ANÁLISE JURÍDICA DA INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO NO DIREITO CIVIL

REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.12441069


Gilberto Laurindo de Queiroz Junior1
Orientador: Esp. Luciana Gomes de Sousa Télis2


Resumo

Este trabalho analisa as consequências emocionais e jurídicas do abandono afetivo no contexto das relações familiares brasileiras, destacando a importância do vínculo afetivo para o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes. A pesquisa utiliza uma abordagem qualitativa para examinar a legislação, a jurisprudência e a literatura acadêmica sobre o tema, revelando tanto as lacunas existentes quanto as tentativas de resposta do ordenamento jurídico. Os resultados indicam que, embora o afeto seja fundamental para a coesão social e o desenvolvimento individual, a legislação brasileira ainda carece de especificidades que abordem diretamente os danos emocionais causados pelo abandono afetivo. Conclui-se que uma abordagem jurídica mais eficaz requer a integração de diferentes disciplinas e a promoção de uma maior conscientização sobre a gravidade do abandono afetivo. Propõe-se a elaboração de leis mais claras, capacitação de profissionais e debates públicos como medidas essenciais para tratar essa problemática complexa e sensível. O estudo sugere que fortalecer os laços afetivos e entender profundamente as dinâmicas familiares pode mitigar os impactos negativos do abandono afetivo e promover o bem-estar das gerações futuras.

Palavras-chave: Abandono afetivo. Legislação brasileira. Relações familiares. Desenvolvimento emocional. Coesão social.

1 INTRODUÇÃO

O seio familiar é o primeiro ambiente de formação do ser humano, onde as relações afetivas desempenham um papel essencial na construção do indivíduo. Dentro deste contexto, o abandono afetivo, caracterizado pela ausência de cuidado emocional por parte de um ou ambos os pais, emerge como uma problemática que afeta tanto o desenvolvimento da criança quanto a coesão social. Este fenômeno se apresenta como uma faceta crítica da dinâmica familiar contemporânea, exigindo uma resposta adequada do sistema jurídico e uma reflexão profunda sobre os valores fundamentais que norteiam as relações familiares.

No Brasil, o abandono afetivo tem suscitado debates significativos, principalmente em relação às suas implicações jurídicas e às consequências emocionais nas vítimas. A legislação e a jurisprudência brasileiras têm buscado formas de abordar esta questão, refletindo a relevância do afeto no Direito de Família e evidenciando a necessidade de se estabelecer mecanismos de reparação e prevenção. Entretanto, as respostas legais ainda enfrentam desafios, apresentando lacunas que necessitam ser preenchidas para assegurar uma proteção efetiva às vítimas e promover uma sociedade mais justa e solidária.

Este trabalho tem como foco analisar as consequências emocionais do abandono afetivo e as respostas que o ordenamento jurídico brasileiro tem proporcionado a essa realidade. A problemática central a ser abordada refere-se à extensão em que o abandono afetivo deve encontrar respaldo no Direito Civil, especialmente no que tange à indenização. Além disso, busca- se entender como o poder familiar é exercido e como o abandono afetivo contraria princípios básicos de dignidade humana e cuidado, essenciais para o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes.

A motivação para este estudo decorre da crescente relevância do tema na sociedade brasileira contemporânea e da necessidade de se aprofundar nas ramificações jurídicas do abandono afetivo. Assim, por meio da análise de legislação, jurisprudência e casos concretos, este artigo visa contribuir para um debate mais amplo sobre a natureza do afeto e sua inestimável importância na formação e manutenção do tecido social, bem como propor sugestões para aprimorar a legislação e as respostas judiciais frente a casos de abandono afetivo.

2 PROBLEMATIZAÇÃO

O abandono afetivo, manifestando-se como uma falta notável de amor, carinho e atenção por parte de um ou ambos os pais, é uma característica alarmante da dinâmica familiar contemporânea. Este fenômeno complexo emerge como um significativo desafio para o Direito de Família e, de forma mais ampla, para os valores humanos fundamentais que sustentam a sociedade.

