ANALYSIS OF ETHNOBOTANICAL KNOWLEDGE AND USE OF MEDICINAL PLANTS BY QUILOMBOLAS COMMUNITIES
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102501210953
Bruno Cassiano de Lima [1]
Resumo
Este estudo tem como objetivo revisar a literatura sobre o conhecimento etnobotânico e o uso de plantas medicinais por comunidades quilombolas, com foco na preservação e valorização do patrimônio cultural e na promoção de cuidados de saúde tradicionais. A metodologia utilizada foi uma revisão sistemática da literatura, buscando artigos e estudos que abordam as práticas de cuidado e cura em comunidades quilombolas, especificamente o uso de plantas medicinais. Foram selecionados estudos publicados em bases de dados científicas, com ênfase nas práticas tradicionais, desafios enfrentados pelas comunidades e o papel da enfermagem nesse contexto, sendo critérios de inclusão publicações em inglês e português, estudos que se enquadrassem nas categorias de estudo de caso, pesquisa aplicada e estudo cruzado, devido à sua relevância metodológica para compreender o contexto específico das comunidades quilombolas e o uso de plantas medicinais. Esses critérios visaram assegurar a consistência e a pertinência das evidências coletadas, permitindo uma análise aprofundada e alinhada ao objetivo do estudo, resultando na seleção de cinco artigos. A análise revelou que, embora as plantas medicinais desempenhem um papel crucial no cuidado à saúde dessas comunidades, existem desafios relacionados à integração com a saúde convencional e à preservação do conhecimento tradicional. Além disso, a falta de reconhecimento formal dessas práticas e o impacto da perda de biodiversidade são questões que demandam maior atenção. A pesquisa destaca a importância de um cuidado inclusivo, respeitando a cultura e os saberes locais, com a colaboração da enfermagem.
Palavras-chave: Plantas medicinais; Quilombolas; e Fitoterapia.
1 INTRODUÇÃO
As comunidades quilombolas no Brasil são reconhecidas como importantes guardiãs de saberes tradicionais e culturais que transcendem gerações. Esses grupos, formados majoritariamente por descendentes de africanos escravizados, constituem um elo entre o passado e o presente, preservando práticas e conhecimentos que possuem papel central em suas identidades culturais (Souza, 2023). Entre essas práticas, destaca-se o uso de plantas medicinais, que representa não apenas uma estratégia de cuidado em saúde, mas também um elemento de resistência sociocultural frente à hegemonia da medicina alopática e aos desafios impostos pela modernidade (Da Silva; Da Silva, 2024).
As plantas medicinais desempenham um papel crucial na promoção da saúde em comunidades quilombolas, funcionando como uma alternativa acessível e sustentável ao sistema de saúde convencional. Elas são amplamente utilizadas para tratar diversas enfermidades, desde doenças comuns, como gripes e resfriados, até condições crônicas. Esse uso é permeado por uma compreensão holística da saúde, que integra dimensões físicas, espirituais e culturais. Tal prática reflete a relação íntima entre essas comunidades e o meio ambiente, evidenciando o profundo conhecimento etnobotânico adquirido e transmitido ao longo de gerações (Alves et al., 2024).
O estudo do conhecimento etnobotânico e do uso de plantas medicinais por comunidades tradicionais tem recebido crescente atenção na literatura científica, especialmente por sua relevância na conservação da biodiversidade e no desenvolvimento de novos medicamentos. No entanto, ainda há lacunas significativas na documentação desses saberes, particularmente no contexto das comunidades quilombolas, onde a transmissão de conhecimento ocorre predominantemente de forma oral. Com a crescente urbanização e os impactos ambientais, há um risco iminente de perda desses conhecimentos, o que reforça a necessidade de pesquisas que registrem e valorizem essas práticas (Fontenele et al., 2024).
