ANALYSIS OF THE CRIMINAL TRANSACTION BEFORE THE CONSTITUTIONAL PRINCIPLES OF CONTRADICTION, BROAD DEFENSE AND PRESUMPTION OF INNOCENCE
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8017248
Maycon Johnatan Delgado Couto1
RESUMO
O presente artigo possui o viés de analisar o instituto da transação penal, trazido na lei que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, ante os princípios contitucionais do contraditório, ampla defesa e presunção de inocência, abordando o possível conflito entre o dispositivo exposto na lei ordinária e os preceitos constitucionais, dispondo se a aplicabilidade de tal instituto ofende ou não tais princípios. Para a sua elaboração, escolheu-se o método de pesquisa hipotético-dedutivo, sendo eleito o tema, delimitando o problema e chegando-se a uma hipótese, tendo como fonte de pesquisa a bibliográfica, já que se trata de um assunto especificamente teórico. A relevância prática e teórica é indiscutível, posto que se trata da possibilidade de conflito entre os princípios constitucionais e o dispositivo que possui concepção positiva dentro do ordenamento jurídico nacional.
Palavras-chave: Transação penal; Princípios constitucionais; Conflitos.
ABSTRACT
This article has the bias of analyzing the criminal transaction institute, brought in the law that provides for the Special Civil and Criminal Courts, in view of the constitutional principles of the contradictory, ample defense and presumption of innocence, addressing the possible conflict between the device exposed in the ordinary law and constitutional precepts, stating whether or not the applicability of such an institute offends such principles. For its elaboration, the hypothetical-deductive research method was chosen, the theme being chosen, delimiting the problem and arriving at a hypothesis, having the bibliographic research as a source of research, since it is a specifically theoretical subject. The practical and theoretical relevance is indisputable, since it deals with the possibility of conflict between constitutional principles and the device that has a positive conception within the national legal system.
Keywords: Criminal transaction; Constitutional principles; Conflicts.
1 INTRODUÇÃO
Em virtude das demandas excessivas que estão à disposição da esfera judicial, o legislador editou a norma que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, com o fito de trazer resolução para os casos menos complexos, evitando, assim, a prescrição.
Tal legislação traz no seu bojo a transação penal, dispositivo que trata sobre a possibilidade de acordo entre o Ministério Público e o autor dos fatos, em fase preliminar, com o viés de que este aceite cumprir, imediatamente, pena restritiva de direitos ou multa, para que os autos sejam arquivados.
Todavia, por mais que tal instrumento tenha a finalidade positiva em dar solução aos crimes de menor potencial ofensivo e possua o liame de beneficiar o agente, não abre margem para que este apresente a sua defesa, bem como, demonstre a sua inocência no caso em que foi apontado, conflitando com alguns dos princípios trazidos na Constituição Federal.
Desta feita, o presente trabalho possui o viés de analisar o instituto em comento ante os princípios contitucionais do contraditório, ampla defesa e presunção de inocência, abordando o possível conflito entre o dispositivo exposto pela lei ordinária citada e os preceitos constitucionais referidos, dispondo se a aplicação da presente medida ofende ou não tais princípios.
No primeiro tópico, foram dissertados aspectos sobre a lei ordinária em ênfase, trazendo a previsão legal, a competência e os princípios que guiam as pequenas causas.
No segundo tópico, foi discorido acerca da transação penal, abordando os critérios para o seu oferecimento e as condições a serem seguidas após a aceitação.
Já no terceiro, foi disposto sobre os princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e presunção de inocência, debatendo a possibilidade de conflito entre a aplicabilidade do instituto aludido e os preceitos constitucionais citados.
Ressalta-se que esta obra possui como método de pesquisa o hipotético-dedutivo, sendo eleito o tema, delimitando o problema e chegando-se a uma hipótese, trazendo ao debate visões conflitantes sobre o assunto, posições que defendem a tese de que a medida despenalizadora não entra em confronto com os preceitos constitucionais mencionados, já outros que argumentam que a aplicabilidade de tal medida ofende os princípios referidos, tendo como fonte de pesquisa a bibliográfica, visto que se trata de um assunto especificamente conceitual.
A relevância prática e teórica é indiscutível, dado que é trazida à discussão a possibilidade de conflito entre os princípios constitucionais e o dispositivo que possui concepção positiva dentro do ordenamento jurídico nacional.
