ANSIEDADE E SOFRIMENTO: UM ESTUDO DE CASO EM ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202407312026


Jossymara Fernanda de Oliveira Solino1


RESUMO: O presente artigo tem como objetivo apresentar um caso clínico realizado durante o estágio supervisionado em orientação psicanalítica. O caso exposto é de uma mulher com 41 anos de idade em sofrimento psicológico manifestando crises ansiosas decorrentes de traumas vivenciados no passado. Utilizando o manejo da associação livre e escuta flutuante buscou-se fornecer espaços de fala e acolhimento de modo que a paciente pudesse desenvolver insights. A mesma apresentou evoluções consideráveis, ao conscientizar-se de seu estado atual e acontecimentos do passado que a levaram ao sofrimento psíquico, compreendendo que possui uma oportunidade a partir do autoconhecimento de ressignificar suas dores e entender a origem de seus sofrimentos.

Palavras-chave: psicanálise; estágio clínico supervisionado; estudo de caso.

1 INTRODUÇÃO

O estágio clínico supervisionado utiliza-se de um espaço para que o estagiário em psicologia contribua com os pacientes atendidos, permitindo que conhecimentos, habilidades e atitudes se concretizem em práticas profissionais, aproximando-o da realidade condizente com a formação acadêmica, enfatizando a compreensão da subjetividade presente através das diversas demandas apresentadas pelo paciente.

Este estágio é uma etapa obrigatória para a formação acadêmica do curso de psicologia, supervisionado por professores com formação e experiência de atuação na abordagem específica escolhida pelo estagiário. Nesse  sentido, o supervisor verifica a capacitação técnica do estagiário, orientando e sendo responsável direto pela aplicação adequada dos métodos e técnicas psicológicas, garantindo a ética profissional. As supervisões do estágio Ênfase A são realizadas no Campus I da instituição São Lucas – Porto Velho, na clínica-escola SPA. Essa disciplina contém carga horária de 90 horas de supervisão em grupo e 80 horas de atuação prática profissional, com prestação de serviços ofertadas à comunidade de crianças, adolescentes, adultos e idosos.

No início do atendimento clínico nos apresentamos enquanto estagiários de psicologia e expomos o contrato inicial contendo os acordos como dias e horários e comunicamos a exposição de seus casos que são compartilhados com o supervisor em questão. Esses pacientes podem estar sendo atendidos pela primeira vez ou podem estar sendo repassados, pelo motivo de o estagiário que o acompanhava anteriormente ter concluído a graduação. No caso de crianças e adolescentes esses acordos são também compartilhados devidamente com os pais e/ou responsáveis. Outro aspecto importante é uma apresentação simples da abordagem psicanalítica e como ela funciona na prática, de modo a permitir ao paciente uma compreensão do processo clínico.

Diante disso, objetiva-se aqui, apresentar um caso clínico atendido no período deste estágio de uma paciente de 41 anos de idade que a citarei como Ana, cuja queixa inicial é de ansiedade. A acolhi pela primeira no estágio em triagem realizado no segundo semestre do ano anterior, com início do atendimento psicoterápico no início do semestre seguinte. Ressalta-se que a paciente esteve presente em nove encontros somando triagem e atendimentos, desse modo abordarei informações relevantes sobre o seu caso para melhor compreensão do processo analítico, guiado e orientado pela abordagem psicanalítica com o intuito de ajudá-la a alcançar a autonomia de suas queixas trazidas à clínica.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A psicanálise já havia se tornado razoavelmente conhecida na década de 1920, sobretudo na Europa, quando a Enciclopédia Britânica solicitou ao próprio Sigmund Freud, enquanto criador e principal propagador do método, a escrita de dois verbetes explicando o que seria a psicanálise (e, ainda, a teoria da libido). Então, nas palavras de Freud (1923/2006, p. 253) a ” PSICANÁLISE é o nome de (1) um procedimento para investigação de processos mentais que são quase inacessíveis por qualquer outro modo, (2) um método (baseado nessa investigação) para o tratamento de distúrbios neuróticos e (3) uma coleção de informações psicológicas obtidas ao longo dessas linhas, e que gradualmente se acumula numa nova disciplina científica.”

