REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11103569
Rubriane Vitória Inocêncio de Souza1;
Cláudio Rubens Nascimento Ramos Júnior2
RESUMO
O presente artigo se dedica a analisar a autoria delitiva nos crimes tributários previstos nos artigos 1º e 2º da Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, sob a perspectiva da doutrina e jurisprudência majoritárias, navegando-se pela Teoria do Domínio do Fato, visando demonstrar a possibilidade de imputar a responsabilidade penal aos administradores de fato que cometem os crimes previstos nos referidos artigos daquela lei, isto é, focando nos crimes cometidos por particulares, assim, encontrando-se previsão legal nos artigos 1º e 2º da aludida Lei, excluindo-se desta análise o artigo 3º da Lei, uma vez que se trata de crime praticado por funcionário público. Tem como objetivo expor o conceito da Teoria do Domínio do Fato e demonstrar como a referida teoria brilhantemente amplia o conceito da responsabilidade penal, possibilitando a imputação da responsabilidade penal aos administradores de fato, estes que realmente encabeçam as suas empresas e as suas atividades.
Palavras chaves: Teoria do domínio do fato; Crimes contra a ordem tributária; administradores; Administrador de fato;
ABSTRACT
This article is dedicated to analyzing criminal authorship in tax crimes provided for in articles 1 and 2 of Law no. 8,137, of December 27, 1990, from the perspective of the majority doctrine and jurisprudence, navigating the Theory of Domain of Fact, aiming to demonstrate the possibility of attributing criminal liability to administrators in fact who commit the crimes provided for in the aforementioned articles of that law, that is, focusing on crimes committed by private individuals, thus finding legal provision in articles 1 and 2 of the aforementioned Law, excluding article 3 of the Law from this analysis, since it is a crime committed by a public official . Its objective is to expose the concept of the Domain of Fact Theory and demonstrate how the aforementioned theory brilliantly expands the concept of criminal responsibility, enabling the attribution of criminal responsibility to de facto administrators, those who actually head their companies and their activities.
Keywords: Fact domain theory; Crimes against the tributal order; administrators; De facto administrator;
1 INTRODUÇÃO
No contexto atual, as sociedades empresariais têm crescido exponencialmente, em que muitas delas, minuciosamente, vão promovendo os atos constitutivos da empresa, desde logo, planejando a prática reiterada de sonegação fiscal e/ou apropriação.
Além disso, a Legislação Brasileira, especificamente o Código Tributário Nacional, possui restrição quando se trata de limitar a contribuição na prática de crimes tributários, mas não é aceitável quando analisado de forma isolada, para uma análise completa de cada caso concreto. (Alfen, 2019, p. 1).
Em contrapartida, considerando que a Legislação não esgota tal lacuna, por meio da doutrina e da jurisprudência, é possível encontrar a ‘porta de saída’ para referida problemática, no sentido de que ela proporciona uma interpretação plausível que possibilita imputar a responsabilidade penal ao autor no crime fiscal: o administrador de fato (Lobo et al., 2019, p. 2).
Diante dessa necessidade, partindo de uma metodologia de pesquisa bibliográfica, desenvolveu-se uma análise acerca da autoria nos crimes tributários nos supramencionados artigos da Lei n. 8.137/90 sob a perspectiva da Teoria do Domínio do Fato.
Considerando a influência da Teoria do Domínio do Fato como método que possibilita a atribuição da responsabilidade penal ao autor dos crimes tributários, predita teoria não pode ser estudada como uma utopia ou tão somente como uma conjectura, mas como um critério efetivo que coopera fielmente na imputação da responsabilidade penal ao administrador de fato, tanto que vem sendo utilizada pelos Tribunais Brasileiros, em especial, pelo Pretório Excelso Supremo Tribunal Federal. (Alflen, 2019, p. 28).
A teoria restritiva ou objetivo-formal preconiza que o autor do crime apenas se trata daquele que executa o núcleo do tipo penal, o que, verdade seja dita, mostra-se insuficiente para a completa análise da autoria delitiva no contexto penal tributário. (Lobo et al., 2019, p. 2).