A questão crucial que se coloca é: até que ponto o abandono afetivo deve encontrar respaldo no Direito Civil, especialmente no que se refere à possibilidade de indenização? Este interrogativo não é meramente retórico, mas sim um reflexo das inquietudes e dos dilemas que permeiam tanto as esferas jurídicas quanto as sociais. O cenário legal atual, marcado por constantes evoluções e debates, demanda uma análise criteriosa para determinar os limites e as possibilidades de responsabilização civil em casos de abandono afetivo.

A família, concebida pela sociedade e amparada pelo Estado, serve como o principal pilar de apoio, educação e formação do indivíduo. Dentro dessa estrutura, os sentimentos mais benevolentes e humanos, como o amor e a ternura (VARDIERO, 2021), são essenciais para a construção de relações saudáveis e o desenvolvimento psicossocial dos membros familiares, principalmente das crianças.

Dessa forma, quando ocorre uma negligência no dever de afeto por parte dos pais, as consequências vão muito além do prejuízo emocional e psicológico da criança ou adolescente. Fala-se também de um impacto significativo na estrutura social em que estamos inseridos. Este impacto se manifesta de diversas maneiras, afetando não apenas o indivíduo imediatamente envolvido, mas também as relações interpessoais e comunitárias, contribuindo para a fragilização dos laços sociais e para a perpetuação de ciclos de abandono e negligência.

Ao refletir sobre esta problemática, torna-se evidente a necessidade de uma abordagem multidisciplinar, que contemple não apenas as normativas legais, mas também as implicações psicológicas, sociais e culturais do abandono afetivo. Ao buscar compreender as raízes e as consequências deste fenômeno, pode-se começar a vislumbrar possíveis caminhos para a sua prevenção e para a reparação dos danos causados, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa, empática e solidária.

3 JUSTIFICATIVA

O tema do abandono afetivo é de suma relevância para a sociedade brasileira contemporânea. Com a revolução no Direito de Família, o afeto ganhou destaque jurídico, refletindo a importância da sua influência na vida cotidiana (PEREIRA, 2015). Assim, entender as ramificações jurídicas do abandono afetivo é essencial para aprimorar a legislação e as respostas judiciais, promovendo uma sociedade mais justa e solidária.

O poder familiar, conforme entendido nos dias de hoje, é o exercício conjunto e igualitário de autoridade por ambos os pais sobre o filho menor (MARTINS, 2021). Dessa forma, o abandono afetivo contraria não apenas os princípios básicos do Direito de Família, mas também desafia os conceitos de dignidade humana e cuidado, tão essenciais para o desenvolvimento saudável de uma criança (AIRES, 2022).

Analisar a indenização por abandono afetivo no Direito Civil é um passo crucial para compreender e confrontar uma realidade crescente no Brasil. Não se trata apenas de uma questão monetária ou de recompensa, mas de uma busca por justiça e equidade para as vítimas de tal abandono, bem como de uma reflexão sobre os valores humanos que sustentam nossa sociedade. Ao direcionar a atenção para essa temática, se espera não apenas elucidar as complexidades jurídicas envolvidas, mas também contribuir para um debate mais amplo sobre a natureza do afeto e sua importância inestimável na formação e manutenção do tecido social.

4 HIPÓTESE

Neste estudo, as hipóteses são postuladas para guiar a investigação e análise. A primeira hipótese sugere que a falta de cuidado emocional por parte de um ou ambos os pais podem gerar consequências psicológicas graves em crianças e adolescentes, afetando de forma significativa o seu desenvolvimento e bem-estar. A segunda hipótese aponta que, apesar de avanços, o ordenamento jurídico brasileiro ainda apresenta lacunas significativas no que concerne à reparação dos danos decorrentes do abandono afetivo. A terceira hipótese reflete a observação de que a jurisprudência brasileira está, cada vez mais, reconhecendo a necessidade de resguardar os direitos das vítimas de abandono afetivo, ainda que exista uma diversidade de entendimentos sobre a matéria. A quarta hipótese levantada é que o reconhecimento do dever de afeto no âmbito jurídico poderia propiciar uma mudança cultural, cultivando relações familiares mais saudáveis e promovendo uma sociedade mais solidária e empática. Por fim, a quinta hipótese considera que a introdução de medidas legislativas mais claras e específicas para abordar o abandono afetivo poderia facilitar a resolução judicial dos casos, assegurando uma maior segurança jurídica e proporcionando proteção efetiva às vítimas.

