ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE INFRAESTRUTURA E CONSERVAÇÃO EM NIQUELÂNDIA (GO): IMPACTOS DA APLICAÇÃO DOS RECURSOS ADVINDOS PELA CFEM NOS ASPECTOS SOCIAIS E AMBIENTAIS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8057917


Edson José de Souza Júnior¹


Resumo:

O presente artigo busca analisar a aplicação do montante de recursos distribuídos à título de Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM) ao Município goiano de Niquelândia repassado para afetamento de Estruturas, no período de 2018 a 2020, notadamente os alusivos ao período de 12/06/2018 até 30/04/2020, referentes às competências de 06/2018 a 03/2020. Visa, portanto, responder ao seguinte questionamento: Como os recursos da Compensação Financeira dos Recursos Minerais (CFEM) estão sendo aplicados para mitigar esses impactos sociais e ambientais, especialmente os distribuídos para aplicar na estrutura de mineração? Assim, o objetivo geral consiste em analisar as políticas públicas de infraestrutura e conservação em Niquelândia (GO) diante dos impactos sociais e ambientais causados pela atividade minerária, verificando a aplicação adequada dos recursos da Compensação Financeira dos Recursos Minerais (CFEM). Por objetivos específicos tem-se a missão de analisar as políticas públicas de infraestrutura e conservação em Niquelândia (GO) relacionadas à atividade minerária; avaliar a aplicação dos recursos da CFEM em Niquelândia (GO), especialmente na estrutura de mineração, para mitigar os impactos sociais e ambientais; identificar possíveis lacunas na aplicação das políticas públicas e sugestões de melhorias para mitigar os impactos sociais e ambientais da atividade minerária; e, por fim, contribuir para a compreensão do papel das políticas públicas na gestão de impactos sociais e ambientais associados à atividade minerária em Niquelândia (GO), inferências que poderão ser transplantadas para localidade com características semelhantes. Trata-se de ensaio confeccionado a partir de revisão bibliográfica, que também analisou as fontes normativas, além dos dados fornecidos pelo TCM-GO, com pedido de informações que não fora atendido pela municipalidade. Utilizou-se o método dialético, com inferências quali-quantitativas.  Como resultado das reflexões, constatou-se a necessidade de aplicação adequada dos recursos recebidos a título de Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM), notadamente para minorar as externalidades negativas nos campos sociais e ambientais, buscando alternativa para que os empreendimentos minerários possam apresentar sustentabilidade, especialmente em vista da possibilidade de ocorrer intercorrências que tornem inviável a exploração, bem como em vista da inevitável exaustão dos recursos minerais que podem comprometer significativamente a receita disponível para as comunidades afetadas, caracterizando verdadeiro estado de coisas inconstitucionais, porquanto os direitos fundamentais permanecem sendo violados de forma constante e sistemática.

Palavras-chaves: Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM); Niquelândia (GO); políticas públicas social e ambiental; desenvolvimento sustentável; estado de coisas inconstitucionais.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo foi desenvolvido no contexto do projeto de pesquisa financiado pela Fundação Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular (FUNADESP), mais especificamente em decorrência de projeto vinculado ao Edital 01/2021, com o título “POLÍTICAS PÚBLICAS DESENVOLVIDAS A PARTIR DA APLICAÇÃO DOS RECURSOS DE COMPENSAÇÃO FINANCEIRA PELA EXPLORAÇÃO DOS RECURSOS MINERAIS (CFEM) PELO MUNICÍPIO GOIANO DE NIQUELÂNDIA: uma análise das políticas públicas que visam a incrementar o desenvolvimento regional e a debelar danos ambientais e sociais”, como resultado da pesquisa do decimo terceiro mês até o vigésimo quarto mês de pesquisa².

Pretende-se neste artigo apreciar o quantitativo de recursos recebidos à título da Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM), recolhidos a partir de 12/06/2018 até 30/04/2020 referente às competências de 06/2018 a 03/2020 para o afetamento de Estruturas, porquanto o município goiano de Niquelândia foi o que mais recebeu valores à este título no período, notadamente após a alteração do marco legal e alterações da metodologia perpetrada pela Lei n. 13.540 (BRASIL, 2017).

O que se verificará é que existe um verdadeiro déficit de efetivação dos direitos fundamentais ao meio ambiente saudável, bem como na proteção dos direitos sociais, pois não há uma aplicação vinculada desses recursos para salvaguardar as necessidades públicas para os quais justificaram sua criação, e enquanto não houver a criação de instrumentos jurídicos adequados, haverá um estado de coisas inconstitucionais no que pertine ao combate às externalidades negativas da atividade minerária.

Assim, os direitos fundamentais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988), devem ser observados e concretizados, sob pena de serem meras promessas irrealizáveis, ou seja, normas desprovidas de normatividade – o que não coaduna com o atual desenvolvimento do constitucionalismo.

Por certo que a sociedade vive um paradoxo inexorável no que pertine ao aumento da demanda por metais, mas este paradoxo poderá levar a própria extinção das condições de existência da própria sociedade e da natureza, se não foram adotadas medidas amenizadoras, que se não estanques o colapso iminente, pelo menos postergue para uma momento posterior, ampliando o lapso de tempo para sociedade tomar consciência da necessidade de utilizar toda tecnologia disponível a favor da manutenção da vida, e não apenas da prospecção de mineral;

Destaca-se que o primeiro artigo produzindo na condução desse projeto teve por título “A arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM) no período de 2018 a 2020 para o município goiano de Niquelândia: o caso do repasse dos valores atinentes a afetação de suas estruturas”.

Este artigo, buscar responder ao seguinte questionamento: Qual é a efetividade das políticas públicas de infraestrutura e conservação diante dos impactos sociais e ambientais causados pela atividade minerária em Niquelândia (GO), e como os recursos da Compensação Financeira dos Recursos Minerais (CFEM) estão sendo aplicados para mitigar esses impactos, especialmente na estrutura de mineração?

