ANÁLISE DE DISCURSO: PERSEGUIÇÃO À IDEOLOGIA COMUNISTA NA LUTA POR DIREITOS TRABALHISTAS SOB O GOVERNO JK – 1956

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10853366


Lucas Rodrigues Barreto¹;
Sabrine Lino Pinto²;
Walas Silva Coelho³.


Resumo: O presente artigo analisa o discurso dos parlamentares Carlos Pinto e Bruzzi de Mendonça em 1956, com base na transcrição do Diário do Congresso Nacional. O objetivo é examinar a polarização ideológica, a imagem do comunismo e os esforços dos setores progressistas em se distanciarem dessa acusação. O contexto histórico do governo de Juscelino Kubitschek é considerado, assim como a importância do sujeito na formação do discurso político. A metodologia de análise do discurso utilizada no artigo envolveu uma abordagem qualitativa, centrada na análise de conteúdo do discurso dos parlamentares Carlos Pinto e Bruzzi de Mendonça no dia 15 de setembro de 1956, a partir da transcrição parlamentar. Foram considerados elementos como a polarização ideológica, a imagem do comunismo e os esforços dos setores progressistas em se diferenciarem dessa acusação, contextualizados dentro do governo de Juscelino Kubitschek. O artigo destaca os ataques e deslegitimações dos grupos conservadores e a relevância do tema para análises contemporâneas da bipolarização ideológica.

Palavras-chave: Discurso; Política; Comunismo

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo analisar o discurso produzido durante o ano de 1956 pelos parlamentares Carlos Pinto (PSD) e, principalmente a figura do deputado Bruzzi de Mendonça (PRT), tendo como fonte documental primária o debate contido em uma transcrição do Diário do Congresso Nacional do ano de 1956. As leituras realizadas nos direcionaram a fazer um recorte específico, sendo este o dia 15 de setembro de 1956.

A temática abordada em nossa análise do discurso é sobre a polarização ideológica e a imagem do comunismo, resultando num esforço dos setores progressistas em se diferenciarem da acusação de comunismo. Utilizaremos outras literaturas como facilitador para a contextualização e evocação do projeto político defendido por esses parlamentares. Dentro da conjuntura do governo de Juscelino Kubistchek, consideraremos o tempo histórico e sua lógica de valores e concepções, levando em conta as estruturas econômicas ou mesmo sociais internas e externas desse projeto.

A revelação do papel do sujeito na constituição do contexto histórico é um aspecto fundamental na própria definição de discurso. Destacamos que os sujeitos políticos promovem o ouvinte a um lugar de decisão e influência política. O discurso político não se justifica quando este não é direcionado a um ouvinte. É de muito interesse do falante a defesa desse ouvinte. Mesmo que este não tenha condições de decidir, o falante, utilizando-se das artes retóricas para defender uma determinada visão, pretende fazer com que o ouvinte incorpore suas decisões de forma indireta. Por exemplo, quando temos o deputado Bruzzi no início da sessão enfatizando “[…] há dias recebemos nesta casa a visita de uma comissão de líderes sindicais. […] visa estender a legislação trabalhista ao trabalhador rural.” (BRASIL, 1956. Não paginado). É explícita a questão colocada sobre os movimentos camponeses e suas reivindicações, mas o cenário histórico nos conduz a linha de raciocínio na qual se assimila muitas vezes a defesa dos trabalhadores ao comunismo. Vamos destacar e discutir nesta análise os ataques de deputados opositores ao partido, ou a um deputado específico, quando estes incorporam a defesa dos trabalhadores rurais.

Ressaltaremos os esforços dos setores progressistas, da linha dos direitos trabalhistas, em se diferenciarem do comunismo, título sob o qual eram tachados como forma de deslegitimação, pelos grupos conservadores hegemônicos no Congresso Nacional, cujo perfil configurava-se a partir das seguintes características: homens brancos da elite, letrados e proprietários de terra. Veremos que o problema do comunismo situava-se no imaginário construído à época, e que a carga pejorativa a ele atribuída era fruto da ameaça à ordem conservadora que ele representava.

A relevância do tema escolhido é definida pela potencialidade de análise e discussão que ela comporta ao traçarmos paralelos com a contemporaneidade. Nos dias atuais, nos vemos novamente em meio a uma bipolarização ideológica, onde o suposto exercício político requer que defina-se um posicionamento entre os dois “possíveis” locais de fala: a direita e a esquerda. A dita direita resgata novamente uma imagem deturpada do comunismo para usar como ataque e ofensa contra quem se posiciona a favor de progressos na agenda social, assim como no recorte analisado.

CRÔNICA DE EVENTOS

As lutas por direitos sociais na história do Brasil ganham ímpeto já nas primeiras décadas do século XX. Destaca-se, especialmente, a ascensão de grupos e movimentos ideológicos em defesa do trabalhador, meio a um cenário marcado por mudanças de ordem econômica e política, com a chegada de Vargas ao poder nos anos 30.

É imprescindível chamar atenção para a composição político-ideológica dicotômica vigente no momento em questão: de um lado, uma agenda progressista, defensora da necessidade de uma industrialização nacionalista, que tirasse o país da condição de dependência e, de outro, a resistência conservadora, protagonizada pelos grandes proprietários rurais, insistentes no sistema econômico dos latifúndios agroexportadores. Neste cenário, Getúlio ascende à presidência marcando profundamente a história com a promoção da industrialização e a defesa do trabalhador, a qual rendeu-lhe o título de “pai dos pobres”. Verifica-se que ele, paradoxalmente, encarna e assume como programa político os dois projetos de nação em disputa, utilizando-se a conciliação de classes como estratégia.