Portanto, por todo o contexto em volta da Teoria do Domínio do Fato, a problemática da pesquisa reside se a Teoria do Domínio do Fato possibilita a imputação da responsabilidade penal ao administrador de fato, assim, analisando-se além dos atos constitutivos da empresa.
Nesse sentido, o objetivo deste artigo visou analisar a Teoria do Domínio do Fato, a qual amplia o conceito de autor do delito, no sentido de melhor indicar o executor do núcleo do tipo penal, qual seja, o agente que detém o controle final do fato, deixando-se de lado teoria restritiva, adotada pelo Código Penal Brasileiro. A realização do trabalho é bastante oportuna e de enorme importância, haja vista determinada desatenção em se atribuir a responsabilidade penal a pessoas que apenas constam nos contratos sociais, por exemplo, fazendo-se ‘vista grossa’ ao verdadeiro autor do crime, aquele que de fato administra a empresa, mas que findou utilizando-se pessoa ‘laranja’.
Para que haja a imputação correta, é válido compreender que a formalidade dos atos constitutivos de uma empresa, por si só, não suprem referida necessidade. A formalidade dos atos constitutivos de uma empresa, como os contratos sociais, os estatutos, as alterações contratuais, as procurações e dentre outros atos, devem ser analisados em conjunto com a realidade, uma vez que a formalidade dos documentos, por si só, não relata os fatos.
Desse modo, é inaceitável que um indivíduo seja responsabilizado apenas por seu nome constar no alteração contratual da empresa como sócio-administrador, por exemplo, pois há a possibilidade da existência de sócio ‘laranja’ no ato constitutivo, isto é, terceiros recrutados, pelo administrador que possui o domínio do fato, para praticarem os crimes fiscais previstos nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137 de 1990.
O Supremo Tribunal Federal decidiu que a circunstância objetiva de alguém meramente ser sócio de uma empresa não se revela suficiente, só por si, para autorizar qualquer presunção de culpa (inexistente em nosso sistema jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como efeito derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente persecução criminal em juízo”.
Na mesma decisão, o Supremo Tribunal Federal proferiu a decisão em que:
O simples ingresso formal de alguém em determinada sociedade simples ou empresária – que nesta não exerça função gerencial nem tenha participação efetiva na regência das atividades sociais – não basta, só por si, especialmente quando ostentar a condição de quotista minoritário, para fundamentar qualquer juízo de culpabilidade penal. A mera invocação da condição de quotista, sem a correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico que vincule o sócio ao resultado criminoso, não constitui, nos delitos societários, fator suficiente apto a legitimar a formulação da acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto judicial condenatório. (STF, HC 89427-5/BA, Min. Celson de Melo, Segunda Turma, Julgamento em 12/09/2006, grifo nosso).
Nesse sentido, em que pese o indivíduo figure, formalmente, como sócio-administrador da empresa, é importante que seja analisada a real contribuição deste indivíduo, a fim de sondar o caso concreto para que a responsabilidade penal não incida sobre a pessoa errada somente porque esta constava no estatuto da empresa, por exemplo, e, assim, imputar a responsabilidade penal ao verdadeiro administrador do qual emanam as ordens criminosas.
Portanto, a partir dos termos da Teoria de Domínio do Fato, é possível vislumbrar uma imputação da responsabilidade penal do autor do crime tributário pacífica, ou seja, plácida para o Estado, pois estar-se-á diante da punição delimitada e adequada e justa, inclusive.
Também, pacífica para o indivíduo ‘laranja’ com o nome constante no ato constitutivo, pois, muitas vezes, trata-se de pessoa necessitada e ignorante, juridicamente falando, que não possui bons recursos financeiros e que, por assim ser, foi explorada criminosamente pelo administrador de fato da empresa.