Por outro lado, o presente artigo terá por objetivo geral analisar as políticas públicas de infraestrutura e conservação em Niquelândia (GO) diante dos impactos sociais e ambientais causados pela atividade minerária, verificando a aplicação adequada dos recursos da Compensação Financeira dos Recursos Minerais (CFEM).

Por outro lado, os objetivos específicos são os seguintes:

  1. Avaliar a aplicação dos recursos da CFEM em Niquelândia (GO), especialmente na estrutura de mineração, para mitigar os impactos sociais e ambientais.
  2. Identificar possíveis lacunas na aplicação das políticas públicas e sugestões de melhorias para mitigar os impactos sociais e ambientais da atividade minerária.
  3. Contribuir para a compreensão do papel das políticas públicas na gestão de impactos sociais e ambientais associados à atividade minerária em Niquelândia (GO) e em outras regiões com atividades extrativas similares.

Como aporte teórico para nossas reflexões, utilizou-se das análises proporcionadas por Campos (2019), Castro Júnior e Silva (2018), Cavalcante e Mendes (2016), Martins e Tomelin (2014),  Scaff (2014), Souza Júnior (2022), Strauch, Souza, Teixeira, Araja e Cardoso (2011),  dentre outros.

Metodologicamente, o presente ensaio foi confeccionado a partir de revisão bibliográfica, e obtenção de dados nos sítios eletrônicos do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), bem como de pedido de informações ao município goiano de Niquelândia que não foi atendido, notadamente no que pertine aos valores transferidos à título de Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM), perpassando pelos valores arrecadas no período proposto e a respectiva aplicação.

Diante das limitações próprias de um artigo científico, optou-se por uma análise pontual desses pontos acima citados.

2. DESENVOLVIMENTO

Pretende-se nesta seção realizar uma contextualização da atividade minerária e dos impactos sociais e ambientais associados a ela, análise das políticas públicas de infraestrutura e conservação em Niquelândia, e apresentação da CFEM e sua aplicação.

2.1. REVISÃO DA LITERATURA

2.1.1 Revisitando o conceito de CFEM

Castro Júnior e Silva (2018, p. 63) entendem que “a CFEM possui natureza de participação no resultado da atividade mineral, o que equivale a dizer participação no resultado da lavra”, e complementa este entendimento com a citação de trecho do RE 228.800/DF, quando diz que resultado da lavra “entendido o resultado não como o lucro do explorador, mas como aquilo que resulta da exploração”.

Já Martins e Tomelin (2014, p. 17) “a CFEM é a compensação criada pela CF/88 com vistas a possibilitar um caixa financeiro específico para sanar as externalidades negativas advindas da exploração mineral.”.

Tem-se, ainda que segundo a posição jurisprudencial foi no sentido de reforçar o dispositivo constitucional básico que instituiu a sua cobrança, quando Castro Junior e Silva (2018, p. 63) assim propugnaram:

Trata-se de exação cujo espécie foi definida pela própria Constituição como compensação financeira ou participação nos resultados da atividade de mineração (art. 20, § 1º), conforme juízo de conveniência e oportunidade do legislador. No caso da opção realizada pela Lei n. 7.990/1989 e, posteriormente, pela Lei n. 13.540/2017, como será analisado adiante, a partir da jurisprudência, a CFEM possui natureza jurídica de participação no resultado da atividade mineral, o que equivale dizer participação no resultado da lavra, “entendido o resultado não como o lucro do explorador, mas como aquilo que resulta da exploração” (RE n. 228.800/DF)

A questão é saber se estes conceitos se mantem após a alteração do marco legal referente à distribuição e destinação da CFEM, o que ocorreu em 2017.

Com efeito, as referidas formulações, devem partir da análise da taxionomia jurídica do instituto, tanto que os conceitos acima citados alinham-se ao entendimento da CFEM como royalties pagos pelas empresas mineradoras pela exploração de um bem da União, constituindo-se nas palavras de Scaff (2014, p. 89) em “pagamento pelo custo de oportunidade (user cost) de um recurso exaurível”. A questão é que agora foi ampliada a visão das compensações que deve fazer frente.

Dito de outra forma, não só mais os danos ambientais e sociais direito da exploração e exaurimento do recurso mineral, mas também abarcando os danos transporte, armazenamento de minérios, barragens de rejeitos, plantas de beneficiamento, pilhas de estéril, refeitórios, estação de tratamento de água e todas as estruturas que fazem parte da extração dos minérios etc.

2.1.2 Alteração do marco legal referente a distribuição e destinação do CFEM

Assim, antes de adentrar na arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM) do Município de Niquelândia, no período pertinente, vale a pena destacar que à alteração do seu marco legal ocorrido Medida Provisória n. 789, de 25 de junho de 2017 (BRASIL, 2017), convertida na Lei n. 13.540, de 18 de dezembro de 2017 (BRASIL, 2017) foi justamente para trazer um equilíbrio, fazendo justiça, repartindo a riqueza do País, cobrindo eventuais desgastes em função da exploração da atividade mineral..

Os municípios que possuem estruturas de mineração, tais como barragens de rejeitos, plantas de beneficiamento, pilhas de estéril, refeitórios, estação de tratamento de água e todas as estruturas que fazem parte da extração dos minérios receberam um montante de recursos justamente para aplicar em suas estruturas.

Com efeito, a despeito de não haver uma vinculação legal, o poder público deveria ser diligente em dar a destinação correta à estes recursos, sob pena de não justificar no futuro a respectiva arrecadação e distribuição, por desvio de finalidade.

Assim, a princípio os valores arrecadados a título de CFEM são repartidos entre a União, bem como os Estados e os Municípios que se deu a exploração mineral, conforme percentual previsto em legislação específica.