Desse modo, destaca-se que os principais conceitos que inauguram a Psicanálise são: a noção de inconsciente; a teoria sexual e o princípio do prazer e de desprazer; a teoria das pulsões e a noção de aparelho psíquico, pontualmente também, a transferência e a contratransferência. Mas no que tange ao atendimento clínico basicamente, Freud deixou quatro regras/recomendações para servirem de base na análise, e são elas: associação livre, abstinência, neutralidade e atenção flutuante. Porém, convém acrescentar mais uma através de seu posicionamento como condição para a prática psicanalítica: amor à verdade e a honestidade. Muito mais do que ser um obsessivo caçador de verdades, o que importa é que sejamos pessoas verdadeiras.

A regra da associação livre foi elaborada para que o paciente pudesse expressar-se com liberdade sem ser orientado pelo pensamento do analista; mais do que o princípio da condução do tratamento, a regra da abstinência é considerada essencial para que ele aconteça, ela funciona como estratégia para que o motor da análise- o sofrimento do paciente e seus desejos insatisfeitos – continue operando. A neutralidade se refere à postura do analista de não se posicionar subjetivamente em relação ao paciente, ou seja, de não expressar suas opiniões, crenças ou sentimentos pessoais. Já, a atenção flutuante é a escuta do inconsciente, não somente no sentido do que se ouve ali, mas, além disso (comunicação dos inconscientes).

De acordo com pesquisa realizada pelo Grupo de Trabalho de Psicologia Organizacional e do Trabalho, constataram que, como na pesquisa dos anos de 1980, a psicanálise continua sendo a orientação do maior número de psicólogos, quer seja utilizada de forma isolada, quer acompanhada de outras abordagens (Bastos, Gondim; Borges-Andrade, 2010).

Na universidade, uma das modalidades de estágio clínico supervisionado em psicologia é a prática de atendimento clínico com orientação psicanalítica. Entretanto, há diferenças entre a prática da psicologia clínica com essa orientação na universidade e a práxis realizada por psicanalistas que fizeram sua formação nas instituições psicanalíticas. Nessas instituições, para um psicanalista iniciar a prática clínica, recomenda-se uma formação na teoria e na técnica neste campo, exigindo análise pessoal, estudo e supervisão de casos clínicos. Desse modo, a prática da psicanálise é, muitas vezes, incluída como disciplina do curso de Psicologia ou como estágio em atenção à saúde, sem que os alunos tenham passado pela experiência de análise pessoal (Coelho, 2013).

Nesse sentido, é importante lembrar que, para Freud (1910/1980), a psicanálise, quando não exercida por alguém efetivamente habilitado, pode se tornar uma ferramenta antiterapêutica. Em seu texto A questão da análise leiga, Freud (1926/1980) dá ênfase à exigência de que ninguém deve praticar a análise se não tiver adquirido o direito de fazê-lo através de uma formação específica.

Pensar a prática de estágio de psicologia clínica e a pesquisa a partir do campo de saber da psicanálise é, segundo Mariotto e Bernardino (2012), levar a psicanálise para outras áreas de conhecimento, o que significa incluir a subjetividade no seu modo de raciocínio e compreensão do fenômeno humano. Para elas, manter o rigor conceitual e metodológico da psicanálise implica realizar uma atividade cujo objetivo seja a transformação do pesquisador e/ou do pesquisador, e não apenas o acúmulo de saber. Do ponto de vista da prática clínica com orientação psicanalítica, as autoras destacam: “É necessário termos sempre em vista de que a psicanálise é, ao mesmo tempo, uma teoria sobre o psiquismo, uma práxis clínica e um método de investigação do inconsciente, segundo a definição freudiana fundadora” (Mariotto; Bernardino, 2012, p. 712).