Por derradeiro, para que incida a responsabilidade individual ocorra adequadamente, restou desenvolvida, inicialmente, por Hans Welzel, e, posteriormente, aperfeiçoada por Claus Roxin, a Teoria do Domínio do Fato a qual possibilitou uma interpretação que, hoje, permite uma análise plausível da autoria nos crimes previstos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90, buscando detectar administrador de fato da sociedade empresarial.
Para o desenvolvimento deste projeto de pesquisa aplicou-se o ensinamento de Minayo (2014, p. 188), o qual adverte que “a proposta metodológica deve contemplar e detalhar todas as etapas de operacionalização da pesquisa”.
Ademais, buscou-se o envolvimento natural com o objeto de pesquisa, de forma que este fez parte do cotidiano da pesquisadora, servindo, assim, como fonte direta de dados. Quanto aos objetivos, os dados coletados são descritivos, ou seja, trata-se de pesquisa descritiva, visto que o material acessado por meio das pesquisas é abundante em descrições de documentos.
O método científico a ser utilizado será o método dedutivo, em que, segundo Almeida (2017, p. 1), a aproximação dos fenômenos inclinam-se para planos mais amplos, caminhando das constatações particulares para as leis e teorias (conexão ascendente).
No que se refere ao procedimento, a pesquisa bibliográfica foi realizada objetivando informações já elaboradas e fundamentadas, em livros e artigos científicos.
O tipo da pesquisa foi qualitativa, uma vez que dá a possibilidade da questionada responder abertamente sobre as questões, dando sua opinião e preferências.
Quanto à natureza da pesquisa, foi utilizada a pesquisa aplicada, objetivando gerar conhecimento para aplicação prática, isto é, conhecimento dirigido para solucionar problemas específicos. O instrumento utilizado consiste na observação, isso porque usufrui-se dos sentidos para obter as informações sobre os aspectos da realidade.
2 RESULTADOS
Os resultados obtidos deste artigo decorreram de estudos doutrinários e jurisprudenciais pertinentes ao tema. Por meio desses resultados obtidos, é possível melhor apreciar a Teoria do Domínio do Fato, de modo que o conceito desta teoria possibilita a imputação da responsabilidade penal ao administrador de fato sem que ele conste nos atos constitutivos da empresa.
Não obstante, com os resultados adquiridos, espera-se demonstrar como a Teoria “abre portas” para que melhor seja atribuída a responsabilidade àquele que administra verdadeira a empresa, sendo esta uma forma de se aplicar a pretensão punitiva do Estado.
Portanto, espera-se que, através do artigo, possa ser possível colaborar com a compressão do assunto, apresentando a Teoria do Domínio do Fato com a ‘porta de saída’ para que a responsabilidade penal seja devidamente atribuída à pessoa que clandestinamente, pois seu nome não consta no ato ou consta, mas não como o administrador, administra a empresa e nitidamente pode perceber algo errado (irregularidade) nas entradas e saídas dos produtos.
3 DISCUSSÃO
3.1 A Teoria do Domínio do Fato e a sua relação com o administrador de fato
Na Teoria do Domínio do Fato, de Roxin, para a definição da autoria, deve-se observar quem detém o domínio sobre o acontecimento dirigido à realização do delito, ou seja, quem encabeça a conduta executória de suprimir, logo, essa figura se trata do administrador de fato.
Se pode afirmar a autoria tão somente se o gerente tiver poder para controlar (poder de condução) por si mesmo a realização, interrupção, impedimento ou continuidade da efetiva ofensa ao bem jurídico tutelado.
O domínio do fato constitui parâmetro que depende da aferição do controle direto e concreto sobre a ofensa ao bem jurídico. A partir disso, deve-se analisar os atos constitutivos e o que acontece na rotina da empresa, o que é possível mediante a produção de provas na fase investigativa.
Posto isto, pela ideia da Teoria do Domínio do Fato, somente se pode atribuir a responsabilidade penal ao administrador de fato da empresa se for comprovado que detinha o poder de realizar, interromper ou dar continuidade à supressão ou redução.
