REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202407291850
Paulo Ubiratan Morais Aguiar
RESUMO: O presente trabalho trata-se do estudo analítico da aplicabilidade do princípio da presunção de inocência e seus aspectos no Brasil e em Portugal. Essa análise demonstra grande relevância para o meio acadêmico, oportunizando melhor compreensão de sua aplicação no território nacional e em solo Português. Sua análise expõe a dinamicidade da aplicação desse princípio no ordenamento jurídico. Dessa forma, diversas são as ocasiões em que verificamos a incidência de normas que viabilizam a aplicação do princípio da presunção de inocência no caso concreto. Assim sendo, sob um aspecto legalista os fundamentos jurídicos que se justificam a aplicação principiológica da presunção de inocência na resolução da lide serão mostrados. Assim sendo, será objetivado revelar a motivação para a criação de normas que resguardam a aplicação do princípio em comento. Por fim, pretende-se analisar o tema sobre o aspecto histórico, legal e social, comentando sobre sua materialização na sociedade e as barreiras impostas por diversos fatores que incidem sobre todos aqueles a que recaem qualquer suspeita quanto à imputação de algum ilícito.
Palavras-chave: Aplicação. Princípio. Presunção. Inocência.
ABSTRACT: This work is an analytical study of the applicability of the principle of the presumption of innocence and its aspects in Brazil and Portugal. This analysis is of great relevance to academia, providing a better understanding of its application in Brazil and Portugal. Its analysis exposes the dynamic nature of the application of this principle in the legal system. In this way, there are many occasions when we see the incidence of rules that make it possible to apply the principle of the presumption of innocence in a specific case. Therefore, from a legalistic point of view, the legal foundations that justify the principled application of the presumption of innocence in the resolution of the case will be shown. The aim is to reveal the motivation behind the creation of rules that protect the application of the principle in question. Finally, the aim is to analyze the issue from a historical, legal and social perspective, commenting on its materialization in society and the barriers imposed by various factors that affect all those who are suspected of any illicit act.
Keywords: Application. Principle. Presumption. Innocence.
INTRODUÇÃO
O princípio da presunção de inocência é elemento fundamental para o estabelecimento de um Estado de Direito Democrático, porque é através deste princípio, por exemplo, que surge a inversão do ônus da prova.
Neste sentido, cabe não apenas ao que acusa, mas ao Estado, que detém o poder de polícia e o império da força, encontrar elementos que comprovem a culpabilidade e autoria do possível autor, evitando-se que a força de punição do Estado recai indiscriminadamente aos indivíduos por quaisquer motivos senão a imperiosidade legal.
Do exame do tema surge a possibilidade de se analisar a execução do princípio da presunção da inocência no Brasil e em Portugal. Dessa forma, será realizada uma observação correlacionada entre os dois Estados.
Pretende-se analisar conceitualmente a presunção de inocência dentro da investigação científico jurídica, revelando critérios estabelecidos pela doutrina e comparando as normas estabelecidas pelo legislador brasileiro e português.
O presente artigo está sistematizado em 03 análises principais, sendo a primeira a apresentação dos aspectos históricos relativos ao tema em comento. Num segundo momento, realizou-se a análise do princípio da presunção de inocência e sua aplicação através de critérios hermenêuticos de interpretação retirados da doutrina, demonstrando assim a incidência principiológica na norma. Por fim, aborda-se o tema sob o ângulo de justiça positivada da legislação brasileira e portuguesa, à luz do direito comparado no acesso à justiça.
ASPECTOS HISTÓRICOS
O princípio da presunção de inocência é uma salvaguarda constituída com o início do princípio da dignidade da pessoa humana. Sua noção foi desenvolvida a partir do condigno processo legal que se acha refugiada nas principais normas internacionais e nos diplomas constitucionais de quase todos os países do mundo.
Inicialmente é considerável expor que não há indicativos do princípio da presunção de inocência no período da pré-história, tendo seu surgimento podendo ser observado no estabelecimento do que se chama de estado moderno.
Contribuindo com a análise do tema, Nucci (2017) ensina que desde os proêmios o ser humano infringiu as normas de convivência, agredindo, ferindo semelhantes e o próprio grupo que pertencia. Dessa forma, sendo necessário a aplicação de uma punição.