Destaca-se que o foco desta obra não é discutir a inserção da transação penal no ordenamento jurídico brasileiro, a qual, diga-se de passagem, possui o condão, na visão de muitos executores do Direito, de beneficiar o acusado, mas sim, provocar no leitor uma visão diferente sobre o assunto.
2 ASPECTOS ACERCA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS
Antes de adentrarmos especificamente na discussão sobre a espécie de acordo em evidência e o possível conflito entre os principios constitucionais supramencionados, é importante trazermos aspectos importantes acerca dos juizados especiais criminais.
2.1 A PREVISÃO CONSTITUCIONAL DE CRIAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 98, inciso I, já trazia a previsão de criação dos juizados especiais criminais e, também, do instituto da transação penal (BRASIL, 1988).
Deste modo, observa-se que a existência do órgão em destaque, com competência para analisar pequenas demandas, e do instituto realçado, os quais foram disciplinados, posteriormente, no ano de 1995, pela lei ordinária 9.099, já possuía previsão constitucional.
Conforme exposto na introdução deste trabalho, a norma infraconstitucional veio para trazer uma resolução mais rápida aos pequenos casos, além de atenuar as demandas excessivas que estão a cargo da esfera judicial.
Neste contexto, Cleverton Paulo Chagas e Bruno Smolarek Dias (2015, v. 10, p. 1.637) expõem que
O cenário precedente à lei dos Juizados Especiais Criminais era o de um poder judiciário abarrotado de processos. A necessidade de observância das regras do Código de Processo Penal, somado ao acúmulo de processos que tramitavam nas varas criminais espalhadas pelo Brasil, acabava por engessar e limitar o funcionamento do Judiciário, tornando o sistema demorado, burocrático e nem sempre justo (CHAGAS; DIAS, 2015, v. 10, p. 1.637).
2.2 A COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS
A respeito dos delitos que são de competência dos órgãos em tela, o caput do dispositivo 60, da norma infraconstitucional 9.099, ressalta que eles possuem “(…) competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência” (BRASIL, 1995).
É precípuo salientar que as infrações penais menos gravosas são todas as contravenções penais, bem como, aqueles crimes que a pena máxima em abstrato não seja superior a 2 (dois) anos, consoante preceitua o artigo 61, da norma ordinária em análise (BRASIL, 1995).
Insta expor que não são todas as pequenas causas que estão a cargo dos órgãos em destaque. A própria lei 9.099 aborda situações em que os crimes referidos são de competência da vara comum, como exemplo a não localização do acusado para ser citado e a complexidade da causa, parágrafo único, do artigo 66, e parágrafo 2º, do artigo 77, respectivamente, da lei 9.099 (BRASIL, 1995). Além dessas situações, crimes que são de atribuição da Justiça Militar, artigo 90-A, da lei supradita (BRASIL, 1995), e da norma 11.340/ 2006, “lei Maria da Penha”, também não estão sob a avaliação.
2.3 PRINCÍPIOS NORTEADORES DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS
O dispositivo 62, da norma 9.099, destaca critérios, princípios, os quais estarão guiando as causas julgadas nos juizados especiais criminais (BRASIL, 1995).
Conforme o dispositivo legal referido, os princípios que orientarão a lide nos órgãos debatidos serão da “(…) oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade” (BRASIL, 1995).
2.3.1 Princípio da oralidade
O preceito da oralidade tem como regra a realização de atos regidos de maneira oral.
Neste sentido, Débora Magri (2017) salienta que “o princípio da oralidade traz, em essência, que os atos processuais devem ser, prioritariamente e sempre que possível, realizados de forma oral, reduzindo a escrito apenas os atos mais importantes” (MAGRI, 2017).
Também neste contexto, Guilherme de Souza Nucci (2010) apud Cleverton Paulo Chagas e Bruno Smolarek Dias (2015, v. 10, p. 1.642) exalta que
Sua aplicação, na lei 9.099/95, limita-se a documentos ao mínimo possível (arts. 65, caput, 67, 77, caput e §§ 1º e 3º, e 81, § 2º). As partes debatem e dialogam, procurando encontrar uma resposta penal que seja justa para o autor do fato e satisfaça, para o Estado, os fins da prevenção geral e especial (NUCCI, 2010, apud CHAGAS; DIAS, 2015, v. 10, p. 1.642).
2.3.2 Princípio da simplicidade
Os juizados das pequenas causas são marcados pela solução das demandas de maneira célere e simples, em comparação ao juízo comum.
