ANÁLISE, PERSPECTIVAS E CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA MÚSICA “PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES (CAMINHANDO E CANTANDO)” DE AUTORIA DE GERALDO VANDRÉ.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7596619


Dilson Castro Pereira1
Juan Pablo Moraes Morillas2
Ailton Luiz dos Santos3


RESUMO

O presente artigo apresentou reflexões acerca da música composta por Geraldo Vandré (Pra não dizer que não falei das flores), como também as consequências sofridas pelos profissionais que trabalham com a liberdade de expressão e de imprensa. O objetivo maior foi trazer uma discussão com a devida importância que os direitos estudados fossem plenamente garantidos conforme a norma constitucional. A pesquisa foi realizada do tipo exploratória, com método de investigação bibliográfico. Concluiu-se que a composição ora analisada se tornou um hino de resistência ao momento de censura praticada por órgãos governamentais. Decerto, restou claro que por duas décadas o país passou por um retrocesso cultural em virtude das restrições impostas em desfavor da liberdade de expressão e de imprensa.

Palavras chaves: Geraldo Vandré; Liberdade de Expressão; Liberdade de Imprensa.

Abstract

This article presented reflections on the music composed by Geraldo Vandré (Not to mention that I did not speak of flowers), as well as the consequences suffered by professionals who work with freedom of expression and the press. The main objective was to bring a discussion with the due importance that the studied rights were fully guaranteed according to the constitutional norm. The research was carried out of the exploratory type, with bibliographic investigation method. As a result, it was inferred that the composition now analyzed became an anthem of resistance to the moment of censorship practiced by government agencies. Certainly, it was clear that for two decades the country has gone through a cultural setback due to restrictions imposed in detriment to freedom of expression and the press.

Keywords: Geraldo Vandré; Freedom of Expression; Freedom of the Press.

INTRODUÇÃO

Neste artigo trabalhamos umas das mais emblemáticas obras musicais brasileiras. Canção que reverberou por todos os cantos do Brasil em forma de protesto contra o momento crítico em que vivia a população. Época de supressão de garantias e direitos causados pelo regime militar. A canção “Para não dizer que não falei das flores”, conhecida popularmente como “Caminhando e cantando” do compositor Geraldo Vandré foi um chamamento à população para não se submeter às retiradas de direitos ora implantadas pelo governo federal. A dita obra musical foi escrita no ano de 1968 e em linhas gerais traz uma conotação de igualdade entre as pessoas, para tal intento, se fosse necessário, que deixassem as flores ao chão e que deixassem de ser pacifistas.

O objetivo principal deste trabalho é verificar as causas e efeitos das mensagens emitidas pelo autor para a população. Identificar as diversas violações de direitos cometidas pelo Estado, como também os avanços obtidos com os protestos e manifestações realizados naquele cenário de tantas incertezas.

Analisar também a importância da classe artística nesse processo de quebra de paradigma e principalmente ao direito à liberdade de expressão, sendo esse tão suprimido pela censura estatal.

Nos escritos iniciais tivemos a preocupação em realizar uma breve regressão da história do direito, obviamente trazendo nuances pontuais relacionadas ao tema proposto, elencando os principais pontos controversos, contextos filosóficos e perspectivas do direito propriamente dito com sua aplicabilidade plena em favor da sociedade brasileira.

Em seguida, aventamos esmiuçadamente o direito constitucional a liberdade de expressãopor entendermos ter sido violado, como também os aspectos que envolveram personalidades muito importantes, a exemplo de asilo político, repressão, censura de obras, dentre outras restrições. Nessa parte do trabalho, dissecamos toda a composição da música de Geraldo Vandré, interpretando as mensagens diretas, como também analisando as entrelinhas de toda letra musical.

