ANÁLISE DA RESPONSABILIDADE CIVIL ACERCA DE COBRANÇAS INDEVIDAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202411131259


Lucas Torrez Ribeiro1


RESUMO

O artigo tem relevância social e acadêmica, pois propõe uma perspectiva de discussão acerca do Direito, como ciência normativa, o qual busca e gera efetividade na pacificação social. A obtenção da paz social depende principalmente do desincentivo fornecido aos indivíduos que não exercem a autoproteção em troca daqueles que podem potencialmente causar-lhes danos. Nesse sentido, a pesquisa tem como escopo analisar a responsabilidade civil acerca das cobranças indevidas nas relações de consumo diárias, além de demonstrar como a jurisprudência tem se posicionado com relação ao tema, buscando a identificação das principais causas que venham a ensejar nas cobranças, bem como demonstrar os métodos e ferramentas auxiliares para que possam ser encontradas soluções com intuito de inibir e reduzir os danos causados aos consumidores. O estágio de desenvolvimento do conhecimento científico sobre o tema encontra-se sob a vertente de buscar a identificação da melhor resposta do Estado à análise da responsabilidade civil decorrente dos acidentes nas relações de consumo. Neste caso, a principal linha aplicada será a de analisar o papel da jurisprudência e ponderando suas limitações e garantindo eficiência nas soluções. Portanto, o método de pesquisa utilizado será através do estudo da legislação, bibliografia e doutrina para um melhor alcance de resultados.

Palavras-chave: Consumidor. Responsabilidade Civil. Cobrança Indevida. Jurisprudência.  

ABSTRACT

The article has social and academic relevance, as it proposes a perspective of discussion about Law, as a normative science, which seeks and generates effectiveness in social pacification. The attainment of social peace depends primarily on the disincentive provided to individuals who do not exercise self-protection in exchange for those who can potentially cause them harm. In this sense, the research aims to analyze the civil liability regarding undue charges in daily consumer relations, in addition to demonstrating how the jurisprudence, in attention to the State of Amazonas, has positioned itself in relation to the theme, seeking to identify the main causes that may give rise to the charges, as well as to demonstrate the methods and auxiliary tools so that solutions can be found in order to inhibit and reduce the damage caused Consumers. The stage of development of scientific knowledge on the subject is under the aspect of seeking the identification of the best response of the State to the analysis of civil liability arising from accidents in consumer relations. In this case, the main line applied will be to analyze the role of jurisprudence and pondering its limitations and ensuring efficiency in the solutions. Therefore, the research method used will be through the study of legislation, bibliography and doctrine for a better range of results.

Keywords: Consumer. Liability. Undue Charge. Jurisprudence

1 INTRODUÇÃO 

O estudo da responsabilidade civil em casos de cobranças indevidas nas relações de consumo é uma questão extremamente atual no atual contexto jurídico e social. Levando em consideração o aumento do número de transações comerciais e serviços digitalizados, é evidente que os casos de cobrança indevida têm se tornado gradualmente um fenômeno comum, com implicações de longo alcance para os consumidores. 

A relação entre o fornecedor e o consumidor é regulada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), que estabeleceu direitos e deveres com vistas a proteger o consumidor de práticas abusivas e garantir um relacionamento justo e adequado. Pode haver erros na fatura e isso pode levar a “cobranças indevidas” fraudulentas ou talvez apenas deixar de explicar as informações ao consumidor de forma clara. Isso não apenas viola o direito à informação, mas pode causar danos morais e materiais aos consumidores. 

A responsabilidade civil é revelada como um meio principal de compensar os danos causados ​​dessa forma. Uma análise sobre o assunto inclui o conhecimento dos conceitos que formam a responsabilidade objetiva e subjetiva. 

O artigo fará uma distinção entre responsabilidade civil objetiva e subjetiva. A responsabilidade objetiva não pressupõe a prova de culpa, mas apenas a prova de dano e causalidade direta e indireta, o que corresponde em grande parte às relações com os consumidores. A responsabilidade subjetiva pressupõe a prova de culpa pelo representante. 