Com isso, Vargas “inaugura” a ideologia do trabalhismo na década de 30, cristalizando-a, posteriormente, na figura do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), criado em 1945, antes de sua queda. No período que compreende seu primeiro regime, o trabalhismo ganhou destaque na agenda política, trazendo transformações positivas à massa trabalhadora, tais como: a criação do Ministério do Trabalho (1930) e a Consolidação das Leis Trabalhistas (1943), regulamentando a relação entre o patrão e o empregado, atribuindo a este uma série de direitos.

Como uma ideologia política, o trabalhismo age em defesa dos interesses da classe trabalhadora e da manutenção da ordem instituída, ou seja, promove transformações intrassistêmicas, em favor de um sistema capitalista “mais justo”. É neste ponto que diferencia-se do comunismo, confusão feita propositalmente pela oposição conservadora, cuja intenção é de deslegitimar assim o discurso atacado, como veremos mais à frente.

Apesar disso, hoje temos maior clareza sobre a relação efetiva entre a CLT e os trabalhadores rurais. Foi visto que as relações arcaicas de trabalho no campo foram mantidas, a despeito dos progressos do proletariado urbano. O próprio Getúlio notou o não-alcance da legislação ao camponês e assumiu este desafio como projeto de campanha do seu segundo mandato, já na década de 50, elaborando propostas de novas relações de trabalho no campo. Em abril de 1954, o Executivo enviou um projeto ao Congresso propondo garantia de estabilidade ao trabalhador rural, limitação da jornada de trabalho, proteção à mulher e ao menor, entre outros, contudo, forças conservadoras presentes no Congresso Nacional não mediram esforços para impedir que se realizasse a extensão da legislação trabalhista no campo. Este embate estendeu-se após 54 e também roubou cena no governo sucessório liderado por Juscelino Kubitschek.

Herdeiro da estrutural política paradoxal, o governo JK também é configurado por uma coalização entre forças hegemônicas e antagônicas: o PSD, partido do qual faz parte, representando a elite agrária, e o PTB, progressista, porta-voz da classe trabalhadora frente ao governo. É neste momento também que os movimentos sociais se revestem de força e promovem maior pressão sobre o legislativo, em favor dos seus direitos.

O discurso escolhido para análise no presente trabalho apresenta o conflito direto entre esses dois projetos políticos numa discussão entre parlamentares na Câmara Nacional em setembro de 1956. De um lado, Bruzzi de Mendonça, trazendo à pauta da sessão reivindicações de trabalhadores rurais e, por isso, sendo tachado de comunista, mesmo que indiretamente, pelo colega dissidente Carlos Pinto, que assume uma postura mais conservadora em relação ao trabalhismo. Tracemos uma rápida biografia destas duas figuras a serem analisadas.

Antônio Bruzzi de Mendonça foi um político e bacharel em direito. Eleito pelo PRT – Partido Republicano Brasileiro, ficou conhecido como “defensor do proletariado”, devido a seus posicionamentos progressistas em defesa dos direitos trabalhistas. Pertenceu ao quadro parlamentar de 1955 a 1959. Por conta disso, era, pejorativamente, tachado de comunista pela ala conservadora. É explícito o caráter de defesa das pautas do sindicalismo dos trabalhadores rurais, Bruzzi era exemplo entre as classes trabalhadoras do que era a representação do nacionalismo brasileiro.

Após assumir seu mandato em 1955, Bruzzi de Mendonça expôs publicamente seu não apoio ao PCB além de opinar negativamente sobre o encontro do Partido Comunista com a então União Soviética. Com esse posicionamento, temos de forma clara e definitiva o não apoio do PCB a ele posteriormente. Com sua astúcia política e uma boa retórica, Bruzzi conseguiu contornar algumas adversidades além de deixar nas entrelinhas do contexto político dos anos 50 sua ideologia, entretanto tinha muitos discursos acalorados com outros parlamentares quando o ponto de pauta eram os trabalhadores.

Nascido em 24 de janeiro de 1904 na cidade de Porciúncula (RJ), Carlos Pinto era filho de fazendeiro Carlos Frederico Pinto e de Júlia Áurea Pinto. Primeiramente foi vereador na cidade de Itaperuna, Rio de Janeiro. Depois, tornou-se prefeito da cidade de onde nasceu. Em 1945 foi eleito para deputado da Assembleia Nacional Constituinte pelo estado do Rio, pertencente a legenda do PSD (Partido Social Democrático). Pinto, representante legítimo das oligarquias agrárias, assume um posicionamento hostil em relação aos reclames do campesinato que Mendonça traz à Casa, utilizando-se como argumento a acusação de comunismo, em sua forma pejorativa, visto o clima de perseguição política que assolava tal ideologia à época.