Referente ao supramencionado, o magistrado Baltazar Júnior (2012, p. 536) repara que:
A partir dos indícios e dados formais como o contrato ou o estatuto que revelam quem era o sócio-gerente, o presidente, o diretor, já se pode visualizar quem tinha aparentemente o poder de comando na empresa, sendo esse dado suficiente para o oferecimento e recebimento da denúncia (TRF, HC 20070400041971-6/RS, Élcio Pinheiro de Castro, 8ªT., u., 16.1.08). Mas esse tipo de indício tem que ser corroborado por outras provas, uma vez que ninguém pode ser condenado somente por figurar como diretor no estatuto da empresa (STJ, HC 13.597/PA, Jorge Scartezzini, 5ª T., u., 13.11.00) ou como sócio-gerente no contrato social (TRF4, AC 19997104002776-4/RS, Vladimir Freita, 7ªT., u., DJ 15.5.02), exigindo-se, para condenação, a prova de que tenha poderes de gerência.
Essa confirmação se dá especialmente pela prova oral, seja pelo interrogatório do próprio réu, que pode admitir que administrava a empresa, pela inquirição de testemunhas, o fiscal responsável pela autuação, os empregados ou ex-empregados e até mesmo os clientes da empresa arrolados como testemunhas abonatórias pela defesa podem revelar quem dirigia os negócios e com quem mantinham os seus contatos.
O objeto de estudo, ora, está pautado na autoria mediata, que para Roxin, o ‘Pai’ da teoria do domínio do fato, teoria adotada no ordenamento jurídico brasileiro atual, evidencia a prática delitiva do crime de forma indireta, isto é, o dominante utilizando-se de terceiro. Sobre o tema, o ex-ministro Sérgio Moro enfatiza que a autoria do fato típico é imputada “àquele que vai decidir quando, como e se o crime será praticado; trata-se de autoria mediata; está-se a falar do mentor intelectual, isto é, aquele que não pratica o núcleo do tipo, porém tem o domínio da situação” (Moro, 2016).
No mesmo sentido, Lima (2017, p. 157) realça que, ao prestar informações falsas às autoridades fazendárias, objetivando reduzir ou suprimir a arrecadação do tributo, o sujeito ativo do crime age mediante a ação de terceiro que está sob seu comando.
Nos mesmos parâmetros, a seguir as jurisprudências que permanecem preponderantes no Supremo Tribunal Federal:
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. PRELIMINARES. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ E SUSPEIÇÃO. CRIME MATERIAL CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1º, I, DA LEI 8.137/90). DOLO. DESCABIMENTO DA FIXAÇÃO DO VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DO DANO (ART. 387, IV, DO CPP). TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO. DOSIMETRIA DA PENA. CONSEQUÊNCIA DO CRIME. CONTINUIDADE DELITIVA. VALORAÇÃO DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. 1. Não é inepta a denúncia que expõe de forma clara o fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, bem como aponta os elementos que supostamente indicariam a autoria delitiva. Adequação plena da peça inicial ao art. 41 do CPP; (…) 5. Em se tratando de crimes contra a ordem tributária, aplica-se a teoria do domínio do fato. É autor do delito aquele que detém o domínio da conduta, ou seja, o domínio final da ação, aquele que decide se o fato delituoso vai acontecer ou não. Tratando-se de tributo devido pela pessoa jurídica, autor será aquele que efetivamente exerce o comando administrativo da empresa, podendo ser o administrador, o sócio-gerente, diretor, administrador por procuração de sócio ou mesmo um administrador de fato que se valha de interposta pessoa, está figurando apenas formalmente como administrador; (…)” (STF – SEGUNDA TURMA – Recurso Extraordinário Com Agravo – ARE 1.116.544 – Rio Grande do Sul. Relator: Min. Dias Toffoli. Órgão de Origem: Tribunal Regional Federal da 4ª região/RS – nº: 5000846-23.2010.4.04.7116. 07/05/2018).” (Grifei).
PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. REDUÇÃO OU SUPRESSÃO DE TRIBUTOS FEDERAIS. ART. 1º, I E II, DA LEI Nº 8.137/90. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. DOLO GENÉRICO. DOSIMETRIA. PENA MANTIDA. 1. Comete crime contra a ordem tributária o agente que suprime o pagamento de tributos, mediante omissão de informações e prestação de declaração falsa às autoridades fazendárias. 2. Em se tratando de crimes contra a ordem tributária, aplica-se a teoria do domínio do fato. É autor do delito aquele que detém o domínio da conduta, ou seja, o domínio final da ação, aquele que decide se o fato delituoso vai acontecer ou não. Tratando-se de tributo devido pela pessoa jurídica, autor será aquele que efetivamente exerce o comando administrativo da empresa, podendo ser o administrador, o sócio-gerente, diretor, administrador por procuração de sócio ou mesmo um administrador de fato que se valha de interposta pessoa, esta figurando apenas formalmente como administrador. 3. O elemento subjetivo do tipo é o dolo genérico, bastando, para a perfectibilização do delito, que o agente tenha a vontade livre e consciente de suprimir ou reduzir o pagamento de tributos. Dessa forma, restou demonstrado que o acusado agiu com o dolo de praticar o delito capitulado no art. 1º, I e II, da Lei nº 8.137/90. 4. Recurso improvido.” (STF – ARE Nº 1324332/SC – 5002904-70.2017.4.04.7207, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Data do Julgamento: 13/05/2021; Publicação: 14/05/2021).” (grifo nosso).
A 1ª Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia possui aresto no mesmo sentido, reconhecendo a teoria do domínio do fato:
CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, I E II, DA LEI N. 8.137/1990. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. LANÇAMENTO. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA. PERSECUÇÃO PENAL. CONFORMAÇÃO DA CONDUTA AO TIPO. DOLO GENÉRICO. SÓCIO-ADMINISTRADOR. RESPONSABILIDADE. DOMÍNIO DO FATO. 1- Ratificado o teor do auto de infração decorrente da utilização de redutores da exação em vendas lançadas como saídas sem débito do imposto, reconhece-se a conformação da conduta ao tipo descrito no art. 1º, I e II, da Lei n. 8.137/1990, crime tributário que se concretiza com a efetiva redução de tributos e lesão ao Fisco sem necessidade de dolo específico. 2- Nos delitos contra a ordem tributária autor é aquele que tem o domínio do fato, especialmente no tocante à fraude aos fins de elisão tributária, comprovados os poderes de gestão do sócio, e a ele se pode atribuir pessoalmente a infração, reconhece-se-lhe a responsabilidade, se o administrador detém o controle e a decisão acerca da supressão de tributo, conforme a teoria do domínio do fato” (TJRO – 1ª CÂMARA CRIMINAL – Apelação 0001972-41.2018.822.0501 – Rondônia. Relator: Rel. Des. Daniel Ribeiro Lagos. Órgão de Origem: Tribunal de Justiça de Rondônia – 26/09/2019).” (grifo nosso). Decisão: Por Unanimidade, Negar Provimento à Apelação.” Ementa: Crime contra a ordem tributária. Art. 1º, I e II, da Lei n. 8.137/1990. Crédito tributário. Lançamento. Constituição definitiva. Persecução penal. Conformação da conduta ao tipo. Dolo genérico. Sócio-administrador. Responsabilidade. Domínio do fato. 1- Ratificado o teor do auto de infração decorrente da utilização de redutores da exação em vendas lançadas como saídas sem débito do imposto, reconhece-se a conformação da conduta ao tipo descrito no art. 1º, I e II, da Lei n. 8.137/1990, crime tributário que se concretiza com a efetiva redução de tributos e lesão ao Fisco sem necessidade de dolo específico. 2- Nos delitos contra a ordem tributária autor é aquele que tem o domínio do fato, especialmente no tocante à fraude aos fins de elisão tributária, comprovados os poderes de gestão do sócio, e a ele se pode atribuir pessoalmente a infração, reconhece-se-lhe a responsabilidade, se o administrador detém o controle e a decisão acerca da supressão de tributo, conforme a teoria do domínio do fato. (TJRO – 2ª VARA CRIMINAL – Apelação 0001972-41.2018.822.0501 – Rondônia. Relator: Rel. Des. Daniel Ribeiro Lagos. Órgão de Origem: Tribunal de Justiça de Rondônia – julgamento em 26/09/2019).” (grifo nosso).