A comparação epidemiológica é significativa para a avaliação de cobranças indevidas, pois, de um ponto de vista prático, muitos casos podem ser justificados pela tentativa de recorrer à teoria da responsabilidade objetiva, tornando assim o recurso à justiça para os consumidores lesados ​​um pouco mais fácil.

Além disso, é necessário investigar que tipo de impacto essas práticas de cobranças indevidas causam nas relações de consumo, portanto, considerações legais e conscientização entre os consumidores sobre seus direitos e os papéis dos fornecedores em evitar tais práticas precisam ser considerados.

Para atingir esse objetivo, os aspectos legais e práticos da responsabilidade civil referentes a cobranças indevidas serão desdobrados neste artigo. Além disso, a necessidade de uma relação de consumo justa e transparente será então interligada com o quão vital ela é do ponto de vista da proteção ao consumidor.

Este artigo explorará profundamente os aspectos legais e práticos da responsabilidade civil referente a taxas não divulgadas, discutindo não apenas as ramificações legais, mas também a necessidade de esclarecimento do consumidor e deveres corporativos sociais. A abordagem será revisar leis aplicáveis, casos e jurisprudência e casos específicos para auxiliar no mapeamento para melhor compreensão sobre como reduzir e se livrar dessas taxas para inaugurar um ambiente de consumo mais justo e transparente.

2 DO CONCEITO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil é um princípio jurídico fundamental que visa a reparação de danos causados a terceiros, seja em decorrência de ações, omissões ou práticas que violam direitos. Esse conceito é essencial para a convivência social e a proteção de direitos, servindo como um mecanismo de justiça e reparação em casos de injustiças e prejuízos.

A ideia de responsabilidade tem sido um pilar nas relações humanas desde o início da história, com vestígios do seu início encontrados já nos Códigos de Hamurabi e Manu, por volta de 200 AC. No entanto, curiosamente, até a palavra “responsabilidade” tem as suas raízes sugerindo o Direito Romano, onde o termo spondeo era usado. Essa palavra peculiar, porém, expressiva, desempenhou um papel nos contratos verbais entre credor e devedor, vinculando-os por meio do compromisso: aspecto retratado durante a condução das obrigações contratuais entre ambas as partes envolvidas nas transações financeiras.

O vocábulo responsabilidade provém do verbo latino respondere, de spondeo, que significava garantir, responder por alguém, prometer. No Direito Quiritário, o devedor se obrigava perante o credor, nos contratos verbais, respondendo à sua indagação com a palavra spondeo (prometo).

A referência feita anteriormente à origem romana do spondeo delineia uma relação de responsabilidade que ligava indivíduos ou sujeitos jurídicos em situações factuais com raízes intrínsecas, se não inteiramente exclusivas, mas principalmente também enraizadas no âmbito fora do domínio meramente jurídico.

Sobre o tema, merece destaque as lições de Miragem (2021, p. 3):

Há responsabilidade quando se viola o dever jurídico original, tal como não matar outra pessoa, não tomar para si o que não lhe pertence ou não ofender a integridade de pessoal alheia […]. Na famosa fórmula romana, celebrada nas Institutas de Gaio, honeste vivere alterum non laedere, suun cuique tribuere (viver honestamente, não causar dano a outrem e dar a cada um o que é seu), a revelar os próprios fins do direito. acepção jurídica, posteriormente associada à noção de obrigação.

Embora se atribua aos romanos a origem do termo responsabilidade, é interessante notar que eles não estabeleceram realmente o conceito de responsabilidade civil na forma como a entendemos hoje. Isto porque não inventaram uma noção geral de compensação por perdas. Na realidade, o direito romano tratava de casos específicos de danos, mas não formulava uma descrição universal do crime que implicasse responsabilidade por todos os casos de danos resultantes.

Superada esta breve descrição da origem da responsabilidade, devemos agora estabelecer uma definição desta instituição que possa servir de guia para a compreensão do nosso trabalho. A responsabilidade em termos quotidianos está frequentemente associada a ideias de obrigação ou de estar no comando, mas é crucial que coloquemos o conceito num quadro jurídico. Comecemos com uma visão proeminente apresentada por Sílvio de Salvo Venosa:

O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato ou negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar. Desse modo, o estudo da responsabilidade civil abrange todo o conjunto de princípios e normas que regem a obrigação de indenizar. Os princípios da responsabilidade civil buscam restaurar um equilíbrio patrimonial e moral violado. Um prejuízo ou dano não reparado é um fator de inquietação social.