A aliança PSD-PTB, como bem estuda Maria Victoria Benevides, fez-se necessária como suporte que permitiu a estabilização e a boa desenvoltura política do governo Kubitschek, com a divisão dos ministérios de acordo com o interesse dos partidos. Porém, apesar do peso e pressão progressista que o PTB representava nesse meio, Juscelino esforçou-se para não contrariar seus colegas pessedistas: “a política fundiária não foi alterada, a reforma administrativa não foi implementada e todas as tentativas de estender a legislação trabalhista ao campo foram abortadas.” (HIPÓLITO, [2001]. Não paginado)

Apenas com a alçada do PTB à presidência, na figura de João Goulart, é que o projeto da extensão da legislação trabalhista ao campo teve avanços significativos. Em seu conhecido programa de reforma de bases, destacam-se propostas de mudanças nas estruturas latifundiárias e nas relações de trabalho no campo. O deputado Fernando Ferrari do PTB encaminha para o Congresso um projeto que, após aprovado, converte-se na Lei nº 4.2144, de 1963, o Estatuto do Trabalhador Rural que, inspirado na CLT, discute amplamente sobre as condições políticas e econômicas do contrato de trabalho na agricultura brasileira.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Sobre a extensão da legislação trabalhista aos trabalhadores do campo, há diversos autores políticos e sociais que se enquadram a favor desses direitos, tais como: Ricardo Oliveira da Silva que aborda a visão de Caio Prado Júnior e Fernando Ferrari; e Rossana Rocha Ries que expõe o papel político da Instituição Católica.

Ao se tratar dos estudos produzidos a respeito da legislação trabalhista, Ricardo Oliveira da Silva, um estudioso das ciências sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, discorre em seu artigo, O debate sobre a legislação trabalhista rural (1960-1963): o caso de Caio Prado Júnior e Fernando Ferrari (2009), sobre duas vertentes, Partido Comunista Brasileiro (PCB) e Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), estes, respectivamente, ligados a Caio Prado Jr e Fernando Ferrari.

O PCB, sobre a questão agrária, considerava que havia dois impasses no desenvolvimento do país: “um entre a nação e o imperialismo, e outro entre as forças produtivas e as relações de produção semifeudais existentes no campo.” (SILVA, 2009, p.264). O projeto do PCB defendia que o capitalismo deveria chegar ao seu auge, para que houvesse uma transformação de modelo social. Para isso o Brasil deveria avançar em sua economia, já que o partido considerava o modelo econômico brasileiro como semi-feudal ligado ainda a seu passado mercantil exportador colonial, e para que seu ideal se tornasse possível, seria necessário o fim deste regime através da reforma agrária, evocando-se uma legislação trabalhista.

Porém, no artigo de Ricardo Oliveira pode-se perceber uma contradição do partido quando se analisa que para “o PCB, [em relação] a legislação Trabalhista, por um lado era uma medida de caráter reformista, a qual não seria capaz de contribuir significativamente propósitos finais da revolução democrático-burguesa […].” (SILVA, 2009, p. 267)

Para Prado Júnior, que já havia desenvolvido artigos sobre o assunto na Revista Brasiliense, a reforma agrária seria essencial. Tal afirmação fica mais evidente em seu artigo intitulado Nova contribuição para a análise da questão agrária no Brasil (1962). Neste artigo, o conceito que se tem de reforma agrária, não se liga apenas a propriedade da terra e sua descentralização, mas também a legislação social-trabalhista para os trabalhadores rurais, que protegesse, legalmente, esse trabalhador dando-lhe a oportunidade de posse e utilização da terra, além de assegurar as condições necessárias de remuneração a qual se tenha condições dignas do trabalho.

Dessa forma, Júnior acreditava que a legislação trabalhista seria um passo a favor para uma sociedade socialista, pois isso fortalecia aos trabalhadores. Tal compreensão fez com que ele criticasse seu partido pela posição de caráter reformista e não revolucionário. A tese de Caio Prado Júnior, na visão de Ricardo Oliveira, ao se referir a uma legislação trabalhista no meio rural baseia-se então, na possibilidade de ascensão dessa classe trabalhadora rural para que, em longo prazo, possa alcançar seu ideal por uma sociedade de regime socialista.

Fernando Ferrari, por sua vez, seguiu tendências do seu partido, PTB, no qual neste período já havia passado por diversas modificações desde Vargas, que nesta versão de 1950 vinculavam características pragmáticas getulistas e uma linha doutrinária, à defesa de reformas através do aparelho do Estado. Ferrari se aproximava de Alberto Pasqualine (1991-1960), um político petebista, que defendia não o fim do capitalismo, mas em um capitalismo com seus princípios baseados na solidariedade social e na cooperação.

Ferrari, na obra publicada em 1963, chamada Escravos da Terra, traz elementos históricos que buscam explicar a “exclusão das massas campesinas da política no país” (SILVA, 2009, p. 269). Nessa perspectiva, as interações entre os latifundiários e as instituições políticas criaram condições favoráveis para esses setores, tendo a seu favor leis e condutas oficiais que não dão espaço a inserção dos direitos trabalhistas.

Apesar de toda tentativa do PTB na década de 1950, perante o Congresso Nacional, de se implantar as leis trabalhistas, e ter apoio do PSD, a qual Juscelino Kubitschek tinha forte base eleitoral, por outros setores Ferrari não foi tão bem recebido. Segundo Ricardo Oliveira, Ferrari perdia sua credibilidade tanto por parte dos latifundiários que não queriam perder seus benefícios de exploração ao trabalhador, quanto por parte de instituições como Sociedade Rural Brasileira (1909) e a Confederação Rural Brasileira (1945), ambas representavam os latifundiários, que consideravam a legislação como pura demagogia eleitoral, sendo verdadeiro problema, ao ver destas instituições, o aumento da produtividade. Deste modo, além de se perder apoio desses setores e outros partidos, se tinham também conflitos internos no PTB.

