoito e vinte e quatro anos. É importante destacar que o entendimento majoritário no C.TST é no sentido de que toda e qualquer função existente na empresa e que esteja descrita na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO deve ser inserida na base de cálculo do número de aprendizes, até mesmo atividades proibidas para menores, ainda que seja certo que o limite de idade deve ser aplicado por ocasião da contratação do aprendiz. Recurso da parte autora a que se nega provimento. (TRT-1, 0101014-28.2018.5.01.0039 – DEJT 2020-12-15. Des. Rel. LEONARDO DIAS BORGES. 10ª Turma. Julgamento em 23/10/2020).
Base de Cálculo para Contratação de Aprendizes. Inclusão de Funções Consideradas Insalubres ou Perigosas. Não se deve restringir a base de cálculo para contratação de aprendizes em razão de funções exercidas sob condições gravosas à saúde, até porque a contratação para tais atividades não é proibida, estando apenas limitada aos jovens entre 18 e 24 anos. Fiscalização do Trabalho. Auto de Infração Lavrado em Virtude do Descumprimento da Obrigação de Contratar Jovem Aprendiz. Alegação de que o ramo de trabalho é incompatível com o instituto da aprendizagem, não serve de fundamento para pleitear em juízo o direito de desobrigar-se do encargo da contratação de jovem aprendiz, na medida em que a legislação possibilita o cumprimento alternativo, por meio da cota de aprendizagem prevista pelo art. 430 da CLT, bem como a cota social, estatuída no art. 66 do Decreto 9.579/2018. (TRT 1, 0101055-22.2018.5.01.0030 – DEJT 2021-09-29. Des. Rel. MARCIA REGINA LEAL CAMPOS. 9ª Turma. Julgamento em 21/09/2021).
RECURSO ORDINÁRIO. BASE DE CÁLCULO DA COTA DE APRENDIZES. O artigo 611-B, XXIV, da CLT, considera objeto ilícito de convenção ou acordo coletivo cláusulas que se destinem a reduzir ou suprimir direitos de crianças e adolescentes. (TRT-1, 0101350-46.2018.5.01.0002 – DEJT 2022-04-21. Des. Rel. JOSÉ LUIS CAMPOS XAVIER. 5ª Turma. Julgamento em 06/04/2022).
RECURSO ORDINÁRIO. EXCLUSÃO DA FUNÇÃO DE VIGILANTE DA BASE DE   CÁLCULO   DA   COTA   LEGAL   PARA   ADMISSÃO   DE   JOVENS APRENDIZES. IMPOSSIBILIDADE. Considerando que a função de vigilante demanda formação profissional e não se enquadra nas exceções disciplinas no art. 52, §1º, do Decreto nº 9.579/2018, não há motivos para que tal função seja excluída da base de cálculo para a cota legal de contratação de jovens aprendizes. Recurso não provido.
(TRT 1, 0100125-95.2020.5.01.0074 – DEJT 2022-07-08. Des. Rel. MARIA DAS GRACAS CABRAL VIEGAS PARANHOS. 2ª Turma. Julgamento em 08/06/2022).

Entretanto, em busca às bases de jurisprudência dos demais Tribunais Regionais do Trabalho, foram encontrados acórdãos entendendo ser possível a exclusão dessa função para o cálculo de contratação de aprendizes, conforme exemplificado abaixo:

COTA DE   APRENDIZES.   BASE   DE   CÁLCULO.   ART.   429   DA   CLT. ATIVIDADES INSALUBRES E PERIGOSAS. A possibilidade de exposição de crianças e adolescentes a atividades nocivas à saúde, com risco de acidentes, de morte e de prejuízo à sua formação norteia uma interpretação restritiva da legislação. O objeto social da autora torna obrigatória a cautela na definição da cota de aprendizes, apesar da inexistência de óbice legal à contratação de menores de 18 anos. Portanto, atividades insalubres e perigosas devem ser excluídas do cálculo da cota de aprendizes prevista em lei. (TRT 3, 0011477-85.2018.5.03.0032. Des. Rel. Ricardo Antonio Mohallem. 9ª Turma. Julgamento em 05/08/2020).
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INCLUSÃO DOS VIGILANTES NA BASE DE CÁLCULO DA COTA DE APRENDIZAGEM. NÃO CABIMENTO. ATIVIDADE DE RISCO INCOMPATÍVEL COM A APRENDIZAGEM. Por ser perigosa, a atividade de vigilância é incompatível com o objetivo da aprendizagem.
(TRT da 8ª Região. Processo: 0000588-82.2018.5.08.0210 RO; Data: 24/07/2019;
Órgão Julgador: 1ª Turma; Relator: ROSITA DE NAZARE SIDRIM NASSAR)
COTA PARA APRENDIZ. NÃO INCLUSÃO DE VIGILANTES NA BASE DE CÁLCULO. IMPROVIDO. A cota para aprendizagem não pode incluir vigilantes em sua base de cálculo uma vez que estes detém regulamentação rígida, na qual inclui o elemento arma de fogo, a necessidade de a empresa de segurança depender de autorização de funcionamento e certificado de segurança emitido pela Polícia Federal, o fato do porte de arma ter conteúdo extremamente rígido e restritivo e de o vigilante depender necessariamente de um curso de formação específico para o exercício de sua função, com igual necessidade de autorização e fiscalização pela Polícia Federal, independentemente do uso continuo da arma de fogo ou não no exercício da função. (TRT da 21ª Região. Processo nº 0000510-47.2018.5.21.0042. Des. Rel. EDUARDO SERRANO DA ROCHA. 2ª Turma. Julgamento: 10/02/2021).
EMENTA BASE DE CÁLCULO PARA AFERIÇÃO DO NÚMERO DE APRENDIZES A SEREM CONTRATADOS. EXCLUSÃO POR NEGOCIAÇÃO COLETIVA DOS SERVIÇOS DE SEGURANÇA E TRANSPORTE DE VALORES DA BASE DE CÁLCULO. LEI 7.102/1983. A vigilância armada não pode ser abrangida por programa de aprendizagem de menores, uma vez que não há compatibilidade entre o instituto e a profissão. É o que se extrai da redação da Lei n. 7.102/1983. Por sua vez, mediante negociação coletiva, assim decidiram as categorias, legítimas conhecedoras do problema, devendo respeitar-se a autonomia coletiva, albergada no inciso I do art. 8º e protegida pelo manto do art. 7º, XXVI da Constituição Federal. Assim, ante a imcompatibilidade da aprendizagem na segurança e no transporte de valores com as exigências da Lei n. 7.102/1983, mantém-se a cláusula coletiva que exclui os serviços de segurança e transporte de valores da base de cálculo para admissão de aprendizes. Recurso ordinário conhecido e desprovido. (TRT da 22ª Região. 00001308-64.2019.5.22.0003, Rel. Francisco Meton Marques De Lima, Pleno, julgado em 16/12/2020).

Foi encontrado, ainda, um processo, julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, no qual foi adotada uma tese intermediária: pela inclusão na base de cálculo dos empregados vigilantes, mas entendendo que os aprendizes deveriam ser contratados em outras funções:

1. JOVEM APRENDIZ. ARTIGO 429 DA CLT. ARTIGOS 51 E 52 DO DECRETO Nº 9.579/2018. VIGILANTES. INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO. CUMPRIMENTO POR MEIO DA CONTRATAÇÃO PARA OUTRAS FUNÇÕES DIVERSAS DAS DE VIGILANTE OU PELA APRENDIZAGEM SOCIAL. DECRETO Nº 8.740/2016. 2. DANO MORAL COLETIVO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS A DEMONSTRAR GRAVE REPERCUSSÃO SOCIAL PELO DESCUMPRIMENTO DA COTA LEGAL. JOVEM APRENDIZ. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. PRECEDENTE DO TST. 3. DANO PATRIMONIAL COLETIVO. DÚVIDA NO CUMPRIMENTO DA NORMA. SATISFAÇÃO MONETÁRIA INTEGRAL DA OBRIGAÇÃO DE FORMA PRETÉRITA. PRETENSÃO EXCESSIVA E DESARRAZOADA. INDENIZAÇÃO INDEVIDA.

(TRT da 10ª Região. Processo: 0000082-02.2020.5.10.0010. Relator: DENILSON BANDEIRA COÊLHO. Julgamento em 21/07/2021).

No julgado acima, prevaleceu o entendimento de que não é possível a redução da base de cálculo legal, mas, por outro lado, o empregador não pode ser obrigado a contratar jovem

aprendiz para a função de vigilante, devendo fazê-lo tão somente em relação a outras funções, tendo a possibilidade, ainda, do cumprimento da cota por meio da Aprendizagem Social.

Contudo, a maioria dos acórdãos recentes dos Tribunais Regionais do Trabalho adotam a posição de que não seria possível a exclusão da função de vigilantes da base de cálculo, mesmo analisando todos os argumentos trazidos pelas sociedades empresárias.

Tal entendimento se coaduna com os mais recentes julgados do Tribunal Superior do Trabalho, ápice do Judiciário trabalhista, que declaram a nulidade de cláusula contratual que exclui a função de vigilantes da base de cálculo.

Todos os acórdãos mais recentes do TST têm adotado esse posicionamento, conforme se verifica pelos exemplos abaixo:

“AÇÃO ANULATÓRIA. RECURSO ORDINÁRIO. CONTROVÉRSIA JURÍDICA QUE GIRA EM TORNO DO CUMPRIMENTO DAS COTAS DE CONTRATAÇÃO DE APRENDIZES. PREVISÃO EM CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO DE SUPRESSÃO DE FUNÇÕES PARA COMPOSIÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. NÃO APLICABILIDADE AO CASO CONCRETO DO QUE DECIDIDO NO AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.121.633 (TEMA 1.046 DA REPERCUSSÃO GERAL). PEDIDO DE SOBRESTAMENTO. INDEFERIMENTO. A 1ª Turma da Suprema Corte decidiu, no julgamento da RCL 40.013 AGR/MG, que a controvérsia jurídica que gira em torno do cumprimento das cotas de aprendizes e deficientes tem assento constitucional previsto nos arts. 7º, XXXI, 203, IV, e 227, caput e § 1º, II. Dessa forma, concluiu que a referida matéria não está abarcada pelo Tema 1046 da Repercussão Geral (Validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente). Indefere-se o sobrestamento do feito. CLÁUSULA QUINQUAGÉSIMA – APRENDIZAGEM. CLÁUSULA SEPTUAGÉSIMA SÉTIMA – SEGURANÇA NO TRABALHO. COTA DE CONTRATAÇÃO.   BASE   DE   INCIDÊNCIA.   INTERESSE   DIFUSO   NÃO SUSCETÍVEL À NEGOCIAÇÃO COLETIVA . O Ministério Público do Trabalho ajuizou ação anulatória visando a declaração de nulidade das Cláusulas Quinquagésima e Septuagésima Sétima, parágrafos 2º e 3º, da Convenção Coletiva de Trabalho, que trata de cota de contratação de jovem aprendiz. Quando instada pela via da ação anulatória, compete à Justiça do Trabalho, por meio dos seus Tribunais, apreciar o teor das normas firmadas em instrumento normativo autônomo à luz do ordenamento jurídico vigente, e, se for o caso, extirpar do diploma negociado pelos seres coletivos as regras que retiram direitos assegurados por norma estatal de caráter indisponível. O art. 7º, XXVI, da Constituição Federal de 1988, assegura o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, que são elaborados e firmados pelos entes coletivos. A autonomia de vontade dos seres coletivos, manifestada mediante os instrumentos normativos autônomos encontra limite nas normas heterônomas de ordem cogente, que tratam de direitos de indisponibilidade absoluta e normas constitucionais de ordem e de políticas públicas. No caso, a norma impugnada foi fixada em instrumento normativo que vigorou pelo período de fevereiro de 2019 a janeiro de 2020, portanto, já na vigência da Lei nº 13.467/2017, que, por sua vez, considera objeto ilícito de negociação as medidas de proteção legal de crianças e adolescentes (art. 611-B, XXIV, da CLT), que se encontram inseridas no capítulo IV da CLT, que inclui as cotas de aprendizagem (art. 424 a 433 da CLT). O art. 611 da CLT dispõe que “Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho”. Efetivamente, a autonomia coletiva dos sindicatos, assegurada pela Carta Magna, abrange a elaboração de normas de natureza coletiva atinentes às condições aplicadas no âmbito das relações bilaterais de trabalho. Observa-se que, ao excluir as funções de vigilante e de serviço de segurança e vigilância do cômputo na base de cálculo da cota prevista no artigo 429 da CLT, a norma impugnada trata de matéria que envolve interesse difuso (direito indivisível em que são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato), no caso, o interesse de jovens aprendizes. Ou seja, a regra atacada transpassa o interesse coletivo das categorias representadas, para alcançar e regular direito difuso dissociado das condições de trabalho dos trabalhadores, tratando-se, inclusive, de matéria de ordem e de políticas públicas. Há, portanto, flagrante violação do art. 611 da CLT. Nessa condição, contata-se que a cláusula ora em exame não atende os requisitos de validade estabelecidos no art. 104 do CCB, notadamente quanto à falta da capacidade dos agentes convenentes para consentir e de dar função à regra, cujo objeto, repita-se, ultrapassa os interesses coletivos das categorias representadas, avançando sobre interesse de caráter difuso, que não são passíveis de negociação coletiva. Esta SDC já se pronunciou algumas vezes no sentido de declarar a nulidade de cláusula pactuada em instrumento normativo que trata de matéria estranha ao âmbito das relações bilaterais de trabalho, por afronta ao art. 611 da CLT. Há julgados da SDC. Por óbvio, a declaração de nulidade da cláusula não elide as limitações e exclusões fixadas em regramento normativo estatal vigente, para efeito do cálculo do percentual de contratação de aprendizes. Recurso ordinário a que se nega provimento” (ROT-21697-80.2019.5.04.0000, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 30/08/2021).
“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA . RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BASE DE CÁLCULO PARA AFERIÇÃO DO NÚMERO DE APRENDIZES A SEREM CONTRATADOS. INCLUSÃO DOS VIGILANTES. CONTRATO DE APRENDIZAGEM. POSSIBILIDADE. INVALIDADE DA NORMA COLETIVA. Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho contra a recorrente, empresa de vigilância, com a qual pretendeu garantir o cumprimento da legislação atinente à aprendizagem, quanto à manutenção, no quadro de empregados da reclamada, de número de aprendizes compatível com a determinação legal. No caso, concluiu o Regional que ” o contrato de aprendizagem pode ser realizado por aquele que possua entre 14 e 24 anos de idade e a norma que trata da profissão de vigilante (Lei n. 7.102/83) traz como exigência para o exercício a idade mínima de 21 anos. Por consequência, é plenamente admissível a contratação de aprendiz do jovem que se encontre entre 21 e 24 anos de idade, desde que previamente aprovado em curso de formação de vigilante. Assim, a inclusão do número de trabalhadores ocupantes do cargo de vigilante no cômputo da base de cálculo para a aferição da cota a ser preenchida por aprendizes é medida que se impõe, à luz do disposto no art. 429 da CLT “. Discute-se, portanto, a possibilidade de inclusão do número de trabalhadores que ocupam o cargo de vigilante na reclamada no cômputo da base de cálculo para aferição da quantidade vagas a serem preenchidas por aprendizes, na forma do disposto no artigo 429 da CLT: “Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional”. O Decreto nº 5.598/2005 , que regulamenta o tema, em seu artigo 10, § 2º , é expresso ao estabelecer que a base de cálculo para definição do número de aprendizes é composta por todas as funções existentes na empresa, sendo irrelevante se só podem ser exercidas por maiores de 18 anos. Registra-se que não se inserem na base de cálculo para contratação de aprendizes os cargos que exigem habilitação técnica ou de nível superior, assim como os cargos de direção, nos termos do § 1º do referido artigo 10 do Decreto nº 5.598/2005. Nesse aspecto, embora exista a exigência da aprovação em curso de formação específico (artigo 16, inciso IV , da Lei nº 7.102/1983) para fins do exercício da profissão de vigilante, tal condição não se confunde com a “habilitação profissional de nível técnico” de que trata o § 1º do artigo 10 do Decreto nº 5.598/2005 . Isso porque tal habilitação é obtida por meio de curso técnico de nível médio, não se confundindo com o curso de formação de vigilante mencionado na Lei nº 7.102/1983. De outra sorte, destaca-se que a redação dada ao artigo 428 da CLT pela Lei nº 11.180/2005 amplia a faixa etária das pessoas que podem firmar contrato de experiência para até 24 anos de idade. Esse fato, aliado à previsão constante artigo 16, inciso II , da Lei nº 7.102/1983, no sentido de que a idade mínima para o exercício da profissão de vigilante é de 21 anos, impõe claramente a necessidade de cômputo do número desses profissionais na apuração dos montantes mínimos e máximos de vagas a serem ocupadas por aprendizes, na forma do artigo 429 da CLT, ainda que não sejam, necessariamente, menores de idade (precedentes). Destaca-se, por outro lado, que não prospera cláusula de norma coletiva que fixa base de cálculo limitada aos trabalhadores do setor administrativo para o cumprimento da cota legal de aprendizes. Precedentes da SDC do TST. Agravo de instrumento desprovido ” (AIRR-776- 11.2018.5.19.0003, 2ª Turma, Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 25/06/2021).
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . CONTRATO DE APRENDIZAGEM. CRITÉRIO DE CÁLCULO PARA O NÚMERO DE APRENDIZES A SEREM CONTRATADOS. EMPRESA DE VIGILÂNCIA. POSSIBILIDADE DE INTEGRAÇÃO NA BASE DE CÁLCULO DA COTA DE APRENDIZAGEM. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, acolheu inteiramente os fundamentos da aclamada doutrina internacional da proteção integral e prioritária da criança, do adolescente e do jovem, inaugurando , no ordenamento jurídico brasileiro , um novo paradigma de tratamento a ser destinado ao ser humano que se encontra na peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. Dentro desta nova cultura jurídica, o art. 7º, XXXIII, da CF/88 conferiu aos menores de 16 anos o direito fundamental ao não trabalho (com o fim de preservar o seu desenvolvimento biopsicossocial), salvo na condição de aprendiz a partir dos 14 (quatorze) anos – em perfeita harmonização com o também direito fundamental à profissionalização (art. 227, caput ). Constata-se, assim, que o contrato de aprendizagem foi ressalvado pela própria Constituição (art. 7º, XXXIII; art. 227, § 3º, I), sendo tradicionalmente regulado pela CLT (arts. 428 a 433). É, na verdade, contrato empregatício, com típicos direitos trabalhistas, embora regido com certas especificidades. Segundo a lei, é pacto ajustado por escrito , pelo qual o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 anos e menor de 24 anos, inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, comprometendo-se o aprendiz a executar com zelo e diligência as tarefas necessárias a essa formação (art. 428, caput , CLT, segundo redação da Lei n. 11.180/2005). Embora se trate de um pacto empregatício, no contrato de aprendizagem , a atividade laboral deve estar subordinada à dinâmica e aos fins pedagógicos, integrando-se a um processo educativo mais abrangente e, sem dúvida, predominante. No caso dos autos, a dúvida paira precisamente sobre a necessidade ou não da formação técnico-profissional metódica para o exercício das profissões de vigilante, ao ponto de legitimar a contratação de aprendizes. Pela descrição contida na CBO, pode-se constatar que as atividades de vigilantes se mostram sujeitas a ensino metódico, devendo integrar a base de cálculo da cota da aprendizagem. Julgados desta Corte Superior. Está claro, desse modo, que os vigilantes devem compor a base de cálculo da cota de aprendizagem fixada pelo art. 429 da CLT, porém observado o parâmetro etário legal de profissionais com idade mínima de 21 anos (item II do artigo 16 da Lei nº 7.102/83). Agravo de instrumento desprovido” (AIRR-1177- 75.2016.5.06.0412, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 30/08/2019).

Essa discussão, antes da entrada em vigor da Reforma Trabalhista, já havia chegado ao Supremo Tribunal Federal. Todavia, a Corte Maior entendeu por inadmitir o Recurso Extraordinário interposto tendo a matéria como pano de fundo, já que não satisfeito o requisito de prequestinamento da matéria constitucional:

“DECISÃO: O recurso extraordinário a que se refere o presente agravo foi interposto pela União Federal contra acórdão que, proferido pelo E. Tribunal Superior do Trabalho, está assim ementado:
“AGRAVO – CONTRATAÇÃO DE MENOR APRENDIZ – EMPRESA DE VIGILÂNCIA. A decisão agravada foi proferida em estrita observância aos arts. 896, § 5º, da CLT e 557, ‘caput’, do CPC, razão pela qual é insuscetível de reforma ou reconsideração. Agravo a que se nega provimento.”
A parte ora agravante, ao deduzir o apelo extremo em questão, sustentou que o Tribunal “a quo” teria transgredido os preceitos inscritos nos arts. 2º, 7º, XXXIII, 84 e 227, todos da Constituição da República.
Sob tal perspectiva, passo a examinar a postulação recursal em causa. E, ao fazê- lo, observo que o recurso extraordinário revela-se insuscetível de conhecimento.
Cabe referir, desde logo, que os temas concernentes às alegadas transgressões aos preceitos inscritos nos arts. 2º, 84 e 227, da Constituição não se acham devidamente prequestionados.
E, como se sabe, ausente o indispensável prequestionamento da matéria constitucional, que não se admite implícito (RTJ 125/1368 – RTJ 131/1391 – RTJ 144/300 – RTJ 153/989), incidem as Súmulas 282 e 356 desta Corte (RTJ 159/977).
Não ventilada, no acórdão recorrido, a matéria constitucional suscitada pelo recorrente, deixa de configurar-se, tecnicamente, o prequestionamento do tema, necessário ao conhecimento do recurso extraordinário.
A configuração jurídica do prequestionamento – que traduz elemento indispensável ao conhecimento do recurso extraordinário – decorre da oportuna formulação, em momento procedimentalmente adequado, do tema de direito constitucional positivo. Mais do que a satisfação dessa exigência, impõe-se que a matéria questionada tenha sido explicitamente ventilada na decisão recorrida (RTJ 98/754 – RTJ 116/451). Sem o cumulativo atendimento desses pressupostos, além de outros igualmente imprescindíveis, não se viabiliza o acesso à via recursal extraordinária, consoante tem proclamado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 159/977).
Cumpre ressaltar, ainda, que a suposta ofensa ao texto constitucional, caso existente, apresentar-se-ia por via reflexa, eis que a sua constatação reclamaria – para que se configurasse – a formulação de juízo prévio de legalidade, fundado na vulneração e infringência de dispositivos de ordem meramente legal. Não se tratando de conflito direto e frontal com o texto da Constituição, como exigido pela jurisprudência da Corte (RTJ 120/912, Rel. Min. SYDNEY SANCHES – RTJ 132/455, Rel. Min. CELSO DE MELLO), torna-se inviável o trânsito do recurso extraordinário, cujo processamento foi corretamente denegado na origem.
Com efeito, o acórdão impugnado em sede recursal extraordinária, ao decidir a controvérsia jurídica objeto deste processo, dirimiu a questão com fundamento em legislação infraconstitucional (Lei nº 12.885/2013), circunstância esta que obsta o próprio conhecimento do apelo extremo.
A mera análise do acórdão em referência demonstra que o Tribunal “a quo”, para negar provimento ao recurso da parte ora agravante, apoiou-se em dispositivos de ordem meramente legal:
“No caso em apreço, a imposição legal de contratação dos aprendizes deve ser analisada cuidadosamente, uma vez que as empresas substituídas na presente ação reclamatória prestam serviços de segurança e vigilância privadas.
Inicialmente, cumpre ressaltar que, com o advento da Lei n. 11.180/05, o limite de idade para a contratação de aprendizes passou de 18 para 24 anos, desse modo, o pacto pode ser celebrado tanto com empregados menores (16 a 18 anos), quanto maior de idade (18 a 24 anos).
Por isso, no caso em apreço, a possibilidade de contratação de aprendizes para os serviços de vigilância e segurança será analisada separadamente, primeiro em relação aos empregados menores de 18 anos e depois, aos maiores de 18 e menores de 24 anos.
…………………………………………………………………………………………
O art. 405, inciso I da CLT, no mesmo sentido, não permite o trabalho de menor ‘(…) nos locais e serviços perigosos ou insalubres, constantes de quadro para esse fim aprovado pelo Diretor Geral do Departamento de Segurança e Higiene do Trabalho (…)’.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, estabelece em seu art. 67:
(…)
Tem-se, portanto, que as atividades de vigilância e segurança são totalmente incompatíveis com as normas de proteção ao trabalho do menor, não havendo porque se exigir das empresas recorridas a contratação de menores aprendizes para o exercício dessas profissões. Esse é o entendimento do col Tribunal Superior do Trabalho:
(…)
Assim, entendo ser absolutamente vedada a contratação de menores de 18 anos, na condição de aprendiz, para a prestação de serviços de segurança e vigilância privadas, por expressa vedação legal.
Resta saber, no entanto, se é viável que o preenchimento da cota de aprendizes nos serviços de segurança e vigilância se dê por meio da contratação de aprendizes maiores de 18 e menores de 24 anos.
O art. 16 da Lei n. 7.102/1993, que dispõe sobre as normas para a constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, fixa os requisitos para o exercício da profissão de vigilante:
(…)
O dispositivo já exclui, de plano, a contratação de aprendizes menores de 21 anos, já que essa é a idade mínima para o exercício da profissão de vigilante.
Além disso, depreende-se da análise da legislação, que constitui requisito para o exercício da profissão a aprovação prévia em curso de formação de vigilante.
Portanto, se para ser vigilante o empregado já deve ter capacidade técnica para o exercício da profissão, não existe razão para que ele seja contratado na condição de aprendiz, ainda que tenha idade inferior a 24 anos, pois, neste caso, estar-se-ia mitigando seus direitos trabalhistas. Com efeito, na profissão de segurança e vigilante a capacitação é feita por meio do curso de formação, conforme imposição legal, sendo desnecessária a pactuação de contrato de aprendizagem, que, como dito, tem como finalidade, justamente a capacitação do trabalhador. De toda sorte, como bem evidenciou a Procuradora do Trabalho em seu parecer ‘(…) o art. 28 da Lei nº 10.826/2009 (Estatuto do Desarmamento) aumentou para 25 anos a idade para o cidadão comum poder portar arma de fogo, sendo a faixa etária da aprendizagem limitada aos 24 anos de idade (…)’ (f. 152), não havendo, portanto, possibilidade de contratação, nem mesmo como aprendiz.
Desse modo, entendo não ser possível o preenchimento da cota de aprendizes nos serviços de segurança por meio da contratação de aprendizes maiores de 18 e menores de 24 anos.”
Impende assinalar, por relevante, que o entendimento exposto na presente decisão tem sido observado em julgamentos proferidos no âmbito desta Suprema Corte (ARE 736.541/SE, Rel. Min. LUIZ FUX – ARE 915.337/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.).
Sendo assim, e em face das razões expostas, ao apreciar o presente agravo, não conheço do recurso extraordinário a que ele se refere, por ser este manifestamente inadmissível (CPC/15, art. 932, III).
Não incide, no caso em exame, o que prescreve o art. 85, § 11, do CPC/15, ante a ausência de condenação em verba honorária na origem.” (ARE 1009217 / MT – MATO GROSSO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 17/11/2016)