Além de sua importância cultural, o uso de plantas medicinais nas comunidades quilombolas contribui significativamente para a saúde pública, especialmente em regiões onde o acesso aos serviços de saúde é limitado. Práticas como a preparação de chás, infusões e defumações oferecem alternativas terapêuticas baseadas em recursos locais, muitas vezes alinhadas a práticas de saúde integrativa e complementar (Fontenele et al., 2024).
A valorização dos saberes tradicionais, especialmente no que tange ao uso de plantas medicinais por comunidades quilombolas e indígenas, é fundamental para preservar a diversidade cultural e biológica do Brasil. Esses conhecimentos, transmitidos de geração em geração, não apenas contribuem para a manutenção da identidade cultural, mas também possuem potencial para enriquecer práticas de saúde modernas. O uso de plantas como recursos terapêuticos em populações tradicionais demonstra a eficácia de tratamentos naturais que, muitas vezes, têm respaldo científico. Além disso, a inclusão e o reconhecimento desses saberes em políticas públicas promovem o diálogo entre práticas tradicionais e a biomedicina, fortalecendo o respeito pela diversidade cultural no campo da saúde (Alves et al., 2023; Araújo, 2019).
Nesse contexto, as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), implementadas no Sistema Único de Saúde (SUS), desempenham um papel crucial. Por meio de iniciativas como a fitoterapia, é possível integrar conhecimentos ancestrais ao sistema de saúde, garantindo o acesso a tratamentos mais acessíveis e culturalmente adequados. As PICS não apenas reconhecem a importância dos saberes tradicionais no cuidado à saúde, mas também incentivam a sustentabilidade ambiental ao utilizar recursos naturais de forma responsável. Dessa forma, políticas que valorizam o etnobotânico promovem o bem-estar das comunidades e reafirmam a relevância das populações tradicionais no cenário contemporâneo (Santo et al., 2019).
Este estudo visa reunir e analisar os saberes tradicionais das comunidades quilombolas sobre o uso de plantas medicinais, destacando as espécies mais utilizadas, formas de preparo e indicações terapêuticas. Ao sistematizar esses conhecimentos, busca-se não apenas documentar práticas culturais valiosas, mas também evidenciar sua relevância como recurso terapêutico e fonte de soluções para o cuidado à saúde.
Diante da ameaça de perda desse patrimônio imaterial devido à modernização e à desvalorização cultural, o estudo reforça a urgência de preservar esses saberes e integrá-los ao sistema de saúde. Essa abordagem busca promover um modelo inclusivo e sustentável, que respeite a diversidade cultural e fortaleça a saúde coletiva, especialmente em comunidades com acesso limitado a serviços de saúde convencionais.
2 METODOLOGIA
Para alcançar o objetivo proposto, foi conduzida uma revisão sistemática de literatura norteada pela seguinte pergunta-problema: “Quais são os saberes tradicionais das comunidades quilombolas no Brasil sobre plantas medicinais, incluindo espécies utilizadas, formas de uso e seu impacto no cuidado em saúde e preservação cultural? ”.
As revisões sistemáticas tiveram como objetivo identificar, selecionar, avaliar e sintetizar estudos primários relevantes para responder a uma pergunta de pesquisa específica. Diferentemente das revisões narrativas da literatura, esse método aplicou critérios transparentes e decisões tecnicamente fundamentadas, garantindo imparcialidade e reprodutibilidade.
Segundo Lakatos e Marconi (2003), esse tipo de pesquisa visa uma interpretação particular do objeto investigado, concentrando-se em suas especificidades e buscando não apenas explicar, mas compreender os fenômenos no contexto em que ocorrem. Ressalta-se que revisões sistemáticas são consideradas estudos secundários, cujas fontes de dados são os estudos primários.
A busca por artigos científicos foi realizada nos portais Google Acadêmico e Scientific Electronic Library Online (SciELO), através do emprego dos descritores a seguir apresentados, com o emprego do termo booleano “AND”: “Plantas medicinais”, “Quilombolas”, “Fitoterapia”.