Recentemente estes percentuais foram alterados pela Medida Provisória n. 789, de 25 de junho de 2017 (BRASIL, 2017), convertida na Lei n. 13.540, de 18 de dezembro de 2017 (BRASIL, 2017).

A divisão era assim realizada: 65% para o município onde ocorria a extração; 23% para o Estado de origem da extração e 12% para União, divididos por sua vez em 9,8% ao DNPM; 0,2 ao IBAMA e 2% para o Ministério de Ciência e Tecnologia, mais especificamente para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Agora, o art. 2º, § 2º da Lei n. 8.001, de 13 de março de 1990, passou a vigorar com a seguinte redação:

§ 2o  A distribuição da compensação financeira referida no caput deste artigo será feita de acordo com os seguintes percentuais e critérios: 
I – 7% (sete por cento) para a entidade reguladora do setor de mineração; 
II – 1% (um por cento) para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), instituído pelo Decreto-Lei no 719, de 31 de julho de 1969, e restabelecido pela Lei no 8.172, de 18 de janeiro de 1991, destinado ao desenvolvimento científico e tecnológico do setor mineral; 
II-A (revogado); 
III – 1,8% (um inteiro e oito décimos por cento) para o Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, criado pela Lei no 7.677, de 21 de outubro de 1988, para a realização de pesquisas, estudos e projetos de tratamento, beneficiamento e industrialização de bens minerais; 
IV – 0,2% (dois décimos por cento) para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), para atividades de proteção ambiental em regiões impactadas pela mineração; 
V – 15% (quinze por cento) para o Distrito Federal e os Estados onde ocorrer a produção; 
VI – 60% (sessenta por cento) para o Distrito Federal e os Municípios onde ocorrer a produção; 
VII – 15% (quinze por cento) para o Distrito Federal e os Municípios, quando afetados pela atividade de mineração e a produção não ocorrer em seus territórios, nas seguintes situações: 
a) cortados pelas infraestruturas utilizadas para o transporte ferroviário ou dutoviário de substâncias minerais; 
b) afetados pelas operações portuárias e de embarque e desembarque de substâncias minerais;  
c) onde se localizem as pilhas de estéril, as barragens de rejeitos e as instalações de beneficiamento de substâncias minerais, bem como as demais instalações previstas no plano de aproveitamento econômico; e 
d) (VETADO). 

Observa-se que a Lei não apenas estabeleceu novos percentuais para a distribuição de CFEM aos entes da federação, bem como incluiu um novo critério, qual seja, que será devida à municípios afetados pela atividade de mineração, quando a produção não ocorrer em seus territórios.

Por certo que diante da inevitável exaustão dos recursos minerais não renováveis, o poder público deveria cuidar da forma de aplicação dos recursos da CFEM diante desse fato inexorável, notadamente em vista das externalidades negativas sociais, ambientais e até econômicas, porquanto este constitui a sua principal fonte de arrecadação com a atividade minerária.

Importante destacar que o art. 8º, caput, e §§ 1º e 2º da Lei n. 7.990 (BRASIL, 1989), proíbe que entes federados apliquem os recursos da CFEM no pagamento de dívida e despesas com quadro permanente de pessoal, excluídas as dívidas da União e suas entidades, o custeio do ensino e a capitalização dos fundos de previdência.

Assim, essa vedação cai no vazio, porquanto é negativa, ou melhor, a legislação não é clara em dizer onde deve ser aplicado, mas ao contrário, realiza uma vedação inócua, posto como bem asseverou Scaff (2014, p. 320) a proibição é facilmente burlada em vista dos “vasos comunicantes orçamentários”, quando asseverou que:

Ocorre que no atual estágio do federalismo fiscal brasileiro, estabelecer esse tipo de vedações, inclusive com as exceções mencionadas [dívidas com a União e suas entidades, custeio do ensino e a capitalização dos fundos de previdência], possui pouquíssima eficácia, em razão de amplo sistema de vasos comunicantes orçamentários, na linha da liberdade de conformação do legislador orçamentário, que permite a alocação de verbas de acordo com o interesse público dos órgãos responsáveis pela construção do orçamento do país. A verba que não pode ser usada para realizar o gasto X é carreada para o Y, permitindo que outra verba seja usada para fazer frente àquela despesa. Assim, a vedação ao uso dos royalties para o pagamento de despesas com pessoal faz com que esse dinheiro possa ser utilizado em outras despesas que seriam necessariamente custeadas com os recursos que foram destinados a essas despesas com pessoal.

O importante, para além da discussão do aumento da base de cálculo, alíquotas ou até mesmo o percentual de distribuição entre os entes federados dos recursos arrecadados à titulo de CFEM, tem-se que assegurar sua aplicação em promover o desenvolvimento sustentável é que será a grande chave para realização da finalidade para qual foi criada, bem como pela qual sofreu aperfeiçoamento em 2017.

Em publicação anterior, defendi (SOUZA JÚNIOR, 2022) a existência de pelo menos cinco instrumentos possível para otimização dos recursos da CFEM, a saber: a) vinculação de recursos orçamentários e vedação de criação de fundos; b) utilização comedida de decreto de contingenciamento diante das leis orçamentárias e impossibilidade de utilização diante de receitas vinculadas; c) atividade de planejamento intersetorial (integração horizontal) e de longo, médio e curto prazo; d) políticas públicas intersetoriais; e e) formação de uma burocracia especializada para a realização do direito fundamental à boa administração (racionalidade burocrática x irracionalidade política).

Não resta extreme de dúvidas que o melhor dos mundos seria a vinculação legal dos referidos recursos a projetos, programas e metas retirando toda e qualquer discricionariedade da autoridade local ou regional (no caso a local), para aplicação fora das questões afetas a debelar aas externalidade negativas da atividade minerária, direta ou indiretamente.