Silveira e Castro (2011) revelam que a primeira experiência com o paciente produz a constatação do não saber bem o que fazer e, consequentemente, a percepção da responsabilidade que advém naquele instante. Neste momento surgem as primeiras angústias, as quais tomam forma de questões: Nós, enquanto terapeutas, o que esperamos em uma cena clínica? […] conseguir chegar à supervisão e poder dizer: “estou confusa, não sei o que fazer”. E encontrar acolhimento e respaldo da supervisora e do grupo de supervisão. Isto foi possibilitando estar de outro modo nas sessões. (Silveira; Castro, 2011, p. 97).

De acordo com Rodrigues (2009), o caminho da escuta é aquele que propõe reconhecer que o desejo do sujeito nos habita, emerge pelo discurso do inconsciente e nos constitui enquanto sujeitos humanos inscritos na linguagem. Por sua vez, Silveira e Castro (2011, p.104) destacaram que todo o caminho percorrido pelos labirintos da clínica durante o atendimento do primeiro paciente possibilitou pensar nos diferentes tempos da experiência, para além do que chamou de tempo de escutar e de ser escutado. “Se houve aqui algo que pude aprender é que as resistências se apresentam para afirmar a existência de um inconsciente e que demanda um trabalho delicado de contorno e de acolhimento”.

No núcleo da queixa ansiedade X sofrimento e perspectiva psicanalítica “é um retorno à subjetividade, ao questionamento, à complexidade”. O que caracteriza a psicanálise é a investigação da subjetividade, e o seu rigor é dado pela fidelidade aos seus pressupostos […]” (Peres, 2018, p. 13).

Nesse sentido, Silva (2020) corrobora que, a ansiedade sempre desafiou a compreensão teórica pois se trata de um fenômeno bastante comum dentro da atividade clínica, sendo necessário encontrar ideias abstratas corretas para que sejam aplicadas ao objeto de observação com clareza.

Dessa maneira, Lent (2010) e Silva (2020, p. 08) afirmam que “o termo ansiedade é usado para se referir a um es­tado de tensão ou apreensão devido a uma expectativa. Esta manifestação é uma rea­ção normal. Contudo, quando provoca sofri­mento, passa a ser considerada patológica, pois chega a provocar distúrbios orgânicos. Percebe-se dessa forma que o nível de intensidade do fenômeno é um fator de risco que pode alterar o bem-estar da pessoa, provocando sintomas que podem desencadear sofrimento psíquico e prejudicar o convívio do sujeito.

Neste sentido, “indivíduos ansiosos são capazes de selecionar certos objetos em seu ambiente e ignorar outros, na tentativa de provar que estão certos ao considerar a situação, muitas vezes inofensiva, amedrontadora”. Assim, a antecipação de um evento futuro de forma temerosa gera instabilidade psíquica, principal característica da ansiedade. Podemos dizer que se trata de um estado de tensão diante de alguma expectativa. O que pode ser considerado normal se não houver sofrimento. Porém, esta manifestação se torna patológica quando provoca algum tipo de distúrbio no sujeito (Peres, 2018, p. 11).

Segundo Silva (2020, p.09), Freud dividiu a ansiedade em três categorias: Realista, Moral e Neurótica. Dessa maneira, a primeira se refere ao medo de algo existente no mundo exterior. Já a segunda, se trata de um medo se ser punido pelo sentimento de culpa. Por fim, a terceira está relacionada ao medo sem objeto reconhecido, ou seja, um temor de algo que pode ou não existir. A ansiedade pode ser considerada como um sinal indicador para o organismo de necessidade de levantar defesas psicológicas. Dessa maneira, “a ansiedade represen­ta um papel central no funcionamento do aparelho psíquico”.