Para Nader (2016, p. 34), “a responsabilidade civil possui um significado técnico específico:  refere-se à situação jurídica de quem descumpriu determinado dever jurídico causando danos material ou moral a ser reparado. Destaca esse autor, ainda:

A responsabilidade civil implica duas ordens de deveres: uma, de natureza primária, em que se exige do agente o cumprimento de determinado dever […]; outra, de ordem secundária, quando o agente descumpre o dever, gerando com a sua conduta uma lesão, ao patrimônio ou à pessoa, a ser reparada mediante indenização pecuniária.

Outro aspecto da responsabilidade civil, na interpretação de Sergio Cavalieri Filho, trata do dever jurídico secundário que surge após a violação do dever jurídico primário. Trata-se de um dever de compensar a perda resultante da violação de outro dever, ou seja, neste conceito é necessário entender o dever jurídico primário como uma obrigação e o dever jurídico secundário precisamente como responsabilidade civil.

A única observação que vale a pena mencionar é que existem defensores da ideia de que o dever de compensar (responsabilidade) também pode surgir sem violação de um dever específico como o dever de compensar que surge de danos causados ​​por atos ilícitos e é justificado no âmbito jurídico. sistema. Uma visão diferente desta definição defendida por autores como Sergio Cavalieri Filho, mas apoiada por Bruno Miragem.

2.1 Cobranças indevidas como violação dos Direitos do Consumidor

Taxas excessivas constituem uma violação flagrante dos direitos dos consumidores. Isto contraria as normas básicas previstas no Código de Defesa do Consumidor (CDC), entre outros dispositivos legais, que determinam o que deve ser concedido aos consumidores. É esta má prática – em que vendedores ou prestadores de serviços impõem custos aos compradores sem justificação ou base num acordo inicial – que provoca danos psicológicos e monetários aos consumidores que são vítimas.

Os compradores têm direito a receber detalhes claros, corretos e abrangentes dos produtos e serviços que adquirem como um direito básico. Cobranças injustificadas violam este direito ao introduzir custos que não foram previamente acordados ou notificados.

O princípio da boa-fé é uma parte muito importante das relações de consumo. Implica que os fornecedores devem ser honestos, éticos e abertos ao lidar com os consumidores. A imposição de cobranças injustificadas ilustra a ausência de boa-fé por parte do fornecedor, estão a agir de forma egoísta em seu próprio benefício, o que vai contra o que os consumidores têm a ganhar.

O desequilíbrio causado por cobranças injustificadas distorce a dinâmica contratual entre consumidor e fornecedor, dando origem a uma situação repleta de injustiça e desigualdade. Neste cenário, os consumidores pagam contas por serviços não prestados ou taxas não autorizadas, uma clara violação dos princípios contratuais equitativos.

O CDC desaprova as más práticas dos fornecedores, nomeadamente a faturação indevida, que equivale a abuso, uma vez que tira partido da vulnerabilidade do consumidor e inflige danos sem justificação.

O consumidor mantém a prerrogativa de discordar de cobranças indevidas e tentar resolver a questão. Isso implica exigir a retificação dos encargos, a recuperação dos valores pagos indevidamente – que têm direito a receber – e, às vezes, até a indenização pelos danos causados.

Em resumo, taxas injustas resultam não só em perdas monetárias para os clientes, mas também constituem uma grave violação dos seus direitos básicos. É importante que os clientes conheçam os seus direitos e defendam a justiça e a abertura dos prestadores de serviços, isto ajuda a promover relações de consumo justas e equitativas, onde todas as partes são equitativas.