Sob os fundamentos acima descritos, o Supremo Tribunal Federal não se manifestou sobre o mérito da questão. Cabe aos jurisdicionados, assim, observar a jurisprudência do

Tribunal Superior do Trabalho, que vem se posicionando no sentido de que deve haver o cômputo dos profissionais vigilantes na base de cálculo para definição do número de aprendizes. Porém, o próprio TST entende que deve ser observada, para o exercício da função de vigilante, a idade mínima de 21 anos.

4.1.2  Da função de servente na construção civil

Os sindicatos também buscam excluir a função de servente da construção civil da base de cálculo da cota de aprendizagem.

Cabe destacar que a função de servente de obras está elencada na CBO sob o código 7170-20, e tem como sinônimos, na própria CBO, as funções de “Ajudante de obras, Ajudante de saneamento, Auxiliar de pedreiro, Meia-colher, Servente (construção civil), Servente de pedreiro” (MTE, 2022).

Como descrição sumária de suas atividades, está a seguinte:

Demolem edificações de concreto, de alvenaria e outras estruturas; preparam canteiros de obras, limpando a área e compactando solos. Efetuam manutenção de primeiro nível, limpando máquinas e ferramentas, verificando condições dos equipamentos e reparando eventuais defeitos mecânicos nos mesmos. Realizam escavações e preparam massa de concreto e outros materiais.

A CBO também indica que tal função demanda formação profissional para o cálculo do número de aprendizes.

Uma das justificativas para a inserção de cláusula que exclui a função de servente do cálculo da cota de aprendizagem é a de que tal função, na realidade, não demandaria formação profissional e, por isso, de acordo com o art. 52, § 1º, do Decreto n. 11.061/2022, não poderiam compor a base de cálculo.

Os sindicatos, assim, consideram que, mesmo que a função conste da lista da Classificação Brasileira de Ocupações, na prática, a função de servente não demanda formação profissional, em oposição ao determinado na CBO.

Alegam que as atividades realizadas pelos serventes divergem muito das funções especificadas pela CBO, pois não há nenhuma exigência, na realidade, de que o “ajudante geral” (assim considerado o servente) tenha realizado qualquer curso profissionalizante ou que possua qualquer formação profissional. Por isso, tais profissionais não poderiam entrar na base de cálculo (SINDUSCONDF, 2022).

Ademais, essa atividade, muitas vezes, oferece um grau elevado de risco, o que também iria de encontro às disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Constituição da República Federativa do Brasil.

Argumentam que, muitas vezes, o servente trabalha em ambiente insalubre, proibido para menores de 18 anos.

Mesmo com base nesses argumentos, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região já decidiu no sentido de não poder tal função ser excluída do computo dos aprendizes, já que incluída na CBO como função que demanda formação profissional. Nesse sentido:

DA BASE DE CÁLCULO DA COTA DE APRENDIZES. O art. 429 da CLT dispõe que os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a 5% (cinco por cento), no mínimo, e 15% (quinze por cento), no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento cujas funções demandem formação profissional. Nesse contexto, e ante as orientações que se extraem do Decreto nº 5.598/2005, é certo afirmar que apenas as funções que exigem habilitação de nível técnico ou superior, e cargos de direção, confiança ou gerência, além dos empregados que executem serviços sob o regime de trabalho temporário, são excluídos do cálculo do número de aprendizes a serem contratados. Desse modo, a função de servente, por exemplo, não está inserida nas exceções previstas no art. 10, § 1º, do Decreto nº 5.598/2005. Da mesma forma, a legislação prevê a inclusão, no cálculo do percentual legal de contratação de aprendizes, das funções que demandem formação profissional independentemente de serem proibidas para menores de 18 anos, já que podem ser contratados aprendizes entre 14 e 24 anos, sendo que nas hipóteses proibidas só ocorrerá contratação a partir dos 18 anos ou outra idade autorizada por lei especial. Da interpretação sistemática desses dispositivos tem- se que o objetivo é a garantia do direito à profissionalização do jovem e do adolescente (art. 227 da Constituição Federal), de modo a garantir o próprio direito fundamental à proteção integral e à profissionalização.

Em pesquisa aos demais Tribunais Regionais do Trabalho, não foram encontrados acórdãos que decidiram pela possibilidade de exclusão dessa ocupação da base de cálculo da aprendizagem. Verifica-se, portanto, que a jurisprudência não adota os argumentos utilizados pelos sindicatos.

Os precedentes encontrados no Tribunal Superior do Trabalho indicam a tendência de anulação da cláusula que exclua a função de servente da base de cálculo:

“RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA 1 – PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Mesmo que se vislumbrasse negativa de prestação jurisdicional por parte da Corte de origem, seria inviável a declaração de nulidade do acórdão recorrido, por ausência de prejuízo (art. 794 da CLT), na medida em que o recurso ordinário é dotado do efeito devolutivo em profundidade, o qual transfere à Corte ad quem “todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas”, nos moldes do art. 1.013, § 1º, do CPC de 2015. Preliminar rejeitada. 2 – CLÁUSULA COLETIVA QUE REDUZ A BASE DE CÁLCULO DA COTA DE APRENDIZES, MEDIANTE A EXCLUSÃO DOS PROFISSISONAIS QUE SE ATIVAM NA FUNÇÃO DE SERVENTE. MATÉRIA DE NATUREZA DIFUSA. IMPOSSIBILIDADE DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA. INVALIDADE DA CLÁUSULA. 2.1 – Debate-se nos autos a legalidade de cláusula coletiva que reduz a base de cálculo da cota legal de aprendizes, mediante a exclusão dos trabalhadores que se ativam na função de servente. 2.2 – Sobre o tema, esta SDC firmou o entendimento de que cláusulas dessa natureza sequer podem ser objeto de negociação coletiva, por versarem sobre interesses difusos, sobre os quais os sindicatos não detém legitimidade para dispor. Precedentes. 2.3 – Efetivamente, a partir da leitura do art. 611 da CLT, o qual conceitua a “Convenção Coletiva de Trabalho” como um acordo pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis no âmbito das respectivas representações, é possível dizer que à autonomia coletiva assegurada constitucionalmente aos entes coletivos é dada a criação de normas que versem exclusivamente sobre interesses ou direitos coletivos, assim considerados os “transidindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base” (art. 81, II, da Lei 8.078/90). 2.4 – No caso da norma que altera a base de cálculo da cota prevista no art. 429 da CLT, todavia, resta evidente que a negociação abrange interesses difusos (art. 83, I, da Lei 8.078/90), pois afeta pessoas indeterminadas que estejam em fase de aprendizagem. 2.5 – Nesses termos, a Cláusula 38 da CCT 2019/2021, aqui debatida, deve ser considerada inválida, por ausência do requisito “agente capaz” previsto no art. 104, I, do Código Civil, pois demonstrado que os Sindicatos réus não possuíam legitimidade para tratar da matéria negociada. Recurso ordinário conhecido e provido ” (ROT-826-72.2019.5.06.0000, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 17/12/2021).
“I – AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA – PROVIMENTO. CONTRATO DE APRENDIZAGEM. BASE DE CÁLCULO. ATIVIDADE DE SERVENTE. Diante de potencial violação do art. 429 da CLT, merece processamento o recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. II – RECURSO DE REVISTA.   CONTRATO   DE   APRENDIZAGEM.   BASE   DE   CÁLCULO. ATIVIDADE DE SERVENTE. 1. O critério para a fixação da base de cálculo para contratação de aprendizes, por estabelecimento empresarial, deve obedecer às disposições contidas no Decreto nº 5.598/2005, respeitados os termos da Classificação Brasileira de Ocupações, elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e atender os pressupostos estabelecidos nos arts. 428 e 429 da CLT. 2. No caso, a função de servente (código 5143-20), que consta da CBO e demanda formação profissional, independentemente de ser, em alguns casos, proibida para menores de dezoito anos, inclui-se na base de cálculo em questão, nos termos do art. 10, § 2º, do Decreto nº 5.598/05. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido” (RR-10966- 60.2013.5.01.0051, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 26/11/2021).

Dessa forma, foi observado que, em todos os Tribunais pesquisados, entende-se que é obrigatória a inclusão da função de servente na base de cálculo para a contratação de aprendizes, em consonância com a jurisprudência do TST.

4.1.3  Da função de faxineiro

Do mesmo modo, os sindicatos e as empresas argumentam que a função de faxineiro não demandaria formação profissional metódica, motivo pelo qual seria possível sua exclusão da base de cálculo para o cumprimento da cota de aprendizagem.

Contudo, tal ocupação é prevista na CBO sob o código 5143-20, e há a previsão de que a ocupação de faxineiro demanda formação profissional.

Os sindicatos afirmam também não existir curso profissionalizante para tal função e que esta não demandaria a realização de tarefas metodicamente organizadas em complexidade progressiva, conforme determina o art. 44 do Decreto n. 9.579/2018 e o art. 428, § 4º, da CLT.

Por isso, a ocupação de faxineiro não contribuiria, na prática, para a formação educacional dos jovens eventualmente contratados como aprendizes.

Haveria, ainda, “um certo desinteresse do público-alvo nas vagas ofertadas, o que dificulta a contratação de jovens aprendizes” (TRT da 18ª Região, ROT – 0010578- 29.2019.5.18.0002).

Assim, dado o desinteresse na participação dos jovens em programas de qualificação na função de faxineiro, haveria uma espécie de “ônus diabólico” para as empresas, que se veem impossibilitadas de cumprirem o quantitativo legal (TRT da 18ª Região, ROT – 0010578- 29.2019.5.18.0002).