Portanto,  Freud salienta que a ansiedade é consequência de traumas da infância que foram rechaçados pelo Ego como um mecanismo de defesa para a evitação da dor. O autor também cita a relação entre desamparo e a angústia de castração, onde a privação ou perda do objeto equivale à separação da mãe, fazendo com que o indivíduo vivencie a sensação do desamparo devido à sua necessidade pulsional, como no nascimento. (Oliveira; Santos, 2019, p. 34).

Assim, é preciso reconhecer que o fenômeno vai além de processos neuroquímicos como defende o discurso médico científico diante do diagnóstico de Transtorno de Ansiedade (TA). Utilizando-se da referência freudiana, os autores afirmam que a ansiedade também pode ser um resultado de libido contida, seja pelos desejos não realizados, ou pelas experiências traumáticas ocorridas na infância e que se manifestam na fase adulta em forma de sintomas.

Por isso, discutir a ansiedade a partir de uma perspectiva psicanalítica é, segundo Peres (2018, p. 75), “uma forma de ‘subjetivar o diagnóstico’, através do retorno à subjetividade, ao sujeito, à fala, ao seu corpo, que é marcado por questões psíquicas, sociais e culturais, e não somente biológicas”.

Os transtornos de ansiedade, foram divididos em cinco categorias: transtorno de pânico (TP), fobias, transtorno obsessi­vo compulsivo (TOC), transtorno de estres­se pós traumático e transtorno de ansieda­de generalizada (TAG), sendo, portanto, um assunto complexo e que necessita de uma análise psicanalítica (Silva, 2020).

Por fim, Peres (2018) afirma que, a ansiedade é definida pela psicanálise como uma tentativa do sujeito de encontrar solução para seus conflitos psíquicos, por isso, as pessoas com esse tipo de transtorno evita situações temidas ou as suportam com muito medo e insegurança.

3 ENLACE TEORIA X PRÁTICA: O CASO CLÍNICO DE ANA

Do ponto de vista acadêmico o estágio supervisionado se constituiu como um espaço formador e transformador, contribuindo para o posicionamento ético diante da diversidade que a clínica oferece. Observa-se que a experiência de estágio clínico provoca consequências para os pacientes e para os estagiários em psicanálise, desde a mobilização de conflitos emocionais, o aprender a lidar com a transferência e seus efeitos e com o desejo de cada sujeito e sua subjetividade. Dessa forma o estágio oportunizou vivenciar na prática a avaliação dos pacientes que buscam pelos serviços psicológicos, delineando os diversos quadros clínicos e desenvolvendo a habilidade de acolher. Ao todo foram atendidos seis pacientes, sendo adotada a postura escuta, acolhimento e responsabilidade diante de cada paciente e o relato apresentado. 

Dentre os atendimentos realizados será destacado o caso clínico de  Ana, uma mulher de 41 anos de idade, solteira, com ensino médio completo, concursada, dois filhos, que traz como queixa inicial um estado de crises de ansiedade e um período depressivo. Para análise, inicialmente foi utilizado como recurso o aproveitamento de duas sessões realizadas ainda no semestre anterior durante a triagem e acontecimentos atuais.

Diante do seu histórico, Ana relata alguns traumas que a marcaram profundamente e afetaram parte de seu desenvolvimento pessoal. Nos primeiros relatos expôs uma situação da infância em que foi vítima de de abuso sexual por  um vizinho considerado da família e que durou seis anos consecutivos. A paciente relatou guardar essa vivência durante toda a vida até o momento da terapia, também destacou a perda da irmã que mais gostava há cerca de cinco anos, sendo esse um luto mal vivido e solitário. 

As falas iniciais relatadas já na triagem demarcam uma relação de confiança no setting terapêutico. Na perspectiva de Freud esses são elementos essenciais na análise, o vínculo terapêutico bem estabelecido é significativo para que o paciente se sinta aberto para esboçar aspectos de sua vida e se sinta encorajado e acolhido ao revelar aspectos profundos e dolorosos de sua história.