Não obstante, portanto, pesquisamos os reais argumentos das partes envolvidas, sendo elas: governo e manifestantes acerca do período ora analisado. O uso de departamentos de controles para monitorar e caso fosse necessário punir as pessoas com pensamentos e ideias considerados subversivos. Por fim, as consequências advindas para os envolvidos em todo esse processo de maturação e pertencimento político da sociedade brasileira.

A pesquisa realizada foi exploratória, com método de pesquisa bibliográfica, utilizando a documentação indireta como técnica, portanto a revisão da literatura foi apoiada por artigos publicados na Internet, livros e doutrina.

2. CONTEXTO HISTÓRICO

A liberdade de expressão no bojo de um contexto mundial nos remete aos ideais do Renascimento filosófico, especificamente a Revolução Francesa, sendo o produto do processo de maturação da classe burguesa em consonância com o desenvolvimento do capitalismo.

Não obstante, no passado, a liberdade do indivíduo passou a se moldar no processo de desvinculação do estado aos ideais religiosos. Na antiguidade clássica existiam pensadores queos cidadãos deveriam ser ouvidos por seus governantes, podendo até divergir do estado em suas opiniões.Porém essa ideia era apenas de alguns filósofos e que essa tal “Democracia” ameaçava ao poder dos aristocratas. Como exemplo de repressão a esse direito mitigado podemos citar Sócrates que foi acusado de subverter aos jovens, tendo como consequência a condenação de pena de morte.

Na Idade Média, a influência na sociedade era totalmente dominada pela Igreja Católica, sendo que esta pregava a liberdade de expressão como uma reflexão com Deus. A liberdade era vinculada à maturação espiritual do indivíduo, disposto a superar as tentações mundanas.

Dois grandes pensadores se destacam na Idade Medieval, um deles é Santo Agostinho, discípulo das ideias de Platão, dizia que a liberdade está ligada ao livre-arbítrio que Deus concede ao homem e ser livre ao praticar o bem e seguir os ensinamentos do Criador. Já para São Tomás de Aquino, outro importante pensador da época, a liberdade é um meio para o alcance final de um objetivo.

Em se tratando de liberdade, não podemos deixar de pontuarmos sobre a Carta Magna de 1215, também conhecida comoa Carta das Liberdades1, esmiuçada por Ricardo de forma bastante coerente.Ainda em seu livro ¿Cómo se hicieronlosderechoshumanos?: um viaje por la historia de los principalesderechos de las personasRicardo (2014, pag. 159) enfatiza que:

Ya sabemos que es necesario, para entender mejor las construcciones jurídicas, acercarse a los escenarios en que se gestan. En el caso de la Magna Carta inglesa de 1215, su génesis es bastante larga. En realidad, se impone retroceder varios cientos de años. Por lo menos, hasta fines del siglo IX. Y se requiere, además, salir del territorio de Inglaterra, porque también esos límites resultan a menudo arbitrarios en la historia jurídica.

O pensamento dominante na Idade Moderna teve influências do Renascimento e do Iluminismo. Várias transformações eclodiram, uma delas foi a transferência da visão teológica para o movimento humanista que via o homem como centro do universo. O conceito de liberdade muda completamente do que era propagado na Idade Média, uma vez que o mesmo livre-arbítrio deveria ser utilizado pelo homem com racionalidade e sem qualquer tipo de coação.

Não obstante várias outras correntes foram desenvolvidas nesse período, porém em sua maioria incitavam ao indivíduo a prática do pensar e tirar suas próprias conclusões, ou então, a experiência através das sensações humanas denota a real liberdade.

A idade contemporânea teria como marco a Revolução Francesa (1789), momento em que os preceitos e ideais de liberdade afloraram e passou a ser um dos pontos sólidos do movimento. Ao lado dos direitos a igualdade e fraternidade, o princípio da liberdade formou tripé que deu sustentabilidade a um poder político garantidor da democracia.

Ao passar dos anos o direito a liberdade de expressão foi sendo aperfeiçoado e em 1945, com a criação da Organização das Nações Unidas-ONU, fora editada uma Declaração que em seu art. 19 contempla o direito a liberdade de expressão por todos os países signatários, vejamos:

Art. 19 – todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.