O desinteresse também se justifica pelo fato de que, nas localidades em que o curso profissionalizante é ofertado, a idade mínima para o ingresso seria de 18 anos. Contudo, a partir de 18 anos, os empregadores já poderiam efetivar o jovem como profissional, e não como jovem aprendiz. Dessa forma, a aprendizagem na função de faxineiro não atenderia à adequada formação do aprendiz, já que não seria necessária qualquer qualificação técnica para o exercício dessa profissão.

Em pesquisa no Tribunal Regional da 1ª Região, foi encontrada decisão desconsiderando a atividade de faxineiro para a contratação de aprendizes, adotando o argumento de que a função não depende de formação específica:

CONTRATAÇÃO DE APRENDIZES. INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DA COTA PREVISTA NO ART. 429 DA CLT. Para a atividade constar da base de cálculo do quantitativo de aprendizes, deve demandar formação profissional ou técnico-profissional. As atividades de faxineiro/limpadores e de encarregados/auxiliares gerais de conservação não necessitam de formação específica e são eminentemente práticas, precisando, apenas, de singelo treinamento. Não se há de falar, assim, em sua inclusão na base de cálculo para a cota de aprendizes. (TRT 1. 0100275-93.2016.5.01.0049 – DEJT 17-05-2017. 6ª Turma. Des. Rel. Marcos de Oliveira Cavalcante. Julgamento em 03/05/2017).

Entretanto, há decisões recentes encontradas no TRT da 1ª Região no sentido de incluir a função de faxineiro na base de cálculo, já que expressamente prevista na CBO:

CONTRATO DE APRENDIZAGEM. COTA DE MENOR APRENDIZ.
CONDOMÍNIO RESIDENCIAL. 1. As atividades de porteiro, faxineiro e servente, desempenhadas por empregados contratados pelo condomínio autor, estão previstas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), estando, por conseguinte, elencadas no rol das atividades a serem destinada a cotas de contratação de jovens aprendizes.
2. Contudo, de acordo com o Código Civil, o conceito de estabelecimento, previsto no artigo 429 da CLT, não abarca os condomínios residenciais, porquanto não exercentes de atividade empresária. Recurso desprovido. (TRT 1. 0101646-59.2019.5.01.0511 – DEJT 2021-08-25. 8ª Turma. Des Rel. Alexandre Teixeira de Freitas Bastos Cunha. Julgamento em 11/08/2021).

Em busca na base de jurisprudência dos demais Tribunais Regionais do Trabalho, foram encontrados alguns acórdãos que entenderam pela exclusão dessa função na base de cálculo da aprendizagem, conforme julgados abaixo elencados:

RECURSO ORDINÁRIO DA REQUERENTE. AÇÃO ANULATÓRIA. AUTO DE INFRAÇÃO. CONTRATO DE APRENDIZAGEM. BASE DE CÁLCULO. FAXINEIRO. EXCLUSÃO. Nos termos do art. 429 da CLT, os estabelecimentos de qualquer natureza devem contratar aprendizes equivalentes a 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, incluídas, na base de cálculo, todas as funções que demandem formação profissional. No caso concreto, embora a função de faxineiro esteja elencada na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, consoante art. 10 do Decreto n. 5.598/2005, na prática, não demanda formação profissional, devendo a mesma ser excluída da base de cálculo do quantitativo de aprendizes. Recurso Ordinário da requerente provido, no aspecto. (TRT 6ª Região – Processo: ROT – 0000541- 40.2019.5.06.0013, Redator: Andrea Keust Bandeira de Melo, Data de julgamento: 16/12/2020, Primeira Turma, Data da assinatura: 17/12/2020).
EMENTA: TRABALHADOR APRENDIZ. BASE DE CÁLCULO DA COTA PARA CONTRATAÇÃO. FUNÇÕES QUE EXIJAM FORMAÇÃO PROFISSIONAL. Nos termos do artigo 429 da CLT, as empresas são obrigadas a empregar aprendizes em quantidade equivalente a 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional. Devem ser consideradas como funções que demandem formação profissional aquelas constantes da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, conforme previsão contida no art. 10 e parágrafos do Decreto nº 5.598/05. Em que pese estarem inseridos na CBO, restou demonstrado que a função de faxineiro, na prática, não exige formação profissional, e que inexistem cursos profissionais disponíveis para respectivo cargo, nesta localidade. Devem ser excluídos, portanto, da base de cálculo do número de aprendizes a serem contratados pela ré, aqueles trabalhadores que exercem as funções de limpador/faxineiro. Recurso ordinário ao qual se dá parcial provimento. (TRT da 6ª Região. Processo n. 0000818-28.2015.5.06.0003. Des. Rel. MARIA CLARA SABOYA A. BERNARDINO. Julgamento em 24/07/2017).

É cabível observar que, no âmbito do TST, também há decisões em ambos os sentidos. Os precedentes mais recentes indicam pela possibilidade de inclusão da função de faxineiro na base de cálculo:

“RECURSO DE REVISTA REGIDO PELO CPC/2015 E PELA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 40/2016 DO TST. AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO POR AUDITOR FISCAL DO TRABALHO. VALIDADE. VERIFICAÇÃO DO DESCUMPRIMENTO DA BASE DE CÁLCULO PARA AFERIÇÃO DO NÚMERO DE APRENDIZES A SEREM CONTRATADOS. INCLUSÃO DAS FUNÇÕES DE GARI, FAXINEIRO, SERVIÇOS GERAIS DE LIMPEZA, COLETOR   DE   RESÍDUOS   SÓLIDOS   E   MOTORISTA.   CONTRATO   DE APRENDIZAGEM. POSSIBILIDADE. Trata-se de ação anulatória de autos de infração aplicada a empresa de limpeza urbana em razão da não contratação de aprendizes em número equivalente ao percentual mínimo de 15% das funções que demandam formação profissional. No caso, a controvérsia cinge-se em saber se as funções de gari, faxineiro, serviços gerais de limpeza, coletor de resíduos sólidos e motorista podem integrar a base de cálculo para aferição do número de aprendizes que serão contratados pela empresa, ante o disposto no artigo 429 da CLT. O artigo 52, caput , do Decreto nº 9.579/2018 define com clareza que , para a base de cálculo das funções que demandam formação profissional , “deverá ser considerada a Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho”. Ainda, o § 1º do mencionado dispositivo legal é expresso ao excluir da base de cálculo , para contratação de aprendizes, apenas os cargos que exigem habilitação profissional de nível técnico ou superior, assim como os cargos de direção. A jurisprudência desta Corte entende que as funções em questão devem integrar a base de cálculo utilizada para a definição do número de aprendizes a serem contratados pelas empresas, diante do disposto no artigo 10, § 1º, do Decreto nº 5.598/2005 (atual artigo 52, § 1º, do Decreto nº 9.579/2018), norma que regulamenta a contratação de aprendizes e prevê a inclusão na base de cálculo de todas as funções inseridas na Classificação Brasileira de Ocupações do MTE. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido” (RR- 706-84.2017.5.12.0015, 2ª Turma, Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 03/11/2021).

Ressalte-se que, do mesmo modo que no Tribunal Regional da 1ª Região, foram encontradas decisões um pouco mais antigas que entenderam pela possibilidade de exclusão da função de faxineiro no cálculo do número de aprendizes que devem ser contratados:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO TRABALHISTA. ARTIGO 429, CAPUT , DA CLT. PERCENTUAL DE APRENDIZES. FAXINEIRO E CARREGADOR DE ARMAZÉM. NÃO PROVIMENTO. À luz da CLT e do Decreto nº 5.598/2005, a formação técnico-profissional constitui requisito indispensável à validade do contrato de aprendizagem e, nessa condição, reclama a execução de atividades práticas e teóricas, sujeitas a metodologia específica (artigo 6º do Decreto), o que pressupõe o ministério de aulas teóricas. Não basta, portanto, o mero registro na Classificação Brasileira de Ocupações para que a função integre a base de cálculo do número de aprendizes exigidos nos moldes do artigo 429 da CLT. Imprescindível, para esse fim, que a função efetivamente exija formação técnico- profissional metódica, sob orientação de uma das entidades qualificadas nos incisos do artigo 8º do Decreto nº 5.598/2005 (Senai, Senac, Senar, Senat, por exemplo). Se nos quadros da empresa há funções que não demandam formação técnico-profissional metódica, na acepção da Lei e do Decreto nº 5.598/2005, como, no caso, as de faxineiro e carregador (armazém), tais funções não devem compor o cálculo do percentual de empregados, por estabelecimento, a servir de base para a contratação de aprendizes, nos termos em que disposto no artigo 9º do aludido Decreto . Agravo de instrumento a que se nega provimento” (AIRR-692-68.2010.5.04.0662, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 17/08/2018).

Dessa forma, apesar de, atualmente, no âmbito do TST, haver o entendimento de que a função de faxineiro deva integrar a base de cálculo, ainda há divergência jurisprudencial sobre o assunto.

4.1.4  Da função de motorista

Outra função que os sindicatos costumam excluir da base de cálculo por meio de negociação coletiva é a função de motorista. Isso se dá sob o fundamento de que a função de motorista exige habilitação especial, estando, portanto, excluída da base de cálculo, tendo como base a antiga redação do art. 52 do Decreto n. 9.579.

Esse artigo foi modificado pelo recentíssimo Decreto n. 11.061/2022, que passou a prever que deverão ser incluídas na base de cálculo as “funções que demandem formação profissional, independentemente de serem proibidas para menores de dezoito anos de idade”.

Contudo, os sindicatos, com base na redação anterior, entendiam que, se a sociedade empresária não pode contratar o aprendiz para a função de motorista, por exigir habilitação especial, tal função também não deveria compor a base de cálculo dos aprendizes. Afirmam que tal função não demandaria formação profissional, mas sim, habilitação profissional. Assim, caso a pessoa já tivesse cumprido com todos os requisitos para exercer as atividades de motorista, não seria mais aprendiz, e, sim, profissional habilitado, esvaziando o propósito da Lei n. 10.097/2000 (TRT da 4ª Região, processo n. 0020221-86.2020.5.04.0512).

Outro argumento utilizado é o de que a atividade de motorista seria contrária à natureza da formação profissional, pois, em diversos casos, é necessária a realização de viagens intermunicipais, interestaduais e até mesmo fora do território brasileiro, o que exigiria do motorista longos dias longe de sua residência e não se coadunaria com o objetivo da aprendizagem e com a necessidade de frequência escolar (vide processo n. 1000157- 27.2019.5.02.0060, do TRT da 2ª Região).

O fato de haver exposição a calor, ruído e vibração, o que caracteriza a atividade como insalubre, principalmente no caso de transporte coletivo de passageiros, também limitaria a contratação de jovens abaixo de 18 anos.

Os sindicatos também afirmam que o horário de trabalho especial dos motoristas não seria compatível com a limitação da jornada dos trabalhadores aprendizes imposta pelo art. 432 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Além disso, motoristas profissionais de caminhão que transportam cargas perigosas também poderiam ser excluídos da base de cálculo, pois, de acordo com o art. 145 do Código de Trânsito Brasileiro, devem ser aprovados “em curso especializado e em curso de treinamento de prática veicular em situação de risco, nos termos da normatização do CONTRAN”.

Dessa forma, ao promover a contratação de aprendizes nas funções de motorista, haveria risco não só para os jovens, mas também para a coletividade, já que os aprendizes não teriam a formação completa requerida pela lei.

Cabe mencionar que as ocupações de motorista são previstas na Classificação Brasileira de Ocupações como funções que demandam formação profissional para efeito do cálculo do número de aprendizes a serem contratados.

