ANÁLISE DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI COMPLEMNETAR ESTADUAL Nº 1.089/21: O CASO DA TENTATIVA DE REDUÇÃO DA UNIDADE DE CONSERVAÇÃO RESERVA EXTRATIVISTA JACI PARANÁ

ANALYSIS OF UNCONSTITUTIONALITY OF STATE COMPLEMENTARY LAW N. 1,089/21: THE CASE OF THE ATTEMPTED REDUCTION OF THE JACI PARANÁ EXTRACTIVE RESERVE CONSERVATION UNIT.

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10201694


Amanda Priscila Gerônimo Silva¹;
Érica Assunção².


RESUMO

Este artigo acadêmico tem como objetivo analisar a inconstitucionalidade da Lei Complementar Estadual nº 1.089/2021, que promove a redução dos limites geográficos da Reserva Extrativista Jaci Paraná, situada no estado de Rondônia. A pesquisa adota uma abordagem jurídica, envolvendo revisão bibliográfica, análise jurisprudencial e estudo da legislação pertinente. A discussão destaca a possível violação de princípios constitucionais relacionados à proteção do meio ambiente e dos direitos das comunidades tradicionais. Os resultados apontam para a inconstitucionalidade da referida lei, com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e na necessidade de preservação ambiental e respeito aos direitos das comunidades tradicionais. A conclusão enfatiza a importância de revisar e revogar a legislação em questão para garantir a conformidade com a Constituição da República Federativa do Brasil.

Palavras-chave: Inconstitucionalidade. Lei. Reserva. Jaci. Ambiental.

ABSTRACT

This academic article aims to analyze the unconstitutionality of State Complementary Law No. 1,089/2021, which promotes the reduction of the geographical boundaries of the Jaci Paraná Extractive Reserve, located in the state of Rondônia. The research adopts a legal approach, involving a literature review, jurisprudential analysis, and the study of relevant legislation. The discussion highlights the potential violation of constitutional principles related to environmental protection and the rights of traditional communities. The results point to the unconstitutionality of the aforementioned law, based on Supreme Federal Court jurisprudence and the need for environmental preservation and respect for the rights of traditional communities. The conclusion emphasizes the importance of reviewing and repealing the legislation in question to ensure compliance with the Constitution of the Federative Republic of Brazil.

Keywords: Unconstitutionality. Law. Reserve. Jaci. Environmental.

1 INTRODUÇÃO

A preservação do meio ambiente e a manutenção de unidades de conservação desempenham um papel fundamental na proteção da biodiversidade e na promoção do desenvolvimento sustentável. No entanto, em muitos casos, os interesses econômicos e a pressão por recursos naturais podem entrar em conflito com os princípios de conservação ambiental. Um exemplo preocupante dessa tensão entre desenvolvimento e conservação emerge com a Lei Complementar Estadual nº 1.089/2021, que autoriza a redução da área da Reserva Extrativista Jaci Paraná, localizada nos Municípios de Porto Velho, Buritis e Nova Mamoré, no Estado de Rondônia.                                                                                                              

A Reserva Extrativista Jaci Paraná, estabelecida com base em legislação federal, é uma área de grande importância ecológica, que abriga comunidades tradicionais de extrativistas e contribui significativamente para a manutenção da biodiversidade na região. No entanto, a Lei Complementar Estadual nº 1.089/2021 propõe uma redução na área da reserva, com o objetivo de viabilizar atividades econômicas que podem ter impactos significativos no ecossistema local.                 

A questão central que surge dessa situação é a potencial inconstitucionalidade da referida lei estadual. A CRFB/1988 estabelece, em seu artigo 225, que é dever do Estado e da sociedade proteger o meio ambiente, bem como garantir a preservação das áreas de relevante interesse ecológico, prevê ainda a necessidade de consulta às comunidades afetadas em casos de alterações substanciais em áreas protegidas (BRASIL, 1988).

Este artigo tem como objetivo analisar a Lei Complementar Estadual nº 1.089/2021 à luz da CRFB/1988, bem como de outras normas legais pertinentes, a fim de avaliar sua constitucionalidade e os possíveis impactos sobre a Reserva Extrativista Jaci Paraná. Será examinada a adequação dos procedimentos adotados pelo Estado de Rondônia em relação à participação das comunidades afetadas e à compatibilidade da lei com os princípios constitucionais de proteção ambiental.                         