5 OBJETIVOS

5.1 OBJETIVO GERAL

Analisar e compreender as consequências emocionais do abandono afetivo e as respostas que o ordenamento jurídico brasileiro tem proporcionado frente a essa realidade, tanto do ponto de vista normativo quanto jurisprudencial.

5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

  • Identificar e descrever as consequências emocionais do abandono afetivo em crianças e adolescentes.
  • Analisar a legislação atual e a jurisprudência brasileira relacionada ao abandono afetivo.
  • Investigar casos concretos de processos judiciais em que foi pleiteada indenização por abandono afetivo.
  • Discutir a importância e o papel do afeto nas relações familiares contemporâneas.
  • Propor sugestões para aprimorar a legislação e as respostas judiciais frente aos casos de abandono afetivo.

6 METODOLOGIA

Este estudo adota uma abordagem qualitativa e exploratória, visando compreender as nuances do abandono afetivo e suas repercussões no ordenamento jurídico brasileiro. A metodologia empregada baseia-se na análise de fontes secundárias, incluindo legislação, jurisprudência, doutrina e literatura acadêmica relevante.

A pesquisa legislativa foca na identificação e análise de leis, projetos de lei e dispositivos legais relacionados ao direito de família e aos direitos da criança e do adolescente, com ênfase especial na legislação pertinente ao abandono afetivo. Esta análise visa elucidar o atual estado da legislação brasileira e identificar possíveis lacunas que necessitem de atenção ou reformulação.

Na pesquisa jurisprudencial, são examinadas decisões judiciais relevantes dos tribunais brasileiros, incluindo o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ). A seleção das decisões baseia-se na relevância para o tema do abandono afetivo, com um foco particular em casos que ilustram a aplicação da lei e os critérios utilizados pelos tribunais para julgar questões relacionadas ao abandono emocional.

A revisão da literatura abrange a análise de trabalhos acadêmicos, artigos, livros e outras publicações que discutem o abandono afetivo e suas consequências emocionais e jurídicas. Esta revisão tem o intuito de compilar diferentes perspectivas e interpretações sobre o tema, proporcionando uma base sólida para a discussão e análise.

Além disso, este estudo também contempla uma análise comparativa, onde modelos e práticas de outros países em relação ao abandono afetivo são examinados. O objetivo é identificar práticas internacionais que possam servir de referência ou inspiração para aprimoramentos na abordagem brasileira ao tema.

Por fim, a metodologia inclui a síntese e análise crítica das informações obtidas, com o intuito de fornecer uma visão abrangente do estado atual do abandono afetivo no contexto jurídico brasileiro.

7 REFERENCIAL TEÓRICO

7.1 DEFINIÇÃO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ABANDONO AFETIVO NO DIREITO

O abandono afetivo tem se tornado um tema cada vez mais debatido no campo jurídico. Segundo MOREIRA e TONELI (2015), este se refere à falta de proximidade, convívio, atenção, cuidado e assistência na relação familiar, constituindo-se como uma lacuna emocional que pode acarretar consequências graves para a saúde mental e desenvolvimento da criança ou adolescente. A sua manifestação pode ocorrer de diversas maneiras, como a ausência de tratamento isonômico à prole, sendo importante destacar que o tratamento diferenciado entre irmãos não apenas configura um ilícito, mas também uma conduta inconstitucional.

Historicamente, o tema do abandono afetivo não possuía destaque ou legislação específica no contexto jurídico brasileiro. Entretanto, sua evolução se deu com o aumento da discussão no Judiciário e a necessidade de se reconhecer as implicações e danos resultantes dessa prática (VGRA Advogados, [s.d]). Um exemplo dessa evolução pode ser observado no acórdão do TJSC de 2007, que enfatiza como o ato de um pai abandonar afetivamente um filho pode ser considerado ilícito e ensejador de reparação moral (MOREIRA e TONELI, 2015).