2.1.3 Planejamento e direito: leis orçamentárias

Importante destacar que o a vinculação administrativa ao orçamento, trazendo esse caráter determinantes das ações administrativas prevista nas leis orçamentárias dão outro relevo as omissões da Administração Pública, bem como do controle judicial das políticas públicas (PINHEIRO, 2015).

As leis orçamentárias, neste contexto são instrumentos jurídicos imprescindíveis para a discussão da eficácia de políticas públicas, bem como da liberdade de atuação do administrador público, que tem maior liberdade quando da proposta orçamentária estando adstrito aos comandos legais na fase de execução orçamentária.

Abraham (2019, p. 188) tem duas passagens que vale a pena citar:

… a falta de planejamento na execução de projetos fundamentais para um país repleto de carências, não apenas de infra-estrutura para o desenvolvimento econômico, mas principalmente para a materialização de direitos humanos constitucionalmente assegurados diretamente relacionados à dignidade da pessoa humana…
(…)
Conclui-se que um planejamento orçamentário bem elaborado permite uma execução eficiente e uma política fiscal de resultados concretos e visíveis para a sociedade materializando políticas públicas anteriormente estabelecidas e oferecendo a sociedade os bens e os serviços necessários à dignidade dos cidadãos que a compõem.

Ademais, a garantia de recurso da CFEM, pós-reforma de 2017, com destinação de recursos repassado ao Município de Niquelândia para afetamento de Estruturas, no período estudado [2018 a 2020] afasta o que é comumente chamado de “escolhas trágicas” no âmbito do direito financeiro. Neves (2023, p. 93) faz a seguinte afirmação:

Philip Bobbitt e Guido Calabresi trabalharam a ideia de escolha trágica, tendo como ponto fundamental para a sua caracterização a presença de escassez, asseverando que algumas dessas formas de carestia tornam escolhas particularmente dolorosas, como necessárias, podendo ser essas escolhas trágicas ou não. Do ponto de vista social, são os valores definidos pela sociedade como fundamentais que caracterizam algumas escolhas como trágicas. Uma escolha trágica, assim, tem sua forma reconhecida um inevitável paradoxo, que derivam de tensões e ambiguidades não resolvidas, de opção de um balanço precário e permanente. Em alguns casos, o caráter trágico da escolha pode ser evitado, aumentando a disponibilidade dos bens do mercado, o que depende do tipo de conflito, bem como de um empenho social que confronte a escolha trágica. Se o empenho estiver sucesso essa escolha trágica é transformada em uma locação que não impliquem contradições morais. Isso contudo, não se aplica a todos os bens o que faz com que a sociedade precise definir métodos de alocação que podem determinar o favorecimento de algumas camadas sociais.

Castro (2015) indica que o orçamento não pode mais serviço com uma simples peça financeira, mas como um produto de planejamento no qual são formuladas grandes diretrizes das políticas públicas identificar os recursos para implementá-las não se permite que um orçamento sem compromissos e que as previsões são estabelecidas apenas para cumprir um preceito constitucional e desvinculado da responsabilidade governamental de implementá-las ainda mais quando há recursos assegurados e transferidos em decorrência de uma exação específica, como é o caso da CFEM.

2.1.4 Algumas pesquisas já realizadas no Município goiano de Niquelândia

Neste tópico foram utilizados duas pesquisa já publicadas de Cavalcante e Mendes (2016), Strauch, Souza, Teixeira, Araja e Cardoso (2011).

Inicialmente, transcrevo parte dos resultados parciais de uma interessante pesquisa realizada  por Cavalcante e Mendes (2016), apresentada no III Congresso de Ensino, Pesquisa e Extensão da UEG: Inovação: Inclusão social e direitos, ocorridas entre 19 e 21 de outubro de 2016 na cidade de Pirenópolis.

Na referida pesquisa foram coletadas informações justamente perante colaboradores das empresas mineradoras de Niquelândia, onde constam como resultados os gráficos para os conjuntos de preocupações ambientais sociais.

Deve-se considerar que a pesquisa pode apresentar certo viés a partir da amostra, porquanto formada de indivíduos interessados na continuidade de sua atividade laboral, independentemente na sua maioria das externalidades negativas a atividade minerária, o que é compreensível em vista do papel que desempenho na cadeia produtiva. Segue alguns desses gráficos de maior poder enunciativo:

a) Impactos ambientais³

Conforme se observa dos gráficos 1 e 2, representam em percentual o grau de percepção dos respondentes do questionário que entendem minerária em Niquelândia contaminam as águas e o solo. Causa-nos estranheza a indicação do alto percentual de respostas negativas, ou seja, 29% dos respondentes entenderam que não há contaminação das águas e 28% disseram que não há contaminação do solo. Por outro lado, também foi alto o percentual daqueles que informaram que às vezes ocorre a dita contaminação (43% para água e 29% para solo). Ao nosso sentir, esses conjuntos de gráficos demonstram a necessidade de implementação de políticas públicas ambientais de caráter educativo, objetivando que os trabalhadores do setor mineral tenham consciência das externalidades negativas da atividade minerária, bem como adotem medidas para sua contenção.

Gráfico 1 e 2: Atividade minerária como contaminador das águas e solo respectivamente

Fonte: Cavalcante e Mendes (2016)

Já os gráficos 3 e 4, representam em percentual o grau de percepção dos respondentes do questionário que entendem minerária em Niquelândia contaminam as águas com qual tipo de contaminante.

Chama a atenção do elevado percentual do respondente que não sabem qual o tipo de contaminante, no caso, 29% para água e 17% para o solo. A ignorância do agente contaminante já demonstra a impossibilidade de adoção de medidas eficazes, seja de proteção do trabalhador, com a seleção do EPI eficaz, seja em relação a proteção da própria natureza, posto que as medidas de contenção são desenhadas a partir do agente contaminante. 

Preocupante também é utilização de produtos químicos (14% dos respondentes informaram que os agentes contaminantes das águas são produtos químicos e 56% para o solo). Igualmente, percebe-se um gargalo para atuação de políticas públicas na área de fiscalização ambiental, para permitir avanços ne área.