O fito de remeter, novamente, a essas características é a de mostrar a significância que tal princípio possui perante as causas julgadas pelo órgão em destaque.
A respeito deste princípio, Cleverton Paulo Chagas e Bruno Smolarek Dias (2015, v. 10, p. 1.644) aduz que “(…) imprime-se ao processo um ritmo sem formalidades inúteis, buscando-se a finalidade do ato processual da forma mais simples possível. Permite que o ato processual seja praticado de forma a dar agilidade ao processo” (CHAGAS; DIAS, 2015, v. 10, p. 1.644).
2.3.3 Princípio da informalidade
Uma das características marcantes deste princípio perante as causas nos órgãos judiciais em análise é a busca pela desburocratização dos atos.
Tal princípio, como expõe José Maria de Aquino Junior e Gleidysson José Brito de Carvalho (2015, v. 1, p. 182) busca “(…) relativizar o rigor inerente aos procedimentos criminais” (AQUINO JUNIOR; CARVALHO, 2015, v. 1, p. 182).
Já Débora Magri (2017) avalia que “por esse critério, pleiteou o legislador que o processo fosse, quanto mais possível, desburocratizado e informal, de forma que, se o ato atingir sua finalidade, não será considerado nulo sem comprovado prejuízo às partes” (MAGRI, 2017).
2.3.4 Princípio da economia processual
A própria semântica das palavras que compõem este princípio expressa a sua finalidade. O preceito da economia processual, como o nome denota, busca a resolução da demanda com menos custos.
Sobre o presente critério, Cleverton Paulo Chagas e Bruno Smolarek Dias (2015, v. 10, p. 1.643) salienta que
(…) o princípio em comento, transforma os procedimentos de competência dos juizados especiais criminais mais rápidos e imediatos, o que, juntamente com os demais princípios, ameniza os efeitos prejudiciais que o conflito poderia ocasionar entre as partes do processo. Evita-se, assim, a prática de atos demasiadamente longos, de modo que o objetivo principal é solucionar a demanda em verdadeiro combate aos atos meramente protelatórios, não raramente observados no procedimento comum (CHAGAS; DIAS, 2015, v. 10, p. 1.643).
Já Débora Magri (2017) sublinha que
Com esse princípio, busca-se a execução da maior quantidade possível de atos processuais em menor lapso temporal e da forma menos onerosa às partes e ao Estado. Assim, mais uma vez, o legislador preocupou-se com a desburocratização dos atos processuais, que devem ser ao máximo aproveitados para a resolução dos conflitos seja realizada de forma potencial e célere (MAGRI, 2017).
2.3.5 Princípio da celeridade
Uma das principias situações que diferenciam as causas analisadas diante a instância comum para os juizados das pequenas causas é a agilidade nos atos deste órgão em comparação aquele.
Esta característica, trazida pelo princípio da celeridade, busca a solução ágil dos conflitos nos órgãos em tela, sem violar normas ou critérios estabelecidos para a sua perfeita conclusão.
A aplicação de tal critério não configura o exercício de ações, a todo custo, em busca pela rápida resolução da lide, mas sim, a realização dos atos de forma ágil e responsável com o viés de buscar a efetiva resolução dos conflitos (CHAGAS; DIAS, 2015).
3 A TRANSAÇÃO PENAL
O instituto, trazido pelo dispositivo 76, da lei 9.099, cerne desta obra, considerado como uma das medidas despenalizadoras existente no sistema legal brasileiro, possui critérios a serem observados, bem como condições a serem seguidas (BRASIL, 1995).
Em síntese, a transação penal é um acordo entre o Parquet e o agente em discussão, exigindo, para a sua configuração, não estar enquadrado em uma das hipóteses de inadmissibilidade previstas no parágrafo 2º, do dispositivo 76, da norma 9.099, possuindo cabimento somente para as infrações de menor relevância, que são aqueles crimes que possuem pena máxima não superior a 2 (dois) anos, além das contravenções penais, conforme prevê o dispositivo 61, da norma referida (OTTO, 2015).
Insta expor que a medida despenalizadora em debate foi inserida no ordenamento legal com o aspecto de “(…) dar celeridade na resolução de casos de pequena monta, infrações leves, passíveis de uma resolução simplória, que não uma condenação penal, nem mesmo um julgamento nos ditames de nosso poder judiciário” (DELLAQUA, 2017).