Em diversos Tribunais, há decisões que permitem a exclusão dos empregados motoristas da base de cálculo, como se verifica abaixo:

“Contrato de aprendizagem. Base de cálculo. Empregados motoristas. Art. 429 da CLT. Aplicação. Ainda que o art. 429 da CLT estabeleça obrigações às empresas de empregar e matricular aprendizes nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem previstas nas normas legais e administrativas que cuidam da matéria, entendo que o preceito não se aplica para a atividade de motorista de transporte coletivo de passageiros, de escolares, de emergência ou de produto perigoso, vez que o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) exige que o condutor tenha, no mínimo, 21 anos de idade, além de ser aprovado em curso de treinamento de prática veicular em situação de risco, consoante normas editadas pelo CONTRAN, situação que não se confunde com a expressão “formação técnico-profissional metódica” disposta no art. 428 da CLT. Se o trabalhador já estivesse cumprido os requisitos para o exercício das atividades de motorista profissional, após todas as etapas previstas nas normas legais e administrativas que cuidam da matéria, não seria mais, com a devida vênia, aprendiz. Recurso Ordinário provido” (TRT da 2ª Região. Processo n. 1000360- 13.2018.5.02.0031. Rel. Des. JULIANA WILHELM FERRARINI PIMENTEL.Julgamento em 29/10/2018).
CÁLCULO DO NÚMERO DE APRENDIZES – EXCLUSÃO DA FUNÇÃO DE MOTORISTA E DAS FUNÇÕES QUE EXPONHAM O APRENDIZ À SITUAÇÃO DE RISCO, COMO AS DE ELETRICISTA E DE LEITURISTA – INTELIGENCIA DO §1º DO ART. 52 DO DECRETO 9579/2018 – ANULAÇÃO DOS AUTOS DE INFRAÇÃO – PROCEDENCIA. O número de aprendizes deve ser contado sem a inclusão de motoristas, porque não permite o aprendizado da profissão sem ter habilitação para dirigir veículo, bem como de eletricistas e leituristas, haja vista que submetem seu ocupante, aprendiz, a situação de risco, o que é vedado pela lei maior, o que é suficiente para autorizar a anulação dos autos de infração lavrados pela fiscalização do trabalho. (TRT da 8ª Região; Processo: 0000964-10.2018.5.08.0003 RO; Data: 22/05/2019; Órgão Julgador: 1ª Turma; Relator: MARCUS AUGUSTO LOSADA MAIA).
COTAS DA CONTRATAÇÃO DE APRENDIZES. BASE DE CÁLCULO.
FUNÇÃO DE MOTORISTA. EXCLUSÃO. Segundo disciplina do art. 429 da CLT, os “estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional”. Por força de tal preceito, a necessária habilitação profissional específica, exigida por lei e pelas normativas oriundas do Conselho Nacional de Trânsito, para o exercício da função de motorista, impede seja a atividade computada na base de cálculo da cota para a contratação de aprendizes. (TRT da 12ª Região – ROT – 0002120- 24.2016.5.12.0025 , LIGIA MARIA TEIXEIRA GOUVEA , 5ª Câmara , Data de Assinatura: 20/02/2019)
COTA DE CONTRATAÇÃO DE APRENDIZ. MOTORISTA DE ÔNIBUS. NÃO APLICABILIDADE. AS NORMAS DE INSERÇÃO E QUALIFICAÇÃO DE APRENDIZ NO MERCADO DE TRABALHO DEVEM SER OBSERVADAS COM TEMPERANÇA, CABENDO SUA FLEXIBILIZAÇÃO QUANDO O CASO CONCRETO ASSIM O EXIGIR, TANTO EM RAZÃO DA PROTEÇÃO DA HIGIDEZ FÍSICA E PSÍQUICA DO PRÓPRIO TRABALHADOR, COMO TAMBÉM NOS CASOS EM QUE NÃO SE VERIFICAR QUE O TRABALHO COMO APRENDIZ LHE GARANTA A AQUISIÇÃO EFETIVA DA FORMAÇÃO TÉCNICO-PROFISSIONAL. (TRT da 19ª Região, Processo: 0001476-53.2010.5.19.0007. Relator(a): Eliane Arôxa. Publicação: 16/08/2012).
RECURSO ORDINÁRIO. MENOR APRENDIZ. COTA DE APRENDIZES. MOTORISTA DE TRANSPORTE COLETIVO. HABILITAÇÃO ESPECÍFICA.
INVIABILIDADE DE CONTRATAÇÃO. Conforme se extrai dos autos, a para autora é empresa que tem como objeto o transporte intermunicipal de passageiros entre cidades e Estados diversos da sua sede. Não obstante verificar-se que a atividade de motorista não se encaixa propriamente em formação técnico-profissional, na forma prevista no art. 52, § 1º, do Decreto nº 9.579/18, ainda que demande uma formação especializada, mesmo assim mostram-se procedentes os argumentos da recorrente quanto à impossibilidade de contratação de aprendiz. É que, considerando que as rotas de empresas de transporte de passageiros são previamente fixadas pelo poder público com definição de horários e percursos, é evidente que a contratação de aprendiz na função de motorista mostra-se de fato inviável, dada a impossibilidade de cumprimento da jornada, bem como das condições que a legislação impõe. Recurso ordinário provido. (TRT da 22ª Região. 00001373-59.2019.5.22.0003, Rel. Manoel Edilson Cardoso 2a Turma, julgado em 08/09/2020).

Também foram encontrados precedentes que afirmam que, por mais que os motoristas devam ser incluídos na base de cálculo, o percentual de contratação pode ser diminuído, em virtude de a referida função exigir a idade mínima de 21 anos:

RECURSO ORDINÁRIO. CONTRATO DE APRENDIZAGEM. ADMISSÃO OBRIGATÓRIA. COTA. BASE DE CÁLCULO. ART. 429 DA CLT. INCLUSÃO DOS EMPREGADOS MOTORISTAS. POSSIBILIDADE. O artigo 429 da CLT
dispõe que os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a contratar menores aprendizes no percentual de cinco a quinze por cento dos trabalhadores existentes no estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional. Nesse contexto, não há razão para excluir da base de cálculo do número de aprendizes a serem contratados os empregados que exercem a função de motorista. No entanto, tendo em vista a circunstância de a referida função exigir a idade mínima de 21 anos, que limita o número de aprendizes, e objetivando possibilitar que a recorrente possa cumprir a lei, é bastante razoável a tese adotada pelo TST, no sentido de que se possa, aplicando-se o princípio da proporcionalidade, autorizar um percentual menor de contratação dos jovens aprendizes. Precedentes. (TST-RR-409-11.2013.5.02.0431). Recurso parcialmente provido. (TRT da 7ª Região; Processo: 0000485- 02.2018.5.07.0017; Data: 01-10-2019; Órgão Julgador: OJ de Análise de Recurso – OJC de Análise de Recurso; Relator(a): JEFFERSON QUESADO JUNIOR)
CONTRATO DE APRENDIZAGEM. CRITÉRIO DE CÁLCULO PARA O NÚMERO DE APRENDIZES A SEREM CONTRATADOS. FUNÇÃO DE MOTORISTA. PROPORCIONALIDADE. ART. 145, DA LEI Nº 9.503/97. A
Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, na parte relativa à função de motorista de ônibus urbano, deixa claro que esta ocupação demanda formação profissional, pois não está enquadrada nas exceções previstas no art. 10 do Decreto n. 5.598/2005. Portanto, deve ser considerada para os efeitos de cálculo do número de aprendizes a serem contratados pela empresa nos termos do art. 429 da CLT. Entretanto, em face da limitação da idade e da exigência de habilitação específica, a porcentagem mínima da contratação de jovens aprendizes na função de motorista deve ser proporcional à faixa etária. Assim, e considerando-se que o contrato de aprendizagem para os jovens aprendizes na função de motorista terá, no máximo, três anos, mantém-se a exigência mínima de 1,5% de aprendizes nesse ofício, observando a idade mínima de 21 anos.Recursos conhecidos e negados provimentos. (TRT da 7ª Região; Processo: 0000566-06.2017.5.07.0010; Data: 19-04-2019; Órgão Julgador: OJ de Análise de Recurso – OJC de Análise de Recurso; Relator(a): FRANCISCO JOSÉ GOMES DA SILVA).
CONTRATO DE APRENDIZAGEM. COTA DE APRENDIZES MOTORISTAS.
Ainda que a função de motorista de veículos de cargas em geral esteja prevista na Classificação Brasileira de Ocupações e não se refira a uma das exceções previstas no art. 52 do Decreto nº 9.579/2018, o exercício do referido cargo exige idade superior a 21 anos, por demandar habilitação específica para dirigir caminhão. Desse modo, a melhor resolução para a controvérsia, a qual confere uma interpretação justa e equilibrada à letra da lei, é aquela que fixa a cota de contratação de aprendizes de maneira proporcional à faixa etária exigida para o exercício da função de motorista de veículos de cargas em geral. Assim, considerando a limitação de idade em que o parâmetro para a contratação de aprendiz motorista é reduzido para a faixa etária compreendida de 21 a 24 anos, o percentual dos respectivos contratos de aprendizagem também deve ser proporcionalmente reduzido para 1,5% do total de trabalhadores ocupantes do cargo de motorista de veículos de cargas em geral. (TRT da 12ª Região – ROT – 0000636-20.2021.5.12.0050, MARIA BEATRIZ VIEIRA DA SILVA GUBERT , 4ª Câmara , Data de Assinatura: 11/11/2021)

Esse entendimento já foi adotado há alguns anos pelo TST:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. CONTRATO DE APRENDIZAGEM. EMPREGADOS MOTORISTAS E COBRADORES DE ÔNIBUS. BASE DE CÁLCULO PARA AFERIÇÃO DO NÚMERO DE APRENDIZES A SEREM CONTRATADOS.
PROPORCIONALIDADE. Agravo de instrumento a que se dá provimento para determinar o processamento do recurso de revista, uma vez que constatada possível violação aos artigos 428 e 429 da CLT . RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. CONTRATO DE APRENDIZAGEM. EMPREGADOS MOTORISTAS E COBRADORES DE ÔNIBUS. BASE DE CÁLCULO PARA AFERIÇÃO DO NÚMERO DE APRENDIZES A SEREM CONTRATADOS. PROPORCIONALIDADE. A Consolidação das Leis do Trabalho, em seus artigos 428, caput , e 429, caput , trata, expressamente, do contrato de aprendizagem e da obrigação dos estabelecimentos de qualquer natureza de admitir aprendizes em número equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos empregados existentes em cada um, cujas funções demandem formação profissional. Analisando os termos do artigo 428, caput , da CLT, com redação dada pela Lei nº 11.180/05, verifica-se que o contrato de aprendizagem não se restringe ao menor, sendo possível haver a contratação de aprendizes maiores de 14 anos e menores de 24 anos. Consoante o contexto fático delineado pelo Tribunal Regional, o presente caso trata das funções de motorista e de cobrador de ônibus, que demandam formação profissional e estão incluídas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Assim, além de exigirem formação profissional, nos exatos termos do artigo 429 da CLT, não estão inseridas dentre as exceções previstas no artigo 10, § 1º, do Decreto nº 5.598/05, não existindo qualquer justificativa para excluir os empregados que exercem tais funções da base de cálculo do número de aprendizes a serem contratados. Contudo, para conduzir veículo de transporte coletivo de passageiros há a exigência no Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97), nos incisos I e IV do artigo 145, de ser maior de 21 anos e aprovado em curso especializado e em curso de treinamento de prática veicular em situação de risco, nos termos da normatização do CONTRAN. Dessa forma , a contratação de aprendizes para essa função está limitada aos maiores de 21 e menores de 24 anos. Já a função de cobrador de ônibus está limitada aos maiores de 18 e menores de 24 anos, pois se trata de atividade insalubre por exposição ao calor, ruído e/ou vibração, bem como há o trabalho com valores em ambiente externo, ou seja, atividades vedadas aos menores de 18 anos, de acordo com o disposto no artigo 405, I, da CLT. Logo, para efeito de cálculo do número de aprendizes, não há impedimento à inserção dos que possuem idade superior a 18 e inferior a 24 anos. Todavia, em razão da limitação de idade e da exigência de habilitação específica, a percentagem mínima de contratos de aprendizagem em relação aos motoristas e cobradores de ônibus existentes na empresa deve ser proporcional à faixa etária que podem ser contratados desta forma. Assim, na função de motorista de ônibus, em que o parâmetro etário é reduzido de 21 até antes de 24 anos, o contrato de aprendizagem terá, no máximo, três anos, sendo proporcional a exigência mínima de 1,5% de aprendizes nesse ofício. E, na função de cobrador de ônibus, em que a idade deve ser de 18 até antes de 24 anos, o referido contrato terá, no máximo, seis anos, sendo proporcional a exigência de, no mínimo, 3% de aprendizes nessa atividade . Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento parcial” (RR-776-56.2013.5.04.0018, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 06/11/2015).

Contudo, na maioria das decisões pesquisadas no âmbito dos Tribunais Regionais, entende-se, atualmente, pela impossibilidade de exclusão dessa função na base de cálculo da cota legal da aprendizagem.