Gráfico 3 e 4: Tipo de contaminante das águas/solo pela na atividade minerária

Fonte: Cavalcante e Mendes (2016)

Estes são apenas alguns exemplos que podem auxiliar no diagnóstico quanto a necessidade de aplicação de recursos públicos a partir da distribuição da CFEM utilizando trabalhos já publicados.

b) Impactos sociais

O gráfico 5 retratam as respostas dos colaboradores da atividade minerária quanto aos impactos sociais da atividade minerária em Niquelândia (GO).

Por certo que foi constado que os respondentes, até mesmo serem colaboradores das empresas mineradoras, são os grandes impactados socialmente por essa atividade econômica (57% responderam afirmativamente quanto à existência de impactos sociais).

O que chama atenção é a existência do percentual de 28% que entendem que não sabe dizer ou que às vezes impacta.

Gráfico 5: Atividade minerária como causadora de impactos sociais

Fonte: Cavalcante e Mendes (2016)

Considerando que o presente artigo científico está sendo concebido a partir da aplicação da CFEM, tem-se que nossas preocupações vão além do impacto imediato, conforme faz crer na pesquisa citada, posto que entendo necessário que haja um impacto social com a mão de obra que transcenda a própria atividade minerária, para que ocorra a capacitação da mão de obra hoje empregada na atividade minerária em outras funções, já prevendo a exaustão dos recursos minerais ou com a cessão da atividade na localidade.

Já o gráfico 6 retratam as respostas dos colaboradores da atividade minerária quanto ao tipo de impactos sociais da atividade minerária em Niquelândia (GO).

As respostas aqui também se apresentam preocupantes, vez que 43% entendem que o grande impacto é visual, somados aos 14% que responderam ser um desconforto ambiental, tem-se que não há uma verdadeira dimensão deste aspecto. Veja que os outros 43% correspondem as respostas de qual o impacto social significativo seria na qualificação da mão de obra. 

Gráfico 6: Tipos de impactos sociais

Fonte: Cavalcante e Mendes (2016)

Considerando que os recursos distribuídos da CFEM para aplicação nas estruturas deveriam ser empregados em políticas públicas atinentes diretamente aos empreendimentos e atividades que geram externalidades negativas e até riscos à população envolvida, percebe-se um grande “gap” para desenvolvimento de políticas públicas de capacitação, para além da atividade minerária, pensando justamente na exaustão física ou econômica da jazida.

Por fim, apresenta-se os gráficos 7 e 8 representam as respostas dos colaboradores da atividade minerária que tem consciência de quais impactos sociais estão envolvidos na atividade minerária em Niquelândia (GO) e se estão sendo adotadas ações mitigadoras desses impactos sociais, respectivamente. Vejamos:

Gráfico 7 e 8: Ciência sobre quais são os impactos sociais e as ações mitigadoras

Fonte: Cavalcante e Mendes (2016)

Dos respondentes 29% informaram que “não” sabem quais são os impactos sociais que a atividade minerária, somados a outros 14% que indicaram apenas “não sei”, que somados perfazem 43% de colaboradores que ignoram quais são esses impactos ambientais. E dos 57% que sabem quais são esses impactos sociais, o gráfico 8 relata que 43,43% indicam que são adotadas medidas mitigadoras dos impactos, 29,29% indicam que às vezes são adotadas e 29,28% indicam que não são adotadas as referidas medidas.

Pode-se inferir, portanto, que há a necessidade de implementar políticas públicas de capacitação de mão de obra, bem como realizar fiscalização das condições de trabalho daqueles que laboram na atividade minerária, a fim de conscientização e buscar prevenir os efeitos da paralisação de uma mina, com a realocação da mão de obra sem a ocorrência de um grande transtorno social.

Outro estudo que se destaca no cenário regional, contando com Niquelândia e as grandes mineradoras no centro foi o desenvolvido por Strauch, Souza, Teixeira, Araja e Cardoso (2011), no que como grande contribuição foi a utilização de indicadores utilizados em Niquelândia e municípios do entorno nos aspectos econômicos, sociais e ambientais, conforme tabela 1 abaixo:

Tabela 1: Indicadores utilizado em Niquelândia (GO)

Fonte: Strauch, et al (2011, p. 152)

Todavia, apesar de importantes, nosso enfoque é outro, porquanto a despeito dos elementos acima serem extremamente importantes para definição de políticas públicas sociais e ambientais, o enfoque concedido é o da aplicação da CFEM para debelar ou mitigar as externalidades negativas ambientais e sociais da atividade minerária. Em Niquelândia (GO)

2.1.5 Estado de coisas inconstitucionais

No fim dos anos 1990, a Corte Constitucional colombiana, julgou uma ação que tratava da omissão do poder executivo frente ao não cumprimento de direitos previdenciários dos docentes, o que foi designado como Estado de Coisas Inconstitucional (ECI).

Assim, a partir deste julgamento, esse instituto [Estado de Coisas Inconstitucional (ECI)], começou a ser manuseado em diferentes temáticas pela própria Colômbia, bem como em outras nações, em cenários de descumprimento de direitos fundamentais (CAMPOS, 2019).

Para Campos (2019, s.p.), o Estado de Coisas Inconstitucional (ECI) se manifesta quando quando sobrevêm uma transgressão acentuada e difundida de direitos fundamentais; a uma inércia permanente das ações públicas na defesa e oferta desses direitos; e, ainda, na necessidade de superação dessas transgressões, reclamando a atuação de uma gama de órgãos:

[…] quando declara o Estado de Coisas Inconstitucional, a corte afirma existir quadro insuportável de violação massiva de direitos fundamentais, decorrente de atos comissivos e omissivos praticados por diferentes autoridades públicas, agravado pela inércia continuada dessas mesmas autoridades, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público podem modificar a situação inconstitucional (CAMPOS, 2019, s.p.).