Nesse sentido, Cleber Masson acrescenta que:
[…] a história da pena e, consequentemente, do Direito Penal, embora não sistematizado, se confunde com a história da própria humanidade. De fato, o ponto de partida da história da pena coincide com o ponto de partida da história da humanidade. Em todos os tempos, em todas as raças, vislumbra-se a pena como uma ingerência na esfera do poder e da vontade do indivíduo que ofendeu e porque ofendeu as esferas de poder e da vontade de outrem (Masson, 2015, p. 121).
Nos períodos históricos mais primitivos não se entendiam as profusas formas de castigo, suas justificativas eram as mais variadas, diferente das penas de hoje que seguem um sentido técnico-jurídico, a sanção era aplicada ao indivíduo como parte da ira dos deuses, diante do ato lesivo cometido. A reprimenda consistia, em princípio, na repulsão do indivíduo do grupo social em que estava inserido, expondo-o ao próprio acaso.
Nesse período acreditava-se que as forças sobrenaturais eram manifestações de seres superiores aos humanos, quando na verdade eram apenas fenômenos da natureza, como a chuva, o trovão, vento, fogo dia e noite, por exemplo. Assim sendo, no qual o castigo era aplicado, supunha o povo primitivo que poderiam acalmar a ira dos deuses, deixando o infrator ao arbítrio desses mesmos Deuses primordiais.
Na hipótese de não haver a punição, acreditava-se que o grupo social que expulsou um de seus membros seria vítima da ira dos deuses, que na impossibilidade de punir o transgressor puniria a todos, conferindo então, à sanção penal um caráter piedoso para com a coletividade. Nesse momento surgiu um segundo ciclo, o que se assentou a chamar-se de vingança privada, como talhe de punir do corpo social o infrator.
Nessa segunda fase chegou-se à conclusão que fazer justiça pelas próprias mãos nunca teve vez, pois importava, na natureza, em autêntica forma de agressão. Diante disso, essa situação consumava uma contrarreação violenta e ao círculo vicioso que propendia a direcionar ao extermínio de clãs e grupos inteiros através dos processos de vendetas pessoais.
Se antecipando a tendência nociva da vingança privada, surgiu o que se denominou de vingança pública, quando o chefe da tribo ou do clã assumiu a tarefa de punir. A convergência de poder fez encarnar uma forma mais escorra e operativa de castigo, sem outorgar margem ao contra-ataque de quem recebeu a reprimenda ou das pessoas que detinham alguma ligação familiar com esse indivíduo.
Após estabelecidas as premissas históricas da punição, chegamos à época em que prevalecia a chamada lei de talião, devendo o malfeitor padecer o mesmo mal que causara a outrem. Dessa forma as punições eram bestiais, lancinantes e sem qualquer finalidade frutífera, a não ser amainar os ânimos da comunidade embravecida pela prática de uma atitude danosa.
Algo como um Direito minimamente organizado em cima de bases principiológicas e onde podemos detectar algum princípio da presunção de inocência, só surgiria durante o Império Romano, mais especificamente com o Codex Civilis de Justiniano e após isso em alguns fragmentos do Direito Canônico, apesar de que este último se pautava em maior medida pela vontade de Deus, ainda atrelando o Direito de punir à vontade ou permissibilidade da divindade.
No período medieval há uma clara disparidade com o direito hodierno, pois o sujeito podia sofrer escarmento pelo habitual fato de conservar a má fama ou por ser vadio. Essas atitudes faziam com que fossem considerados suspeitos prováveis do cometimento de crimes como, furtos ou roubos, conceituação esta muita vinculado a uma espécie de papel social dado pela origem e nascimento, ainda em consonância à vontade de Deus.
Já do século XIII ao XVIII, na Europa Continental prevaleceu o chamado Sistema Inquisitivo, o qual vai globalmente de encontro ao Princípio da Presunção de Inocência. O Sistema Inquisitivo, detinha o poder, advindo do poder da Igreja, de investigar e punir os hereges, que praticavam e declaravam ideologias contrárias aos dogmas.
No sistema inquisitivo, o julgamento era realizado por magistrado ou juiz permanente, que era um fâmulo do rei ou da autoridade afeta ao poder da época; o juiz tinha a tarefa de achacar, defender e julgar, sempre se justapondo à pessoa do acusado; a acusação, que sempre era ex officio, permitia que a denúncia fosse feita de forma secreta; o procedimento era escrito, secreto e não se admitia o contraditório e, por conseguinte, a ampla defesa; o julgamento era feito com base na prova tarifada; a princípio era a prisão preventiva do réu; a decisão nunca iria transitar formalmente em julgado, podendo o processo ser reanalisado a qualquer momento.