Como critérios de inclusão, foram selecionados artigos publicados entre os anos de 2019 e 2024, escritos nos idiomas português e inglês, garantindo a atualidade e a acessibilidade das fontes analisadas. Além disso, optou-se por incluir apenas estudos que se enquadrassem nas categorias de estudo de caso, pesquisa aplicada e estudo cruzado, devido à sua relevância metodológica para compreender o contexto específico das comunidades quilombolas e o uso de plantas medicinais. Esses critérios visaram assegurar a consistência e a pertinência das evidências coletadas, permitindo uma análise aprofundada e alinhada ao objetivo do estudo.
Por sua vez, de modo análogo, foram excluídos aqueles que não atendiam aos critérios ou ainda, após leitura, não se mostraram de interesse para a pergunta-problema e objetivos definidos. Foram, ao final, selecionados 5 publicações de interesse.
A análise dos dados foi um processo complexo e dinâmico, caracterizado por movimentos entre conceitos abstratos e dados concretos, raciocínios indutivos e dedutivos, bem como pela alternância entre descrição e interpretação. Esses movimentos permitiram transformar números, observações e informações em significados compreensíveis, dando base para as conclusões do estudo. Conforme Teixeira (2003), os significados extraídos a partir das análises representam as constatações fundamentais de uma pesquisa, sendo essenciais para validar hipóteses e consolidar o conhecimento.
Além disso, as análises possibilitaram a identificação de padrões e tendências nos dados, revelando relações, comportamentos e eventos recorrentes que foram cruciais para a compreensão do objeto de estudo. Essa abordagem também permitiu incorporar a complexidade das fontes, oferecendo uma visão mais profunda e holística sobre os fenômenos investigados. Assim, as análises desempenharam um papel central ao conectar os dados brutos ao conhecimento significativo, garantindo a robustez e a relevância dos resultados obtidos (Teixeira, 2003; Patino; Ferreira, 2018).
3 RESULTADOS
A seguir, o quadro 1 apresenta título, autor (es), ano de publicação, objetivos, metodologia e conclusões.
Quadro 1 – Artigos selecionados para a revisão sistemática de literatura.
TÍTULO DO ARTIGO | AUTOR/ANO | OBJETIVO | MÉTODO | CONCLUSÕES |
Plantas medicinais e seus usos em um quilombo amazônico: o caso da comunidade Quilombola do Abacatal, Ananindeua (PA). | Silva et al. (2019) | Identificar e descrever as plantas medicinais utilizadas por moradores da Comunidade Quilombola do Abacatal, em Ananindeua (PA), assim como as formas de uso e a suas indicações para o tratamento de doenças, enquanto práticas culturais. | Pesquisas bibliográfica, documental e de campo. | Os resultados indicaram que o tratamento de doenças mais comum na comunidade é feito por meio de remédios caseiros, utilizando principalmente chás de folhas de 122 espécies de plantas. O conhecimento sobre o uso dessas plantas é transmitido historicamente dentro da própria comunidade, preservando uma rica herança cultural de saberes e práticas medicinais. |
Práticas de cuidado e cura no quilombo Abacatal. | Da Gama et al. (2019) | Identificar o uso de plantas nas práticas de cuidado e cura, assim como desvela a percepção quanto aos resultados obtidos com o uso destas em uma comunidade quilombola. | A pesquisa adotou uma abordagem de métodos mistos, combinando qualitativa e quantitativa. | Os resultados indicaram que todos os participantes utilizam práticas integrativas/complementares com elementos da natureza, sendo identificadas 85 plantas com diferentes finalidades. As práticas mais comuns de cuidado e cura entre os quilombolas foram o uso de chás, seguidos de bênção, defumação, reza e banho de cheiro. A pesquisa sugeriu condutas para profissionais de saúde baseadas na teoria transcultural, respeitando as crenças e valores individuais. |