A presente análise não apenas se debruça sobre a legalidade da referida lei, mas também busca compreender os aspectos sociais, econômicos e ambientais envolvidos, a fim de fornecer uma visão abrangente da situação. A questão da redução da Reserva Extrativista Jaci Paraná lança luz sobre o equilíbrio delicado entre desenvolvimento econômico e conservação ambiental, uma discussão de importância não apenas local, mas também nacional e global.                                                      

Nas seções subsequentes deste artigo, analisaremos a Lei Complementar Estadual nº 1.089/2021 à luz dessa estrutura legal e dos princípios de conservação, avaliando os possíveis impactos de sua proposta de redução da Reserva Extrativista Jaci Paraná.

2 MATERIAL E MÉTODOS

O presente estudo, intitulado “Análise de Inconstitucionalidade da Lei Complementar Estadual nº 1.089/2021: O Caso da Redução da Reserva Extrativista Jaci Paraná,” concentra-se em uma análise jurídica inédita, com ênfase na inconstitucionalidade da mencionada lei estadual e suas implicações para a Reserva Extrativista Jaci Paraná. Vale destacar que o conteúdo deste trabalho é original e não há outros artigos acadêmicos disponíveis para servir como base para uma revisão bibliográfica abrangente.

Dada a singularidade do tópico e a falta de literatura acadêmica consolidada sobre a questão específica abordada neste estudo, a metodologia de pesquisa adotada envolve uma abordagem exploratória e analítica, focando na análise direta das disposições da Lei Complementar Estadual nº 1.089/2021, bem como na análise crítica das decisões judiciais que a declararam inconstitucional, incluindo aquelas proferidas pelo Tribunal de Justiça de Rondônia e pelo Supremo Tribunal Federal.

Os principais métodos e materiais utilizados neste estudo incluem:

Análise Documental: A lei em questão e as decisões judiciais relevantes são submetidas a uma análise detalhada para identificar as razões pelas quais a lei foi considerada inconstitucional. O texto da lei, os votos dos juízes e os pareceres legais são examinados minuciosamente.

Revisão de Documentação Oficial: Relatórios governamentais, documentos técnicos e informações relacionadas à gestão da Reserva Extrativista Jaci Paraná serão examinados para compreender a importância da área e os desafios enfrentados.

Dado que a pesquisa se baseia em uma análise legal específica e única, o material coletado consistirá principalmente em documentos legais, decisões judiciais, pareceres jurídicos e textos legislativos relevantes. A ausência de artigos acadêmicos anteriores sobre o tema ressalta a importância de realizar esta análise original, contribuindo assim para o desenvolvimento do conhecimento jurídico no campo do direito ambiental e constitucional.

3 RESULTADOS

Com base na análise jurídica, incluindo a revisão bibliográfica, análise jurisprudencial e estudo da legislação aplicável, os resultados indicam que a Lei Complementar Estadual nº 1.089/2021 é inconstitucional devido à violação de princípios constitucionais e à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que defende a preservação de unidades de conservação.

4 DISCUSSÃO

4.1 O papel das Unidades de Conservação no contexto social

O Direito Ambiental no Brasil evoluiu ao longo das últimas décadas em resposta à crescente preocupação com a preservação do meio ambiente e da biodiversidade. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 apresentou um marco significativo nesse processo, quando regulamentou o seu artigo 225, parágrafo 1º, incisos I, II, III e VII que instituiu a Lei Nº 9.985, de 18 de Julho de 2000 do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, estabelecendo um conjunto abrangente de princípios e regras para a proteção ambiental. Sendo uma das áreas mais emblemáticas dessa legislação que é a criação e gestão de unidades de conservação.

Artigo 225, § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (BRASIL, 1988).

As unidades de conservação representam uma ferramenta importante na preservação do meio ambiente e na promoção do desenvolvimento sustentável. Elas são áreas delimitadas com o objetivo de assegurar a proteção da fauna, da flora, dos recursos hídricos e dos demais elementos do ecossistema. Além disso, essas áreas podem ser utilizadas para pesquisas científicas, educação ambiental e turismo ecológico, desde que essas atividades estejam alinhadas com os princípios de conservação. Vejamos o conceito de unidade de conservação, segundo Vanessa de Souza Machado:

(…) é um espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituída pelo poder público, com objetivos de conservação e limites definidos e sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção. (MACHADO, 2018, p.27). 