O Princípio da Presunção de Inocência manifesta-se no Estado absolutista do século XVIII, relacionando-se, na verdade, de uma resposta do povo contra as desumanidades consumadas por esse Estado, singularmente no que toca ao poder de prisão extraprocessual que o monarca conservava, muitas vezes dando em prisões cesaristas, sem a obediência de qualquer regra ou norma processual. Nesse sentido, vejamos as palavras, Michel Foucault:
As diferentes partes da prova não constituíam outros tantos elementos neutros; não lhes cabia serem reunidos num feixe único para darem certeza final da culpa. Cada indício trazia consigo um grau de abominação. A culpa não começava uma vez reunidas todas as provas: peça por peça, ela era constituída por cada um dos elementos que permitiam reconhecer um culpado. Assim, uma meia prova não deixava inocente o suspeito enquanto não fosse completada: fazia dele um meio-culpado; o indício, apenas leve, de um crime grave, marcava alguém como “um pouco” criminoso (Foucault, 2002, p. 37).
Ulteriormente, verifica-se a ascensão da mesocracia e o advento do movimento iluminista, onde algumas ideias liberais tomam envergadura e o Processo Penal é posto no centro dessas novas perspectivas. Nesse sentido, vejamos as palavras de Cesare Beccaria que transportou significativas e raras lições acerca do Princípio da Presunção de Inocência: “Um homem não pode ser considerado culpado antes da sentença do juiz; e a sociedade apenas lhe pode retirar a proteção pública depois que seja decidido que ele tenha violado as normas em que tal proteção lhe foi dada” (Beccaria, 1999, p. 37).
A partir desse momento, o Princípio da Presunção de Inocência passou a integrar o sistema processual das mais diversas nações. Vejamos o artigo 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que também seguiu de orientação para outras constituições: “Todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor não necessário à guarda da sua pessoa, deverá ser severamente reprimido pela Lei” (1789, art. 9°).
É também de grande valia evidenciar o artigo 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU de 1948:
Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
Conforme manifesto, fica claro que o desenrolar lógico que originou o princípio da presunção de inocência como um desdobramento da própria condição humana e da complexidade da vida em sociedade. É de grande importância ressaltar também a necessidade de se ter normas punitivas no corpo social, conforme explica Fernando Capez (2011), que diz que a missão do Direito Penal é proteger a principal substância do corpo social, ressalta ainda que tal proteção não tem caráter meramente repressivo, mas também preventivo.
ANÁLISE DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
Inicialmente, ao analisar o princípio em comento, é necessário observar etimologicamente o significado de presunção. Conforme De Plácido e Silva:
Do latim praesumptio (conjetura, ideia antecipada), é o vocábulo empregado na terminologia jurídica para exprimir a dedução, a conclusão ou a consequência, que se tira de um fato conhecido, para se admitir como certa, verdadeira e provada a existência de um fato desconhecido ou duvidoso (Silva, 2008 p. 1652).
Acrescentando a análise do princípio da presunção da inocência, o processualista Eugênio Pacelli (2017) aduz que tal princípio poderia também ser chamado de princípio da não culpabilidade, se referindo a queda do absolutismo durante a Revolução Francesa, tal princípio traz então um valor normativo que deveria ser observado em todas as fases do processo penal.
Em complemento, o jurista Guilherme de Souza Nucci (2016) conceitua princípios, de forma etimológica, significando causa primária, ou seja, momento em que se origina algo, tal elemento está implícito na constituição, salienta ainda que no Direito, o princípio se irradia no ordenamento, e neste sentido o processo penal não foge à regra.
O vocábulo princípio dispõe de uma ampla variedade de significados. De forma didática podemos dizer que princípios são normas de atributo geral, que se fundam em preceitos do ordenamento jurídico e exigem sua otimização, possibilitando uma estabilização entre os valores e os interesses sociais.