A segunda autora, Rossana Rocha Reis, pesquisadora do Cedec e professora do departamento de ciência política do Instituto de Relações Internacionais (IRI) USP, em seu artigo: O direito à terra como um direito humano: A luta pela reforma agrária e o movimento de direitos humanos no Brasil (2012), chama atenção para a relevância, de forma geral, do trajeto agrário e da participação da Igreja como mobilizadora da questão do bem social (possíveis leis trabalhistas) vinculada aos direitos humanos.

A Igreja Católica posicionava-se de maneira conservadora até meados de 1950. No entanto, com o destaque referente à reforma agrária pelos setores políticos, a instituição se viu como principal mediadora de propagar a ideia de reorganização da estrutura fundiária com a distribuição mais justa da terra para a sociedade.

Tendo mais proximidade com a sociedade, ela poderia se posicionar politicamente, agindo no sentido da formação de consciência crítica e política. Sua justificativa para tal ofício difusor tem como base as novas orientações de Roma, pois “uma série de teólogos vai propor a ideia de que, na América Latina, a Igreja tem uma reparação histórica para como os povos que, ao longo da sua história, ela ajudou a dominar.” (REIS, 2012, p.101)

A Igreja atuava por toda parte e, no Brasil, atendia públicos bem distintos. Em cada regionalidade os interesses eram diferentes, por exemplo. Ao Norte o movimento era voltado para posseiros e indígenas, ao passo que ao Sul, para trabalhadores sem terras, no Nordeste, para os trabalhadores rurais vítimas das secas etc. Por fim, a instituição acabava englobando todos os interesses. Pela atuação da Igreja diante das causas político-sociais, “O governo brasileiro vai sistematizar procurar dissociar a ‘Igreja verdadeira’ da ‘Igreja comunista’” (REIS, 2012, p.111). Tal discurso governamental se assemelhará mais à frente na análise do discurso, tendo em questão a demonização do significado político que a palavra comunismo passou a ter.

Das visões de Caio Prado Júnior e Fernando Ferrari, percebemos que ambos se aproximam de uma linha mais radical no que se refere aos fundamentos de seus respectivos partidos PCB e PTB. E, apesar de suas divergências de ordem teórica e política, assim como assinala Ricardo Oliveira, há uma aproximação dos dois autores que acreditam na necessidade da formação de uma legislação trabalhista, elevada por uma reforma agrária e para que se possibilite garantias aos trabalhadores rurais. A Igreja Católica visa o direito humano partindo de interpretações marxistas, dessa forma promovendo a luta pela reforma agrária.

Antônio Bruzzi de Mendonça se assemelha com o progressismo de Ferrari e do PTB, porém é confundido propositalmente com ideais comunistas pelas figuras conservadoras do Congresso, que tentam a todo custo desvalidar seu discurso em favor da ampliação das leis trabalhistas. Nesses mesmos discursos, verifica-se um esforço dos trabalhistas em diferenciarem dos comunistas, que no contexto situacional de bipolarização ideológica global, meio à Guerra Fria, sofriam ferrenha perseguição e tinham sua imagem deturpada por um sentimento anticomunista propagado, principalmente, pelos Estados Unidos.

Sendo assim, cabe destacarmos o trabalho Em Guarda Contra o Perigo Vermelho: o Anticomunismo no Brasil (1917 – 1964), de Rodrigo Patto Sá Motta, que aborda a construção deturpada do imaginário do comunismo, bem como a hostilidade e perseguição a essa ideologia, sentimento este dominante no Congresso Nacional, de hegemonia conservadora.

ANÁLISE DO DISCURSO

OS EXCERTOS DO DISCURSO POLÍTICO E SEUS SENTIDOS

Os textos que aparecem no Diário do Congresso Nacional e o recorte temporal escolhido são de cunho de defesa de interesses políticos, mas que muitas vezes são deixados nas entrelinhas do ouvinte. Mostrar o importante papel desempenhado pelo fenômeno anticomunista e a construção desse imaginário político nos permitiu, refletir e analisar o sentimento da época sobre algo que causava temor e alarde, o comunismo.

Trechos com alusão ao comunismo considerados à época são confrontados no embate entre os deputados Carlos Pinto e Antônio Bruzzi de Mendonça.

Os fragmentos extraídos abaixo são de Bruzzi de Mendonça, em que faz um pronunciamento na tribuna parlamentar, no primeiro momento evocando algumas frases destacadas pelas nossas pesquisas nos Diários do Congresso Nacional. É interessante analisar de forma a extrair as ideias do uso ou colocações de algumas palavras em determinados espaços e compreender qual o público que esse “texto-fala” será direcionado.

A preocupação com a legislação trabalhista ou questões pertinentes aos trabalhadores, foi desde a década de 1930, assunto de discussão acirrada no campo político, principalmente com o advento e “consolidação” do partido comunista.

O termo “estender” utilizado na sua fala, mostra a preocupação do deputado Bruzzi em tentar compreender o fenômeno que estava ocorrendo no Brasil, onde as defesas de direitos trabalhistas dos camponeses estavam sendo comparados com ideais comunistas. O deputado seria um defensor e mediador que buscava facilitar a interpretação da legislação, de forma a deixar acessível os direitos trabalhistas à classe trabalhadora do campo que já se organizava em lutas. No “[…] que visa estender a legislação trabalhista ao trabalhador rural.” (BRASIL, 1956. Não paginado). Ele também tenta por outra ótica, mostrar aos conservadores o que seriam esses direitos, servindo como válvula de escape para tantas reivindicações sindicais, aprovações de objetivos que beneficiassem essa parte da população brasileira.