Assim, percebe-se que a jurisprudência brasileira recepcionou a teoria em tela. No entanto, para os Tribunais Superiores, não basta o agente ser representante da pessoa jurídica para que lhe seja imputada a responsabilidade tributária, mas que seja apontado o nexo de causalidade entre a conduta do acusado e o suposto fato criminoso.
É como entendeu o Supremo Tribunal Federal na decisão ao Recurso em Habeas Corpus nº 119.014/RO, rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, j. 5.12.2019, em que “[…] para se imputar determinada responsabilidade penal é necessária a descrição do nexo causal, isto é, não há como considerar que a posição de gestor, diretor ou sócio administrador de uma empresa implica a presunção de que houve a participação no delito, se não houver, no plano fático-probatório, alguma circunstância que o vincule à prática delitiva” (RHC n. 109.037/SC, Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T., DJe 25/4/2022).
3.2 Os tipos penais dos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/1990 e o art. 135, inciso III do Código Tributário Nacional
O crime contra a ordem tributária ou o crime de sonegação fiscal, caracteriza-se pela prática de uma ação ou omissão por intermédio de uma conduta artificiosa e fraudulenta que tem como objetivo a supressão e/ou redução do tributo devido. Com isso, o agente do delito é aquele que realiza a ação ou omissão descrita no tipo objetivo (contribuinte ou responsável) ou determina, ordena ou prescreve a terceiro que atue em seu nome. (Prado, 2014, p. 275)
Assim, para a configuração do crime, é preciso que o crime tenha sido praticado de forma livre e consciente, isto é, de forma dolosa, em que a intenção do sujeito ativo consiste em não repassar os valores devidos ao erário, a fim de que possa usufruir de tais valores. Assim, como consequência do princípio de culpabilidade, não é possível atribuir responsabilidade penal sem dolo ou culpa, e especificamente no âmbito dos crimes contra a ordem tributária somente há crime se o agente agir dolosamente. (Bittencourt, 2016, p. 724)
Os crimes dispostos no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90 tratam-se de crimes materiais, em que o resultado naturalístico ocasiona a redução ou supressão do tributo.
Em contraste, os crimes tipificados no inciso V do art. 1º e os incisos do art. 2º são crimes formais, o qual dispensa a ocorrência do resultado, sendo este mero exaurimento do tipo.
Desse modo, para a caracterização do crime contra a ordem tributária, é suficiente que a conduta omissiva ou comissiva objetivem alcançar a supressão ou redução de tributos.
No mesmo sentido, a responsabilidade tributária prevista no Código Tributário Nacional (CTN), em seu art. 135, inc. III, é também uma excelente auxiliar quando o assunto se trata de identificação do sujeito ativo dos crimes contra a ordem tributária, visto que, na acepção da lei seca do referido dispositivo, o fato de alguém figurar como diretor, gerente ou representante legal de uma empresa o identifica como o responsável pelo cuidado da parte financeira e/ou fiscal da empresa, pois é estando nessa condição que é possível instruir as entradas e saídas de produtos da empresa.