A criação de unidades de conservação obedece a uma série de critérios e procedimentos legais e é frequentemente acompanhada de estudos técnicos e consultas públicas para garantir que os interesses da sociedade e do meio ambiente sejam devidamente considerados.

De acordo com Vanessa de Souza Machado, as unidades de conservação no Brasil podem ser classificadas em diferentes categorias, cada uma com objetivos específicos. Entre as principais categorias, destacam-se:

Parques Nacionais: Áreas destinadas à preservação da fauna, flora e paisagens naturais de excepcional valor ecológico e cênico. Podem ter restrições significativas de uso humano.
Reservas Biológicas: Áreas de proteção integral destinadas à preservação da biodiversidade e da pesquisa científica, sem permitir atividades extrativas.
Áreas de Proteção Ambiental (APAs): Áreas que visam a conservação da diversidade biológica, o uso sustentável dos recursos naturais e o bem-estar das populações locais.
Reservas Extrativistas: Áreas onde populações tradicionais têm o direito de utilizar os recursos naturais de forma sustentável, desde que isso não prejudique a conservação.
Florestas Nacionais: Áreas destinadas à produção sustentável de madeira e outros produtos florestais, com regras estritas para garantir a exploração sustentável. (MACHADO, 2018, p.28).

A criação e manutenção dessas unidades de conservação estão em consonância com o Artigo 225 da CRFB/1988, que estabelece a proteção do meio ambiente como um dever do Estado e da coletividade (BRASIL, 1988). Conforme Paulo de Bessa Antunes, o Brasil é signatário de acordos internacionais que reforçam seu compromisso com a conservação ambiental, como a Convenção sobre Diversidade Biológica e o Protocolo de Kyoto.

O Brasil vem dando cumprimento às suas obrigações como Parte da CDB. Já em 1988, a CF [artigo 225] estabeleceu uma série de comandos para o Poder Público e para o legislador que são perfeitamente compatíveis com os termos da Convenção. Como se verá, o País, na medida de suas possibilidades, tem buscado estabelecer estruturas legais e administrativas aptas a cumprir os seus compromissos perante a comunidade internacional. (ANTUNES, 2023, p.402).

O Protocolo de Kyoto, em vigor a partir de 2005, foi um fracasso, pois houve muita resistência dos países desenvolvidos em cumprirem as metas estabelecidas, sob o argumento de que países como China, Brasil e Índia eram emissores relevantes e não tinham metas de redução definidas, por não estarem incluídos no Anexo dada às suas condições de países em desenvolvimento. (ANTUNES, 2023, p.402).

Essa estrutura legal e regulatória visa conciliar o desenvolvimento econômico com a conservação ambiental, reconhecendo a importância vital da biodiversidade e dos ecossistemas para o presente e o futuro do país. A Reserva Extrativista Jaci Paraná, localizada no Estado de Rondônia, é um exemplo notável desse esforço, representando um espaço onde a comunidade tradicional busca extrair recursos de forma sustentável, em conformidade com os princípios do direito ambiental brasileiro.

4.2 Responsabilidade estatal na preservação do meio ambiente

O debate acerca da responsabilidade ambiental do Poder Público é objeto de intensa controvérsia na doutrina jurídica brasileira. A divergência central orbita em torno da distinção entre força maior e caso fortuito, da viabilidade de considerar este último como causa excludente da responsabilidade estatal, e da capacidade das concausas em atenuar tal responsabilidade. Dois posicionamentos dominam a discussão: um sustenta a natureza subjetiva da responsabilidade estatal por conduta omissiva, enquanto o outro advoga pela teoria da responsabilidade objetiva para ambas as condutas, com base no artigo 37 da CFRB (BRASIL, 1988).

A falta de diferenciação entre condutas comissivas e omissivas no referido artigo constitucional tem sido o cerne da disputa, levando à interpretação ampla do termo “causarem” como englobando ações e omissões. Prevalece, contudo, o entendimento majoritário de que a responsabilidade do Estado é objetiva, desvinculada da culpa, implicando na obrigação de reparação econômica por danos decorrentes de ações ou omissões estatais.