A jurisprudência atual do TST entende pelo cômputo da função de motorista para integrar a base de cálculo total dos aprendizes:

“AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. CONTRATO DE APRENDIZAGEM. BASE DE CÁLCULO PARA AFERIÇÃO DO NÚMERO DE APRENDIZES. MOTORISTA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA . No caso concreto, a matéria impugnada – inclusão dos motoristas na base de cálculo para aferição do número de aprendizes – não possui transcendência econômica, política, jurídica ou social. Com efeito, não há valores pecuniários elevados, o que revela a falta de transcendência econômica. A decisão do Tribunal Regional não contraria Súmula ou Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho ou Súmula do Supremo Tribunal Federal, nem contraria jurisprudência pacífica e reiterada desta Corte Superior. Ao revés, prevalece neste Tribunal Superior o entendimento de que a função de motorista deve integrar a base de cálculo para a aferição do número de aprendizes que serão contratos pela empresa, a despeito destas exigirem habilitação específica nos termos do código de trânsito brasileiro, conforme determina o art. 429 da CLT. Por outro lado, a controvérsia dos autos não afeta matéria nova atinente à interpretação da legislação trabalhista, pelo que não há transcendência jurídica. Por fim, não há transcendência social, porquanto o recurso não foi interposto pelo reclamante na defesa de direito social constitucionalmente assegurado (art. 896-A, § 1º, III, da CLT). Agravo não provido, por ausência de transcendência ” (Ag-AIRR-20016- 11.2020.5.04.0204, 8ª Turma, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 04/07/2022).
“AGRAVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO DE REVISTA. CONTRATAÇÃO DE APRENDIZES. INCLUSÃO DOS EMPREGADOS MOTORISTAS NA BASE DE CÁLCULO. POSSIBILIDADE. A jurisprudência desta Corte sedimentou o entendimento de que as funções de motorista de ônibus e cobrador não estão excluídas do quantitativo de empregados a ser considerado para efeito de apuração do número de aprendizes a serem admitidos. A alegação da existência de precedente Turmário em sentido contrário aos julgados que embasaram a decisão ora agravada, provenientes da SDI-1 do TST, não impulsionam o acolhimento do pedido. Não prospera o agravo da parte, dadas as questões jurídicas solucionadas na decisão agravada. Em verdade , a parte só demonstra o seu descontentamento com o que foi decidido. Não merece reparos a decisão. Agravo não provido ” (Ag-ED-RR-101268-96.2017.5.01.0051, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 01/07/2022).
“RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. CONTRATO DE APRENDIZAGEM. INCLUSÃO DOS MOTORISTAS NA BASE DE CÁLCULO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. DECISÃO EM DESCONFORMIDADE COM A REITERADA JURISPRUDÊNCIA DO TST. Esta Corte tem firme jurisprudência no sentido de que as funções que demandam formação profissional, nos termos do artigo 429 da CLT, como a de motorista, a despeito de estas exigirem habilitação específica nos termos da legislação de trânsito brasileira, devem ser incluídas na base de cálculo da cota de aprendizes a serem contratados pela empresa, haja vista não estarem inseridas nas exceções previstas no artigo 10, § 1º, do Decreto nº 5.598/05, devendo apenas ser observada a limitação da permissão para contratação do trabalhador aprendiz com idade entre 21 e 24 anos para o cargo de motorista. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido ” (RR-100764-16.2018.5.01.0032, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 01/07/2022).

No caso dos motoristas, apesar de o entendimento atual ser pela inclusão da função na base de cálculo, deve ser feita a ressalva de que deve ser observada a limitação da permissão para contratação do trabalhador aprendiz com idade entre 21 e 24 anos para o cargo de motorista (Processo n. TST-RR-17032-50.2013.5.16.0015).

4.2  DO POSICIONAMENTO ADOTADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

O Ministério Público do Trabalho (MPT), um dos ramos do Ministério Público da União, possui um amplo espectro de atribuições, atuando não só não só no clássico âmbito judicial, mas também, com grande intensidade, fora dele. Isto ocorre seja numa vertente investigativa/reparadora/restauradora, seja numa vertente de promoção de interesses (CRUZ, 2019).

O MPT atua na fiscalização do cumprimento da legislação trabalhista quando há interesse público e relevância social. Nesse sentido, uma das principais áreas de atuação do Parquet laboral é na preservação e promoção de direitos sociais fundamentais de crianças e adolescentes.

Dessa forma, é atribuição do MPT adotar as ações necessárias para garantir os direitos violados, seja pela via judicial ou extrajudicial.

Tendo como objetivo “promover, supervisionar e organizar ações contra as variadas formas de exploração do trabalho infantil, dando tratamento uniforme ao referido tema no âmbito do Parquet trabalhista” (MPT, 2022), foi criada a Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes (COORDINFÂNCIA), pela Portaria PGT 299/2000.

Uma das áreas temáticas prioritárias de atuação dessa Coordenadoria é a efetivação de aprendizagem.

Cabe observar que o Ministério Público do Trabalho atua para realizar a concretização do direito fundamental à profissionalização. Assim, age com o objetivo de promover a inserção de adolescentes e jovens no mercado de trabalho de forma protegida.

No âmbito da própria COORDINFÂNCIA, admite-se que há decisões divergentes nos tribunais com relação às funções que demandariam ou não formação profissional para fins de cálculo da cota de aprendizagem:

A definição da base de cálculo da cota por lei com um percentual sobre o número total de empregados eliminará também a discussão recorrente sobre que função demanda ou não formação profissional, discussão essa que tem trazido decisões divergentes entre auditores, empresas, juízes e MPT, causando situação de absoluta insegurança jurídica para as empresas, o que, evidentemente, não se pode admitir como razoável (COORDINFÂNCIA).

Com relação à composição da base de cálculo para aprendizes, o Parquet laboral defende que o critério estabelecido pelo art. 52 do Decreto nº 9.579/2018 é objetivo: para a definição das funções que demandem formação profissional, será considerada a Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho e Previdência. As únicas funções que podem ser excluídas da base de cálculo são aquelas expressamente previstas no §1º do mesmo dispositivo legal.

Tendo tal premissa como base, a COORDINFÂNCIA aprovou, em 19.03.2021, a Orientação Geral nº 23, que dispõe que:

ORIENTAÇÃO N. 23. EMENTA: APRENDIZAGEM PROFISSIONAL. BASE DE CÁLCULO DA COTA LEGAL. IMPOSSIBILIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO. Nos termos do artigo 429 da Consolidação das Leis do Trabalho c/c com o artigo 52 do Decreto nº 9.579/2018, a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) é o critério normativo para fins de definição das funções que demandam formação profissional, base para cálculo da cota legal de aprendizagem profissional. A aprendizagem constitui a concretização do direito à profissionalização abrangido pela proteção integral prevista no artigo 227 da Constituição Federal, a ser assegurado a todos(as) os(as) adolescentes e jovens brasileiros(as). Não é admissível, portanto, a flexibilização da base de cálculo da cota da aprendizagem, para reduzir ou restringir seu alcance, diminuindo-se o número potencial de vagas de aprendizagem profissional no mercado de trabalho. A flexibilização da base de cálculo da cota legal, contrariando as normas jurídicas pertinentes, gera tratamento desigual e prejudicial relativamente aos empregadores que cumprem adequadamente a legislação. O Ministério Público do Trabalho deve adotar as medidas cabíveis, necessárias e disponíveis em face de instrumentos normativos (convenções e/ou acordo coletivos) ou decisões judiciais que eventualmente estabeleçam a flexibilização da base de cálculo da cota legal, não sendo possível, por consequência lógica, a celebração de Termos de Ajuste de Conduta ou acordos judiciais em contrariedade ao disposto no artigo 429 da CLT e no artigo 52 do Decreto nº 9.579/2018 (APROVADA na I Reunião Nacional Extraordinária de 2021).

O entendimento institucional do MPT, firmado no Protocolo de Orientação Conjunta Intercoordenadorias (CONALIS/COORDIGUALDADE/COORDINFÂNCIA) é o de que

“as ações afirmativas de cotas sociais atendem a interesse transindividual de toda a sociedade, razão pela qual são indisponíveis, não podendo ser objeto de negociação coletiva e/ou norma coletiva com intuito de flexibilizar, reduzir ou suprimir seu conteúdo, em virtude da indisponibilidade dos interesses difusos e coletivos” (MPT, 2021).

Entende-se que as políticas públicas de ações afirmativas não podem ser objeto de negociação coletiva que reduza ou restrinja seu conteúdo, por retratarem políticas sociais de interesse de toda a sociedade brasileira e, assim, dizerem respeito a interesses difusos e indisponíveis.

Portanto, as cláusulas inseridas nas negociações coletivas que pretendam flexibilizar ou, em última instância, reduzir a cota de aprendizes seriam ilícitas e, portanto, inválidas, de acordo com o art. 104, III, do Código Civil Brasileiro.

Outro fundamento para que o Ministério Público do Trabalho busque a anulação de tais cláusulas é a falta de legitimidade dos sindicatos para firmar tais negociações coletivas. Isso porque a autonomia de vontade dos seres coletivos, manifestada mediante os instrumentos normativos autônomos, encontra limite nas normas heterônomas de ordem cogente, que tratam de direitos de indisponibilidade absoluta e normas constitucionais de ordem e de políticas públicas (AACC-1000639-49.2018.5.00.0000, TST).

Dessa forma, o objeto das cláusulas que buscam reduzir ou flexibilizar o cálculo da cota de aprendizes não diria respeito aos interesses coletivos da categoria de empregados e empregadores, mas sim alcança matérias afetas a interesses transindividuais de toda a sociedade. Logo, aos sindicatos faltaria a legitimidade para consentir acerca de tais cláusulas, o que violaria o art. 104, I, do Código Civil, que dispõe que a validade do negócio jurídico requer agente capaz.

As normas sobre políticas públicas não englobariam os interesses das categorias representadas pelos sindicatos; elas alcançam, em verdade, o direito coletivo titularizado por pessoas indeterminadas (empregados e empregáveis das empresas), que seriam os jovens aprendizes.

Além disso, entende-se que o art. 611-B da Consolidação das Leis do Trabalho, ao estabelecer que constitui objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho a supressão ou a redução de medidas de proteção legal de crianças e adolescentes (inciso XXIV), teria vedado a alteração da cota de aprendizagem, que, como visto, trata-se de direito fundamental de crianças, adolescentes e jovens.

Esse entendimento institucional do Ministério Público do Trabalho se coaduna com o entendimento da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho. No art. 2º da Instrução Normativa 146/2018, consolidou-se que:

§ 6º É incluído na base de cálculo do número de aprendizes a serem contratados o total de trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional, utilizando-se como único critério a Classificação Brasileira de Ocupações elaborada pelo Ministério do Trabalho, independentemente de serem proibidas para menores de dezoito anos.
§ 7º Em consonância com o art. 611-B, XXIII e XXIV, CLT, a exclusão de funções que integram a base de cálculo da cota de aprendizes constitui objeto ilícito de convenção ou acordo coletivo de trabalho.

Diante dos argumentos elencados, depreende-se que não há razão para que os sindicatos possam inserir em instrumentos normativos a previsão de que as empresas podem descumprir a obrigação legal de contratação de aprendizes no número determinado pela lei.

Por óbvio, não pretende o MPT que os menores de 18 anos sejam contratados para o exercício de funções perigosas ou insalubres, mas que tais funções sejam incluídas na base de cálculo para fins da obtenção da cota de aprendizagem.

Poderia o empregador, portanto, contratar aprendizes maiores de 18 anos para laborar nas funções que sejam consideradas proibidas para menores.

Antes da entrada em vigor do recentíssimo Decreto 11.061/2022, o MPT também defendia que os trabalhadores aprendizes pudessem ser contratados em outras funções, como as administrativas, já que a norma legal não estabelecia o atrelamento entre as funções existentes em cada sociedade empresária e a contratação de aprendizes para laborar em cada uma delas.

É cabível ressaltar que compete ao Ministério Público do Trabalho (MPT) “propor as ações cabíveis para declaração de nulidade de cláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores”, nos termos do art. 83 da Lei Complementar n. 75/93.

Ao entender incabível a redução da cota de aprendizagem por meio de inserção de cláusula nas negociações coletivas, cabe ao MPT propor ação anulatória, questionando a validade da cláusula da norma coletiva, e com o pedido de que o Poder Judiciário declare a nulidade da cláusula.

