APLICAÇÃO DE METODOLOGIAS EXTENSIONISTAS NA EQUINOCULTURA NA REGIÃO DA ZONA OESTE DO RJ COM ÊNFASE EM FEBRE MACULOSA BRASILEIRA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8066023


Priscila Teles Quintanilha1
Marina Jorge de Lemos2
Thiago Ventura Scoralick Braga3
Emanuela Lima de Oliveira Galindo2
Federico dos Santos Cupello2


INTRODUÇÃO

Responsável pela movimentação de grande parte da economia brasileira, o agronegócio compreende diversas realizações desde produção até comercialização. A equinocultura, como parte do agronegócio, merece destaque, uma vez que equinos podem ser considerados versáteis, dada a gama de atividades que podem exercer. 

O complexo do agronegócio do cavalo tem gerado renda de mais de 16 milhões nos últimos anos e de acordo com o MAPA1, o Brasil concentra uma tropa de mais de 5 milhões de equinos. Além disso, essa atividade é responsável por cerca de 3 milhões de postos de trabalho. Portanto, dada a importância econômica da equinocultura, torna-se relevante a conscientização dos criadores acerca de potenciais prejuízos para o seu negócio, como é o caso das parasitoses por carrapatos, que além de danos ao animal, transmitem doenças ao ser humano, denominadas zoonoses. 

De importância para a equinocultura, podem ser citadas as espécies de carrapatos Amblyomma sculptum e Dermacentor nitens. No qual a espécie Amblyomma sculptum tem mais destaque por ser o principal transmissor da febre maculosa brasileira. Esta zoonose transmitida por carrapatos, tem como agente etiológico a bactéria Rickettsia rickettsii, que no Brasil está associada principalmente aos carrapatos do gênero Amblyomma. Entretanto, qualquer espécie de carrapato pode atuar como vetor. 

Com sintomatologia variável por ser uma doença sistêmica, a febre maculosa brasileira pode ser confundida com outras patologias como dengue, leptospirose, hepatite viral, entre outras. Um sinal característico é a presença de exantema, entretanto este pode não se manifestar, o que dificulta a possibilidade de diagnóstico e torna o prognóstico desfavorável. O tratamento é considerado eficaz quando é estabelecido logo após o início dos sintomas, e se não houver tratamento, a letalidade pode chegar a 80% dos casos. A principal forma de prevenir a febre maculosa brasileira é através de ações educativas para a população, acerca de sintomatologia, locais de risco e onde procurar atendimento. Um meio de passar essas informações é através de métodos educativos como os utilizados na extensão rural. 

O presente estudo visou conscientizar, através de um projeto com criadores de equinos na região da zona oeste do Rio de Janeiro/RJ, acerca da febre maculosa brasileira, através de metodologias extensionistas, além de transmitir informações acerca da extensão rural. 

METODOLOGIA

O presente trabalho foi realizado no período de dezembro de 2020 a junho de 2021 no município do Rio de Janeiro (RJ). Participaram da pesquisa 09 (nove) criadores de equinos da Zona Oeste do RJ, que possuíam suas propriedades nos bairros de Santa Cruz, Ilha de Guaratiba, Sepetiba e Vargem Grande. O quantitativo de animais era variado, onde os animais tinham diversificadas finalidades, variando entre esporte, lazer, trabalho, equitação e terapia para crianças. 

Inicialmente foram realizadas metodologias extensionistas individuais como visita, contato aos produtores e entrevista. A visita foi realizada nas propriedades, objetivando promover comunicação entre produtor e extensionista em um ambiente propício. O contato foi por meio de telefone, usando também aplicativos como whatsapp e e-mail tendo em vista a realização da entrevista que foi feita através da aplicação de um questionário contendo 21 perguntas-chaves elaboradas na plataforma do google (www.forms.google.com). Foram elas: faixa etária; sexo; grau de escolaridade; conhecimento sobre extensão rural; recebimento da visita de um extensionista; quantitativo de equinos na propriedade; principal função dos equinos na propriedade; conhecimentos sobre carrapatos; conhecimento sobre as doenças que o carrapato pode transmitir; significado do termo “zoonose”; conhecimento sobre os carrapatos poderem afetar a saúde do animal e a vida produtiva; conhecimento sobre os carrapatos poderem transmitir doenças que afetam o homem; conhecimento sobre as medidas de prevenção e controle de carrapatos; se faz uso dessas medidas na propriedade; se já ouviu falar de febre maculosa; conhecimento sobre os meios de transmissão da febre maculosa; sintomas da febre maculosa; se algum extensionista alertou sobre doenças transmitidas por carrapatos; se possui outros animais na propriedade; se respondeu sim à pergunta anterior, quais outros animais possui; se faz controle de carrapatos nos outros animais.