Inicialmente, a paciente trouxe essas informações crendo ser os motivos principais de suas crises ansiosas, mas a partir dos atendimentos no seguinte foi possível aprofundar aspectos da infância que possibilitaram uma melhor análise desses sintomas. Ao retornar após a triagem trouxe queixas relacionadas a desestruturação relacional com os seus pais, principalmente com a mãe, a qual ela mora e desempenha cuidados. Também abordou sobre a sua filha de dois anos de idade, diagnosticada com autismo, e a dificuldade em manter os cuidados multidisciplinares. Mediante tantas demandas deu início há um tratamento psiquiátrico para regular a ansiedade, contudo os medicamentos a deixavam sonolenta durante o dia. Além disso, destacou sobre relacionar-se amorosamente com homens que a decepcionam e associa essas demandas apresentadas como causadoras de seu adoecimento emocional.

A paciente iniciou as sessões com o semblante evidentemente triste e abatido. Resolveu pedir ajuda na clínica, depois de se consultar com um psiquiatra a fim de promover melhora da ansiedade através da medicação receitada. Em suas primeiras falas, verbalizou sentir-se sobrecarregada com os seus afazeres diários. Ela trabalha no período matutino e cuida dos pais e dos filhos no resto do dia. Ana é a quinta filha de sete irmãos, todos casados e com família constituída, mas ela ficou morando com os pais para cuidá-los, porque quando ainda jovem, seu pai a pediu para que nunca saísse de perto deles e a fez prometer. Hoje os pais são idosos, necessitam de cuidados específicos, e, este é o ponto que mais pesa em seus ombros, pois ela se compara com os irmãos que seguiram a vida, enquanto ela ficou para cumprir a promessa e se vê sem apoio dos irmãos quanto às necessidades e cuidados para com os pais.

Paralelo a esse cuidado que se tornou obrigatório, Ana também apresenta um sofrimento em relação aos pais, os culpa por suas feridas emocionais e durante as sessões cita uma enorme mágoa que sente da mãe, pelo fato de a mesma ter visto um dos abusos sofridos quando criança e não ter a protegido e defendido quando soube. Ao contrário disso, a mãe continuou recebendo o homem abusador em casa como se nada tivesse acontecido, segundo o relato da paciente. Além disso, fala que a mãe sempre a maltratou com desprezo e ofensas e que um dia, lhe disse que não queria ter a tido, pois tentou abortá-la por vezes e não conseguiu. Conta que seus pais tiveram muitos problemas conjugais ao longo da vida e de certa forma, tomou as dores da mãe quando não soube se posicionar adequadamente diante do casamento. Ana interpreta que o casamento dos pais é ruim e por isso tem medo de manter relações amorosas já que, entende que relacionar-se é sofrer.

Relacionamento amoroso é uma das queixas trazidas por ela, uma vez que os que teve não progrediram, mas gostaria de entender os motivos reais e a sua parcela de responsabilidade nesta questão. Seus dois filhos são de respectivos pais diferentes. Ela conta que foi traída e que não teve e não tem ainda capacidade emocional para resolver os problemas quando aparecem. É daí que surgem as crises ansiosas e ela busca por ajuda.

Ao longo do processo, foi trabalhado questões de base familiar como a estrutura do indivíduo como todo, pautada na teoria psicanalítica. Ana foi orientada sobre os sofrimentos trazidos e não resolvidos e as consequências disso como uma tentativa inconsciente de manter-se na posição de vítima a todo tempo considerando que de fato, quando criança foi, mas hoje já adulta pode ser autônoma de sua subjetividade. Por exemplo, ela diz que tenta chamar atenção da mãe expondo o laudo psiquiátrico para receber o afeto que nunca teve, com isso, faz movimentos inconscientes e se coloca em situações de sofrimento psíquico. A partir das sessões Ana passou a considerar outras alternativas como, analisar que seus pais não puderam também receber o afeto que talvez quisessem ou precisassem de seus avós e que não tiveram a oportunidade de desenvolver-se pessoalmente, mas que ela, através da terapia e de outras condutas pode transformar-se enquanto ser humano, quebrando então um ciclo de dor e repetição de padrão. Portanto, a culpa delegada aos seus pais por seus sofrimentos, foi sendo ressignificada gradativamente.