O Enunciado nº 25 da Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público do Trabalho elenca os instrumentos que podem ser utilizados pelo MPT para o combate a tal irregularidade:

COTAS SOCIAIS. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO OU SUPRESSÃO DA COTA LEGAL POR MEIO DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA. 1. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO. O art. 93 da Lei n° 8.213/91 não faz qualquer ressalva ao cálculo da cota para contratação de pessoas com deficiência, que deve considerar o número de trabalhadores existentes na empresa. Qualquer interpretação que reduza a incidência dessa previsão constitui discriminação a teor da Constituição Federal (art. 5°), da Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU, ratificada pelo país, com status de emenda constitucional e da Lei Brasileira de Inclusão, Lei n° 13.146/2015. Inclusive, o art. 611-B da CLT, inciso XXII, é expresso a respeito, seguindo os princípios dessa legislação. 2. APRENDIZAGEM. A contratação de aprendizes segue a previsão contida no art. 429 da CLT na proporção de 5% a 15% das funções que demandam aprendizagem em cada estabelecimento da empresa. Para fins do cálculo da cota devem ser consideradas as funções que demandam aprendizagem descritas na Classificação Brasileira de Ocupações, a teor do art. 52, do Decreto n° 9.579/2018, ainda que proibidas a pessoas com idade inferior a 18 anos. Trata-se de direito fundamental do adolescente, do jovem e da pessoa com deficiência, que não pode ser reduzido ou suprimido. A disposição contida no art. 611-B da CLT, inciso XXIV é expressa nesse sentido. 3. Em ambos os casos, em se tratando de procedimento de investigação sobre o cumprimento das respectivas cotas, impõe-se a atuação do Ministério Público do Trabalho para atendimento da obrigação legal. Existindo instrumento coletivo prevendo redução ou supressão do percentual exigido pela lei, será necessário também adotar medidas para inibir a renovação da cláusula contrária a normas de ordem pública, sem prejuízo do ajuizamento de eventual ação anulatória. (MPT, 2021).

O Tribunal Superior do Trabalho já se posicionou acerca da legitimidade do Ministério Público para propor ação anulatória de cláusula que limita a base de cálculo da cota de aprendizes:

“RECURSO ORDINÁRIO PATRONAL EM AÇÃO ANULATÓRIA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO – LIMITAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DA COTA DE DEFICIENTES E APRENDIZES PARA A FUNÇÃO DE MOTORISTA (CLÁUSULAS 20ª e 21ª da CCT 2018)- MATÉRIA QUE ENVOLVE INTERESSES DIFUSOS DE TRABALHADORES NÃO EMPREGADOS – AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE DOS SINDICATOS PATRONAL E OBREIRO PARA DISPOREM   SOBRE   MATÉRIA   QUE   ENVOLVE   PESSOAS   QUE   NÃO
REPRESENTAM – DESPROVIMENTO. 1. A Constituição Federal de 1988 ampliou substancialmente a competência da Justiça do Trabalho, “dada a própria dicção do art. 114 da Carta Magna, que, diferentemente da Constituição pretérita, que mencionava a conciliação e julgamento de dissídios entre empregados e empregadores (CF 69, art. 142), fala agora em dissídios entre trabalhadores e empregadores. Se a intenção do Constituinte foi abranger não apenas os empregados, mas também os demais trabalhadores (avulsos, temporários, eventuais), atingiu igualmente outros objetivos, dentro do princípio hermenêutico de que “a lei é mais inteligente do que o legislador”: trabalhador, utilizando a terminologia aristotélica, não é somente o empregado in actu, mas também o empregado in potentia , ou seja, o empregável” (cfr. Ives Gandra Martins Filho, “Processo Coletivo do Trabalho”, LTr – 1994 – São Paulo, 1ª edição, pág. 167). 2. Por outro lado, a previsão constitucional de defesa de direitos e interesses individuais e coletivos da categoria é a de que cabe ao sindicato (CF, art. 8º, III). Ao Ministério Público a nossa Carta Política confere titularidade mais ampla, abrangendo a proteção de interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, III). 3. A conceituação desses interesses encontra-se positivada no art. 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), segundo o qual os interesses difusos se referem a pessoas indeterminadas (I) e os coletivos a pessoas pertencentes a um grupo ou categoria (II). A relação jurídica base (com a parte contrária) de que fala o inciso II do parágrafo único do art. 81, como caracterizadora do interesse coletivo, é aquela que se estabelece entre os trabalhadores representados pelo sindicato e a empresa que os emprega, tornando-os trabalhadores empregados. Apenas esses podem ser representados pelo sindicato. 4. Assim, no caso concreto, a limitação da base de cálculo da cota de deficientes e aprendizes, versada nas cláusulas 20ª e 21ª da CCT de 2018 da categoria, é matéria que afeta aos trabalhadores empregáveis e não aos já empregados, razão pela qual se enquadra na categoria dos interesses difusos dos trabalhadores deficientes ou que estão em fase de aprendizagem, por se tratar de pessoas indeterminadas. Nesse sentido, faleceria legitimidade aos sindicatos patronal e obreiro para dispor sobre matéria que diz respeito aos interesses difusos dos trabalhadores, ainda que a cláusula negociada se revista de razoabilidade e atenda ao princípio da proporcionalidade, por se tratar da função de motorista. 5. Por outro lado, o Ministério Público, ao ajuizar a presente ação anulatória, ainda que discutível quanto ao mérito, possui legitimidade ativa para defender os trabalhadores deficientes e aprendizes empregáveis, quando reduzida, por limitação da base de cálculo, a cota de postos de trabalho que poderia albergá-los. 6. Nesses termos, por fundamento diverso, e na esteira de precedente desta Seção de Dissídios Coletivos (AACC-1000639- 49.2018.5.00.0000, Rel. Min. Kátia Magalhães Arruda, julgado em 16/11/20), é de se manter a decisão recorrida, ainda que por fundamento diverso, sem adentrar na legalidade intrínseca das cláusulas sob o prisma da disponibilidade do direito flexibilizado. Recurso ordinário desprovido” (ROT-1000191-85.2019.5.02.0000,
Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Relator Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, DEJT 26/08/2021).

Diante de tais argumentos, o Ministério Público do Trabalho tem levado a discussão para os Tribunais, inclusive os superiores, para que haja a anulação das cláusulas que preveem o contingenciamento da cota de aprendizagem por meio de norma coletiva, já que a aprendizagem profissional constitui política pública que assegura os direitos fundamentais de adolescentes e jovens à profissionalização e à educação, que não se encontra no espaço de transação reconhecido pelo princípio da adequação setorial negociada (COORDINFÂNCIA, 2022).

5  RESULTADOS

O contrato de aprendizagem tem como objetivo a inserção dos adolescentes e jovens no mercado de trabalho, consubstanciando o princípio do desenvolvimento e da proteção de crianças e adolescentes.

Há diversos estudos que mostram o olhar na atividade laboral de adolescentes e jovens como fonte de desenvolvimento e crescimento pessoal (GRAEBIN e outros, 2019, p. 18).

O contrato de aprendizagem busca, portanto, reais condições para que os jovens adquiram qualificação técnica e ingressem e permaneçam no mercado de trabalho.

Entretanto, tal política pública vem sendo alvo constante de flexibilização por meio das negociações coletivas celebradas pelos sindicatos.

Deve-se frisar que a autonomia negocial das entidades sindicais não é absoluta. Ela encontra limites no próprio ordenamento jurídico, e, principalmente quando se desvia de sua finalidade precípua, que é a melhoria das condições sociais do trabalhador, deve ser vista com cautela.

A controvérsia relativa à validade das normas coletivas que limita ou reduz os direitos trabalhistas positivados acabou sendo objeto do Recurso Extraordinário com Agravo 1.121.633/GO, que gerou o Tema 1.046 do Supremo Tribunal Federal (STF).

A repercussão geral foi reconhecida, já que a validade e alcance das pactuações coletivas após a Reforma Trabalhista vem sendo alvo de inúmeros processos nos tribunais trabalhistas.

Em 02 de junho de 2022, o STF, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário, e, por unanimidade, foi fixada a seguinte tese:

“São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”

Prevaleceu, portanto, a tese favorável à prevalência do negociado sobre o legislado. Um dos argumentos para tanto foi o princípio da segurança jurídica e o possível temor dos empregadores em firmar acordos, ante o risco de ter sua validade negada pelo Poder Judiciário. Cabe ressaltar, ainda, a aplicação do art. 8º, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho,

que limitou a possibilidade de anulação pelo Poder Judiciário de cláusulas dos instrumentos coletivos às hipóteses de violação ao art. 104 do Código Civil. Tal artigo veio embasado em diversas críticas feitas à jurisprudência protetiva da Justiça Laboral, que, com base em valores sociais considerados amplos e abstratos, anulavam negócios jurídicos livremente pactuados.

Desse modo, o STF pacificou que as regras autônomas justrabalhistas podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo, mesmo que sejam restritivas dos direitos dos trabalhadores, desde que não transacionem setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade absoluta.

Contudo, examinando a possibilidade de flexibilização da cota legal de aprendizagem por meio da negociação coletiva, o STF entendeu que a temática não guardava estrita relação com o tema 1.046:

Decisão: Trata-se de pedido de tutela de evidência requerida pela Central Brasileira do Setor de Serviços (CEBRASSE), amicus curiae da presente demanda. (eDOC 226) Em 2 de junho de 2020 concedi o pedido para cassar decisão do Processo 1003445- 03.2018.5.02.0000, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, e determinar a suspensão do processo até o julgamento final do tema 1.046, pelo Supremo Tribunal Federal. (eDOC 242)
Entretanto, em nova análise do feito, concluo não estarem presentes os requisitos do art. 311, inciso II, do Código de Processo Civil.
Explico.
Ao apreciar o pedido de tutela de evidência, entendi que a matéria de fundo tratava sobre a validade da prevalência de acordo coletivo que restringe direitos trabalhistas, nos termos acordados entre as partes, o que corresponderia ao tema 1.046, da sistemática da repercussão geral, em que determinada suspensão nacional dos processos.
De nova leitura do julgado acostado, verifico que, em verdade, a temática nele questionada não guarda estrita relação com o tema 1.046.
Isso porque o objeto principal da demanda foi, em síntese, a obrigatoriedade da aplicação legal de cota destinada à aprendizagem profissional de jovens, por parte de empresas de segurança, nos termos do Decreto nº 5.598/2005 (revogado pelo Decreto nº 9.579/2018, que consolidou atos normativos editados pelo Poder Executivo sobre essa temática); e o preenchimento, pelos aprendizes de profissional de vigilância, dos requisitos da Lei nº 7.102/1983, no que concerne à idade mínima de vinte e um anos para porte de arma, exigência para o desempenho da função.
Nestes termos, torno sem efeito decisão monocrática constante do eDOC 242 e nego o pedido de tutela provisória incidental.
Julgo prejudicado o agravo interno interposto pela Procuradoria-Geral da República (eDOC 245)” (ARE 1121633 TPI / GO – GOIÁS. TUTELA PROVISÓRIA INCIDENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. Relator(a):
Min. GILMAR MENDES. Julgamento: 31/05/2022)

Mais recentemente, acórdão de relatoria do Min. Roberto Barroso, prolatado em 07/06/2022, também entendeu que, no caso de previsão em acordo coletivo de trabalho de supressão de funções para composição da base de cálculo da contratação de aprendizes e pessoas com deficiência, há distinção entre o precedente invocado pela parte reclamante (o tema 1.046) e o caso concreto, por ausência de similitude fática e de estrita aderência entre o debate relativo à contratação de aprendizes e o tema 1.046 de repercussão geral (Recurso Extraordinário com Agravo 1.385.318 – Minas Gerais).

O Tribunal Superior do Trabalho também já havia entendido que a controvérsia sobre a possibilidade de redução da base de cálculo da cota legal de aprendizagem não guardava estrita relação com o tema 1.046 do STF:

“AÇÃO ANULATÓRIA. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO FIRMADA ENTRE O SINDICATO NACIONAL DAS EMPRESAS AEROVIÁRIAS E O SINDICATO NACIONAL DOS AERONAUTAS. 1. CONTROVÉRSIA JURÍDICA QUE GIRA EM TORNO DO CUMPRIMENTO DAS COTAS DE CONTRATAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E APRENDIZES. PREVISÃO EM CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO DE SUPRESSÃO DE FUNÇÕES PARA COMPOSIÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. NÃO APLICABILIDADE AO CASO CONCRETO DO QUE DECIDIDO NO AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.121.633 (TEMA 1.046 DA REPERCUSSÃO GERAL). A 1ª Turma da Suprema Corte decidiu, no julgamento da RCL 40.013 AGR/MG, que a controvérsia jurídica que gira em torno do cumprimento das cotas para a contratação de aprendizes e pessoas com deficiência tem assento constitucional previsto nos arts. 7º, XXXI, 203, IV, e 227, caput e § 1º, II. Dessa forma, concluiu que a referida matéria não está abarcada pelo Tema 1046 da Repercussão Geral (Validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente). […]” (AACC-1000639-49.2018.5.00.0000, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 04/12/2020).