Conforme exposto, é conhecido que o Processo Penal é hirto por diversos princípios e regras fundamentais da política processual penal de um Estado. Dessa forma quanto mais democrático for o regime, maiores serão os reflexos no processo penal, sendo um célebre dispositivo a serviço da liberdade individual, uma viveza da cultura, de civilização, segundo ensina Tourinho Filho (2013). Assim sendo, transparece que os princípios podem oscilar à medida que os regimes políticos se modificam.
Oportunizadas estas ponderações iniciais, dá-se a analisar o Princípio da Presunção de Inocência. O mencionado encontra-se inserido no artigo 5º, inciso LVII da atual Carta Constitucional Brasileira (1988):
Art. 5°: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos seguintes:
[…]
LVII- ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
De fato, esse princípio só integrou o ordenamento jurídico brasileiro com a chegada em vigor da Carta Constitucional de 1988, pois como já afirmado anteriormente, em que pese a aquiescência do Brasil ao artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU de 1948. Nessas cláusulas, existiria uma pressuposição de inocência do acusado da prática de uma infração penal até que uma sentença condenatória irrecorrível o declarasse culpado.
Recentemente, passou-se a questionar o princípio da utilização do princípio da presunção de inocência, haja vista que não permitiria qualquer medida coativa contra o acusado, nem mesmo a prisão provisória.
Hodiernamente subsiste meramente uma propensão à presunção de inocência, ou mais precisamente, um estado de inocência, um estado jurídico no qual o acusado é inocente até que seja declarado culpado por uma sentença transitada em julgado.
O princípio em comento também é conhecido como o “princípio da não-culpabilidade”. Por isso, a Constituição Federal brasileira não “presume’ a inocência, mas julga que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (artigo 5º, LVII), ou seja, que o acusado é inocente durante o transcurso do processo e seu estado só se modifica por uma sentença final que o declare culpado.
Quanto à abrangência do referido princípio, sem dúvida tem maior aplicação prática na seara do Direito Processual Penal. Todavia, suporta dizer que aquele sujeito que não teve contra si uma sentença condenatória transitada em julgado terá de ser abalizado inocente seja qual for a circunstância. Tal afirmação encontra guarida no fato de a atual Constituição Federal não abalizar, categoricamente, sua atuação no âmbito do Direito Processual Penal. O artigo 5º, LVII, deve ser exposto de forma dilatada, pois seu prognóstico situa-se no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais.
Conforme exposto de nada adianta reputar um acusado inocente no campo do Direito Penal, se nos demais ramos considerá-lo culpado, podendo acarretar prejuízo diante de uma eventual sentença absolutória.
No que pulsa a seu desdobramento, Fernando Capez (2016), pondera que o princípio da Presunção de Inocência desdobra-se em três aspectos: a) Instrução processual, neste momento a presunção que se trata é meramente relativa, ou seja relativa de não culpabilidade; b) Avaliação da prova, onde deve-se valorar em prol do acusado no caso de existência de dúvida; c) No decorrer do processo, principalmente no que diz respeito a prisão cautelar.
Complementando o raciocínio, Mirabete (2003) ensina que em decorrência do princípio do estado de inocência, deve-se concluir que: a) A restrição a liberdade só pode acontecer de maneira antecipada tão somente em razão da conveniência ou necessidade segundo a Lei; b) ao réu presume-se a inocência não cabendo a ele provar sua culpa, mas ao Estado; c) Ao sentenciar o juiz deve ter convicção, se o mesmo não deter tal ciência deverá absolver o réu em homenagem ao princípio in dúbio pro reo. Estando o Brasil pactuado à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), conforme Decreto nº 678, de 6-11-92, vige no País a regra de que “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.
Conforme exposto salienta-se o aspecto pertinente ao campo comprovativo, isto é, na seara do Processo Penal há a inversão do ônus da prova para o Estado revelar a autoria e a materialidade de determinado delito. Dessa forma fica equilibrada a relação jurídica que se estabelece entre o Estado, com toda sua pujança, prerrogativas, e o acusado, que sem dúvidas é a parte mais fraca da relação. Assim sendo, cabe ao Estado atestar de forma clara e indiscutível a existência do crime, a sua autoria e materialidade.
Dessa forma, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o indivíduo será presumido inocente. Dessa forma, a sentença deve advir de um processo em que se analisou todos os princípios constitucionais, tais como contraditório, ampla defesa, vedação de provas ilícitas, o direito de o réu permanecer silente, evitando sua auto incriminação.