É citada a cidade de Catanduva, no estado do Paraná, como exemplo das grandes mobilizações operárias e lutas sindicais, cujas notícias de constantes embates entre patrões e empregados, relacionados às condições de trabalho foram disseminadas pelo jornal da cidade Voz Operária, um dos jornais do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e levadas a pleito por Bruzzi na seguinte fala:

“[…] em Catanduva […] existem cerca de 3 mil trabalhadores temporários sem nenhuma garantia […] mil trabalhadores chamados temporários que diariamente são arrebanhados para o trabalho das fazendas pelos intermediários que percebem nesse mercado humano a quantia de 5 cruzeiros por cabeça. ” (BRASIL, 1956. Não paginado),

O deputado explicita o que está acontecendo em algumas partes do Brasil, tentando enaltecer sua figura e dando a entender que sua preocupação não é só com a situação de um determinado grupo de trabalhadores, mas de toda a massa e em todo o território brasileiro, principalmente os moradores do campo. Ele tenta conscientizar a classe conservadora sobre as reivindicações agrárias, interpretando o fenômeno e exprimindo sua posição centralizada progressista.

É argumentada a questão do êxodo rural, que conseguimos analisar dentro da lógica desenvolvimentista do presidente Juscelino, a crescente taxa de urbanização brasileira, acrescida da importância industrial no âmbito automobilístico e da construção civil, principalmente a edificação da nova capital. Todo esse contexto culminou no crescimento das cidades de forma desordenada. Essa saída do campo para a cidade muitas vezes impossibilitava o retorno desses trabalhadores, e tem-se que “[…] Esses homens vão se afastando dos campos e na primeira oportunidade o abandonam completamente, dada a incerteza da vida de trabalhador eventual […]” (BRASIL, 1956. Não paginado). Bruzzi completa sua fala com a ânsia do povo ao se tratar de assuntos como os trâmites burocráticos das questões ministeriais, uma vez que eles (os sindicalistas e trabalhadores)

“[…] procuraram vários Deputados desta Casa; para se manifestar contra o propósito de se transferir a questão para o Ministério da Agricultura, defendendo que o projeto de extensão da legislação ao campo deve ficar sob responsabilidade do Ministério do Trabalho, pois temem que dá outra forma possa-se “[…] fraudar a efetiva sindicalização dos trabalhadores do campo.” (BRASIL, 1956. Não paginado),

As palavras de teor ferrenho em um diálogo, como “áspera” e “impiedosa” são empregadas em um discurso político para acalorar sua defesa, que nesse dia estava preocupado em se defender das acusações de comunismo, mas ele as utiliza para resgatar seu objetivo daquele dia, defender os direitos dos trabalhadores, que ele diz ser o “único” propósito fala “[…] vivemos sob um regime de áspera e impiedosa exploração e opressão do trabalhador agrícola, e o único meio que ele encontra para defesa dos seus direitos […] a união em sindicatos […]” (BRASIL, 1956. Não paginado), dentro desse objetivo em explicitar muitos fenômenos sindicais, que lutavam por melhorias e legalidade.

O deputado Carlos Pinto, recebendo o direito de fala, já rebate o deputado Bruzzi, afirmando que suas falas deste primeiro momento estavam relacionadas a práticas comunistas “[…] Lá se trata de comunismo” (BRASIL, 1956. Não paginado). Com esse pequeno trecho, o deputado ainda se embasa para dizer que está correto e o que foi dito se trata de uma ação ou linguajar comunista. A imprensa da época, essa investida de posicionamento político, diferente da atual que se diz apartidária, dissemina algumas construções imaginárias do que seria comunismo. O imaginário anticomunista pautado na constituição de discursos e simbolismo estão visíveis na fala do deputado, o que leva a considerar sua fala diretamente associada ao fenômeno. 

Um ponto a ser acrescido nessa rápida acusação é entender como é contraditório a relação do comunismo com posicionamento político, onde temos de um lado um deputado da corrente conservadora relacionando fatos ao comunismo, enquanto nesse mesmo contexto tínhamos esquerdas anticomunistas, uma espécie fragmentada de posicionamentos e defesas. Orlandi (2020), defende em seu livro Análise de discurso: Procedimentos e Métodos, que a sociedade automaticamente espera uma alusão a determinados assuntos, mesmo não conhecendo sua verdadeira essência.

Após o contraponto apresentado, Bruzzi se defende utilizando o poder da mídia como argumento, que nesse período era disseminada através dos jornais em sua maioria, tanto que ele utiliza o termo “lê” e para findar sua fala questiona o que seria essa construção anticomunista. Questiona também a relação entre trabalhador e sindicato, afirmando que a sindicalização do mesmo não implica necessariamente na adesão à ideologia comunista. “[…] é o que se lê na imprensa que se coloca ao serviço dos interesses opostos aos dos trabalhadores. Se o simples fato de um operário sindicalizar-se o transforma em comunista não sabemos o que é comunismo […]” (BRASIL, 1956. Não paginado)