Portanto, o Supremo Tribunal Federal não decidiu se a cota destinada à aprendizagem profissional de jovens pode ser flexibilizada ou se tal direito não poderia ser objeto de negociação coletiva.

Conforme exposto, há diversos casos concretos apreciados pelos Tribunais, cada um com peculiaridades referentes a atividades das categorias profissionais e econômicas. A validade jurídica das cláusulas que acabam por reduzir o número final de aprendizes vem sendo objeto de apreciação pelo Poder Judiciário.

A depender da função excluída da base de cálculo, os diversos Tribunais do país têm entendimentos por vezes conflitantes sobre a matéria. Ora reconhecem a legalidade da cláusula, ora reconhecem sua invalidade.

Na pesquisa realizada, verificou-se que há uma tendência atual da jurisprudência a anular as cláusulas que reduzem a base de cálculo dos aprendizes, na maioria das funções pesquisadas (vigilantes, serventes na construção civil, faxineiros e motoristas).

Com relação à função de vigilante, apesar de a maioria dos julgados entender pela impossibilidade de exclusão da função para o cálculo da contratação de aprendizes, também há diversos acórdãos atuais encontrados nos Tribunais Regionais do Trabalho em sentido oposto, entendendo pela possibilidade de exclusão dessa função da base de cálculo.

O mesmo ocorre com relação à função de faxineiro: apesar de alguns acórdãos, lá e cá, entenderem pela possibilidade de exclusão da base de cálculo, a maior parte da jurisprudência atual adota o posicionamento no sentido de ser nula a cláusula que pretenda excluir a função da base de cálculo.

Nos precedentes pesquisados, a função de motorista é a que mais atrai o posicionamento pela possibilidade de exclusão no cálculo da cota de aprendizagem. Entretanto, também foi

verificado que a maioria das decisões recentes encontradas entendem pela impossibilidade de exclusão dessa função na base de cálculo da cota legal da aprendizagem, nos moldes da jurisprudência atual do TST.

Já com relação à exclusão da função de servente na construção civil, todos os acórdãos encontrados são no sentido de não ser válida cláusula que exclui tal função do cálculo dos aprendizes a serem contratados, na mesma linha do entendimento adotado pelo Tribunal Superior do Trabalho.

O entendimento atual do Tribunal Superior do Trabalho quanto à temática sob enfoque pode ser resumido com o recentíssimo acórdão abaixo:

“RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO ANULATÓRIA. CLÁUSULA COLETIVA QUE FLEXIBILIZA A BASE DE CÁLCULO PARA CONTRATAÇÃO DE APRENDIZES E DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. MATÉRIA DE NATUREZA DIFUSA. IMPOSSIBILIDADE DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA. INVALIDADE DA CLÁUSULA. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO.
IMPOSSIBILIDADE. 1 – Nos termos do art. 611 da CLT, a “Convenção Coletiva de Trabalho” é o acordo pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis no âmbito das respectivas representações. 2 – Do conceito de “Convenção Coletiva” delineado pelo legislador, extrai-se que à autonomia coletiva assegurada constitucionalmente aos entes coletivos é dada a criação de normas que versem exclusivamente sobre interesses ou direitos coletivos, porque se impõem a um grupo de empresas e/ou trabalhadores determináveis, ligados entre si por uma relação jurídica base, que é a integração a uma determinada categoria econômica ou profissional. 3 – A própria Constituição Federal, em seu art. 8º, III, deixa isso claro ao estabelecer que “ao sindicato cabe da defesa dos diretos e interesses coletivos e individuais da categoria”. 4 – No caso em questão, a discussão recai sobre a legalidade de cláusula coletiva que flexibiliza a base de cálculo para contratação de aprendizes e de pessoas com deficiência pelas instituições de ensino. 5 – Em que pese haver controvérsia em torno do mérito da previsão normativa, existindo posicionamentos a favor e contra o conteúdo da norma, o fato é que cláusulas dessa natureza sequer podem ser objeto de negociação coletiva, porquanto indubitavelmente versam sobre interesses difusos – de titularidade de pessoas indeterminadas e ligadas por uma circunstância de fato, que, no caso, é a condição de aprendiz ou de deficiente -, sobre os quais os sindicatos não detém legitimidade para dispor. 6 – Precedentes. 7 – Nesses termos, conclui-se que a Cláusula 67 da Convenção Coletiva de Trabalho 2018/2020, aqui debatida, deve ser considerada inválida, por ausência do requisito “agente capaz” previsto no art. 104, I, do Código Civil, pois demonstrado que os sindicatos réus não possuíam legitimidade para tratar da matéria negociada. 8 – Quanto ao pedido sucessivo, não há de se falar em modulação temporal da declaração de nulidade, para que passe a ter eficácia ex nunc, pois inexistem razões de segurança jurídica tampouco excepcional interesse social que imponham a limitação ao natural efeito retroativo (ex tunc) do julgado. Recurso ordinário conhecido e não provido” (ROT-24-56.2020.5.09.0000, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 24/06/2022).

Percebe-se que o TST, atualmente, tem adotado posicionamento consonante com o entendimento institucional do Ministério Público do Trabalho, e anulado as cláusulas que buscam flexibilizar o direito das crianças e adolescentes à inserção no mercado de trabalho.

Por fim, é necessário ressaltar que, em 2022, houve mudança na legislação. O Decreto 11.061/2022 não alterou a previsão de que a definição das funções que demandem formação profissional deve levar em conta a Classificação Brasileira de Ocupações, e, de forma expressa, previu que mesmo as funções proibidas para menores de dezoito anos devem ser incluídas na base de cálculo (art. 52 do Decreto 9.579/2018, com a redação dada pelo Decreto 11.061/2022). O art. 53-A, incluído pela recente alteração legislativa, definiu as hipóteses nas quais é vedada a contratação de aprendizes menores de dezoito anos, mas em nada alterou a

porcentagem para contratação de aprendizes.

Todavia, houve uma importante mudança legislativa no tocante às funções dos aprendizes. Antes, a sociedade empresária poderia escolher livremente as funções nas quais os aprendizes seriam contratados e alocados. Não havia uma relação direta entre a contratação de aprendizes e as funções existentes na empresa.

Agora, com o novo art. 54-A, os empregadores ficam obrigados a inserir os aprendizes em programas de aprendizagem profissional em áreas correlatas e em proporções semelhantes às dos demais trabalhadores do estabelecimento cumpridor da cota de aprendizagem profissional.

Essa regra pode dificultar a contratação de aprendizes, pois cria um grande obstáculo às empresas na alocação dos jovens. De acordo com estudo técnico realizado pelos Auditores- Fiscais do Trabalho (2022), haverá alguns entraves com essa nova regra:

  • regra criará enorme dificuldades operacionais para as empresas cumprirem a cota, pois ainda que queira que os aprendizes atuem em um único setor da empresa ficará obrigada a contratar aprendizes para todas as funções existentes na empresa.
  • regra ficará inviabilizada de ser cumprida quando não tiver oferta de curso de aprendizagem para todas as funções existentes na empresa, o que gerará demanda judicial pelas empresas exigindo isenção da cota.
  • regra inviabilizará atendimento de empresas situadas em cidades de interior, em que em razão do baixo número de empresas, é necessário grande esforço para formar uma única turma na área administrativa. Com a nova regra, ficará inviável criar diversas turmas, uma para cada função existente na empresa. A regra afugentará as entidades de cidades de interior.

É necessário observar que o recentíssimo Decreto mencionado entrou em vigor há alguns poucos meses e ainda não houve tempo para a adequação dos atores sociais e do Judiciário às suas novas normas.

Assim, resta continuar acompanhando de perto os julgados dos Tribunais, para verificar se a atual tendência à anulação da cláusula se manterá mesmo após a entrada em vigor do mencionado Decreto.

6  CONSIDERAÇÕES FINAIS

As normas constitucionais e infraconstitucionais asseguram ao adolescente e ao jovem o direito fundamental à profissionalização. Conforme previsão na própria Carta Magna, tal direito deve ser efetivado pelo Poder Público e por toda a sociedade.

“A garantia dos direitos (ou das necessidades e interesses) de crianças e adolescentes pressupõe, portanto, como corolário mesmo do fenômeno sistêmico, o domínio dos instrumentos de garantia e o efetivo exercício de tais instrumentos pelo órgão competente” (KONZEN, 2012).

Por vezes, a interpretação dos direitos das crianças, adolescentes e jovens perpassam por diferentes pré-compreensões da realidade, o que faz com que ganhem diferentes contornos a depender do intérprete.

Dessa forma, este trabalho procura auxiliar na busca da aplicação mais consonante com o sistema de proteção integral e com os princípios do direito do trabalho.

Deve-se ter em mente que a aprendizagem, caso cumprida de acordo com as diretrizes legais, será benéfica para o aprendiz e para as sociedades empresárias, podendo ser um valioso instrumento de transformação social.

Contudo, o caráter compulsório dessa contratação esbarra na resistência, pelos empregadores, com relação ao cumprimento da cota legal.

Muitos são os argumentos utilizados, como a dificuldade de contratação dos jovens e, consequentemente, a impossibilidade de cumprimento da cota mínima; a violação ao poder diretivo dos empregadores e à liberdade de contratação; e, especialmente, a incompatibilidade de algumas funções com o instituto da aprendizagem.

Destaca-se que, após a reforma trabalhista, que veio com a Lei n. 13.467/2017, houve uma grande mudança de paradigma no direito do trabalho, e as convenções e acordos coletivos viraram protagonistas, principalmente quando se nota a prevalência do negociado sobre o legislado, que permeia diversos dispositivos introduzidos com a reforma.

Com base nesse novo cenário, sindicatos vêm incluindo em suas negociações coletivas cláusulas que flexibilizam a base de cálculo da aprendizagem, e que acabam reduzindo ou restringindo seu alcance e diminuindo o número potencial de vagas de aprendizagem no mercado de trabalho.

Buscou-se, com o presente trabalho, verificar se há possibilidade de flexibilização da cota legal prevista no art. 429 da Consolidação das Leis do Trabalho pela negociação coletiva.

Há algumas funções em que as negociações coletivas comumente excluem da contabilização da cota legal de aprendizagem: vigilante, faxineiro, motorista e servente na construção civil.

Entretanto, mesmo com a grande autonomia coletiva extraída de diversos dispositivos inseridos na Consolidação das Leis do Trabalho, há direitos que são inderrogáveis pela vontade do particular, por serem absolutamente indisponíveis. Nesses casos, não será possível pactuar limitações por meio de negociação coletiva.

Desse modo, por mais que haja posicionamentos em contrário por alguns Tribunais Regionais do Trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho, ápice do Judiciário trabalhista, vem decidindo pela impossibilidade de flexibilização da cota legal de aprendizagem por meio de instrumentos coletivos, em consonância com o entendimento institucional do Ministério Público do Trabalho.

As decisões mais recentes do TST vêm no sentido de que, sendo a matéria de natureza difusa, pois afeta pessoas indeterminadas que estejam na fase de aprendizagem, não poderia ser objeto de negociação coletiva.

Portanto, as cláusulas que alteram a base de cálculo prevista no art. 429 da CLT vêm sendo consideradas inválidas, considerando principalmente o argumento de que os sindicatos não possuem legitimidade para tratar da matéria negociada.

O recente Decreto n. 11.061/2022, que altera o Decreto n. 9.579/2018 para regulamentar a contratação de aprendizes, apesar de ter trazido hipóteses nas quais será contabilizada em dobro a contratação de aprendizes, não alterou a base de cálculo prevista no art. 429 nem permitiu a supressão de função por meio de negociações coletivas.

Nessa linha, acredita-se que o TST continuará declarando a nulidade de cláusulas pactuadas em instrumentos coletivos que tratem da flexibilização da cota legal de aprendizagem.

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1 Graduada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Analista do Ministério Público da União, atualmente lotada no Ministério Público do Trabalho e vinculada à Procuradoria do Trabalho no Município de Nova Iguaçu/RJ. E-mail: karinestocco@hotmail.com.