Neste sentido, salienta-se que a transação penal, a qual ocorre na fase pré-processual, sendo uma alternativa proposta pelo membro do Parquet antes da apresentação da denúncia, surgiu como forma de descarregar o judiciário de pequenos casos e, desta maneira, evitar que estes acumulem na esfera judicial. Contudo, eximi-se que
(…) o oferecimento da transação penal só é possível quando não for caso de arquivamento do termo circunstanciado ou do inquérito policial. Ou seja, se da análise das investigações o representante do Ministério Público depreender que não há elementos mínimos de autoria e materialidade, deve arquivar os autos. A proposta de transação deve ser realizada apenas quando tais elementos forem verificados pelo parquet (MAGRI, 2017).
3.1 CRITÉRIOS A SEREM OBSERVADOS PARA OFERECIMENTO DA TRANSAÇÃO PENAL
Conforme mencionado anteriormente, a medida em estudo, para ser ofertada pelo Parquet ao autor dos fatos, este não deve estar enquadrado em um dos critérios previstos no parágrafo 2º, do dispositivo 76, da norma 9.099 (BRASIL, 1995), os quais são:
I – ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;
II – ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
III – não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida (BRASIL, 1995).
Destarte, visualiza-se que o oferecimento pelo membro do Parquet ao responsável, não está condicionado somente aos critérios relacionados ao crime de menor relevância, bem como as contravenções penais e os elementos indicativos de autoria e materialidade, mas também, as circunstâncias que envolvem o responsável pelo fato.
3.2 CONDIÇÕES A SEREM SEGUIDAS APÓS ACEITAÇÃO DA TRANSAÇÃO PENAL
Após acolhimento da proposta de acordo oferecida pelo Parquet, o autor dos fatos deve seguir algumas condições estabelecidas pelo magistrado, consoante preceitua o parágrafo 4ª, do dispositivo 76, da norma 9.099 (BRASIL, 1995), o qual possui o seguinte texto:
§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos (BRASIL, 1995).
Tais condições a serem seguidas pelo causador da demanda, normalmente, são prestações de serviços sociais ou pagamentos de cestas básicas a instituições carentes (PETCHEVIST, 2016).
Vale expor que a injunção de pena restritiva de direitos ou multa não é considerada no tocante à ficha criminal do imputado, bem como não terá efeito na esfera cível, conforme parágrafo 6º, do dispositivo 76, da norma 9.099 (BRASIL, 1995).
4 POSSIBILIDADE DE CONFLITOS COM PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
A Constituição Federal de 1988 traz princípios fundamentais os quais deverão ser seguidos pelas demais normas no ordenamento jurídico brasileiro.
Dentre os princípios trazidos pela Carta Magna, temos em discussão, os princípios do contraditório, da ampla defesa e presunção de inocência, os quais serão pontos de debate no que respeita a aplicabilidade da transação penal e a obediência aos princípios aludidos.
4.1 PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA
Antes de serem analisados os princípios em tela e feito um paralelo com a aplicabilidade da medida despenalizadora, é precípuo expor que o dispositivo constitucional do contraditório possui a mesma previsão legal que o da ampla defesa. Entretanto, é essencial dispor que por mais que ambos estão previstos no inciso LV, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL, 1988), os preceitos aludidos possuem disposições que os diferenciam.
O preceito do contraditório está relacionado ao instante em que o acusado, de modo geral, como se extrai da leitura do inciso tratado, possui para executar a sua defesa. Já a ampla defesa, está concatenada com a oportunidade que o responsável tem para defender o seu argumento ante aquilo que o é imputado.
Neste prisma, exalta-se a significância dos dois institutos, os quais se complementam, tornando-se norte para as normas do regramento jurídico nacional. Assim, Eugênio Pacelli de Oliveira (2011) apud Marco José Mattos Couto (2017, v. 23, p. 14) frisa que
O contraditório, portanto, junto ao princípio da ampla defesa, institui-se como a pedra fundamental de todo processo e, particularmente, do processo penal. E assim é porque, como cláusula de garantia instituída para proteção do cidadão diante do aparato persecutório penal, encontra-se solidamente encastelado no interesse público da realização de um processo justo e equitativo, único caminho para a imposição da sanção de natureza penal (OLIVEIRA, 2011 apud COUTO, 2017, v. 23, p. 14).