2.2 Distinção entre cobrança indevida e erro administrativo

Há autores que olham para o fundamento jurídico da responsabilidade por cobranças nas relações de consumo de forma injusta, como Claudia Lima Marques (1992), que enfatiza que o CDC estabelece uma série de direitos e garantias do consumidor incluindo o direito de ser informados de forma correta e clara sobre produtos e serviços, direito à proteção contra práticas abusivas e direito à indenização por danos decorrentes de condutas ilícitas de fornecedores. 

Além disso, Marques (1992) enfatiza que a violação de direitos sublinha que as acusações indevidas podem ser tratadas como um abuso – de acordo com a definição fornecida pelo CDC. Por último, Marques (1992) aprofunda-se no estudo da jurisprudência em torno dos casos de honorários injustificados. Aqui ele aponta decisões judiciais que estabelecem a responsabilidade dos vendedores por más práticas comerciais inescrupulosas e reconhecem o direito dos consumidores a uma compensação (perdas pecuniárias e não pecuniárias) por tais encargos.

De acordo com Nunes, em seu livro “Curso de Direito do Consumidor”:

A cobrança indevida configura-se pela exigência de pagamento de valores não devidos pelo consumidor, constituindo uma prática abusiva e passível de devolução em dobro, conforme estabelece o artigo 42 do CDC. Em contraste, o erro administrativo, caracterizado por uma falha operacional sem intenção maliciosa, requer correção imediata pelo fornecedor, sem necessariamente implicar as mesmas penalidades severas.

O conceito de cobrança indevida é elaborado por Vasconcellos e Benjamin (2018, p. 123) como o ato de pedir valores indevidos que geralmente vêm acompanhados de atos abusivos ou más intenções; por outro lado, o erro administrativo decorre de falhas de sistema onde é necessária a pronta retificação da empresa, sem qualquer penalização do consumidor.

Entre as principais dificuldades dos consumidores está a cobrança indevida, amplamente tratada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), que visa garantir práticas comerciais justas e transparentes e ao mesmo tempo proteger os direitos do consumidor. 

3 COBRANÇA INDEVIDA NO CONTEXTO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC)

O CDC foi instituído através da Lei 8.078/1990 e estabelece uma ampla gama de direitos e garantias do consumidor que visam salvaguardar os consumidores contra quaisquer práticas abusivas. Alguns princípios fundamentais incluídos na legislação são: reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor; exigência de boa-fé dos operadores comerciais para com os consumidores; observância da equidade e transparência nas relações comerciais entre as partes.

Um entendimento consolidado da jurisprudência brasileira é que acusações repetidas ou de má-fé resultariam em direito a dupla indenização – especialmente se houver indícios de má-fé. Casos emblemáticos servem como fortes lembretes da importância da proteção do consumidor contra abusos e práticas enganosas.

Nery (2018) ressalta que o artigo 39 do CDC desempenha um papel crucial na coibição de práticas abusivas, conforme descrito na seção V. Mais especificamente, é elaborado pelo autor que pedir vantagem manifestamente excessiva ao consumidor é visto como uma atitude abusiva e prática ilícita. A proteção inclui taxas de serviços não solicitadas – também tarifas e taxas sem pré-acordo em termos claros e transparentes – assim observadas nesta disposição.

Outro aspecto destacado por Nery (2018) diz respeito à cobrança de dívidas. Ele ressalta que o objetivo desse procedimento é proteger o consumidor dos métodos humilhantes ou de assédio utilizados durante as cobranças. Ele prossegue dizendo que caso seja feita uma cobrança incorreta, o consumidor tem direito à restituição do dobro do valor pago, acrescido de correção monetária e juros legais, a menos que seja por erro compreensível; esta disposição específica é vista por ele como uma tentativa de desencorajar práticas de cobrança injustas e, ao mesmo tempo, compensar adequadamente aqueles que sofreram perdas como resultado.

O autor fala sobre os direitos básicos do consumidor que estão consagrados no artigo 6º do CDC. Sublinha a importância de garantir que os consumidores sejam protegidos do que é denominado cláusulas abusivas e apela à transparência nas informações a serem disponibilizadas ao consumidor. Segundo Nery Junior, esse ato estabelece o equilíbrio nas relações de consumo: um ato onde a parte mais fraca – que normalmente é o consumidor – fica protegida de qualquer abuso por parte dos fornecedores, que em sua maioria são acusados ​​de tirar vantagem devido à sua posição.