Uso de plantas medicinais na comunidade quilombola do Veloso, povoado de Pitangui – MG. | Valeriano et al. (2020) | Realizar o levantamento etnobotânico das espécies vegetais utilizadas para fins medicinais pelos moradores da comunidade quilombola do Veloso, pertencente ao município de Pitangui – MG, e verificar o interesse pelo cultivo de uma horta medicinal comunitária. | Pesquisa de campo através de entrevistas semiestruturados. | A pesquisa indicou que 92% dos entrevistados utilizam plantas medicinais, com o conhecimento transmitido principalmente por familiares. Foram identificadas 42 espécies, sendo Lamiaceae e Rutaceae as mais comuns. O preparo mais utilizado foi chá, especialmente para gripe e resfriado, com a erva-cidreira se destacando como calmante. A comunidade demonstrou grande interesse no cultivo comunitário de plantas medicinais. |
Plantas medicinais usadas no tratamento de sintomas da endometriose. | Dos Santos et al. (2023) | Esclarecer a fisiopatologia da endometriose e elevar a conjectura do tratamento complementar através da fitoterapia. | Exploratório descritivo, qualitativo. | A curcumina, presente na cúrcuma, tem benefícios no tratamento da endometriose devido às suas propriedades anti-inflamatórias, ajudando a reduzir as dores e a inflamação associadas à doença, melhorando a qualidade de vida das mulheres afetadas. |
Etnobotânica de plantas medicinais na comunidade quilombola de Porto Alegre, Cametá, Pará, Brasil. | Durão et al. (2021) | Realizar um levantamento etnobotânico de plantas medicinais utilizadas pela comunidade quilombola de Porto Alegre, município de Cametá, Pará. | O levantamento foi realizado entre fevereiro e maio de 2019, por meio de observação participante e entrevistas com 20 moradores. | As famílias mais comuns de plantas medicinais foram Lamiaceae (11 espécies), Fabaceae (7 espécies) e Rutaceae (5 espécies). As espécies mais citadas incluem Kalanchoe pinnata, Dalbergia sp., Portulaca pilosa e Stryphnodendron adstringens. O chá, especialmente com folhas de 57 espécies, é o método de preparo mais utilizado, focando no tratamento de doenças digestivas e respiratórias. Os resultados destacam o valor sociocultural do uso de plantas medicinais na comunidade, com mulheres e idosos sendo os principais detentores desses conhecimentos. |
Fonte: o autor.
3. DISCUSSÃO
A discussão deste estudo será estruturada em três tópicos principais, com base nos resultados obtidos junto às comunidades quilombolas e nos objetivos traçados pela pesquisa. O primeiro tópico abordará o uso de plantas medicinais e as práticas terapêuticas predominantes nessas comunidades, identificando as espécies mais utilizadas, suas propriedades e formas de preparo.
Entre as práticas mais comuns, destacam-se as infusões e decocções, amplamente aplicadas no tratamento de doenças do aparelho respiratório e digestivo. A análise será enriquecida com referências bibliográficas que ressaltam a relevância do uso tradicional de plantas como parte integrante da saúde comunitária, destacando o papel da enfermagem em alinhar saberes populares e práticas científicas para oferecer um cuidado mais abrangente e eficaz.
O segundo tópico explorará o processo de transmissão do conhecimento tradicional sobre o uso de plantas medicinais. Esse saber, que atravessa gerações, é frequentemente transmitido de maneira oral, principalmente pelos membros mais experientes das comunidades, como mulheres e idosos. A pesquisa destacou esses grupos como os principais guardiões desse patrimônio imaterial, evidenciando sua importância na preservação das práticas culturais.
A discussão incluirá uma reflexão sobre o impacto da modernização e da urbanização na continuidade dessa transmissão, bem como o papel da enfermagem na valorização e promoção da continuidade desses saberes, contribuindo para a preservação da identidade cultural e do vínculo comunitário.
No terceiro tópico, será analisada a integração dos saberes tradicionais sobre plantas medicinais ao sistema de saúde convencional. A pesquisa sugere que o diálogo entre as práticas tradicionais e a biomedicina pode contribuir para um modelo de saúde mais inclusivo e sustentável. Nesse contexto, a enfermagem desempenha um papel crucial ao atuar como mediadora entre o conhecimento tradicional e as práticas modernas, promovendo um cuidado culturalmente sensível e respeitoso. A discussão será apoiada por estudos que destacam os benefícios dessa integração, como o aumento da adesão ao tratamento e a construção de relações de confiança entre os profissionais de saúde e as comunidades atendidas.