Com efeito, esse mecanismo jurídico tem sido empregado em contextos de inércia de políticas estatais, ou seja, quando os Poderes Executivo e Legislativo demonstram incapacidade de concretizar os direitos econômicos, sociais e culturais constitucionalmente assegurados, provocando a tentativa judicial pelo cumprimento desses direitos (CANELA JUNIOR, 2011).

Neste panorama, pode-se considerar que a inexistência de políticas públicas das mais diversas, atinentes a aplicação na estrutura da atividade mineral, ainda mais, quando foi assegurado recurso vultosos, constitui em um verdadeiro Estado de Coisas Inconstitucionais (ECI), pois nem o Poder Legislativo e Poder Executivo municipal não foram capazes de criar mecanismos para dar cumprimento aos direitos fundamentais envolvidos, notadamente os atinentes à sadia qualidade de vida e meio ambiente saudável, bem como resguardar a vida digna, presente e futura, no que pertine a debelar as externalidades negativas da atividade minerária, quer nos aspectos sociais, quer nos aspectos ambientais.

Assim, espera-se que diante dessa verificação, a sociedade civil, o Ministério Público, a Defensoria Pública possam acionar o controle judicial das políticas públicas, pois diante da reiterada inobservância dos direitos fundamentais, notadamente da omissão do Executivo e Legislativo local, ainda mais quando há uma ameaça constante aos direitos fundamentais que agrava as vulnerabilidades das pessoas mais carentes.

3. METODOLOGIA

Este estudo se caracteriza por ser uma pesquisa quali-quantitativo, bibliográfica e documental.

A pesquisa quali-quantitativa visa obter e analisar as características e opiniões de populações de pequenas amostras, que se presumem representativas dessas populações, cotejadas com dados estatísticos que permitam realizar inferências mais objetivas sobre o objeto de estudo.

De acordo com Knechtel (2014, p. 106), utiliza-se a expressão investigação quali-quantitativa quando:

[…] interpreta as informações quantitativas por meio de símbolos numéricos e os dados qualitativos mediante a observação, a interação participativa e a interpretação do discurso dos sujeitos (semântica).

Por outro lado, Gatti (2004) sustenta que o uso das pesquisas quanti-qualitativas demanda reflexão quanto à viabilidade e os objetivos que se pretende alcançar com essa escolha metodológica. O que de fato torna-se fundamental no uso desta abordagem é buscar a articulação e cooperação, superando limites em busca da construção do conhecimento científico.

Assim, fica evidente se trata de uma concepção metodológica, o que não implica em trazer os aspectos positivos de ambos os métodos tradicionais, embasado criticamente os elementos quantificados dos fenômenos investigados a partir

A pesquisa bibliográfica deste estudo consistiu na análise do conceito da CFEM, bem como da alteração do marco legal quanto à sua distribuição e destinação, tudo visando dar significado aos valores repassados à título de CFEN para o afetamento de Estruturas, porquanto, conforme já mencionado o Município goiano de Niquelândia foi o Município do Estado de Goiás que mais recebeu valores, recolhidos a partir de 12/06/2018 até 30/04/2020 referente às competências de 06/2018 a 03/2020.

Segundo Gil (2022, p. 29):

Praticamente toda pesquisa acadêmica requer em algum momento a realização de trabalho que pode ser caracterizado como pesquisa bibliográfica. Tanto é que, na maioria das teses e dissertações desenvolvidas atualmente, um capítulo ou seção é dedicado à revisão bibliográfica, que é elaborada com o propósito de fornecer fundamentação teórica ao trabalho, bem como a identificação do estágio atual do conhecimento referente ao tema. (GIL, 2022, p. 29)

Assim, pesquisa bibliográfica é a fase de formulação das hipóteses a serem estudadas, pois é através da análise de boas teorias encontradas em livros, artigos de revistas, trabalhos apresentados em congressos que serão formulados os questionamentos a serem respondidos durante o trabalho.

Por outro lado, a pesquisa também é documental, pois investiga os dados fornecidos pelo Tribunal de Contas dos Municípios (TCM-GO), bem como pela própria municipalidade, quanto às receitas decorrentes da CFEM e despesas advindas da aplicação dos recursos advindos dessa taxa.

Novamente, Gil (2022) entende que a pesquisa documental assemelha-se muito à pesquisa bibliográfica. A única diferença entre ambas está na natureza das fontes. Sendo que, enquanto a pesquisa bibliográfica se utiliza fundamentalmente das contribuições dos diversos autores sobre determinado assunto, a pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1. Resultados e Discussão: Repasse de valores de CFEM para o município goiano de Niquelândia, conforme informações do TCM (2023)

Os dados foram solicitados ao Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás (TCM/GO) pelo Sistema Ticket – Sistema de demandas, recebendo a demanda o n. 115840, conforme figura 01 abaixo, no que foram solicitados os valores referentes à arrecadação e aplicação dos recurso advindos da CFEM, especialmente dos exercícios de 2018, 2019 e 2020, com ênfase em maio de 2020, data que o respectivo município recebeu o maior volume de recursos entre os municípios goianos para o afetamento de estruturas, para evitar ou minimizar a ocorrência de desastres.