3. LIBERDADE DE EXPRESSÃO E AS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS 

A primeira Constituição do Brasil foi editada no ano de 1824, ainda no chamado Brasil-Império tendo características marcantes das monarquias absolutistas pelo mundo, exemplo maior foi a criação de um quarto poder denominado de “Moderador”, sendo que este se encontrava acima dos outros três poderes e era comandado pelo Rei.

Em que pese ter consagrado a liberdade de expressão, a censura acontecia de forma velada pelas lideranças locais em desfavor das pessoas que os criticavam, ou seja, um direito totalmente mitigado naquela época.

Na constituição de 1891, a primeira do Brasil-República, as liberdades de expressão e da imprensa foram mantidas, sendo vedado o anonimato em sua plenitude. Importante destacar que estávamos transitando de um modo de produção totalmente escravocrata para a produção capitalista, a escravidão já tinha sido abolida e não cabia qualquer tipo de cerceamento da liberdade.Pontuemos também que a manutenção da liberdade de expressão não ilide a penalização por excessos cometidos. Por se tratar de um direito ainda incipiente, existiram casos de estancamento dessas liberdades por conta de interesses políticos.

Com a instituição da República, o país foi governado até 1930 por aristocratas paulistas e mineiros, ou seja, a conhecida “política café-com-leite”. Insatisfeitos, alguns outros governadores ajustaram uma manobra para assim colocar no poder um divergente da citada política. Fora escolhido o gaúcho Getúlio Vargas para comandar um governo provisório. Em 1934, em meio a diversas disputas de cunho político, fora editada a terceira constituição mantendo a garantida da liberdade de expressão, no entanto censurando os espetáculos e diversões e proibindo a propaganda de guerra ou de processos para subverter a ordem econômica e social.

A constituição de 1934trazia emseu texto que nas eleições em 1938, o então presidente Getúlio Vargas não poderia participar, dessa forma, os propósitos de permanência no poder do presidente seriam estancados. Porém, em 1937, Getúlio Vargasfecha o congresso eoutorga (impõe) a quarta constituição conhecida como “Polaca”, pois tinha características (ditatoriais) da constituição polonesa. No que concerne a liberdade de expressão, a constituição de 37 trazia a censura prévia em seu art. 122, inc. 15, alínea “a” com a seguinte descrição:

15) todo cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento, oralmente, ou por escrito, impresso ou por imagens, mediante as condições e nos limites prescritos em lei. A lei pode pescrever: a) com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da radiodifusão, facultando à autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou a representação.

Para fiscalizar a censura prévia instalada constitucionalmente, o presidente Getúlio Vargas criou o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que esmiuçaremos a posteriori.O Estado Novo perdurou até o ano de 1945.

A nova ordem política carecia de uma nova constituição. Em 1946 fora promulgada a quinta constituição brasileira. Em relação a liberdade de expressão pontuou que:

Art. 141 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 5º – E livre a manifestação do pensamento, sem que dependa de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um, nos casos e na forma que a lei preceituar pelos abusos que cometer. Não é permitido o anonimato. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros e periódicos não dependerá de licença do Poder Público. Não será, porém, tolerada propaganda de guerra, de processos violentos para subverter a ordem política e social, ou de preconceitos de raça ou de classe.

Com a instituição do “Regime Militar” (1964-1984) o direito à liberdade de expressão foi totalmente suspenso, tornando a censura institucionalizada e o principal mecanismo de controle. Tanto a imprensa como os artistas, escritores, músicos, professores, compositores, dentre outros eram submetidos ao crivo de órgãos de controle estatal, tendo a previsão de severas punições caso as normas fossem descumpridas.

Em 1967 foi outorgada uma nova constituição que mantinha a liberdade de expressão formalmente, no entanto, Atos Institucionais que conferiam plenos poderes ao Presidente para caso fosse necessário, utilizar contra seus opositores, tudo em nome da segurança e do desenvolvimento do país.