Além disso, será enfatizada a necessidade de políticas públicas que reconheçam e valorizem os saberes tradicionais no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS). As Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), incluindo a fitoterapia, representam uma iniciativa promissora nesse sentido, pois permitem que os conhecimentos ancestrais sejam incorporados às estratégias de saúde pública. A discussão destacará como a enfermagem pode se beneficiar dessas práticas para oferecer um cuidado mais holístico, que respeite as particularidades culturais e promova a saúde de forma integral, especialmente em comunidades com acesso limitado a serviços convencionais.
Por fim, será feita uma reflexão sobre o impacto sociocultural e científico do estudo, reforçando a importância de documentar e valorizar os saberes tradicionais das comunidades quilombolas. A pesquisa destaca não apenas o valor terapêutico das plantas medicinais, mas também a necessidade de preservar esse conhecimento em um cenário de crescentes desafios culturais e ambientais. Ao propor a integração desses saberes ao cuidado profissional, o estudo reforça a relevância da enfermagem na construção de uma prática de saúde inclusiva, sustentável e culturalmente sensível, que fortaleça a saúde coletiva e valorize a riqueza do patrimônio imaterial brasileiro.
- Uso de Plantas Medicinais nas Comunidades Quilombolas: Práticas e Espécies Predominantes e o Papel da Enfermagem no Cuidado Tradicional
O uso de plantas medicinais nas comunidades quilombolas, segundo Silva et al. (2019) é uma prática tradicional que desempenha um papel fundamental na manutenção da saúde e do bem-estar dessas populações. Esse conhecimento, passado de geração em geração, é caracterizado pela utilização de espécies vegetais para o tratamento de diversas enfermidades. As plantas são cultivadas ou coletadas em áreas próximas às comunidades, onde os saberes ancestrais sobre suas propriedades terapêuticas são preservados.
O uso de plantas medicinais é uma forma de cuidado integral que respeita as especificidades culturais, sociais e ambientais das comunidades quilombolas, sendo um reflexo da relação harmônica entre o homem e a natureza. Esse conhecimento é transmitido de forma oral, sendo crucial para a identidade e a autonomia dessas populações (Silva et al., 2019).
Da Gama et al. (2019) apontam que dentre as espécies predominantes utilizadas pelas comunidades quilombolas, destacam-se aquelas com propriedades analgésicas, anti-inflamatórias, digestivas e antimicrobianas. Plantas como a própolis, alecrim, manjericão, sálvia e cabeludinha são algumas das mais utilizadas, cada uma com indicações específicas conforme as necessidades da comunidade. A própolis, por exemplo, é amplamente usada para o tratamento de feridas e infecções, enquanto o alecrim é valorizado por suas propriedades anti-inflamatórias e digestivas.
O uso dessas plantas reflete não só a sabedoria popular, mas também a busca por tratamentos acessíveis e eficazes em um contexto de desigualdade no acesso ao sistema de saúde formal. As práticas de cuidado com plantas medicinais estão intimamente ligadas à preservação do meio ambiente, já que muitas das espécies usadas são nativas da região, sendo sustentáveis tanto em sua coleta quanto no cultivo (Da Gama et al., 2019).
No entanto, conforme apontado por Valeriano et al. (2020), o uso das plantas medicinais nas comunidades quilombolas enfrenta desafios relacionados à desinformação e à falta de reconhecimento por parte dos profissionais de saúde convencionais. O cuidado tradicional, embora eficaz, muitas vezes é visto com ceticismo ou desdém pelos sistemas de saúde formais, que priorizam abordagens biomédicas. Isso gera um distanciamento entre as práticas de cuidado tradicionais e os cuidados de saúde convencionais, dificultando a integração de ambas as abordagens.