Desta maneira, após a distinção dos preceitos referidos e a breve ilustração de seus conceitos, no tocante ao possível conflito entre os princípios remetidos e a oferta do acordo em relevo, Piva (2016) argumenta que
(…) quando o membro do Ministério Público a oferece, o autor do fato não tem escolha: ou ele opta pela pena “sugerida”, diminuindo seus direitos, ou ele assume o risco de enfrentar o processo, sem que tenha feito qualquer prova a seu favor (PIVA, 2016).
Em continuidade nas colocações, a autora reforça que
(…) como a transação penal se dá antes do oferecimento da denúncia, não há como o autor do fato sequer saber se a mesma seria recebida ou rejeitada, de tal forma que é impossível para o acusado saber se a transação penal realmente seria um benefício (PIVA, 2016).
Nesta mesma vertente, Cleverton Paulo Chagas e Bruno Smolarek Dias (2015, v. 10, p. 1.657-1.658) sublinham que
Mister enfatizar que o princípio do contraditório decorre do processo do tipo acusatório, onde as partes, acusadora e acusada, encontram-se em pé de igualdade, com os mesmos direitos. Entretanto, é patente o desrespeito a este princípio fundamental no momento da homologação da proposta de transação penal, tendo em vista que o suposto autor do fato tem de escolher pela diminuição de seus direitos ou enfrentar o processo, sem ter sido ouvido ou ter produzido qualquer tipo de prova em seu favor, em resposta ao contido no Termo Circunstanciado de Ocorrência (CHAGAS; DIAS, 2015, v. 10, p. 1.657-1.658).
Em relação à ampla defesa, nesta temática, os mesmos autores acentuam que “(…) se quer é analisada, visto que o autor do fato não tem assegurado o direito de trazer aos autos elementos que possam mostrar a verdade fática” (CHAGAS; DIAS, 2015, v. 10, p. 1.657).
Já outros, como exemplo, Débora Magri, rebate que
(…) a transação não viola o contraditório e ampla defesa, pois não seu intuito é justamente sucumbir a instrução probatória em face da rápida resolução conflitiva, que, por tratar de infrações de menor potencial ofensivo – ou seja, menos complexas -, não exigem o longo trâmite de colheita de provas como os crimes de maior gravidade (MAGRI, 2017).
4.2 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
Quanto ao preceito da presunção de inocência ou não culpabilidade, conforme nomenclatura alguns doutrinadores, o inciso LVII, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, dispõe que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988).
O conflito entre tal princípio e a transação penal é pulsante em virtude da medida despenalizadora da lei infraconstitucional 9.099 promover o juízo de que o acusado dos fatos não está aceitando a culpa por aquele ato, mas sim, realizando um pacto com o Parquet com o fim de evitar os transtornos da judicialização daquele caso.
Neste sentido, José Pinheiro Silva (2016) dita que
A pessoa/agente que cometeu o ilícito penal de menor potencial ofensivo, ao aceitar a proposta de transação penal apresentada pelo Ministério Público, não está reconhecendo sua culpa, apenas optando por meio mais cômodo de se livrar do confronto judicial (nollo contendere), quer seja por elementos subjetivos ou por elementos objetivos (SILVA, 2016).
Já Débora Magri (2017), reforça as ideias expostas pelo autor anterior, destacando, ainda, que
(…) a transação penal surgiu como um benefício àquele que se vê investigado e quer se esquivar das mazelas burocráticas jurisdicionais. Contudo, se o autor da infração tiver certeza de sua inocência, pode optar por não aceitar a proposta e ver-se processado, possibilitando a instrução probatória e sua defesa processual (MAGRI, 2017).
Rômulo de Andrade Moreira (2014) reforça o pensamento de que a transação penal não agride o preceito constitucional em estudo, focalizando que “(…) na transação penal não se discute a culpabilidade [18] do autor do fato, ou seja, ele não se declara em nenhum momento culpado, não havendo, tampouco, efeitos penais ou civis, reincidência, registro ou antecedentes criminais” (MOREIRA, 2014).
Em contrapartida, Giovana Farias Fernandes Magalhães (2018, p. 42-43) dispõe que
(…) a transação penal ofende a garantia da presunção de inocência, ao passo que possibilita a execução de uma pena ao imputado, sem que este seja considerado culpado. Além de ocorrer antes da prática dos atos processuais que visam a confirmação da materialidade e autoria da infração (MAGALHÃES, 2018, p. 42-43).