Contribuindo para a análise do tema, vale ressaltar que o artigo 188 do Código de Processo Penal não foi recepcionado pela Carta Magna brasileira de 1988 (Brasil, 1988), contrariando o artigo 5º, inciso LIV da Constituição Federal, posto que não é lícito obrigar o acusado a secundar na averiguação dos fatos em respeito ao Princípio do Devido Processo Penal.
Pertinente, Gomes Filho (1994) acrescenta que os anseios sobre inocência são inerentes do Processo Penal, pois admitir-se o contrário equivaleria a transformar o acusado em objeto da perquirição, quando sua participação só pode ser considerada no prima da defesa, como sujeito processual. Dessa forma, evidente que o seu silêncio diante do caso concreto jamais poderá ser concebido de forma desfavorável.
Vejamos os artigos 186 e 198 do Código de Processo Penal (Brasil, 1941):
Artigo 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.
Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.
[…]
Artigo 198. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.
Vale ressaltar que é necessária a celeridade para a realização dos atos processuais, haja vista que o suposto acusado não pode ficar à mercê infinitamente do poder público e se porventura estiver preso, deverá ser liberado caso os prazos não sejam respeitados pelo Juiz ou acusação.
Nesse mesmo sentido, fica proibida a colheita de provas ilícitas, tais como tortura alterações de documentos, pois é exigido a comprovação legal da culpa.
O Princípio da Presunção da Inocência é decorrente do devido processo legal, o Estado tem o dever de observá-lo de forma coerente, respeitando todo o trâmite processual, sem ardil.
Outra defluência de extrema importância do Princípio da Presunção de Inocência é o Princípio do in dúbio pro réu. De uma maneira simplista significa que ao término do processo, respeitando-se toda tramitação, no que se refere às provas, se forem insuficientes ou contraditórias para roborarem a culpa do incriminado, o mesmo deve ser declarado imediatamente inocente por intermédio de sentença, não sendo suficiente o arquivamento do Processo.
POSITIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA: CASO BRASILEIRO
No Brasil, o Princípio da Presunção de Inocência é consagrado na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso LVII, estabelecendo onde se vela para que ninguém será encarado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, promovendo a presunção de inocência, um dos princípios fundamentais do Estado de Direito como salvaguarda processual penal, aspirando à tutela da autonomia pessoal.
Nesse sentido, Alexandre de Moraes aduz:
Dessa forma, há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio estatal, permitindo-se o odioso afastamento de direitos e garantias individuais e a imposição de sanções sem o devido processo legal e a decisão definitiva do órgão competente (Moraes, 2018, p. 163).
Desta feita, o Princípio da Presunção de Inocência, em que pese à aglutinação do Brasil ao preceito do artigo 11 da Declaração Universal dos direitos do Homem, não foi dada a devida atenção até a promulgação da atual Carta Magna. O princípio da inocência, em toda sua grandeza demorou a ser aplicado. É de se observar que a Declaração data de 1948, e a nossa prisão preventiva compulsória, verdadeira aberração jurídica, vigorou até 1967.
Antigamente, quando o réu preso era absolvido e isso até 1973, se a pena cominada ao crime fosse de reclusão igual ou superior a 08 (oito) anos, no seu grau máximo, ele permanecia detido até o trânsito em julgado. No julgamento pelo tribunal do júri e isso até 1977, mesmo sendo absolvido o réu permaneceria em cárcere se tal absolvição não fosse por unanimidade, o que ocorria até o trânsito em julgado. Quando o cidadão era preso em flagrante por crime inafiançável e isso até 1973, ele continuava preso. A regra do parágrafo único do artigo 310 do Código De Processo Penal surgiu naquele ano até 1977, quando o réu era condenado, por uma infração afiançável, só teria como apelar em liberdade se efetuasse uma caução, salvo se condenado por crime de que se livrasse solto (artigo 321 do Código De Processo Penal).
Assim, alegação de que o princípio da inocência data de 1948 é até desairosa e ofensiva, posto que jamais foi obedecido. E, por implausível que pareça, todos os abrandamentos das nossas medidas de coerção pessoal (revogação da prisão preventiva compulsória (revogação do parágrafo único do artigo 596 do Código De Processo Penal, nova redação aos artigos 594 e 596, ambos do Código De Processo Penal), surgiram, entre nós, no chamado período das restrições das liberdades).