3.1 Proteção contra cobranças abusivas 

As cobranças abusivas são práticas que ferem os direitos dos consumidores e podem se manifestar de diversas formas, como a exigência de valores indevidos, a falta de clareza nas informações sobre dívidas e a utilização de métodos coercitivos de cobrança. Para proteger os consumidores contra essas práticas, existem várias legislações e mecanismos legais que visam garantir um tratamento justo e transparente nas relações de consumo.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) garante aos consumidores o direito de contestar cobranças injustificadas. O objetivo deste processo é garantir que o consumidor não sofra danos por pagamentos que não correspondam aos serviços ou produtos para os quais foram efetivamente efetuados.

Vários autores conhecidos do direito do consumidor abordam a disputa de cobranças injustas, oferecendo recomendações e discussões sobre formas como os consumidores podem se defender e obter compensação quando cobranças injustas lhes são impostas. Um autor notável é Marques (1992), que discute:

A cobrança indevida, além de representar um ato abusivo, fere os princípios da boa-fé e da transparência nas relações de consumo. O artigo 42 do CDC é claro ao prever a devolução em dobro, o que serve como medida pedagógica para desencorajar tais práticas.

Já Nery (2018) explica que:

O artigo 42 do CDC estabelece que, na ocorrência de cobrança indevida, o consumidor tem direito à devolução em dobro do valor cobrado, salvo engano justificável. Este dispositivo legal visa proteger o consumidor contra práticas desleais e garantir que ele seja devidamente ressarcido.

A proteção contra cobranças abusivas é uma questão crucial nas relações de consumo, e a legislação brasileira fornece um arsenal de ferramentas para garantir que os direitos dos consumidores sejam respeitados. 

O Código de Defesa do Consumidor, juntamente com instituições de defesa, regulação e a educação do consumidor, desempenham um papel vital na promoção de um ambiente de consumo mais justo e equilibrado. É fundamental que os consumidores conheçam seus direitos e saibam como se defender em situações de abusos, contribuindo assim para uma sociedade mais justa e respeitosa nas relações comerciais.

Esses escritores estabeleceram uma base sólida de regras ambiciosas, a fim de proteger-se de acusações injustificadas. A conscientização do consumidor é fundamental quando se trata de impedir cobranças injustificáveis. Estar bem ciente dos seus direitos e das medidas a tomar quando confrontado com situações de cobrança abusiva são avanços importantes no sentido de garantir a proteção nas relações dos consumidores.

3.2 Procedimento para contestação de cobrança indevida

O direito do consumidor cobrado indevidamente de ter o pagamento indevido repetido em valor igual ao dobro do que pagou a maior é garantido pelo artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), bem como correção monetária e juros legais salvo erro da sua parte é justificável. 

Se a cobrança for injustificada, é preciso examinar meticulosamente qualquer papelada ou fatura recebida e manter toda a documentação de suporte, como recibos, correspondências, SMS ou qualquer outro rastro de papel referente à transação.

Pode-se fazer referência à Súmula 480 do STJ, que indica claramente que a má-fé que leva à dupla restituição não pode ser presumida apenas a partir do recebimento de valor indevido – não implicando, portanto, automaticamente a dupla restituição sem comprovação de má-fé por parte do credor. 

O Acordão 1762889 deixa claro que para que seja devida a repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que foi pago em excesso, deve ser comprovada a má-fé de quem efetuou a cobrança da quantia indevida de acordo com a regra prevista no art. 940 do Código Civil:

APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ENTIDADE FECHADA DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. MÁ-FÉ. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DANOS MORAIS. COISA JULGADA. COBRANÇA INDEVIDA. COPARTICIPAÇÃO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. SUPERIOR À MÉDIA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO EXPRESSA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. 1. Na presente hipótese as questões submetidas ao conhecimento deste Egrégio Tribunal de Justiça consistem em definir: a) se a relação jurídica processual se encontra albergada pela coisa julgada nos autos do processo que veiculou ação anteriormente proposta; b) a eventual condenação da ré ao pagamento, em dobro, de quantias indevidamente cobradas, c) se ocorreu má-fé nas aludidas cobranças; e d) a possibilidade de majoração do montante da indenização por danos morais. 2. O enunciado nº 563 do Colendo Superior Tribunal de Justiça enuncia que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às entidades abertas de previdência complementar”, mas não nos contratos celebrados com entidades fechadas. 3. A respeito da caracterização da coisa julgada é necessário saltar que uma demanda é igual a outra nos casos de identidade de partes, causa de pedir e pedido. 3.1. Não pode ser acolhida a preliminar de ausência de originalidade da demanda no presente caso, pois os pedidos respectivos são distintos. 4. O laudo pericial elaborado concluiu que há abusividade nas cobranças impugnadas, em virtude da capitalização de juros superior à média. 5. Para que seja devida a repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que foi pago em excesso, deve ser comprovada a má-fé de quem efetuou a cobrança da quantia indevida de acordo com a regra prevista no art. 940 do Código Civil. 5.1. Na hipótese dos autos não está evidenciada a má-fé da entidade demandada. 6. A ré é entidade fechada de previdência privada complementar sob a modalidade de autogestão e seu patrimônio, bem como os respectivos rendimentos auferidos, são integralmente aplicados na concessão e na manutenção do pagamento dos benefícios, o que afasta o intuito lucrativo e a natureza comercial das atividades desempenhadas. 7. A indenização do dano moral tem a finalidade de punir e alertar o ofensor, de modo que passe a proceder com maior cautela em situações semelhantes (efeitos sancionador e pedagógico), sem, contudo, ensejar o enriquecimento sem causa da ofendida. 7.1. Assim, sopesados todos os parâmetros acima descritos, o valor fixado na respeitável sentença recorrida deve ser mantido, por se mostrar proporcional à gravidade das ofensas perpetradas pela ré em desfavor da autora. 8. Recurso interposto pela demandante conhecido e desprovido. Recurso manejado pela demandada conhecido e desprovido.
(Acórdão 1762889, 07174833220208070001, Relator: ALVARO CIARLINI, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 20/9/2023, publicado no DJE: 13/10/2023.)

Em casos em que não se comprova a má-fé, a jurisprudência tem admitido a devolução simples, ou seja, a restituição do valor cobrado indevidamente sem a multiplicação por dois.

4 RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR

Incorporando o conceito de responsabilidade objetiva do fornecedor previsto no artigo 14.º, o CDC assume a responsabilidade de indenizar os consumidores, independentemente de a culpa ser ou não comprovada, por quaisquer danos resultantes de defeitos na prestação do serviço.

A responsabilidade objetiva do fornecedor é um conceito jurídico que estabelece que o fornecedor é responsável por danos causados ao consumidor independentemente de culpa. Isso significa que, mesmo que o fornecedor não tenha agido com negligência ou má-fé, ele pode ser responsabilizado pelos prejuízos decorrentes de produtos ou serviços que não atendam às expectativas de segurança ou qualidade.

Entre as características da responsabilidade objetiva estão a base legal, presunção de culpa, danos cobertos, exceções e âmbito de aplicação. A responsabilidade objetiva está prevista no Código de Defesa do Consumidor (CDC), especialmente no artigo 12, que trata da responsabilidade por produtos e serviços.