7.2 CONSEQUÊNCIAS EMOCIONAIS DO ABANDONO AFETIVO

O abandono afetivo, uma das tristes realidades enfrentadas por muitas pessoas, tem consequências que vão muito além da esfera material, adentrando profundamente o universo psicológico e emocional dos afetados. Para entender a amplitude destas repercussões, é necessário um mergulho na literatura existente sobre o tema.

Segundo OSCAR (2023), a ausência de um relacionamento significativo com um dos progenitores pode desencadear uma série de problemas psicológicos. Problemas de autoestima e autoconfiança surgem quando a criança internaliza essa ausência como um reflexo de sua própria valia, levando a sentimentos de rejeição e inadequação. A incapacidade de formar um vínculo emocional saudável com um dos pais, ressalta o autor, pode ter repercussões futuras na vida social e afetiva, gerando dificuldades de apego.

Para além disso, OSCAR (2023) indica que problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão, são mais prevalentes em vítimas de abandono afetivo. Essas consequências não são apenas temporárias, elas podem persistir na vida adulta, afetando a saúde mental e o bem-estar geral da pessoa. Também há um impacto evidente na educação. A falta de apoio emocional pode se manifestar em dificuldades acadêmicas, comprometendo o desenvolvimento educacional da criança.

PEIXOTO e SILVA (2022) ampliam essa perspectiva, sugerindo que a quebra no vínculo afetivo parental tem reflexos significativos nas relações futuras. Com base em suas pesquisas, eles argumentam que as experiências de abandono afetivo na infância modelam a maneira como o indivíduo se relaciona na fase adulta. A falta de modelos saudáveis de apego e intimidade pode gerar relações interpessoais tumultuadas, tanto em âmbitos pessoais quanto românticos.

Estudos internacionais, como um destacado por PEIXOTO e SILVA (2022) realizado nos Estados Unidos, indicam consequências igualmente graves decorrentes do abandono afetivo. Além dos problemas de saúde mental já citados, meninas têm maior propensão a engravidar precocemente ou cometer suicídio, enquanto meninos têm maior risco de evasão domiciliar e iniciação ao consumo de drogas.

AGRA (2002, p. 25) citado em Peixoto e Silva 2022, traz à discussão o conceito de dignidade, indicando que a dignidade da pessoa humana é um complexo de direitos essenciais. A ausência de afeto e atenção, sob essa ótica, pode ser interpretada como um comprometimento dessa dignidade. Para AGRA, o abandono gera danos muitas vezes imperceptíveis inicialmente, mas cujos efeitos tornam-se evidentes ao longo da vida, manifestando-se em comportamentos autodestrutivos, como alcoolismo e dependência de drogas.

O reconhecimento dessas consequências sublinha a importância de proteger e garantir o direito ao afeto, visto que seu comprometimento tem efeitos de longo alcance, capazes de moldar o curso da vida de uma pessoa.

7.3 ASPECTOS LEGAIS RELACIONADOS AO ABANDONO AFETIVO

De acordo com MOREIRA e TONELI (2015), apesar de não existir previsão legal específica sobre o abandono afetivo, sua prática se caracteriza pela violação de diversos dispositivos legais. Estes dispositivos estão relacionados aos deveres e responsabilidades parentais. Ao negligenciar esses deveres, os pais podem estar incorrendo no abandono afetivo.

A Constituição Federal, em seu artigo 227, estabelece a responsabilidade da família, da sociedade e do Estado de assegurar à criança e ao adolescente uma série de direitos fundamentais, dentre os quais está a convivência familiar. A ausência desta convivência, por negligência parental, pode ser compreendida como abandono afetivo.

Adicionalmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) reforça o princípio de proteção integral à criança e ao adolescente, evidenciando a responsabilidade da família e da sociedade em garantir os direitos fundamentais desses sujeitos (ABUD e SILVA, 2019).