Com a volta da democracia, vários políticos e artistas que estavam exilados retornaram ao Brasil e em 1988, a Assembleia Constituinte promulga a sétima e última constituição brasileira. Sendo essa conhecida como “constituição cidadã”, restabelecendo o direito à liberdade de expressão no bojo do direito e das garantias fundamentais em seu art. 5º, inciso IV que diz:

“é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Por seu turno faremos um link com outro inciso muito importante, oInciso IX do mesmo artigo que diz: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

4. MENSAGEM DA MÚSICA “PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES” DO COMPOSITOR GERALDO VANDRÉ.

Em 1968, em pleno regime militar, Geraldo Vandré criou a música “Pra não dizer que não falei das flores” (também conhecida popularmente por Caminhando e Cantando) para concorrer ao III Festival de Música, tornando-se um hino dos manifestantes que sofriam com medidas de contenção da liberdade de expressão, contribuindo para aceleração da edição do Ato Institucional nº 5. Por intermédio dos órgãos de controle estatal, a referida canção foi censurada e seu compositor precisou deixar o país.

O ponto crucial da canção é que a população deixasse a inércia de lado e lutasse pelos direitos e garantias constitucionais. Não obstante, é de grande importância que esmiucemos as estrofes existentes na referida obra musical.

Vejamos a letra da música:

Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Caminhando e cantando e seguindo a canção

Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Pelos campos há fome em grandes plantações
Pelas ruas marchando indecisos cordões
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
E acreditam nas flores vencendo o canhão

Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Há soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos de armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição
De morrer pela pátria e viver sem razão

Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados, armados ou não
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Os amores na mente, as flores no chão
A certeza na frente, a história na mão
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Aprendendo e ensinando uma nova lição

Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

FONTE: Musixmatch.com

COMPOSITOR: Dias Geraldo Pedrosa De Araujo (Geraldo Vandré)

LETRA de Pra não dizer que não falei das flores © Editora E Imp Musical Fermata Do Brasil

No ano de 1968, o Brasil viveu um dos momentos mais conturbados da história do país; desde que os militares tomaram o poder, em 1964,a opressão aos movimentos sociais e culturais foi se intensificando até se concretizar através do AI-5. Neste cenário de ditadura, Geraldo Vandré criou a música Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores, também conhecida como Caminhando

A canção tinha a letra perfeita para os manifestantes da época, tanto que acabou sendo censurada e o cantor precisou sair do país, em exílio, para se proteger.  

1ª ESTROFECaminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Caminhando e cantando e seguindo a canção
IMAGEM/FONTE: https://br.pinterest.com

A primeira estrofe é um chamamento do autor para que as pessoas saíssem do estado de letargia e busquem de alguma forma a garantia dos direitos básicos comuns, principalmente o da liberdade de expressão.

Nivela todos os cidadãos ao mesmo patamar de destinatários dos direitos constitucionais, como também enfatiza a igualdade formal. Ou seja, independentemente da condição social, de estarem limitados geograficamente, cor, sexo, dentre outras variantes, todos sofriam com a forma de tratamento desumano existente à época.

2ª ESTROFEVem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Protesto em 1968 pelo fim da ditadura
IMAGEM/FONTE: https://br.pinterest.com

Em seguida, na segunda estrofe, percebemos a enfatização da ideia de unicidade e praticamente se consolida como uma convocação. Para o autor, se sabiam onde queriam chegar, não poderiam esperar, pois se assim agissem o norte seria diverso do pretendido, considerando também que a mudança era urgente e inevitável.

Importante pontuar que esse chamamento se repete ao longo da composição nas estrofes: quarta, sexta e oitava.