Em princípio, o administrador de uma empresa possui o domínio do fato de todas as atividades realizadas por esta, eis que age por intermédio da pessoa jurídica. Nesse contexto, geralmente o contrato social indica o administrador de fato da empresa. Essa individualização é um indício que gera a presunção de que este (em princípio e, até que, eventualmente, seja provado o contrário) é o emitente das linhas gerais de atuação da atividade empresarial. (Eisele, 2002, p. 50)
Nesse caso, presume-se que as orientações referentes aos atos praticados no exercício da atuação empresarial foram emitidas (ainda que de forma genérica, indireta ou implícita) pelo administrador de fato que comanda a pessoa jurídica, independentemente da designação que este receber (gerente, diretor etc.). (Idem Ibidem)
Ainda sobre o art. 135 do CTN, este dispositivo legal dispõe de um rol taxativo de todos os responsáveis, de forma pessoal, pelos créditos derivados do descumprimento das obrigações tributárias. No entanto, referido dispositivo não se aplica à esfera penal, pois há distinção entre a responsabilidade penal e a responsabilidade tributária – prevista no artigo 135, CTN, em que a responsabilidade penal limitou-se a apenas a cuidar daqueles que executam o núcleo do tipo penal, ora, tratando da teoria restritiva ou objetivo-formal adotada pelo Código Penal brasileiro vigente.
Diante dessa lacuna, com base na teoria do domínio do fato (ou teoria objetivo-subjetiva), o doutrinador Renato Brasileiro de Lima (2017, p. 156) evidencia que a autoria do fato criminoso compete a quem de fato domina a situação, aquele que possui o controle de tudo o que entra e sai da empresa sem que isso passe despercebido.
Nesse sentido, observa-se a teoria da responsabilidade subjetiva (a qual é regra do Direito Penal, em que, para que haja a responsabilidade, faz-se necessária a demonstração de dolo/culpa do agente) em harmonia com a ‘teoria do domínio do fato’, eis que, na qualidade de administrador, o agente atua em nome da pessoa jurídica para, por meio de conduta dolosa, omissiva ou comissiva, suprimir e/ou reduzir tributo, ou qualquer acessório, conforme os arts. 1º e 2º da Lei Federal no 8.137/90. (Novo, 2017, online).
Ademais, a referida harmonia entre ambas é possível, pois, a teoria do domínio do fato, a partir do conceito restritivo de autor, tem a pretensão de sintetizar os aspectos objetivos e subjetivos, caracterizando-se como uma teoria objetivo-subjetivo, isso porque, em que pese o domínio do fato supor um controle final, ‘aspecto subjetivo’, não requer somente a finalidade, mas também uma posição objetiva que determine o efetivo domínio do fato. (Idem Ibidem).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se demonstrar pelo presente artigo, a importância da Teoria do Domínio do Fato e a sua importância para que se passe a possibilitar a imputação aos verdadeiros administradores das empresas, os chamados administradores de fato. Desta forma, ficou demonstrado a relevância da análise, visto que verificou-se que é possível olhar para além dos atos constitutivos de uma empresa e perceber quem são os administradores reais, de modo que a referida teoria possibilita que estes sejam responsabilizados.
Nessa linha, findam-se encerrando imputações errôneas àqueles que apenas constam nos atos constitutivos, mas não possuem conhecimento tão amplo acerca das atividades da empresa nem têm como objetivo a prática de condutas delituosas quanto àqueles que administram de fato as empresas e se utilizam de terceiros para, indiretamente, concretizar a conduta ilícita final, que é a supressão ou redução do tributo.
Assim, percebe-se que a doutrina e a jurisprudência brasileiras vêm optando pela ampliação do conceito de autor do delito para alcançar o executor do núcleo do tipo penal e, principalmente, o agente que detém o controle final do fato, aquele que repensa estratégias para, mesmo mediante terceiros, infringir a legislação tributária, o que possibilita a atribuição da responsabilidade penal ao infrator, em que essa escolha reiterada pela teoria em tela, de forma genuína, vem ganhando cada vez mais espaço quando posta como um filtro da legislação tributária, indicando-se especificamente àquele que visa burlar as autoridades fiscais.
REFERÊNCIAS
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1 Acadêmico de Direito. E-mail: rubrianeinocencio@gmail.com. Artigo apresentado a Faculdades Integradas Aparício Carvalho (FIMCA), como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho/RO, 2024.
2 Professor Orientador. Professor do curso de Direito. E-mail: claudiorramos@gmail.com.