Em uma ocasião acalorada, Bruzzi elabora uma questão que nos expressa que sua preocupação principal centra-se no trabalhador e na execução de seus direitos, independente da ideologia política. E vai além, complementa-se de forma articulada insistindo que mesmo o trabalhador comunista deve ter seu direito respeitado: “Pergunto a Vossa Exª se o trabalhador comunista não tem sequer o direito de trabalhar e defender seu pão.” (BRASIL, 1956. Não paginado)

Em resposta a esse discurso, Carlos Pinto evoca “Comunistas não são os trabalhadores, mas aqueles que estão ao Norte do Paraná explorando os trabalhadores” (BRASIL, 1956. Não paginado). Nessa região, que ele diz que há a exploração do trabalhador por parte dos comunistas, na verdade havialutas sindicais por melhorias trabalhistas assim como, assim como denúncias de ocorrência de trabalho escravo. Os sindicatos trabalhistas eram vistos como “escolas” doutrinadoras de formação de operários rebeldes, que gerariam o caos. No discurso de Pinto, o trabalhador, destituído de autonomia de pensamento, é vítima dos sindicalistas ditos comunistas. Tal argumento é usado para desvalidar o apelo do trabalhador na reivindicação legítima de seus direitos.

Mais uma vez, Bruzzi insiste em dizer de forma a não explicitar sua posição política, mas sim defender seu público, os trabalhadores, e se articular de forma inclusiva, exaltando sua preocupação não somente com os trabalhadores de uma região específica, mas sim com todos os trabalhadores brasileiros rurais. Nesse caso específico no trecho “[…] existem os grandes latifundiários que vivem explorando […] em todo o Brasil, o suor do trabalhador agrícola. Dizem os jornais que da diretoria eleita por este sindicato participariam vários comunistas […]” (BRASIL, 1956. Não paginado), o ouvinte é a coletividade trabalhadora brasileira, e indiretamente, o povo que habitavam os campos brasileiros. A essa população é atribuído seu respaldo de poder, como exemplo nos períodos eleitorais, a representatividade de muitos em troca da confiança alheia.

O deputado progressista se defende da acusação feita anteriormente, em que é visto como um defensor do comunismo, mas rebate “[…] a acusação de comunista é dirigida, indistintamente, a todos os que defendem os interesses das classes oprimidas.” (BRASIL, 1956. Não paginado). Observa-se aqui um pouco mais aprofundado uma espécie de significação dada a caraterização do comunismo, que deixa ocultada a figura do deputado, ao afirmar que ‘todos os que defendem os interesses das classes oprimidas’ são tachados de comunistas. Especialmente no que respeita às representações anticomunistas, notamos uma forte tendência à regularidade, ou seja, à permanência ao longo do tempo de imagens, ideias, mitos etc (MOTTA, 2000). Todo o projeto anticomunista criado entre as décadas de 1930-1940 ainda era utilizado no período do governo de Kubistchek, como aversões a discursos de personagens ditos “sindicalistas”.

A leitura de parte da Constituição Brasileira de 1946 trouxe uma reflexão em relação aos partidos políticos e a integração de novos partidos, porque pela primeira vez na história política brasileira, teremos comunistas e trabalhistas ocupando bancadas. O trecho discursado abaixo, nos mostra seu saber em relação ao direito constitucional. Mais uma vez Bruzzi se defende ou explicita de forma a colocar a lei a seu favor, tendo embasamento legal.

“[…] se admitindo que aqueles dirigentes sindicais fossem comunistas, o fato não tornaria ilícito o seu direito de sindicalização. […] o atestado de ideologia já foi abolido pela simples vigência da Constituição. Não se pode admitir que, num País constitucional, num País democraticamente organizado se cassem direitos de trabalhadores apenas pela alegação de serem estes comunistas […]” (BRASIL, 1956. Não paginado)

‘Não se pode admitir’, nessa expressão muito enfatizada, Bruzzi apoia-se na soberania da lei e no princípio da democracia para reivindicar o direito da liberdade de associação política, que deveria estar acima de qualquer juízo de valor, marcando a posição buscada por ele durante todo o embate, a neutralidade.

O deputado Carlos Pinto, justifica que o comunismo é uma doutrinação dada por “[…] pessoas que vão para lá explorar o trabalhador, meter na cabeça deles que devem desobedecer ao patrão, não respeitar autoridades, não trabalhar e até incendiar lavouras.” (BRASIL, 1956. Não paginado). Ele usa palavras como ‘meter na cabeça’ para apontar uma malícia e sagacidade da parte dos ditos comunistas em relação aos trabalhadores, na intenção de corrompê-los com sua doutrina que incita a rebeldia. A utilização de palavras como ‘desobedecer’, ‘respeitar’ que são complementadas respectivamente, com patrão e autoridades, se relacionam com o conceito de ‘ordem’, um dos pilares do discurso conservador.