O Código Civil, que serve como base para o Direito de Família, também prevê deveres dos pais em relação aos filhos. Estes deveres, dispostos no artigo 1.634, englobam desde a criação e educação até a representação dos filhos em âmbitos judiciais.

Contudo, ainda que não haja uma legislação específica para o abandono afetivo, existem projetos de lei em tramitação que buscam prever reparações morais para aqueles que se omitirem na prestação de assistência afetiva, como é o caso do Projeto de Lei 700/2007. Esse projeto se encontra atualmente sob análise da Câmara dos Deputados (MOREIRA e TONELI, 2015).

No âmbito judiciário, tem-se observado uma crescente discussão e posicionamento sobre o tema. Em decisão recente do STJ, um pai foi condenado ao pagamento de R$30.000,00 à filha devido ao abandono afetivo. Esta decisão exemplifica o reconhecimento, pelo Judiciário, dos danos causados pelo abandono afetivo e a necessidade de repará-los (VGRA Advogados, [s.d]).

Em síntese, o abandono afetivo no contexto jurídico brasileiro, mesmo sem uma legislação específica, vem sendo reconhecido e debatido tanto na doutrina quanto na jurisprudência, evidenciando a importância da presença parental no desenvolvimento integral da criança e do adolescente.

7.4 EXPLORAÇÃO DOS REQUISITOS PARA A INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO

A indenização por abandono afetivo, uma figura jurídica que visa compensar danos de ordem moral e/ou material decorrentes da ausência afetiva de um genitor, possui seus critérios para concessão. De acordo com CESAR (2021), para que a indenização por abandono afetivo seja concedida, os seguintes requisitos são necessários:

  • Ausência e falta de amor do (a) genitor (a);
  • Ocasione traumas psicológicos na criança;
  • Entrar com o pedido de indenização na via judicial.

Ressalta-se que o simples pagamento de pensão alimentícia não é suficiente para descaracterizar o abandono afetivo. Em outras palavras, um genitor pode estar em dia com suas obrigações financeiras, mas, se ausenta-se afetivamente da vida do filho a ponto de causar danos psicológicos, este poderá ser entendido como abandono afetivo (CESAR, 2021).

7.5 CASOS EMBLEMÁTICOS QUE INFLUENCIARAM DECISÕES JUDICIAIS

Diversos são os casos que permeiam o universo jurídico quanto ao abandono afetivo. Alguns deles se destacam não apenas pela natureza da demanda, mas também pelas decisões proferidas por instâncias superiores.

O Caso 01, apresentado em FERNANDES (2022), narra o abandono afetivo de um filho desde tenra idade, culminando em uma indenização fixada pelo STJ em R$ 30 mil (REsp. 1887697/ RJ). No Caso 02, após divergências entre juiz de piso e TJ-SP, o STJ definiu a indenização em R$ 200 mil (REsp 1159242/SP). O Caso 03, por sua vez, além do dano moral avaliado em R$ 35 mil, trouxe a determinação para a aquisição de um imóvel residencial e pagamento de pensionamento mensal. Por fim, no Caso 04, o TJ/MG manteve a condenação fixada em 1º grau em R$ 120 mil, evidenciando que “afeto não é coisa, mas sentimento” (FERNANDES, 2022).

A jurisprudência não apenas revela o entendimento consolidado dos tribunais, mas também serve como norte para futuras decisões. Cada julgamento, em sua essência, reflete uma interpretação da legislação vigente e busca equilibrar a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais.

Quadro 1 — Casos Emblemáticos sobre Indenização por Abandono Afetivo

CasoDescriçãoDecisão FinalReferência
Caso 01Abandono afetivo desde tenra idade. Ruptura com filha após fim de união estável.R$ 30 milREsp. 1887697/ RJ
Caso 02Abandono afetivo desde a menoridade.R$ 200 milREsp 1159242/SP
Caso 03Abandono afetivo de filho menor. Indenização por danos morais e materiais.R$ 35 mil + imóvel e pensionamento mensal
Caso 04Abandono afetivo de filhos menores. Relator destaca a importância do afeto além do pagamento de pensões.R$ 120 mil

Fonte: FERNANDES (2022).