Após levantamento de dados e análise das informações coletadas, um material foi desenvolvido a fim de conscientizar os criadores de equinos, trabalhadores rurais e público frequentador sobre a febre maculosa brasileira e extensão rural. 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com a análise das respostas obtidas através da aplicação do questionário, verificou-se que 33,3% dos produtores tinham idade entre 45 e 54 anos; 22,2% tinham entre 55 e 64 anos; 22,2% apresentavam entre 35 e 44 anos; 11,1% apresentavam 56 anos ou mais e 11,1% apresentavam entre 25 e 34 anos.  Esses dados corroboram com os dados obtidos na literatura2, que em seu trabalho obtiveram 40% dos produtores com idade entre 31 e 45 anos, 31% com mais de 60 anos e 4,8% com até 30 anos. Isso demonstra que no meio rural há uma maior concentração de pessoas com mais de 45 anos. Os autores citados levantam a hipótese desse fato acontecer em decorrência de membros mais novos da família rural saírem para obterem estudo ou estarem envolvidos em outras atividades e empregos.

Mais da metade dos produtores participantes da pesquisa eram do sexo masculino (88,9%), enquanto apenas 11,1% pertenciam ao sexo feminino. Apesar dessa diferença discrepante, mulheres tem se inserido no meio rural com mais frequência, podemos exemplificar esse fato com o movimento das mulheres camponesas nas décadas de 1980 e 1990 que buscaram seu reconhecimento como trabalhadoras rurais. Na constituinte de 1988, mulheres conseguiram obter acesso à terra, crédito rural, salário maternidade, aposentadoria, nome na nota relativa à venda de produtos, conseguindo assim destaque no meio produtivo e social3.

Também foi verificado o grau de escolaridade dos produtores, o que demonstrou que todos possuíam acesso à estudo e que 55,6% destes possuíam ensino médio completo. Esse resultado contradiz o que foi achado na literatura2, onde 76% dos produtores apresentavam apenas ensino fundamental. Os autores ressaltam que a baixa escolaridade pode dificultar a aquisição de equipamentos e/ou produtos em decorrência ao menor grau de instrução. 

Em relação ao conhecimento sobre extensão rural, foi observado que 66,7% dos produtores não tinham conhecimento algum. Este mesmo quantitativo de produtores (66,7%), relatou que não havia recebido a visita de um extensionista. Esses resultados devem ser levados em consideração, uma vez que é o extensionista que proporciona a chegada de informação ao produtor. A extensão rural tem em vista proporcionar uma assistência técnica de orientação aos produtores, preocupando-se com a solução de problemas em relação à produção, ensinando no campo onde surgem as dificuldades proporcionando maior esclarecimento e a possibilidade da criação de alternativas4

Em relação ao quantitativo de equinos na propriedade, foi observado que 55,6% dos produtores possuíam até 10 equinos na propriedade, 33,3% possuíam de 10 até 50 equinos e 11,1% possuíam de 50 a 100 equinos. As atividades dos animais na propriedade eram diversas, incluindo esporte, lazer, trabalho, equitação e até mesmo terapia para crianças. Esse dado vai de acordo com a literatura5, onde o autor ressalta que o encanto pelos cavalos ocorre há muitos anos e de acordo com pesquisas, o convívio com estes animais promove a liberação de endorfinas responsáveis pelo sentimento de felicidade e consequentemente pode-se estimar a necessidade da criação de cavalos, principalmente pelo fato dessa espécie ser versátil e empregada nas mais variadas atividades.