Já Ana Carolina Graciano Piva (2016), exalta que
A transação penal viola o princípio em comento, a partir do momento em que o autor do fato recebe uma pena, ainda que restritiva de direitos ou multa, sem exercer o seu direito de defesa, e, o que é pior, sem existir um processo em andamento ou uma sentença penal condenatória transitada em julgado (PIVA, 2016).
Em amor ao debate e em defesa a posição de que há conflito entre os institutos em discussão, Geraldo Prado (2003) apud Marcos José Mattos Couto (2017, v. 23, p. 15) ilustra a discordância, exemplificando a seguinte situação:
Os que estiverem em sala de audiência de um Juizado Especial Criminal podem indagar aos estagiários que estão assistindo à audiência: o que você acha daquele sujeito que acabou de aceitar uma proposta de pena formulada pelo Ministério Público? Que acabou de aceitar uma pena de prestação de serviços à comunidade, durante seis meses, por conta do arquivamento dessa acusação? O estagiário irá responder que ele provavelmente é culpado, porque, se não fosse, não aceitaria a pena. Interrogue-se o suspeito e ele, sinceramente, afirmará a mesma coisa (PRADO, 2003 apud COUTO, 2017, v. 23, p. 15).
5 DISPOSIÇÕES FINAIS
Destarte, vale expor que esta pesquisa tem o propósito de trazer este debate, expondo visões antagônicas sobre o assunto, provocando discussões sobre a temática, analisando a literalidade da transação penal e a forma como ela é aplicada, sob o prisma dos princípios supramencionados, sendo essencial reforçar que o foco não é discutir a inserção do instituto no ordenamento jurídico nacional, nem mesmo a sua constitucionalidade, dado que a criação dos juizados das pequenas causas e da medida em apreço possui previsão constitucional, mas provocar no expectador uma visão diferente sobre o tema.
A medida despenalizadora em comento, guiada pelos princípios da celeridade, oralidade, simplicidade, economia processual e informalidade, foi criada com o foco voltado para resolução dos pequenos casos, com dois propósitos cristalinos: atenuar as demandas que estão a cargo do Poder Judiciário e trazer maior conforto para os envolvidos na lide, através da resolução mais rápida dos conflitos em comparação à justiça comum. Entretanto, por mais que o presente instituto possua, sim, o viés positivo, não podemos deixar de mencionar que a transação penal, a forma como ela é aplicada, melhor dizendo, ofende princípios considerados norteadores para as demais normas no arcabouço jurídico nacional, trazidos pela Constituição Federal.
Assim sendo, consonante ao que fora discutido no decorrer deste trabalho e saindo do aspecto literal da norma, levando-se para o caso concreto, como é aplicado, quando o membro do Parquet “impõe” a transação penal ao “acusado”, este, pela forma como é imposta, por isso a palavra impõe entre aspas, não vê outra forma se não aceitar aquilo que foi imposto, sob a ameaça velada de que caso não aceite o acordo, sofrerá consequências maiores na esfera judicial.
Além da situação mencionada anteriormente, devemos levar em consideração de que o autor dos fatos ou da infração, nomenclaturas denominadas pela lei 9.099, todavia, mencionada no parágrafo anterior como acusado, palavra esta entre aspas para chamar a atenção do leitor, visto que é deste modo que a sociedade vê aquele cidadão que está naquela situação, não tem margem para expor a sua versão do ocorrido e demonstrar a sua inocência. Desta feita, não podemos fechar os olhos para a maneira que a transação penal é aplicada, pelo simples fato de ser considerada “boa” para o acusado, ou por receber nomenclatura, pela maior parcela da doutrina, de “medida despenalizadora”, vocábulos que, na visão do autor deste artigo, são desapropriados para o instituto em tela, uma vez que o autor dos fatos, aceitando a proposta do Parquet, cumprirá uma pena, mesmo que esta não seja privativa de liberdade.
Portanto, diante dos argumentos expostos e debatidos, visualiza-se a necessidade de uma ótica diferente dos nossos legisladores e demais operadores do Direito para o assunto em destaque, sendo analisada a oportunidade de oferta da transação em outro momento, como no início da fase judicial, após a denúncia, respeitando a prerrogativa do Parquet e os princípios constitucionais aludidos, sem perder a sua finalidade.
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1Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário UNA de Bom Despacho/ MG, da rede Ânima Educação.
Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Direito do Centro Universitário UNA de Bom Despacho/ MG, da rede Ânima Educação. 2023.
Orientadora: Professora Camila Giovana Xavier de Oliveira Frazão.