Figura 01: Requisição de informações junto ao TCM-GO

Fonte: TCM-GO (2023)

Os relatórios do TCM, demonstram na rubrica 1718.02.21, referente a receitas correntes, Cota Parte da CFEM União/Compensação Financeira de Recurso Naturais/Recurso Minerais, o recebimento dos seguintes valores no período sob estudo, conforme tabela 2:

Tabela 02 – Comparativo das receitas Niquelândia, Poder Executivo, CFEM (2018-2020)

MÊSSaldo anteriorArrecadadoAnuladoAcumulado
05/202018.709,7610.586.105,770,0010.604.815,53
12/202014.522.141,411.575.785,040,0016.097.926,45
12/2019133.490,1930.024,040,00163.514,23
12/201883568,9112.508.890,0096.077,80
Fonte: TCM-GO (2023)

Os dados acima demonstram de fato que o Município goiano de Niquelândia de fato recebe uma quantidade enorme de recurso a títulos de CFEM, concentrando as arrecadações em maio de 2020, decorrente de valores que se se acumularam a partir da alteração do marco legal, no que pertine a aplicação às estruturas, e que a União somente disponibilizou depois de ter regulamentado a forma de distribuição, inclusive com consulta pública (SOUZA JÚNIOR, 2022), e com a superação de questão orçamentárias, posto que a ANM não dispunha de crédito orçamentário suficiente para efetuar a totalidade da distribuição aos Estados e Municípios que recebem a compensação por serem produtores ou afetados pela atividade minerária (AMN, 2020).

Já quanto as despesas, foi solicitado ao TCM-GO, referente ao mesmo período, com uma distinção entre os valores empenhados e de pagamento, numa tentativa de verificar se o planejado tinha um ritmo de execução condizente ou se os respectivos valores apresentassem distorções que indicassem que o planejamento não seria implementado.

A figura 02 demonstra os valores que foram empenhados e que houve o pagamento no exercício de 2018. A primeira inferência é que apenas pelas rubricas contábeis não é possível constatar que os valores foram aplicados exclusivamente em programas, projetos, metas alusivas à aplicação às estruturas, conforme a origem ontológica da exação. A consulta foi realizada na tabela de codificação das despesas válida 2016-2018, da IN 009/2015. A segunda inferência possível é de que os cancelamentos de empenho representaram valores diminutos, no que não orçamentação programada cancelada, o que indica que a atividade de planejamento pelas leis orçamentárias não está sendo desenaturada durante o processo de execução orçamentária.

Figura 02: Pesquisa empenho/pagamento por natureza de despesa (2018)

Fonte: TCM-GO (2023)

A figura 03 demonstra os valores que foram empenhados e que houve o pagamento no exercício de 2019 e as mesmas inferências podem ser realizadas. A consulta foi realizada na tabela de codificação das despesas válida 2019, da IN 009/2015.Figura 03: Pesquisa empenho/pagamento por natureza de despesa (2019)

Fonte: TCM-GO (2023)

O mesmo não pode se dizer da Figura 04 demonstra os valores que foram empenhados e que houve o pagamento no exercício de 2020. Vejamos a figura:

Figura 04: Pesquisa empenho/pagamento por natureza de despesa (2020)

Fonte: TCM-GO (2023)

A despeito de nada muda quanto a primeira inferência possível, posto que apenas pelas rubricas contábeis não é possível constatar que os valores foram aplicados exclusivamente em programas, projetos, metas alusivas aplicação às estruturas, conforme a origem ontológica da exação.

Contudo, a segunda inferência possível é de que os cancelamentos de empenho representaram valores consideráveis, a despeito de que a orçamentação programada cancelada foi de pequena monta. Entrementes, os cancelamentos dos empenhos neste exercício indicam que a atividade de planejamento pelas leis orçamentárias está sendo desenaturada durante o processo de execução orçamentária.

E o que é pior, consultando a tabela de codificação das despesas válida a partir de 2020, da IN 009/2015, verifica-se que o código 4.4.90.51.00 refere-se justamente à OBRAS E INSTALAÇÕES, o que demonstra possível alterações drástica na aplicação de recursos para aplicação na estrutura, posto que foram cortados quase a metade, mais precisamente 48,81%. Os demais cortes foram insignificantes.

4.2. Resultados e Discussão: Informações obtidas no município goiano de Niquelândia.

O município de Niquelândia foi acionado pelos meios adequados para prestar informações nos termos da Lei n. 12.527 (BRASIL, 2011), conforme solicitação n. 2023056101660310, realizada no portal da transparência, conforme abaixo:

Figura 05: Requerimento Portal da Transparência

Fonte: Município de Niquelândia (2023)

Contudo até a data de fechamento do presente artigo, não foram prestadas informações para opinar conclusivamente sobre a questão das políticas públicas, voltadas a minimizar as externalidades negativas da atividade minerária naquele município no período de 2018 e 2020.

 4.3. Do resultado à discussão visando a análise do problema e objetivos gerais e específicos

A pergunta central do presente artigo foi desenhada a partir do novo marco legal da CFEM, notadamente quanto a destinação de recursos não apenas para os municípios mineradores, mas também para aqueles que de alguma forma são atingidos pela atividade minerária. Daí, indagar: Como os recursos da Compensação Financeira dos Recursos Minerais (CFEM) estão sendo aplicados para mitigar esses impactos sociais e ambientais, especialmente os distribuídos para aplicar na estrutura de mineração?

Os dados inicialmente coletados são suficientes para concluir que não há uma aplicação específica dos recursos para programas, projetos e metas destinados exclusivamente em razão dos motivos ensejados da instituição do novo modelo de distribuição de recursos. Contudo a análise conclusiva foi prejudicada em vista da ausência de apresentação de dados mais elaborados pela municipalidade, bem como pela metodologia adotada no presente artigo.

Pode-se afirmar, assim, os valores utilizados, conforme relatórios do Tribunal de Contas dos Município (TCM-GO) nos dão a convicção que há desvios de finalidade, tanto quanto a própria descrição das rubricas contábeis, quanto no que pertine ao cancelamento de empenho, notadamente em montante tão expressivo, conforme colocado em linhas pretéritas.