No que tange à responsabilidade extracontratual do Estado por danos ambientais, a legislação brasileira, notadamente a Lei nº 6.938/81, estabelece a responsabilidade objetiva do poluidor, ampliando a responsabilização para pessoas físicas e jurídicas, públicas e privadas, envolvidas direta ou indiretamente em atividades causadoras de degradação ambiental.

Isso implica na possibilidade teórica de responsabilização do Poder Público pelos danos ambientais, mesmo quando não é o causador direto, seja devido à omissão na fiscalização de atividades poluidoras, à falta de ação para prevenir degradações ou ao licenciamento inadequado de empreendimentos prejudiciais ao meio ambiente.

No âmbito do Estado de Direito, onde a todos é imposta a submissão às leis, a responsabilidade estatal deve ser pautada pelos princípios da igualdade e justiça. A tutela ambiental, considerada um bem jurídico de terceira geração, reforça a obrigação do Estado em garantir sua preservação para as presentes e futuras gerações. Embora haja argumentos contra a visão do Estado como um segurador universal, a aplicação dos princípios de igualdade e equidade social emerge como justificativa para a proteção ambiental.

4.3 Da função social das terras

Uma das principais preocupações sociais do Estado brasileiro foi o expressivo êxodo rural para as áreas urbanas, uma tendência que se intensificou nas décadas de 1960 e 1970. Com o objetivo de fixar a população no campo e conter o movimento migratório, o Estado promulgou o Estatuto da Terra em 1964 (Lei n. 4.504/64), proporcionando a possibilidade de desapropriação de propriedades rurais improdutivas para fins de reforma agrária, mediante justa e prévia indenização aos proprietários.

Dessa forma, surge a concepção da função social da propriedade rural como um meio para implementar a política agrária. A partir desse momento, ganha destaque constitucional a necessidade de conferir uma função social à propriedade rural, conforme estabelecido no artigo 184 da CRFB/1988. Este artigo prevê a desapropriação de propriedades rurais improdutivas como um dos instrumentos da política agrária e de reforma agrária do país. No artigo 186, são estabelecidos os requisitos para que uma propriedade rural seja considerada produtiva e cumpra sua função social, evitando assim a desapropriação, conforme o disposto no artigo 185, II, da CRBF/88 (BRASIL, 1988).

Dentre tais critérios, o item II do artigo 186 enfatiza a “apropriação responsável dos recursos naturais existentes e a preservação do ambiente”. Portanto, em conjunto com outros critérios, a proteção ambiental e o uso racional dos recursos ambientais tornam-se requisitos essenciais para que uma propriedade rural seja considerada produtiva e, consequentemente, escape à desapropriação pelo Poder Público. Esse aspecto impõe ao proprietário da terra rural a responsabilidade de preservar o meio ambiente, mantendo o equilíbrio ecológico e utilizando de maneira apropriada os recursos ambientais.

Essa perspectiva representa uma nova configuração do direito subjetivo de propriedade, incorporando limitações internas de natureza social, que incluem a preservação do equilíbrio ecológico e o uso racional dos recursos ambientais. Sob o prisma ambiental, a desapropriação prevista no artigo 184 emerge como um instrumento crucial para a proteção do meio ambiente (BRASIL, 1988).

Percebe-se, assim, que as orientações que buscam equilibrar o desenvolvimento econômico, a produção agrícola, a preservação dos recursos naturais e o bem-estar da população consumidora e dos produtores estão presentes tanto no âmbito do direito ambiental quanto no direito agrário.

Essa convergência de objetivos persiste com a promulgação da Lei n. 6.938/81, durante o governo Figueiredo, que estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA). A PNMA tem como objetivos a preservação e restauração dos recursos ambientais visando o uso adequado e permanente disponibilidade, contribuindo para a preservação do equilíbrio ecológico favorável à sustentação da vida. Além disso, a PNMA estipula disposições que oferecem incentivos para iniciativas que promovam a racionalização do uso dos recursos ambientais, embora essas medidas raramente sejam implementadas na prática, conforme estabelecido no artigo 13 (BRASIL, 1988).

Diante disso, eventuais conflitos entre a preservação ambiental e a produção rural não decorrem da legislação vigente, mas sim da interpretação dada a ela. O Código Florestal de 2012, por exemplo, é compatível com o Estatuto da Terra, ao abordar especificamente a Exploração Florestal em seu capítulo VII. Enquanto a lei de 1964 faz referência à exploração florestal realizada racionalmente, mediante planejamento adequado, a Lei n. 12651/12 exige o Plano de Manejo Florestal Sustentável, inclusive permitindo o manejo em Reserva Legal e Áreas de Uso Restrito (arts. 11, 17, 20…).