Referente à relação com o pai, associou o fato de ela não saber se relacionar amorosamente e o medo de sofrer nessa área. O pai é a figura que representa o primeiro afeto e figura de cuidado na infância, sentindo-se desconexa dessa figura. Assim a paciente percebe não ter referências positivas de afeto para buscar nos relacionamentos da vida adulta e quando está em um relacionamento se vê na tentativa de usá-lo como uma tentativa de curar lacunas da infância dessa relação paterna.

Sendo assim, por um tempo buscou parceiros bem mais novos sem ter a consciência de que dessa forma estaria em um lugar de possível controle emocional na relação e indiretamente estando na postura de mãe, repetindo inclusive comportamentos da mãe do qual já havia se queixado. Com isso, a partir das narrativas, a paciente se percebeu em um lugar de insegurança emocional e repetição do relacionamento dos pais, ao longo do processo isso foi tomando um lugar de consciência de transformação nas relações fosse com os pais, a filha e parceiros amorosos.

A partir disso Ana trouxe o sentimento e a necessidade de buscar maior autonomia e autocuidado, escolheu sair da casa dos pais e alugar um apartamento para morar com os filhos, destacou a importância em cuidar de si para conseguir cuidar dos outros e aos poucos foi resgatando coisas importantes para si como, sair mais com as amigas, praticar atividade física, ir à igreja e permitir-se conhecer novas pessoas e parceiros.

É válido ressaltar que apesar de Ana apresentar uma história de dificuldades e vulnerabilidades, buscou acolhimento e necessitava reconhecer que talvez outra pessoa em seu lugar não conseguiria superar os traumas vividos, porque em dado momento de sua vida pensou em suicídio, buscando na verdade, resolver os conflitos internos.  No artigo (Ideação Suicida – Manejo Clínico) trabalhado em supervisão clínica, compreendemos o que tem por trás da tentativa de o sujeito querer ceifar a própria vida, sem, contudo, concluir. Após o processo terapêutico a paciente apresenta estar menos ansiosa, mais forte, resiliente e capaz de vencer o que ainda não está resolvido. Compreendeu que está em um processo de evolução e não se prende a quanto tempo levará para ter os resultados esperados.

No caso de Ana, é visto que a ansiedade se manifesta como um mecanismo de defesa a colocando em estados constantes de alerta para lidar com situações adversas. Ressalta-se que a ansiedade é uma reação defensiva do organismo, ou seja, uma espécie de sinal de alerta diante dos estímulos existentes e dos perigos iminentes, sejam reais ou imaginários. Além disso, a ansiedade leva o sujeito a tomar medidas de proteção para enfrentar uma ameaça, caracterizando-se como uma resposta a uma ameaça vaga ou sem origem objetiva.

Contudo, em estados de intensidade a ansiedade pode prejudicar a capacidade do sujeito de discernir situações, fazendo com que este selecione e exclua objetos ao seu redor apenas com o intuito de provar que está certo ao ponderar a situação como perigosa. Neste sentido, Silva (2020) afirma que a ansiedade pode levar o sujeito a fazer generalizações ou considerar determinadas situações de maneira excessiva e mal adaptada.

Já os distúrbios de ansiedade estão relacionados às respostas emitidas pelo organismo diante de situações que geram temor o risco à vida do sujeito e são definidos a partir de suas características e do tipo de manifestação (episódica ou persistente) diante dos fatores desencadeantes.