Além disso, o processo de modernização e a pressão para adoção de práticas de saúde universal têm levado algumas dessas comunidades a distanciar-se de seus saberes tradicionais, em detrimento da preservação de suas práticas culturais e de saúde. Assim, a resistência a essa modernização, apesar de ser uma forma de preservação da cultura, também implica desafios na valorização e integração desses saberes ao sistema público de saúde (Valeriano et al., 2020).
Durão et al. (2021), por sua vez, discursam que a integração dos saberes populares e tradicionais ao sistema de saúde formal é uma estratégia promissora para o fortalecimento do cuidado de saúde nas comunidades quilombolas. É fundamental que os profissionais de enfermagem sejam capacitados a reconhecer e respeitar as práticas culturais desses grupos, sem desconsiderar a relevância da medicina tradicional. A prática de enfermagem deve ser desenvolvida de forma a incluir as plantas medicinais como parte da abordagem terapêutica, promovendo a educação em saúde e valorizando o uso sustentável dessas plantas.
Além disso, é importante que políticas públicas e programas de saúde integrem essas práticas, garantindo que os saberes tradicionais sejam preservados e respeitados no contexto do cuidado em saúde. O fortalecimento do vínculo entre as comunidades quilombolas e os profissionais de saúde contribui para um modelo de cuidado que respeita a diversidade cultural e as necessidades específicas dessas populações (Durão et al., 2021).
O papel da enfermagem no cuidado tradicional é de suma importância, especialmente no que se refere à promoção da saúde nas comunidades quilombolas. Enfermeiros e enfermeiras que atuam em regiões quilombolas têm o desafio de integrar os conhecimentos tradicionais sobre plantas medicinais aos cuidados clínicos convencionais, garantindo o respeito às práticas culturais e ampliando as opções terapêuticas (Santos et al., 2023).
O cuidado de enfermagem, quando aliado ao conhecimento tradicional, segundo Santos et al. (2023), pode se tornar mais holístico, levando em consideração não só as necessidades físicas, mas também culturais e espirituais do paciente. A abordagem colaborativa entre enfermeiros e comunidades quilombolas tem o potencial de fortalecer a confiança mútua e promover um cuidado mais eficiente e centrado na pessoa, respeitando os direitos de escolha das populações e contribuindo para a sustentabilidade das práticas tradicionais de saúde.
- A Transmissão do Conhecimento Tradicional e Suas Implicações Socioculturais: a atuação da Enfermagem na preservação e valorização do Patrimônio Imaterial
A transmissão do conhecimento tradicional é uma prática profundamente enraizada em diversas comunidades, sendo um componente essencial da construção da identidade sociocultural e histórica de grupos específicos, como as populações indígenas, quilombolas e rurais. Este conhecimento, que inclui saberes sobre plantas medicinais, formas de cultivo, rituais de cura e práticas terapêuticas, é passado de geração em geração de maneira oral e prática, sendo um patrimônio imaterial que carrega significados e valores profundos (Silva et al., 2019).
A preservação desse conhecimento é vital para a manutenção da cultura e da autonomia dessas comunidades. No entanto, com as rápidas transformações sociais e culturais, esse saber tradicional enfrenta o risco de ser esquecido, o que coloca em risco não apenas a memória cultural, mas também a saúde e a sustentabilidade das práticas de cuidado que ele envolve (Silva et al., 2019).
As implicações socioculturais, conforme apontado por Da Gama et al. (2019), da transmissão do conhecimento tradicional vão além da preservação do saber, refletindo também nas relações de poder, identidade e pertencimento das comunidades. As práticas culturais ligadas ao cuidado e ao uso de plantas medicinais, por exemplo, frequentemente entram em choque com os paradigmas da medicina ocidental, que tende a desvalorizar esses saberes populares.