3ª ESTROFEPelos campos há fome em grandes plantações
Pelas ruas marchando indecisos cordões
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
E acreditam nas flores vencendo o canhão
IMAGEM/FONTE: https://armazemdetexto.blogspot.com/

Na terceira estrofe a conscientização começa trazendo um antagonismo entre a agricultura de exportação e a fome que os agricultores passavam. Importante recordar que a agricultura de exportação se sustenta no tripé: mão-de-obra barata, latifúndios e toda a produção enviada para o exterior.

Ainda na terceira estrofe, o autor expressa as discussões de ideias existentes entre os grupos de manifestantes, uma vez que existiam correntes que acreditavam em uma quebra de paradigma, uma mudança governamental radical por meio de ações pacíficas (…ainda fazem da flor seu mais forte refrão…), no último verso da referida estrofe, o autor reforça seu posicionamento proativo e deixa claro que a mudança viria através de luta.

4ª ESTROFEHá soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos de armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição
De morrer pela pátria e viver sem razão
IMAGEM/FONTE: https://www.marcoaureliodeca.com.br/

Na quarta estrofe, o autor observa que os soldados armados estão desarticulados e sem direção. Faz referência à falta de reflexão nas ordens recebidas nos quartéis e executá-las sem qualquer tipo de questionamento. Nesse contexto, Geraldo Vandré relativiza a responsabilidade dos soldados, uma vez que o próprio sistema não os deixava pensar.

5ª ESTROFENas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados, armados ou não
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Os amores na mente, as flores no chão
A certeza na frente, a história na mão
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Aprendendo e ensinando uma nova lição
IMAGEM/FONTE: http://www.sintietfal.org.br/2019/05

A quinta estrofe é a mais extensa de todas, observamos que o chamamento é bastante amplo, envolvendo a classe estudantil, os trabalhadores comuns, os trabalhadores rurais, trabalhadores da construção civil, ou seja, todas classes engajadas no mesmo propósito.

Que todos deveriam participar das manifestações armados ou não, porém a conduta pacifista deveria ficar de lado; levando seus entes queridos na cabeça e dispostos a tudo, dessa forma atingiria a tão sonhada transformação social.

5. CONSEQUÊNCIAS ACERCA DA EDIÇÃO DA MÚSICA

Como o país vivia um momento de restrições da liberdade de expressão, principalmente aos artistas e à imprensa, muitos tiveram que sair para o exterior, pois era iminente o risco de serem presos pelos órgãos repressivos do governo, sob o argumento de subverterem a ordem social.

O próprio Geraldo Vandré teve que sair do país e morou em diversos países, a exemplo da França, Bulgária, Alemanha e outros. Em 1975 ao retornar ao Brasil seguiu a carreira de advogado e servidor público. Depois do exílio, o compositor ainda era vigiado pelos órgãos de controle e pelos militares.

Em que pese vários anos exilado, Vandré sempre negou que foi torturado, como também nunca aceitou o rótulo de criador do maior hino de protesto contra o regime militar. Sendo que seus contemporâneos consideram que tal negacionismo se deu pelo fato de o mesmo sofrer tortura velada.

Atualmente Vandré se encontra com 85 anos, mora na cidade de São Paulo com sua esposa. Deu uma entrevista polêmica dizendo que perdeu o estímulo para compor em virtude da não sedimentação de um feedback com o público brasileiro, vítima do processo de aculturação.

Além de Vandré, outros compositores, jornalistas, artistas e opositores políticos tiveram que partirem para outros países. O exilio era um convite (obrigação) do governo para deixarem o país sob pena de perseguições e ameaças, caso resolvessem ficar.

6. ÓRGÃOS DE CONTROLE GOVERNAMENTAL

Com a implantação do regime militar, esse teve como sustentação do sistema de repressão e controle órgãos governamentais com o objetivo de fiscalizar as ações diversas dos opositores ao governo, a saber:

6.1 Serviço Nacional de Informações (SNI)

Foi um dos pilares do governo militar, sendo um poderoso captor de informações, como também responsável pela circulação daquelas no âmbito dos órgãos.