Este caso chama atenção por vários fatores, mas, principalmente, por ela não ter tido apoio referente aos abusos sofridos quando criança, que é por si só, um grande fardo. Uma criança não tem condições e estrutura para elaborar questões difíceis sozinhas. É comum que haja prejuízos em seu desenvolvimento humano, como foi para Ana que trouxe consigo um peso nos ombros por carregar o amor e a raiva dos pais, principalmente da mãe que soube da situação e não interviu, conforme relatou e disso, outras áreas da vida também afetadas. Trabalhar as emoções é essencial para todos se desenvolverem saudavelmente.

Destaca-se que para além da situação traumática do abuso vivenciado na infância, a paciente se viu desamparada pelos pais que na adultez a solicitaram que reivindicasse de sua vida pessoal para cuidá-los. Nesse sentido entendemos que os sintomas ansiosos eram motivados especialmente por uma mágoa e desamparo históricos na vida da paciente que se desdobrava por diversas situações e se manifestaram na vida adulta.

Desse modo, o atendimento clínico propiciou a paciente, a tomada de consciência desses sentimentos o que a possibilitou uma melhor compreensão de si mesma, maior segurança na tomada de decisões e enfrentamento de situações. Do outro lado, na vivência de analista o manejo e conduta vivenciados no estágio vão ganhando sustentação, aprendendo a acolher e conduzir um espaço que seja terapêutico, permitindo também ao estagiário a vivência de uma autonomia no âmbito da clínica que modo que se amplia a partir da conexão com a pessoa atendida.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível constatar que a experiência do estágio supervisionado em psicologia clínica representa, para o estagiário, um crescimento junto ao seu paciente, o que o ajuda a tornar-se terapeuta. Apesar disso, as primeiras angústias tomam a forma de questões, as quais ao serem levadas, juntamente com as confusões e os tropeços, para a supervisão, são trabalhadas. A clínica se sustenta num tripé: supervisão, teoria e análise pessoal. Desse modo, iniciar a experiência clínica é se deparar com o conhecido e o desconhecido, tornando-se este um permanente e grande desafio. 

O caso de Ana apresenta evoluções consideráveis, ao conscientizar-se de seu estado atual e acontecimentos do passado que a levaram ao sofrimento psíquico, já que agora, ela tem a chance de ressignificar suas dores. Percebe-se que o Transtorno de Ansiedade (TA) tem como fatores desencadeantes, o desamparo social, a necessidade de pertencimento de grupo e de aceitação pessoal. Esses fatores disparam gatilhos para o surgimento de sintomas associados ao medo, por exemplo, exatamente o que Ana traz nos entrelaces das áreas da vida, como relacionar-se amorosamente. Portanto, podemos dizer que, a maior contribuição da psicanálise para a compreensão do Transtorno de Ansiedade (TA) foi sem dúvida o retorno à subjetividade, ao questionamento e à complexidade, ou seja, a “subjetivação do diagnóstico”. O sujeito voltou a ser considerado como um todo, seu eu, sua fala, seu pensamento, seu comportamento, seu corpo e etc. Um sujeito marcado por questões sociais, econômicas, culturais, psíquicas e não somente biológicas.

Na prática, resultando dos atendimentos clínicos, o estágio se dá como um conjunto de aprendizados e crescimentos e é constituído por determinações múltiplas que vão além do âmbito acadêmico, abrangendo também as habilidades interpessoais. Através das orientações da profissional/professora Angélica Lima foi possível superar as dificuldades comuns do iniciante.

Finalmente, considera-se que na formação do psicólogo clínico de orientação psicanalítica, trata-se de suportar e assentir com a posição ética, teórica e técnica da psicanálise na condução do trabalho clínico.

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1Graduanda em psicologia do Centro Universitário São Lucas/Afya de Porto Velho-RO, jossymarafernandapsi@gmail.com