Quando os produtores foram questionados acerca dos conhecimentos referentes à carrapatos, dos produtores que participaram da pesquisa, 88,9% tinham conhecimento sobre carrapatos e 77,8% afirmaram saber que os carrapatos podem afetar a saúde do animal e sua vida produtiva. Entretanto, 55,6% não possuíam conhecimento sobre doenças que os carrapatos transmitem e 66,7% responderam não ter conhecimento de que carrapatos podem transmitir doenças que afetam o homem. 

A falta de conhecimento acerca de doenças transmitidas por carrapatos é um dado preocupante. Essa carência de conhecimento pode ser observada em diversas pesquisas6, que ressaltam que a população tem falta de entendimento ao se tratar de zoonoses, além de carecer de informações sobre prevenção de enfermidades e vetores. Contudo, 55,6% dos produtores afirmam conhecer o termo “zoonose”. 

Em relação ao questionamento sobre o conhecimento acerca da febre maculosa, 55,6% dos participantes responderam que não conheciam, enquanto 44,4% afirmaram já ter ouvido falar. Esse dado corrobora com dados na literatura7, onde em sua pesquisa, 43,74% dos entrevistados afirmaram conhecer a doença. Quando questionados quanto ao meio de transmissão da febre maculosa, apenas 22,2% dos produtores afirmaram conhecer e 77,8% negaram saber quais os sintomas da doença. A principal forma de prevenir a febre maculosa brasileira é promover ações educativas de forma que a população seja informada sobre os sintomas, áreas de risco, vetor e unidades de saúde para atendimento. Além disso, é importante que haja profissionais capacitados a passar essas informações para a população8.

Como já citado, a extensão rural tem como finalidade a transmissão de conhecimentos por meio de um extensionista, com o objetivo de dar orientação4. No Brasil, a febre maculosa é causada por uma bactéria que possui como vetor o carrapato, principalmente do gênero Amblyomma8. Por essa razão, torna-se importante o conhecimento acerca dos carrapatos, como prevenir e tratar infestações. Na presente pesquisa, 77,8% dos produtores afirmaram conhecer as medidas de prevenção e controle de carrapatos, entretanto, 44,4% dos produtores afirmaram não realizar medidas de prevenção e controle na propriedade. O uso de carrapaticidas tem como objetivo a diminuição da carga parasitária em animais e pastagens, além de agir na fase imatura e diminuir a quantidade de carrapatos adultos na sua fase seguinte do ciclo9. Visto que os carrapatos atuam como vetores, é indispensável conscientizar os produtores a realizar esse processo. Entretanto, 77,8% dos produtores afirmaram que não foram alertados por um extensionista sobre doenças que são transmitidas por carrapatos.  

Quando questionados sobre outros animais na propriedade, 55,6% dos produtores responderam que tinham outros animais. Dentre os animais, além dos equinos, eles tinham cães, bovinos, galinhas, coelho, mula, burro, patos e gansos. Visto que carrapatos podem parasitar outros animais, além do seu hospedeiro de escolha, foi perguntado se os produtores realizavam o controle de carrapatos nessas outras espécies presentes e 77,8% responderam que não. O contato direto na relação do homem com o ambiente, abrangendo os animais, pode ser um fator que favorece a transmissão de doenças7

Como relatado anteriormente, há espécies de carrapatos associadas à transmissão de febre maculosa brasileira como o A. aureolatum, conhecido como “carrapato amarelo do cão” e A. ovale, que na fase adulta têm como hospedeiro definitivo carnívoros como cães; além disso, esses carrapatos quando na fase imatura podem parasitar seres humanos10. Não apenas esses, mas também o A. sculptum em sua fase imatura possui baixa especificidade parasitária, podendo parasitar cães, bovinos e outros animais, incluindo o homem11. Concomitantemente, vale salientar que qualquer espécie de carrapato pode atuar como reservatório para a febre maculosa brasileira8, por essa razão, a existência de outras espécies de animais nas propriedades e a falta de controle de carrapatos nas mesmas pode ser um fator preocupante. 

Após análise das respostas obtidas através do questionário, foram realizadas atividades extensionistas com entrega de material educativo como folder (Figura 1 e 2). Além disso, foi realizada uma palestra voltada para o material produzido, onde os pontos principais trabalhados foram como identificar e remover os carrapatos, vestimenta adequada, além de sanar dúvidas acerca da doença, tudo visando a transmissão de informações acerca de carrapatos e febre maculosa brasileira. 