O Serviço Nacional de Informação foi criado em junho de 1964 teve como finalidade precípua criar um banco de dados com o máximo de informações de políticos, estudantes, professores, artistas, escritores, líderes sociais e quaisquer outras pessoas com influência e formadora de opinião. O investimento no órgão foi maciço, com isso as agências informativas estavam espalhadas por todo território nacional.

Não obstante, destaquemos que o poder imputado ao órgão não só monitorava os brasileiros, como também tinha o desenvolvimento do serviço secreto nas embaixadas localizadas no país. Por intermédio do Centro de Informações do Exterior, criado em 1966, dentro do próprio Itamaraty, aliados a essa estrutura, ainda eram articulados os serviços internos de informações da Marinha (Cenimar), Exército (CIE) e Aeronáutica (Cisa); e ainda capilaridades do órgão em cada Ministério civil.

Com tanto poder, o órgão subsidiou ao governo em ações de violações aos direitos e garantias fundamentais a quem se expressasse de forma contrária, controlando e punindo seus opositores, negação de emissão de passaportes, prisões, torturas e até mortes.

6.2 Departamento de Ordem Política e Social (DOPS)

Foi outro órgão governamental que deu azo às ações de combate aos crimes de ordem pública. Criado em 1924, sua função originária era a de controle de fabricação, entrada e saída de explosivos no país, como também os assuntos acerca de estrangeiros no país, tendo seus ápices na vigência do Estado Novo, implantado por Getúlio Vargas (1930-1945); como também no Regime Militar.

Além do intento de coibir crimes, o DOPS era filtro de manifestações culturais e religiosas, como por exemplos: a capoeira, a umbanda e o candomblé (manifestações africanas). Sem falar no acompanhamento e fiscalização dos dirigentes sindicais.

Com a importância adquirida pelo órgão, com o passar do tempo lhe foi concedido um relevante poder. Não obstante, um candidato a uma vaga de emprego deveria apresentar um atestado de bons antecedentes, nesse caso seria na verdade um atestado ideológico do candidato. Caso tivesse ideias e pensamentos idênticos ao governo e não participasse de qualquer grupo contrário, teria grandes possibilidades em assumir a vaga.

Ao DOPS foram creditadas várias prisões, torturas e mortes no período, principalmente, do regime militar. No ano de 1994 o governo disponibilizou aos familiares das vítimas os arquivos do órgão, para que fosse possível identificar informações que esclarecessem fatos obscuros da época.

7. LIBERDADE DE EXPRESSÃO, LIBERDADE DE IMPRENSA E A DEMOCRACIA

Uma está fundamentalmente ligada à outra. O exercício da democracia passa sem sombra de dúvidas pela proteção da liberdade de expressão. Não se pode falar em dignidade da pessoa humana em um país democrático sem passar pela liberdade de expressão e de imprensa.

A liberdade de expressão está consubstanciada no artigo 5º, inciso IV c/c IX, da Constituição Federal de 1988. Porém, como todo e qualquer direito fundamental, sua aplicabilidade não é absoluta, tendo como limitadores outros direitos e princípios garantidos pela própria norma constitucional.

Podemos citar como limitador da não-plenitude da liberdade de expressão o inciso X do mesmo artigo 5º que diz que: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Um outro limitador está no próprio inciso IV que não permite o anonimato e uma manifestação do pensamento. Além dos limitadores constitucionais, algumas outras normas infraconstitucionais (leis e regulamentos) editadas pelo estado, também realizam esse filtro de não permitir qualquer tipo de violação de direitos.

No tocante a liberdade de imprensa, asseveramos que em uma sociedade democrática em que os meios de comunicação estimulam a dialética entre seus cidadãos de forma livre, o processo de resolução de demandas se tornará o mais legítimo possível. Paralelamente, a imprensa serve de órgão não-estatal fiscalizador das atividades dos entes, cobrando a implantação de execução de políticas públicas elaboradas pelo poder legislativo.