No mais, o Brasil aderiu à Convenção Americana dos Direitos Humanos, mais conhecido como Pacto São José da Costa Rica, por meio do Decreto Legislativo nº 27, de 26 de maio de 1992. Expõe a norma, no seu artigo 8º, I primeira parte: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.
Assevera Antônio Magalhães Filho (1994), no tocante à Constituição Federal de 1988 e ao mencionado Decreto, que as duas composições se completam, expressando os dois aspectos fundamentais da garantia. Não há que se negar a aplicação das garantias, por mero pretexto interpretativo literal, pois iluminado o ordenamento de forma dupla, pois como dito em linhas volvidas há de reconhecer-se de forma alargada a consagração realizada.
Ajunta-se a esta ideia o explicitado na Carta Magna brasileira, em seu artigo 5º, §2º, que versa sobre os direitos e garantias taxando expressamente que tais direitos “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Consegue-se depreender, assim, que o Princípio da Presunção de Inocência, consoante a atual Carta Magna, ostenta mais garantias do que o instituído pelo Pacto de São José da Costa Rica, posto que se exige de forma clara e inequívoca o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Finalizando este quesito, sobressai o Estatuto de Roma do Tribunal Internacional, artigo 66, promulgado no Brasil em 25 de setembro de 2002 mediante o Decreto nº. 4.388:
Artigo 66. Presunção de Inocência. 1. Toda pessoa se presume inocente até prova de sua culpa perante o Tribunal, de acordo com o direito aplicável. 2. Incumbe ao procurador o ônus da prova da culpa do acusado. 3. Para pronunciar sentença condenatória, o Tribunal deve estar convicto de que o acusado é culpado, além de qualquer dúvida razoável.
POSITIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA: PORTUGAL
Inicia-se com a breve análise da Constituição da República Portuguesa de 1976, nº 2 do artigo 32º, que reza: “todo arguido se presume inocente até o trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”.
Do exposto, infere-se que a apressamento processual, nesta Constituição, é categoricamente a ilação do Princípio da Presunção de Inocência, devendo, pois, o acusado ser julgado em curto período de tempo possível compatível com as garantias de defesa. Na realidade, o constituinte português levou em apreço a pecha alicerçada sobre o sujeito durante o Processo Penal, pois antes de ver sua culpabilidade afirmada ou negada por meio da sentença, costuma haver por parte da sociedade um pré-julgamento incriminador por parte da sociedade.
No mesmo sentido, o artigo 27° da Constituição Portuguesa assevera que “ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança”.
Por fim, na seara infraconstitucional portuguesa, mais precisamente no nº 1º do artigo 191 do Código de Processo Penal, reza que “a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e de garantia patrimonial previstas na lei”.
CONCLUSÃO
O presente estudo partiu do tema análise do princípio da presunção de inocência no Brasil e em Portugal. Pretendeu-se com este trabalho revelar as diversas questões relacionadas com as formas de se analisar o princípio da presunção de inocência.
Sabe-se, por exemplo, que a doutrina criou diversos critérios para se analisar a presunção da inocência e seus obstáculos. Entretanto, como demonstrado o tanto o Brasil quanto Portugal existem critérios comuns que regulam a incidência desse Direito.
A pesquisa mostrou que os prévios posicionamentos legais em cada país influenciaram na efetivação do princípio legal.
As premissas lançadas ao longo deste trabalho autorizam afirmar que a presunção de inocência é uma necessidade humana é questão de justiça. Isto porque, sob o enfoque da ética verificou-se que os anseios do legislador que criou a norma são repletos dos princípios legalistas necessários para o convívio harmônico e justo na sociedade.
Podem ser considerados pontos fracos na análise do tema os textos normativos que regulam direitos sobre direitos e a doutrina que podem fixar novos entendimentos. Assim sendo, o aspecto temporal também representa oportunidade de mudança, representando a possibilidade de mudança na forma de se interpretar a disponibilidade da liberdade.
Como limite à presunção da inocência sob o aspecto legalista, o juiz deve sempre observar os anseios do legislador e a norma de maneira positivada no momento da análise desse princípio.
Por fim, diante do exposto surge a necessidade de um estudo mais aprimorado sobre a criação e modificação de normas técnicas para facilitar a atividade jurisdicional. Sendo esta análise possível tese de doutorado.
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