O quadro acima apresenta uma síntese dos casos emblemáticos sobre indenização por abandono afetivo, descritos no estudo de FERNANDES (2022). O objetivo é fornecer uma visualização clara e rápida das decisões e contextos de cada caso, destacando sua importância para a jurisprudência e a compreensão da matéria. Nota-se uma variação nas decisões, o que evidencia a complexidade e a necessidade de análise minuciosa de cada situação individual. A decisão final mostra os valores determinados para indenização ou outros benefícios concedidos.

7.6 O PANORAMA DOUTRINÁRIO SOBRE A INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO

PEREIRA (2015) destaca a essencialidade do afeto nas relações familiares, salientando que a ausência voluntária de convivência entre pais e filhos é uma afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana. Seguindo essa linha, HIRONAKA discorre sobre a responsabilidade dos pais em proporcionar um ambiente favorável ao desenvolvimento pleno dos filhos, valorizando a construção da liberdade e a criação de laços afetivos saudáveis (HIRONAKA, 2020).

VARDIERO (2021) ressalta que o Direito deve acompanhar a evolução da sociedade, adaptando-se às novas demandas que surgem. A indenização por abandono afetivo emerge como uma resposta jurídica a uma problemática social. A negligência parental, que resulta no abandono, pode levar a graves consequências, não apenas para os indivíduos diretamente afetados, mas para toda a sociedade.

O tema do abandono afetivo, ainda recente na jurisprudência brasileira, desperta atenção não apenas pelo viés jurídico, mas pelo impacto social e psicológico que pode acarretar. A busca por reparação através da indenização é um mecanismo de justiça, mas também um alerta sobre a importância do afeto nas relações familiares. Seja através da legislação, da jurisprudência ou da doutrina, a temática instiga uma profunda reflexão sobre os valores que norteiam a sociedade contemporânea.

8 DISCUSSÃO

8.1 CONSEQUÊNCIAS EMOCIONAIS DO ABANDONO AFETIVO

A importância do vínculo afetivo nas relações familiares é uma temática recorrente no referencial teórico da psicologia e da sociologia. O conceito de “apego seguro”, proposto por Bowlby (1969), sugere que um vínculo saudável com os cuidadores durante a infância é fundamental para um desenvolvimento emocional estável. Uma ruptura desse vínculo, por meio do abandono afetivo, pode ter implicações profundas no desenvolvimento psicoemocional da criança.

O abandono afetivo em crianças e adolescentes vai muito além de um simples distanciamento físico. É uma privação emocional, uma ausência que, muitas vezes, é sentida mais profundamente do que qualquer dano físico. Como evidenciado no estudo, as consequências desse abandono são variadas e extensas:

  • Distúrbios Psicológicos: As crianças abandonadas emocionalmente frequentemente manifestam distúrbios de ansiedade e depressão. A sensação de ser “deixado para trás” ou “não ser bom o suficiente” pode resultar em uma autoimagem negativa e em sentimentos de inadequação.
  • Desenvolvimento da Personalidade: Winnicott (1965) já ressaltava a importância do ambiente familiar no desenvolvimento do “eu verdadeiro” da criança. O abandono afetivo pode resultar em uma personalidade falseada, onde a criança ou adolescente se adapta, suprimindo seus verdadeiros sentimentos e emoções para evitar mais rejeição.
  • Relacionamentos Futuros: O abandono afetivo pode prejudicar a capacidade da criança ou adolescente de estabelecer relações saudáveis na vida adulta. Pode haver uma hesitação ou até mesmo um medo de intimidade, resultando em relacionamentos superficiais ou voláteis.
  • Questões de Identidade: Erikson (1968) postulou que a formação da identidade é uma das tarefas centrais da adolescência. Uma criança que sofreu abandono afetivo pode enfrentar crises de identidade mais profundas, questionando seu valor e lugar no mundo.
  • Repercussões Sociais: Além dos impactos individuais, o abandono afetivo tem implicações sociais. Crianças e adolescentes que sentem falta de afeto podem buscar pertencimento em grupos ou atividades potencialmente prejudiciais, aumentando o risco de comportamentos delinquentes ou de dependência.