Assim, o objetivo geral, a saber, analisar as políticas públicas de infraestrutura e conservação em Niquelândia (GO) diante dos impactos sociais e ambientais causados pela atividade minerária, verificando a aplicação adequada dos recursos da Compensação Financeira dos Recursos Minerais (CFEM) foi atingido parcialmente, com a conclusão prefacial haver um estado de coisas inconstitucionais, pois os gastos apontados não denotam a possibilidade ou não de garantia dos direitos fundamentais violados, mas há uma forte tendência a inferir pela negativa, o que dependerá de estudos mais aprofundados, inclusive com a colaboração da municipalidade.

Já os objetivos específicos foram direcionados à (a) avaliar a aplicação dos recursos da CFEM em Niquelândia (GO), especialmente na estrutura de mineração, para mitigar os impactos sociais e ambientais; (b) identificar possíveis lacunas na aplicação das políticas públicas e sugestões de melhorias para mitigar os impactos sociais e ambientais da atividade minerária; e (c) contribuir para a compreensão do papel das políticas públicas na gestão de impactos sociais e ambientais associados à atividade minerária em Niquelândia (GO) e em outras regiões com atividades extrativas similares.  Pode-se afirmar que no contexto da pesquisa, inclusive com a utilização de outros estudos, tais como de Cavalcante e Mendes (2016) Strauch, et al (2011), há uma lacuna, um verdadeiro “gap” de políticas públicas atinentes a educação ambiental, medicina e segurança do trabalho, de capacitação, de preservação e conservação do meio ambiente, inclusive com a construção de obras e estruturas que possam minimizar os riscos de acidentes ambientais como de Brumadinho e Mariana.

5. CONCLUSÃO

Como resultado das reflexões, constatou-se a necessidade de aplicação adequada dos recursos recebidos a título de Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM), notadamente para minorar as externalidades negativas nos campos sociais e ambientais, buscando alternativa para que os empreendimentos minerários possam apresentar sustentabilidade, especialmente em vista da possibilidade de ocorrer intercorrências que tornem inviável a exploração, bem como em vista da inevitável exaustão dos recursos minerais que podem comprometer significativamente a receita disponível para as comunidades afetadas.

Concluiu-se também que a municipalidade não foi capaz de desenvolver políticas públicas a partir das leis orçamentárias de forma a planejar as ações e justificar o repasse dos recursos públicos com este fim específico, instalando-se verdadeiro estado de coisas inconstitucionais, porquanto os direitos fundamentais permanecem sendo violados de forma constante e sistemática.

Assim, há necessidade em aperfeiçoar as políticas públicas municipais, notadamente de recuperação ambiental, controle da polução, capacitação de mão de obra, dentre outras. Outra questão que é corrente na democracia brasileira é o déficit de participação popular, que deverá ser superado com ampla divulgação do recebimento dos recursos da CFEM, bem como junto aos munícipes para qual destinação foram distribuídos os recursos, a fim de haver possibilidade de fiscalização e controle social.

Para garantir que os recursos da CFEM sejam aplicados de maneira adequada, é necessário que haja transparência e controle social sobre sua utilização.

De forma geral, os Municípios e Estados devem elaborar planos de aplicação dos recursos, com metas e objetivos bem definidos, e torná-los públicos para que a sociedade possa acompanhar sua execução. 

Além disso, é fundamental que haja uma boa gestão dos recursos da CFEM, com uma equipe técnica capacitada para gerir os projetos e garantir a qualidade das obras realizadas. É importante também que haja uma visão de longo prazo para a aplicação dos recursos da CFEM, a fim de garantir que os benefícios gerados pela exploração mineral possam ser sustentáveis e duradouros, notadamente visando debelar ou reduzir as externalidades negativas sociais e ambientais da atividade minerária.

É importante que os recursos da CFEM sejam aplicados em áreas prioritárias, como infraestrutura, saúde, educação, meio ambiente e desenvolvimento social, de forma a contribuir para o desenvolvimento sustentável das regiões beneficiadas.  Dessa forma, os recursos da CFEM podem ser bem aplicados e gerar benefícios reais para as comunidades afetadas pela exploração mineral.

Por fim, evidencia-se que o não atendimento das informações pela municipalidade foi determinante para que não fosse apresentados dados mais embasados das afirmativas acima, mas a aridez dos dados contábeis já autoriza a adiantar essas conclusões, ainda, que provisórias, o que dependerá de maior aprofundamento, caso a municipalidade apresente os dados necessários para análise.


²O presente projeto de pesquisa, representa uma especialização de outro projeto financiado pela Fundação Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular (FUNADESP), referente ao Edital n. 01/2018, com o título “A Compensação Financeira pela exploração dos Recursos Minerais -CFEM no contexto do panorama da mineração no Estado de Goiás”, que foi executado parcialmente em vista do descredenciamento do professor para conclusão do doutorado em Direito na UNESA, mas como produto daquele projeto foi publicado um artigo científico, que dentre tantos outros foi aprovado e selecionado no Grupo de Trabalho (GT) “Direito, econômica e desenvolvimento sustentável”, do XXVIII Encontro Nacional do Conpedi Goiânia-GO para publicação na Revista de Direito, Economia e Desenvolvimento Sustentável (e-ISSN: 2526-0057; Goiânia; v. 5; n. 1;  p. 77-93;  Jan/Jun. 2019), conforme consta na referência (SOUZA JÚNIOR, 2019).
3No trabalho foram citados gráficos alusivos à contaminação do ar e por ruídos;

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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¹Professor do Programa de Mestrado Profissional em Desenvolvimento Regional do UniAlfa. Pós-Doutor pela Università degli Studio de Messina (It/2014). Doutor em direito público (Universidade Estácio de Sá UNESA/2021).   Doutor em Educação pela PUC-GO (2011). Mestre em Educação pela UFG (2006). Mestre em Direito Agrário pela UFG (2010). Graduado em Direito pela UFG (1994). Pesquisador Bolsista da FUNADESP (EDITAL 01/2021). Advogado e Procurador Federal da AGU.  E-mail: edsonjose.souza@agu.gov.br e edson.junior@unialfa.com.br