Figura 1 e 2: Folder informativo distribuído nas propriedades participantes do projeto

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Descrição gerada automaticamente

Os produtores participantes do projeto foram acompanhados durante um período de cinco meses, com o intuito de auxiliar a aplicabilidade das medidas de prevenção, análise dos resultados obtidos e a aplicação das informações passadas aos produtores. Com as metodologias extensionistas, o conhecimento acerca dos carrapatos, zoonoses e extensão rural foi transmitido aos produtores. Na literatura há uma citação onde o autor compara o extensionista a um barqueiro que atravessava o rio levando informação de uma margem à outra4. A principal forma de prevenir a febre maculosa brasileira é através de conscientização.

CONCLUSÃO

O trabalho de extensão possibilitou que o conhecimento fosse passado aos produtores no que se refere tanto a febre maculosa quanto a função de um extensionista no campo. Os equinos servem como amplificadores da febre maculosa brasileira e por essa razão, deve ser realizado o controle de carrapatos nestes animais. Entretanto, o controle deve ser realizado também no ambiente e em todos os animais presentes na propriedade, uma vez que qualquer espécie de carrapato, não apenas os que parasitam equinos, podem atuar como vetor. Também é importante tomar os demais cuidados como evitar áreas infestadas, uso de repelente, evitar esmagar o carrapato com as unhas, remover os carrapatos com o auxílio de uma pinça e, no demais, procurar um profissional capacitado a dar informações. 

REFERÊNCIAS

1MAPA, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Revisão do Estudo do Complexo do Agronegócio do Cavalo. MAPA. 1ª ed. Brasília, 2016.

2Silva P, Pinheiro AS. Caracterização das unidades de produção familiares – um estudo junto aos produtores rurais associados ao sindicato dos trabalhadores rurais de Campos Lindos/TO. Revista São Luís Orione. 2019;1(14). 

3Maia AH et al. Participação das mulheres a partir da formação de grupos produtivos em assentamentos rurais da microrregião de Andradina (SP).  Revista De Extensão E Estudos Rurais. 2018; 7(1): 294-310.

4Silva RC et al. Extensão rural. 1. ed. São Paulo: Érica, 2014. 

5Oliveira JN et al. O complexo do agronegócio cavalo em relação ao comportamento animal, visando ao bem-estar de equinos, submetidos à reprodução. Conferência internacional em bem-estar animal (CIBEA), 2016.

6Silva TM, Franzini C, Scherma MR. Percepção da população sobre zoonoses e seu controle na área urbana em diversos municípios do eixo campinas – Ribeirão Preto. Acta Veterinaria Brasilica. 2016; 10(2):116-122.

7Silva VJ, Rodrigues JS. Percepção dos moradores de serranos – MG sobre a febre maculosa e a raiva. Revista Saber Digital. 2020; 13(1):166-175.

8BRASIL, Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de vigilância em saúde. Ministério da Saúde. 1ª ed. Brasília, 2017.

9Rodrigues V da S. Carrapato-estrela (Amblyomma sculptum): ecologia, biologia, controle e importância. Brasília, DF, dezembro, 2015. 

10Moraes-Filho J. Febre maculosa brasileira. Revista de Educação Continuada em Medicina Veterinária e Zootecnia do CRMV-SP. 2017; 15(1):38-45.

11Rodrigues V da S, Koller WW, Garcia MV, Barros JC, Andreotti R. Carrapatos em cavalos: Amblyomma sculptum e Dermacentor nitens. In: Andreotti, R. et al. Carrapatos na Cadeia Produtiva de Bovinos. 1ª Edição. Brasília (DF): Embrapa, 2019. Capítulo 2, páginas 27 – 43. 


1Discente do curso de Medicina Veterinária na Universidade Estácio de Sá, UNESA, Vargem Pequena – RJ
2Docentes do curso de Medicina Veterinária na Universidade Estácio de Sá, UNESA, Vargem Pequena – RJ
3Engenheiro Florestal e Biólogo – Perito da PCRJ