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. BANCO. EMPRÉSTIMO. NEGÓCIO JURÍDICO CELEBRADO MEDIANTE FRAUDE. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADA. RISCOS DA ATIVIDADE ECONÔMICA. CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR DA INDENIZAÇÃO FIXADO EM PARÂMETROS RAZOÁVEIS E PROPORCIONAIS. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA 1. A legitimidade para causa pode ser analisada segundo a Teoria da Asserção ou a Teoria Ecléstica de Liebman, segundo à qual, é preciso que haja a pertinência subjetiva do titular da relação jurídica de direito material. Exige-se a existência de um vínculo entre os sujeitos da demanda e a situação jurídica afirmada, que lhes autorize figurar no polo ativo e passivo da ação, pois ninguém pode pleitear em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei. 2. O banco que permite a contratação de empréstimos sem a anuência do autor, mediante fraude praticada por terceiros, atua como fornecedor de produtos e serviços, nos termos do artigo 3º, do CDC, e possui, em razão disso, legitimidade para compor o polo passivo de demanda que objetiva a declaração de inexistência de débitos e o ressarcimento pelos prejuízos sofridos. 3. É inegável que as Instituições Financeiras estão cientes do tipo de fraude em que o estelionatário se passa por seu representante e utiliza mecanismos pessoais e intransferíveis dos clientes para realizar o golpe. Com acesso a ampla tecnologia e informações capazes de impedir tais fraudes, é essencial reconhecer o dever do banco de cuidar e proteger seus clientes, o que inclui a análise dos padrões de gastos. 3.1 Assim, mesmo que o consumidor, vítima de estelionatários, tenha sido induzido ao erro de forma fraudulenta, os danos resultantes, quando ultrapassam os padrões de consumo do cliente, são classificados como fortuito interno da atividade bancária e devem ser absorvidos pelo fornecedor. 4. De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, as instituições bancárias são responsáveis pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos na prestação dos serviços, independentemente de culpa. A súmula nº 479 do STJ reforça essa responsabilidade, afirmando que “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.” 5.  Os danos morais se caracterizam pela ofensa ou violação dos bens de ordem moral de uma pessoa, ou seja, representam lesão aos direitos da personalidade do indivíduo, conforme previsto expressamente no artigo 186 do Código Civil e no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal. O valor de R$ 7.000,00 a título de danos morais é suficiente para atender ao caráter pedagógico da indenização. 6. Apelação conhecida e desprovida.
Acórdão 1884298, 07128316420238070001, Relator: RENATO SCUSSEL, Segunda Turma Cível, data de julgamento: 26/6/2024, publicado no DJe: 18/7/2024.  

Ao contrário da responsabilidade subjetiva, onde é necessário provar a culpa (negligência, imprudência ou imperícia), na responsabilidade objetiva a culpa não precisa ser demonstrada. O simples fato do dano e da relação de consumo é suficiente para a responsabilização. A responsabilidade do fornecedor inclui tantos danos materiais (perda ou danos a bens) quanto danos morais (aflições, sofrimento) causados ao consumidor.

O fornecedor pode se isentar da responsabilidade se provar que o dano foi causado por culpa exclusiva do consumidor ou que o dano ocorreu de força maior ou caso fortuito. A responsabilidade objetiva se aplica a todos os fornecedores, incluindo fabricantes, importadores, distribuidores e vendedores.

Em relação as implicações práticas, a proteção ao consumidor visa protegê-lo, garantindo que ele tenha um recurso para reivindicar danos sem a necessidade de provas complicadas. Já o aumento de cautela, os fornecedores tendem a ser mais cautelosos em relação à qualidade e segurança de seus produtos e serviços, pois a responsabilidade objetiva os torna mais vulneráveis a ações judiciais.

A responsabilidade objetiva do fornecedor é uma ferramenta importante para assegurar a proteção do consumidor, promovendo um mercado mais justo e responsável. Ela coloca a segurança do consumidor em primeiro plano e incentiva práticas comerciais mais éticas e cuidadosas.

4.1 Da jurisprudência do STJ

O STJ consolidou a interpretação de que a responsabilidade do fornecedor pelos danos causados ​​ao consumidor é absoluta sem obrigação de comprovação da culpa. Em vez disso, apenas estabelecendo a relação causal entre a deficiência no serviço e a perda sofrida pelo consumidor. É responsabilidade do fornecedor garantir um faturamento livre de erros após análise adequada: a falha convida à responsabilidade pelos danos resultantes (inclusive danos morais) quando tal erro gera inconvenientes significativos para o consumidor, por exemplo, declaração incorreta nas listagens de inadimplentes.