É imperativo reconhecer que o abandono afetivo não é uma questão menor. Com base no referencial teórico e nas descobertas desta pesquisa, torna-se evidente que o impacto do abandono afetivo é profundo e duradouro, moldando a trajetória de vida de crianças e adolescentes e influenciando sua saúde mental, bem-estar e relacionamentos futuros.

8.2 LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA SOBRE ABANDONO AFETIVO

A concepção de família e os direitos inerentes a ela têm sido profundamente influenciados pelo curso da história, tradições culturais e imperativos sociais. Durkheim (1893) em sua análise sobre solidariedade social, já ressaltava a importância da coesão social e o papel da família como unidade fundamental dessa coesão. O ordenamento jurídico brasileiro, ao longo dos anos, refletiu tais concepções em sua busca constante por justiça e equidade nas relações familiares.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, estabelece como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. No entanto, ao observarmos a evolução legislativa, percebemos que, embora haja um forte reconhecimento dos direitos materiais e físicos, a questão do abandono afetivo, que trata de danos imateriais, ainda é uma área em constante debate e definição.

Autores como Nader (2004) e Diniz (2015) têm enfatizado o direito à dignidade como central na interpretação dos direitos humanos e, mais especificamente, dos direitos das crianças e adolescentes. Ambos concordam que a dignidade não se limita a questões materiais, mas envolve, também, aspectos emocionais e psicológicos.

Na esfera judicial, a jurisprudência tem sido o refúgio para muitos que buscam reparação e reconhecimento dos danos causados pelo abandono afetivo. Decisões emblemáticas, como as analisadas anteriormente, evidenciam uma tentativa dos tribunais de adequar princípios fundamentais, como o da dignidade da pessoa humana, às realidades complexas e multifacetadas dos litígios familiares. Estes julgamentos são testemunhos da busca incessante do Poder Judiciário por uma justiça que transcenda o literalismo legal e adentre o universo dos direitos imateriais e emocionais.

Contudo, o grande desafio é a conciliação entre os direitos fundamentais e as peculiaridades dos casos individuais. A legislação brasileira, apesar de progressista em muitos aspectos, ainda carece de diretrizes claras e específicas que abordem o abandono afetivo de maneira direta e incisiva. O papel da jurisprudência, nesse cenário, torna-se ainda mais crucial, pois ela atua não apenas como intérprete, mas também como complemento e guia para futuras codificações.

Ao refletir sobre o abandono afetivo à luz do referencial teórico, torna-se evidente a necessidade de uma legislação mais abrangente e reflexiva, que não apenas reconheça, mas também proponha soluções para esta questão tão sensível e fundamental na estrutura familiar brasileira.

8.3 O AFETO NAS RELAÇÕES FAMILIARES

Desde os primeiros estudos sociológicos e antropológicos sobre a família, observa-se um foco recorrente na importância do afeto nas interações humanas. Durkheim (1893), em sua análise sobre os tipos de solidariedade, já apontava para uma transição da solidariedade mecânica, baseada em semelhanças e tradições, para a solidariedade orgânica, fundamentada na interdependência resultante da diferenciação social. Nesse contexto, o afeto surge como uma força coesiva, compensando a crescente diferenciação e complexidade das sociedades modernas.

Giddens (1991) em sua teorização sobre a modernidade, ressalta que nas sociedades contemporâneas, as relações pessoais tornaram-se “puras”, desvinculadas das tradições e mais dependentes de confiança mútua e comprometimento consciente. O afeto, nesse cenário, adquire um papel ainda mais central, sendo a força motriz que mantém as relações puras juntas, frente às inseguranças e descontinuidades da vida moderna.