Esse desdém, muitas vezes, é resultado de processos históricos de marginalização e colonização, nos quais as culturas tradicionais foram sistematicamente desqualificadas. A valorização desse patrimônio imaterial não é apenas uma questão de preservação do conhecimento, mas também de reconhecimento e respeito à diversidade cultural, promovendo uma maior equidade no acesso a cuidados de saúde que respeitem as práticas e crenças locais (Da Gama et al., 2019).
O papel da enfermagem na preservação e valorização do patrimônio imaterial é fundamental, especialmente quando se considera a aproximação de saberes tradicionais com as práticas de saúde contemporâneas. Enfermeiros e enfermeiras, ao entrarem em contato com essas comunidades, desempenham um papel essencial na construção de um modelo de cuidado que respeite e integre as tradições locais. Isso significa que, além de fornecer cuidados médicos convencionais, o profissional de enfermagem deve estar disposto a aprender e respeitar as práticas culturais do paciente, criando uma relação de confiança e um cuidado mais humanizado (Valeriano et al., 2020).
A preservação do patrimônio imaterial, como o conhecimento tradicional, deve ser incorporada nas políticas de saúde pública, o que requer a sensibilização e formação contínua dos profissionais de saúde. A enfermagem, por seu papel de proximidade com as comunidades, deve ser reconhecida como um ponto estratégico para a implementação de práticas que integrem o cuidado convencional com as tradições culturais locais (Durão et al., 2021).
A formação de enfermeiros que compreendam e respeitem os saberes populares, como o uso de plantas medicinais ou rituais terapêuticos, pode ser uma chave importante para melhorar a qualidade do atendimento e fortalecer a confiança das comunidades nos serviços de saúde. Além disso, ao incorporar esses saberes ao sistema de saúde, há uma valorização da cultura local, ao mesmo tempo que se cria um espaço de diálogo entre diferentes formas de conhecimento, enriquecendo o cuidado à saúde e promovendo a preservação do patrimônio imaterial (Durão et al., 2021).
A valorização do patrimônio imaterial nas comunidades de saúde é uma prática que também envolve a educação e a conscientização, tanto das populações atendidas quanto dos próprios profissionais de saúde. O enfermeiro tem a responsabilidade de atuar como um agente de mudança, proporcionando não apenas cuidados terapêuticos, mas também facilitando o diálogo entre o conhecimento tradicional e os métodos da medicina moderna (Santos et al., 2023).
Através da educação em saúde, o enfermeiro pode promover o uso sustentável de plantas medicinais, por exemplo, respeitando seus saberes originários e estimulando a continuidade das práticas culturais. Essa abordagem promove a inclusão e a dignidade dos pacientes, ao mesmo tempo em que fortalece a preservação das tradições e dos saberes que formam o patrimônio imaterial da comunidade (Santos et al., 2023).
- Práticas de Cuidado e Cura: Desafios e Oportunidades para a integração com à Saúde Convencional e a função da Enfermagem na Promoção de um Cuidado Inclusivo
As práticas de cuidado e cura tradicional desempenham um papel significativo em diversas comunidades, oferecendo alternativas terapêuticas e de bem-estar que se alinham com as crenças culturais locais. No entanto, a integração dessas práticas com a saúde convencional ainda enfrenta desafios substanciais, como a resistência dos profissionais de saúde, a falta de evidências científicas que comprovem a eficácia de alguns tratamentos tradicionais e a disparidade no reconhecimento dessas práticas dentro dos sistemas de saúde formais (Silva et al., 2019).
A enfermagem, com sua proximidade com os pacientes, é fundamental para promover a inclusão desses saberes no contexto dos cuidados diários, tornando-se um elo entre a medicina tradicional e a ciência convencional. A inclusão das práticas de cura tradicionais no cuidado à saúde não apenas desafia o paradigma da medicina convencional, mas também apresenta grandes oportunidades.
A enfermagem pode desempenhar um papel crucial ao agir como facilitadora desse diálogo, respeitando as escolhas dos pacientes e promovendo a integração de diferentes saberes de forma que o cuidado se torne mais holístico e individualizado. Além disso, é possível que, ao incorporar práticas de cura tradicionais, a enfermagem contribua para um modelo de cuidado mais acessível e culturalmente sensível, essencial para populações marginalizadas ou com pouca confiança nos serviços de saúde convencionais (Da Gama et al., 2019).