4.4 Da Inconstitucionalidade da Lei Complementar Estadual nº 1.089/2021

O Supremo Tribunal Federal (STF), em 27 de fevereiro de 2023, ratificou a sentença do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJRO) referente à demanda proposta pelo Ministério Público de Rondônia (MPRO), que declarou a inconstitucionalidade de dispositivos contidos na Lei Complementar Estadual nº 1.089/2021. Esta legislação apresentava a proposta de uma substancial redução da área geográfica da Reserva Extrativista Jaci Paraná, que abrange os municípios de Porto Velho, Buritis e Guajará-Mim, no Estado de Rondônia, conforme figura abaixo:

Figura 1

Fonte: G1 Rondônia, 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/ro/rondonia/noticia/2021/11/22/justica-declara-inconstitucional-lei-que-altera-limites-de-reserva-extrativista-e-parque-estadual-em-rondonia.ghtml. Acesso em: 10 set. 2023

A mencionada lei complementar resultou na diminuição da área da Reserva Jaci Paraná de 191 mil hectares para pouco mais de 22 mil hectares. Tal redução territorial foi justificada pela criação de outras unidades de conservação que, no entanto, não ofereciam os mesmos serviços ecossistêmicos nem estavam em consonância com a dimensão geográfica das áreas desativadas.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pelo Ministério Público de Rondônia fundamentou-se na ausência de estudos técnicos apropriados e nas potenciais consequências adversas de natureza ambiental, social e cultural para as comunidades tradicionais e povos indígenas. Isso culminou na declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos da lei referentes à diminuição das áreas de conservação pelo TJRO em novembro de 2021, conforme Ementa:

EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Complementar Estadual n. 1.089/2021. Altera os limites da Reserva Extrativista de Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará-Mirim. Violação aos Princípio da Vedação ao retrocesso ambiental, precaução, prevenção, participação comunitária (consulta prévia, livre e informada), natureza pública da proteção ambiental, ubiquidade e solidariedade intergeracional. Inconstitucionalidade material. 1. É inconstitucional lei estadual que sem prévios estudos técnicos, desafeta significativa área de unidade de conservação, por violação aos princípios da precaução, prevenção e vedação ao retrocesso ambiental. 2. Pelo princípio da natureza pública (ou obrigatoriedade) da proteção do meio ambiente, que encontra fundamento no art. 225 da Constituição Federal, é dever irrenunciável do Poder Público promover a proteção ao meio ambiente, por ser bem difuso, indispensável à vida humana sadia, não se justificando a desafetação de unidade de conservação sob a justificativa da antropização e degradação. 3. A atuação política ou legislativa que visa interesses patrimoniais individuais ou categorizados em detrimento da proteção do meio ambiente, vulnerando este direito difuso, viola os princípios da ubiquidade e solidariedade intergeracional. 4. Declarada a inconstitucionalidade da lei com efeitos ex tunc.(BRASIL, 2022).

Contudo, a Assembleia Legislativa interpôs recurso junto ao STF, alegando a existência de estudos técnicos nos autos e questionando a competência legislativa concorrente entre a União, os Estados e o Distrito Federal em questões ambientais. Entretanto, ao analisar o Agravo em Recurso Extraordinário, o Ministro Ricardo Lewandowski negou seguimento ao apelo, argumentando a ausência de prequestionamento dos dispositivos apontados como violados e ressaltando que a análise de fatos, provas e legislação infraconstitucional não se adequa a esse tipo de recurso. Ademais, observou-se que a fundamentação apresentada não permitia uma compreensão adequada da controvérsia, inviabilizando o recurso.

Segue a Ementa que denega o recurso extraordinário e mantém o acórdão que declara a inconstitucionalidade da referida LC no Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL 1.089/2021. ALTERAÇÃO DE LIMITES DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS E DE NORMA LOCAL. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 279 E 280 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RAZÕES DO APELO EXTREMO DISSOCIADAS DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 284/STF. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – Conforme as Súmulas 279/STF e 280/STF, é inadmissível o recurso extraordinário quando sua análise implica a revisão do conjunto fático-probatório dos autos e das normas infraconstitucionais locais aplicáveis ao caso. II – É deficiente a fundamentação do apelo extremo cujas razões estão dissociadas do que decidido no acórdão recorrido. Aplicação da Súmula 284/STF. III – Agravo regimental, a que se nega provimento. (BRASIL, 2023).