Ao mesmo tempo, conceitos e expressões como ‘o suor do trabalhador agrícola’, ‘classes oprimidas’, ‘regime de opressão’, ‘direito de sindicalização’, ‘democraticamente’ presentes na fala de Bruzzi, expressam seu projeto político de orientação progressista, que se manifesta através da defesa dos direitos dos trabalhadores rurais. Prioriza-se a execução plena da democracia e a igualdade jurídica e política em:

“[…] se eles devem ou não ouvir as palavras daqueles a em V. Exª chama de comunistas, isso dependerá de os anticomunistas levarem palavra de ordem mais honesta, mais justa, mais do interesse dos trabalhadores. Se só os dirigentes sindicais comunistas defendem os trabalhadores, tanto melhor. Que os anticomunistas defendam melhor para competir democraticamente com os comunistas!” (BRASIL, 1956. Não paginado)

O termo ‘quaisquer’ merece atenção na colocação do discurso, temos a articulação retórica do deputado Bruzzi de Mendonça que se posiciona de forma “neutra”, deixando claro que não está ali para defender comunistas, mas sim defender uma política integradora e independente de posição partidária. Então

“[…] Não nos parece justo porém que, a pretexto de combater os comunistas esteja  na verdade combatendo os direitos de os trabalhadores se unirem em sindicatos e livremente elegeram suas diretorias QUAISQUER que sejam as convicções políticas dirigentes.” (BRASIL, 1956. Não paginado)

A força dos sindicatos nesse período ganhava expressão na conjuntura brasileira, mas seus direitos e sua legalidade muitas vezes era impedida. Entretanto, já se tinha a interferência de fatores políticos influenciando a queda das taxas de sindicalização, o que dependia de determinadas políticas adotadas por governos ditos socialdemocratas, democratas ou conservadores. Levando em conta o conservadorismo, Bruzzi deixa claro que “[…] classes conservadoras vêm resistindo com a maior veemência e até com a maior violência contra o direito de sindicalização” (BRASIL, 1956. Não paginado), nesse caso específico, agindo no sentido de deslegitimar o movimento trabalhista, ao relacioná-lo com o comunismo, o que no contexto, era moralmente pejorativo. Nesse trecho, percebemos mais uma vez a tentativa de mostrar as demais bancadas políticas que existiam equívocos em determinadas interpretações sobre o que é comunismo e que suas interpretações prejudicavam o andamento das políticas econômicas brasileiras.

A natureza da organização sindical e do sistema de negociação (mais centralizado, menos centralizado, por exemplo) constitui outra variável importante. No trecho do Bruzzi “[…] somente através da sindicalização conseguirão os trabalhadores do campo libertar-se do regime de opressão a que estão submetidos pelo latifúndio” (BRASIL, 1956. Não paginado) percebe-se que temos um apoio ao sindicalismo, às forças trabalhistas, mesmo que no momento de seu discurso o deputado Carlos Pinto questiona muitas vezes a relação do sindicalismo com preceitos ditos comunistas.

Na frase, “[…] Está afirmando que o trabalhador rural vem procurar deputado nesta Casa é caso de gargalhada. O trabalhador rural nem sabe o que é deputado” (BRASIL, 1956. Não paginado), ironicamente citada por Carlos Pinto, o mesmo, de forma prepotente e desdenhosa, pretende que os trabalhadores rurais são ignorantes em relação a seus direitos. Contudo, chamamos atenção para o papel de importância social assumido pela Igreja Católica a partir da década de 50, em contato com as classes oprimidas, levantando críticas sobre a condição de miséria generalizada. Desta maneira, questiona-se de que forma tais trabalhadores rurais adquiriram conhecimento sobre possíveis direitos.

Nesse viés, trabalha-se com a hipótese da igreja enquanto agente na formação de consciência política, já citado anteriormente por Rossana Reis. Esta instituição promovia uma esperança no imaginário do trabalhador explorado, ao refletir sobre as condições reais das classes populares, desnaturalizando a pobreza, e por consequência, fazendo com que tais sujeitos se engajassem em lutas reivindicatórias. Buscavam, assim, transformações pela via institucional, ao cobrar de parlamentares a defesa de seus direitos, como por exemplo, em nossa análise, Bruzzi Mendonça.

Com seu discurso etnoliterário a Igreja provoca os defensores da exploração trabalhista, fato esse que, consequentemente, levou a distinção de uma igreja católica verdadeira e outra “comunista”. A verdadeira seria a tradicional e a comunista a que estaria se engajando nas causas sociais de exploração.

Sendo mesmo uma ironia, o próprio Carlos Pinto, que era fazendeiro, não reconhece que haja trabalhadores em precárias condições de trabalho, lutando contra os diversos tipos de opressão e exploração. O mesmo afirmava não acreditar que havia exploração dos trabalhadores camponeses ou até mesmo que estes tinham noção de seus direitos sociais e políticos, uma vez que se encontravam distantes do pólo político e, portanto, alienados. Essa análise pode ser percebida na seguinte citação. “Sr. Deputado com franqueza, sou lavrador, e não conheço esse regime de opressão que  V.Excia. se refere. Afirmo honesta e lealmente” (BRASIL, 1956. Não paginado). Ainda, pode-se analisar que o deputado do PSD, se diz lavrador, porém era fazendeiro, se colocando numa posição de inferioridade ou até mesmo de igualdade para justificar a não necessidade da extensão de uma legislação trabalhista ao mesmo tempo em que mistifica a fala de Bruzzi, acusando-o, implicitamente, de agir na defesa de comunistas.

Percebe-se, além disso, que Bruzzi Mendonça é filiado ao PRT, mas seu embate ideológico também se encontra entre os partidos PTB e PCB. Apesar de estar entre ambos, o deputado se aproxima da corrente teórica do partido trabalhista. Mendonça tem seu histórico político traçado por causas sociais que estão presentes em várias passagens do Diário do Congresso Nacional, uma dessas se encontra no dia 27 de Outubro de 1956, no qual ele comunica a injúria sobre o salário dos professores (BRASIL, 1956. Não paginado).