A psicanálise, por sua vez, através das contribuições de Freud e, posteriormente, Bowlby com sua teoria do apego, ressaltou o papel primordial do afeto no desenvolvimento humano. A presença ou ausência de laços afetivos consistentes e saudáveis na infância pode determinar, em grande medida, o bem-estar psicológico e emocional do indivíduo ao longo da vida. O abandono afetivo, nesse contexto, é mais do que uma ausência física ou material; é uma privação de um recurso psicológico vital que sustenta o senso de identidade, pertencimento e segurança.

Beck e Beck-Gernsheim (2002), ao discutirem o amor no contexto da modernidade líquida, argumentam que o afeto tornou-se ainda mais crucial em um mundo onde as relações são voláteis e transitórias. A estabilidade proporcionada pelo afeto genuíno torna-se, assim, um antídoto contra a precariedade das relações modernas.

Considerando o referencial teórico apresentado, percebe-se que o abandono afetivo é uma problemática que transcende a esfera individual, atingindo dimensões sociológicas e psicológicas profundas. O papel do afeto nas relações familiares contemporâneas é, portanto, inegável e imprescindível. A ausência desse elemento fundamental não apenas desestabiliza a família, mas reverbera em toda a estrutura da sociedade, evidenciando a necessidade urgente de abordagens interdisciplinares e políticas públicas que valorizem e fortaleçam os laços afetivos.

8.4 PROPOSIÇÕES PARA UM ABORDAGEM JURÍDICA MAIS EFETIVA

Inspirado pelas contribuições de juristas e pensadores do Direito, sugere-se:

  1. Clarificação da Legislação: Refinar a legislação existente, explicitando critérios para reconhecer e lidar com o abandono afetivo.
  2. Capacitação de Profissionais: Oferecer treinamento especializado a juízes, advogados e outros profissionais envolvidos na temática, fomentando uma abordagem mais humanizada e sensível.
  3. Integração Multidisciplinar: Promover uma abordagem integrada, combinando direito, psicologia e serviço social, para compreender e abordar o abandono afetivo de maneira holística.
  4. Pesquisas e Estudos Continuados: Fomentar pesquisas que explorem as nuances do abandono afetivo, contribuindo para uma legislação e uma jurisprudência mais fundamentadas e atualizadas.
  5. Promoção de Debates Públicos: Estimular a sociedade a discutir e refletir sobre o abandono afetivo, buscando soluções conjuntas e promovendo a conscientização sobre sua gravidade.

Assim, este capítulo de discussão busca conectar o referencial teórico com as realidades práticas observadas, oferecendo uma visão integrada e crítica sobre o tema do abandono afetivo no contexto jurídico e social brasileiro.

9 CONCLUSÃO

Ao longo das seções discutidas, tornou-se evidente que as consequências emocionais do abandono afetivo são abrangentes, afetando o desenvolvimento psicológico e social de crianças e adolescentes. A legislação brasileira, embora reconheça direitos fundamentais, carece de especificidades direcionadas a danos imateriais como o abandono afetivo.

A análise das relações familiares e a importância do afeto revelaram sua influência significativa na coesão social e na formação individual. A ausência desse elemento essencial não apenas compromete as relações familiares, mas também tem implicações mais amplas na estrutura social.

As propostas para uma abordagem jurídica mais efetiva visam preencher lacunas legislativas e promover uma compreensão holística do abandono afetivo. A clareza na legislação, o aprimoramento de profissionais envolvidos, a integração multidisciplinar, a continuidade de estudos e a promoção de debates públicos surgem como passos essenciais para lidar com essa questão de maneira mais abrangente e eficaz.

Conclui-se, portanto, que o abandono afetivo é uma questão complexa que demanda atenção e ação conjunta. A interdisciplinaridade, tanto na compreensão do problema quanto nas estratégias de intervenção, é crucial para promover mudanças efetivas na legislação e na percepção social, visando mitigar os impactos negativos desse fenômeno nas vidas das crianças e adolescentes. É essencial continuar pesquisando e debatendo sobre o tema, buscando soluções mais abrangentes e sensíveis, a fim de fortalecer os laços afetivos e preservar o bem-estar das futuras gerações.

REFERÊNCIAS

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