Com esta decisão do STF, a inconstitucionalidade da redução das áreas da Reserva Extrativista Jaci Paraná e do Parque Estadual de Guajará-Mirim é reiterada, destacando-se a importância da salvaguarda das unidades de conservação e a necessidade de cuidadosa consideração dos impactos ambientais e sociais ao efetuar modificações em sua delimitação. Pois, a referida reserva extrativista, está entre as unidades de conservação mais desmatadas do país, ocupando o terceiro lugar, segundo dados do Instituto Terra Brasilis.

A seguir é possível constatar, através de dados de satélites, disponíveis no Portal da Sedam, como se encontra a atual situação da Reserva Jaci Paraná:

Figura 2

Fonte: SEDAM, 2023. Disponível em: https://geoportal.sedam.ro.gov.br/. Acesso em: 20 nov. 2023

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão da redução da área da Reserva Extrativista Jaci-Paraná, promovida pela Lei Complementar Estadual nº 1.089/2021, representa um desafio complexo e emblemático no contexto do direito ambiental brasileiro. Este estudo buscou analisar a legalidade dessa lei à luz das normas constitucionais e infraconstitucionais pertinentes, bem como avaliar seus impactos sobre a Reserva e suas comunidades locais.

Os resultados da análise apontam para a inconstitucionalidade da referida lei, fundamentada na violação de princípios constitucionais de proteção ambiental e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A decisão do STF ratificando a inconstitucionalidade reforça a importância da preservação das unidades de conservação e a necessidade de considerar cuidadosamente os impactos ambientais e sociais ao realizar alterações em sua delimitação.

A Reserva Extrativista Jaci Paraná, além de sua importância ambiental inegável, destaca-se por abrigar comunidades tradicionais que dependem dos recursos naturais da área para sua subsistência e modo de vida. A proteção dessas comunidades e a promoção do uso sustentável dos recursos naturais são princípios fundamentais do direito ambiental brasileiro.

Este estudo também ressalta a complexidade da gestão de unidades de conservação no contexto de desenvolvimento socioeconômico e ambiental. A Reserva Extrativista Jaci Paraná enfrenta pressões e ameaças, como a extração de madeira, expansão agrícola e caça ilegal, que podem comprometer sua integridade ecológica e a qualidade de vida das comunidades locais. A busca por equilíbrio entre desenvolvimento econômico e conservação ambiental é uma discussão relevante não apenas em nível local, mas também nacional e global.

A jurisprudência consolidada do STF em relação à inconstitucionalidade da Lei Complementar Estadual nº 1.089/2021 é um passo importante na preservação das unidades de conservação e na garantia dos direitos das comunidades tradicionais. No entanto, a manutenção desse equilíbrio delicado exige um esforço contínuo de todas as partes interessadas, incluindo órgãos governamentais, comunidades locais e organizações ambientais.

A Reserva Extrativista Jaci Paraná não é apenas um local de importância regional; é um ponto crucial na preservação da biodiversidade amazônica e na manutenção dos serviços ecossistêmicos que beneficiam toda a sociedade. Portanto, a continuidade do diálogo e a implementação de medidas de conservação eficazes são essenciais para garantir seu futuro ecológico e social, contribuindo para a preservação do nosso patrimônio ambiental e o bem-estar das atuais e futuras gerações. Este estudo, apesar de centrado em uma situação específica, destaca a importância de uma abordagem holística e integrada para a conservação ambiental e o desenvolvimento sustentável, considerando não apenas a legislação, mas também os aspectos sociais, econômicos e ambientais envolvidos. A busca por soluções equilibradas continuará a ser um desafio central no campo do direito ambiental no Brasil e em todo o mundo.

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¹Acadêmica de Direito. E-mail: amandapriscila@gmail.com. Artigo apresentado a UNISAPIENS, como requisito para obtenção do título de Bacharela em Direito, Porto Velho/RO, 2023.
²Professora Orientadora. Professora do curso de Direito. E-mail: erica.assuncao@gruposapiens.com.br