Assim como Caio Prado Junior, Bruzzi Mendonça via a reforma agrária como o melhor caminho para a questão dos trabalhadores. No entanto, se diferenciam quanto aos rumos da seguinte proposta. Prado Junior visava à reforma agrária para uma futura ascensão comunista, enquanto Mendonça estava preocupado com a situação da inclusão dos trabalhos rurais na ampliação da constituição de direitos. Nesse contexto, ele se aproximava do viés de Fernando Ferrari, que procurava dar uma ampliação política para a participação dos trabalhadores rurais, citado pelo próprio Bruzzi Mendonça em seu discurso como um agente procurado pelos trabalhadores da época. Aqui, mais uma vez, marca-se a distinção entre o trabalhismo representado na figura de Bruzzi e o comunismo assumido por Caio Prado Júnior.

Em nossa hipótese, o que sustenta a acusação da orientação comunista dirigida aos trabalhistas advém da análise da condição do trabalhador rural, que porta um embasamento teórico marxista, percebida na seguinte fala de Bruzzi:

[…] ocorre, porém, que seu trabalho é regiamente pago, Sr deputado, porque esse trabalho implica, no trabalho dos seus empregados, não é propriamente o seu trabalho, o seu suor, V. Excia, faz um investimento de capital, que nada mais é do que o acúmulo do trabalho de outros que lutam diariamente para V. Excia.” (BRASIL, 1956. Não paginado)

Em resposta à proposição do pessedista, Mendonça apoia-se, implicitamente, em conceitos como exploração do trabalho alheio e a desigualdade, muito presentes no vocabulário comunista.

Apesar disso, Bruzzi logo trata de reafirmar sua posição de neutralidade: “Apenas estava dando a notícia ao plenários dos reclamos e anseios de dirigentes sindicais rurais que me procuraram […] pedindo que nos interessemos pela extensão da legislação trabalhista ao homem do campo.” (BRASIL, 1956. Não paginado). A neutralidade é tomada como prova de que também existia um sentimento anticomunista na esquerda brasileira, como afirma Rodrigo Motta (2000). Contudo, o autor afirma que a esquerda não-comunista via-se na seguinte situação: “Aqui, o atraso social e o quadro de pobreza eram imensamente piores, tornando mais constrangedora a situação de se opor e combater efetivamente o projeto comunista.” (MOTTA, 2000, p. 34)

A partir da análise do debate entre forças antagônicas, cada uma representando um projeto de nação, percebemos que cada grupo ideológico possui um vocabulário e um imaginário próprio, os quais utilizam como projeção do outro, na construção da alteridade. Tal situação é evidente, especialmente, nas falas de Carlos Pinto, autêntico representante de uma elite conservadora que reveste-se do sentimento anticomunista para boicotar medidas progressistas buscadas por setores da esquerda. Medidas estas que trazem benefícios materiais e abstratos para a massa trabalhadora, mas que significam uma ameaça à ordem instituída aos olhos de seus opositores, uma vez que podem acarretar no fim de seus monopólios político e econômico. Rodrigo Motta sintetiza esse embate presente em outros momentos semelhantes da política brasileira, mas que se enquadra bem ao recorte por nós analisado:

“Nos três períodos referidos, as atividades anticomunistas foram intensificadas, sendo que em 1937 e 1964 a “ameaça comunista” foi argumento político decisivo para justificar os respectivos golpes políticos, bem como para convencer a sociedade (ao menos parte dela) da necessidade de medidas repressivas contra a esquerda.” (MOTTA, 2000, p. 8)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise realizada oferece uma visão profunda da dinâmica política e discursiva do período estudado, destacando a complexidade da polarização ideológica e da construção da imagem do comunismo dentro do contexto do governo de Juscelino Kubitschek. Além disso, a identificação dos esforços dos setores progressistas em se diferenciarem dessa acusação, confrontando os ataques dos grupos conservadores, traz reflexões importantes sobre a formação e a legitimação do discurso político. Ao analisar um discurso político, é possível criar relações que contribuem para uma compreensão crítica da história política brasileira, mas também lançam questões sobre os desafios contemporâneos relacionados à bipolarização ideológica e à retórica política na atualidade.


4Dispõe sobre o Estatuto do Trabalhador Rural art. 158: cria o FUNRURAL. Revogada pela LEI 5.889, de 08/06/1973.

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¹Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Humanidades, do Instituto Federal do Espírito Santo. Especialista em Docência e Prática de Ensino em História. Bacharel e Licenciado em História pela Universidade Federal do Espírito Santo. É membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em História e Filosofia da Ciência (Histofic); http://lattes.cnpq.br/7510351508552630
²Bibliotecária-Documentalista no Campus Vitória do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes). Professora permanente no Programa de Pós-graduação em Ensino de Humanidades (PPGEH) do Ifes. Doutora em Educação em Ciências e Saúde do Programa de Pós-graduação do INUTES da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (2019). Mestra em Educação em Ciências e Matemática do Programa EDUCIMAT do Ifes (2014). Graduada em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) (2005) e pós graduada com especialização em Biblioteca Escolar pelo CESAT (2008). Vice-líder do Grupo de Estudo e Pesquisas em História e Filosofia da Ciência (Histofic) e vice-líder do Grupo de Estudos em Educação Ambiental e Agroecologia (Aracê); http://lattes.cnpq.br/6683400295936890
³Graduando em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Espírito Santo; http://lattes.cnpq.br/6823179151123861