Comunicar é o principal papel da imprensa, como o texto constitucional consubstancia que será independente de censura e licença. A Censura impede que as informações cheguem claras ao cidadão, sendo divulgado o que for conveniente para o Governo.

E essa liberdade de imprensa seria plena? Lógico que não. Nenhum direito ou garantia é pleno, absoluto. A imprensa tem como principal limite à sua atuação frente à sociedade com a VERDADE. O sigilo da fonte é assegurado constitucionalmente, porém a propagação de notícias equivocadas ou inverídicas ensejam violação de direito. Ademais, o inciso V do art. 5º reza que: é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.

Atualmente, estamos vivenciando o momento conhecido por “fake News”. Notícias falsas são disseminadas em redes sociais com o intuito de desacreditar alguém ou um grupo com agressões de cunho racista e preconceituosa, violando direito e garantias fundamentais, condutas totalmente reprováveis em um estado democrático de direito.

8. CONCLUSÃO

Por tudo que foi exposto, analisando o caso concreto, ficou claro que no período conhecido por Regime Militar houve uma intensa supressão de direitos e garantias fundamentais, principalmente no que concerne a não efetividade da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa, considerados como direitos universais do ser humano.

A canção símbolo da resistência ecoou por todo país, fazendo um chamamento à sociedade para que todos não ficassem inertes frente a tudo que acontecia. Seu compositor, Geraldo Vandré, aduzia ainda, que as flores fossem deixadas no chão, pois resistência era feita com persuasão e, se fosse necessário, que pegassem em armas.

Registrou-se várias perseguições, ameaças e prisões por parte dos órgãos de controle do governo (DOPS e SNI) a jornalistas, artistas, compositores e políticos opositores que tiveram que deixar o país e se autoexilaram por diversos outros países.

Por final, chegamos à conclusão de que a liberdade de expressão exposta na letra da canção ora analisada traz uma profunda reflexão da garantia e dos direitos fundamentais consubstanciados na Constituição Federal. Por sua vez, pontue-se que nem um direito fundamental é pleno e para isso existem limitadores para evitar excessos e reparar danos. Decerto, sabemos que essa pesquisa não esgota o tema estudado.

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1 Especialista em Direito Militar pela Universidade Cruzeiro do Sul – SP. Possui graduação em Segurança Pública pela Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Oficial da Polícia Militar do Estado do Amazonas.

2 Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Mestre em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade do Estado do Amazonas. Especialista em Direito Militar pela Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL). Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Atualmente é Tenente-coronel QOPM da Polícia Militar do Estado do Amazonas. e-mail: juanmorrilas@hotmail.com.

3 Mestrando em Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Especialista em Gestão Pública aplicada à Segurança pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Especialista em Direito Administrativo pela Faculdade FOCUS. Especialista em Ciências Jurídicas pela Universidade Cidade de São Paulo (UNICID). Bacharel em Direito pela Universidade Cidade de São Paulo (UNICID). Bacharel em Segurança Pública pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Candido Mendes (UCAM). Atualmente é Major QOPM da Polícia Militar do Estado do Amazonas. e-mail: ailtontati@yahoo.com.br.


1Sobre La Gestación de la Carta de las libertades: La historia de Guillermo y sus “magníficas promesas” a los guerreros que lo acompañaran em su empresa, podría hacer pensar en aquellos clásicos (y poco creíbles) ejemplos que suelen dar los civilistas, sobre ofertas o propuestas desmesuradas, sometidas a condiciones exóticas, que son aceptadas y luego las condiciones se verifican. El duque habría ofrecido muchas “libertades” a sus seguidores para incentivarlos a seguirlo en tan difícil campaña. El cometa habría resultado de buen augurio par el hijo de Roberto “el Diablo”. La improbable conquista de Inglaterra se había concretado. No cabía otra alternativa para el nuevo monarca que la de cumplir con lo generosamente prometido.