EMENTA
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR. DANO MORAL IN RE IPSA. DESNECESSIDADE DE PROVA DO PREJUÍZO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. CRITÉRIOS. 1. A inscrição indevida de nome em cadastro de inadimplentes enseja a reparação por dano moral, cujo prejuízo se presume (in re ipsa), dispensando-se a demonstração de efetivo prejuízo. 2. A responsabilidade do fornecedor de serviços é objetiva, bastando a demonstração do defeito na prestação do serviço, do dano e do nexo causal entre ambos. 3. A revisão do valor fixado a título de indenização por dano moral só é possível em sede de recurso especial quando o valor se mostrar irrisório ou exorbitante. 4.Recurso especial conhecido em parte e provido para reduzir o valor da indenização por danos morais para R$ 7.000,00 (sete mil reais).

Nas ações de indenização originadas de relações de consumo, não é do consumidor o ônus de provar o defeito do produto, bastando que demonstre a relação de causa e efeito entre o produto e o dano – o que faz presumir a existência do defeito. Por outro lado, na tentativa de se eximir da obrigação de indenizar, é o fornecedor quem precisa comprovar, de forma cabal, a inexistência do defeito ou alguma outra excludente de responsabilidade.

A responsabilidade civil por cobranças indevidas nas relações de consumo é uma ferramenta que a lei coloca à disposição de qualquer consumidor para proteger os seus direitos. É essencial. O CDC e a jurisprudência do STJ já resolveram essa questão, sendo as reclamações envolvendo fornecedores passíveis de análise objetiva. Isso significa que deverão responder por todos os danos causados, inclusive os morais, e devolver em dobro o que foi cobrado indevidamente, salvo se demonstrarem erro de sua parte ou qualquer outra causa justificativa. A proteção não se destina apenas a proteger os consumidores, mas também a garantir um mercado justo onde se pode encontrar confiança, o que, em última análise, conduz ao equilíbrio entre ambas as partes envolvidas em qualquer relação comercial: um vendedor versus um comprador.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inspeção da responsabilidade civil referente a cobranças indevidas nas relações de consumo revela a complexidade e a importância dessa questão no contexto jurídico e social contemporâneo. Toda a questão, é um custo que vai além da violação dos direitos dos consumidores à quebra de confiança no que diz respeito às relações comerciais, indicando práticas que podem ser vistas como abusivas e até ilegais.

O Código de Proteção ao Consumidor fornece uma estrutura legal bastante robusta para a proteção do consumidor, ele prevê que práticas de cobrança indevidas são compensáveis. A distinção entre responsabilidade objetiva e subjetiva é importante na medida em que a responsabilidade objetiva torna mais fácil para os consumidores buscarem soluções, uma vez que eles não precisam provar a culpa do fornecedor. Isso é relevante em uma situação em que a influência econômica das empresas geralmente supera a fraqueza dos consumidores.

Além de quantificar danos materiais, a outra face da lâmina também considera o sofrimento emocional e psicológico que cobranças excessivas impõem a uma pessoa. A concessão de danos exemplares representa um passo gigante na lei e, como tal, ressalta a necessidade imperativa de uma atitude humana em relação aos consumidores. Tal abordagem é crucial para que o sistema legal deixe de ser apenas reparador, mas também um que aumente a dignidade humana e o valor nas interações entre consumidores e fornecedores.

Outro aspecto que este estudo aborda diz respeito à educação do consumidor e à responsabilidade social corporativa. É essencial conscientizar os consumidores sobre seus direitos e deveres em suas negociações para que não sejam explorados e para promover práticas comerciais éticas. As organizações, portanto, precisam seguir relacionamentos transparentes e atenciosos com seus clientes, evitando erros que levariam a cobranças indevidas.

Em suma, a responsabilidade civil em casos de cobranças indevidas é um tema que requer atenção contínua tanto do legislador quanto da sociedade civil. À medida que as dinâmicas de consumo evoluem, é imperativo que as proteções legais acompanhem essas mudanças, garantindo que os consumidores sejam respeitados e seus direitos preservados. Somente assim será possível construir um ambiente de consumo mais justo, onde a confiança e a transparência sejam valores centrais nas relações comerciais.

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. Manual de Direito do Consumidor. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2018.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990.

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 1Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro. E-mail: Lucastorrez8055@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0009-0001-5835-4536