Ao mesmo tempo, a formação e capacitação dos profissionais de enfermagem devem incluir um componente significativo de conhecimento sobre práticas de cuidado tradicionais, com ênfase no respeito e no diálogo intercultural. A promoção de um cuidado inclusivo requer que os enfermeiros compreendam as necessidades culturais e espirituais dos pacientes, de modo a adaptar suas práticas de maneira que não só melhorem os resultados de saúde, mas também fortaleçam a confiança e a adesão ao tratamento. A construção dessa relação de confiança é essencial para superar os preconceitos e estigmas que, muitas vezes, cercam as terapias tradicionais dentro do ambiente de saúde (Valeriano et al., 2020).
A enfermagem, como profissão de cuidado, tem a responsabilidade de promover a equidade e a inclusão nos serviços de saúde. A integração das práticas de cura tradicionais com a saúde convencional não deve ser vista apenas como um desafio, mas como uma oportunidade de expandir os horizontes do cuidado, adaptando-o às realidades e necessidades dos pacientes (Durão et al., 2021).
A colaboração entre profissionais de saúde convencionais e os praticantes de terapias tradicionais pode ser um caminho eficaz para a criação de um sistema de saúde mais inclusivo. No entanto, isso exige não apenas a sensibilização dos enfermeiros, mas também uma mudança estrutural nas políticas de saúde que permita essa integração (Santos et al., 2023).
4. CONCLUSÃO
As comunidades quilombolas, com sua rica herança cultural, desempenham um papel fundamental na preservação e transmissão do conhecimento etnobotânico, especialmente no uso de plantas medicinais. Este estudo revisou a literatura sobre o tema, evidenciando a importância das práticas tradicionais no cuidado à saúde dessas populações. O uso de plantas medicinais por essas comunidades não é apenas uma questão de saúde, mas também está intimamente ligado à identidade cultural, ao patrimônio imaterial e à relação simbiótica entre o ser humano e o meio ambiente.
As práticas etnobotânicas demonstram a sabedoria acumulada ao longo de gerações, oferecendo alternativas terapêuticas eficazes e sustentáveis. Entretanto, a revisão também destaca os desafios enfrentados pelas comunidades quilombolas, incluindo a falta de reconhecimento formal dessas práticas no sistema de saúde convencional e as ameaças à biodiversidade local que podem comprometer o acesso às plantas utilizadas.
Além disso, observa-se a necessidade de mais pesquisas científicas que validem as propriedades medicinais dessas plantas, proporcionando uma maior aceitação e integração das terapias tradicionais com os tratamentos convencionais. A escassez de estudos que explorem as potencialidades terapêuticas dessas plantas é um obstáculo significativo para a promoção de políticas públicas que garantam a preservação e o uso sustentável desses recursos naturais.
Por fim, é essencial que o trabalho da enfermagem e dos profissionais de saúde seja cada vez mais integrado ao contexto cultural e comunitário, respeitando as práticas de cuidado tradicionais e buscando fortalecer o diálogo entre saberes populares e científicos.
A valorização do conhecimento etnobotânico e a formação de profissionais capacitados para lidar com a diversidade cultural podem contribuir para um sistema de saúde mais inclusivo, que respeite as especificidades das comunidades quilombolas e assegure a continuidade e a valorização de suas práticas de cuidado. A integração desses saberes é uma oportunidade para a promoção da saúde de maneira holística, respeitosa e adaptada às realidades locais.
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1 Graduado em Enfermagem pela Faculdade Evangélica de Goianésia – FACEG (2019). Especialista em Saúde Pública com ênfase em ESF – Estratégia Saúde da Família pela FAVENI (2021) e Mestrando em Saúde Pública pela Universidade Europeia do Atlântico (UNEATLANTICO). E-mail: enfbruno.cassiano@gmail.com.