ANÁLISE DA CONDENAÇÃO EXTRA VEL ULTRA PETITUM E SUA APLICABILIDADE NO BRASIL E EM PORTUGAL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202407300939


Paulo Ubiratan Morais Aguiar


RESUMO: O presente trabalho trata-se do estudo analítico da condenação extra vel ultra petitum e sua aplicabilidade no Brasil e em Portugal. Essa análise demonstra grande relevância para o meio acadêmico, oportunizando melhor compreensão de sua aplicação no território nacional e em solo Português. Sua análise expõe a dinamicidade da aplicação do tema no ordenamento jurídico. Dessa forma, verifica-se as ocasiões em que existe a incidência de normas que viabilizam a aplicação da condenação extra vel ultra petitum no caso concreto. Assim sendo, sob um aspecto legalista será mostrado os fundamentos jurídicos que justificam sua aplicação na resolução de uma lide no caso concreto. Assim sendo, será objetivado revelar a motivação para a criação ou manutenção de normas que resguardem sua aplicação. Por fim, pretende-se analisar o tema sobre o aspecto histórico, legal e social, comentando sobre sua materialização na sociedade e as barreiras impostas por diversos fatores que incidem sobre todos aqueles que litigam na justiça à relação laboral.

Palavras Chaves: Análise. Aplicação. Direitos. Trabalho. Condenação.

ABSTRACT: The present work deals with the analytical study of the extraneous ultra petitum conviction and its applicability in Brazil and Portugal. This analysis demonstrates great relevance for the academic environment, providing a better understanding of its application in the national territory and on Portuguese soil. His analysis exposes the dynamicity of the application of the theme in the legal order. In this way, it is verified the occasions in which there are the incidence of norms that make possible the application of the extraneous ultra petitum judgment in the concrete case. Thus, under a legalistic aspect will be shown the legal grounds that justify its application in the resolution of a lide in the concrete case. Therefore, it will be aimed to reveal the motivation for the creation or maintenance of norms that protect its application. Finally, we intend to analyze the theme on the historical, legal and social aspect, commenting on its materialization in society and the barriers imposed by several factors that affect all those that litigate in the justice to the labor relation.

Keywords: Analysis. Application. Rights. Work. Conviction.

INTRODUÇÃO

Para se analisar o tema proposto faz necessário abordar a seara principiológica para a melhor compreensão dos aspectos relativos aos limites da disponibilidade dos direitos laborais dentro da esfera dos tribunais.

Ao analisar os princípios laborais o doutrinador Renato Saraiva (2013) esclarece que o princípio da irrenunciabilidade de direitos foi prestigiado pelo artigo 9.º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), quando esta dispõe que: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação” (Brasil, 1943).

Segundo o referido jurista, o princípio transforma os direitos dos trabalhadores em irrenunciáveis, indisponíveis e inderrogáveis, legando importante mecanismo de proteção ao trabalhador diante da pressão cometida pelo empregador.

Nesse sentido, o jurisconsulto Gustavo Cisneiros (2016) ensina que o princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas deriva da imperatividade das regras trabalhistas, traduzindo a inviabilidade de o empregado poder, salvo exceções, desprender-se dos direitos e garantias legais. Dessa forma, o empregado não pode escambar direitos laborais, tampouco renunciar.

Na transação judicial não se aplica o referido artigo, haja vista que o juiz do trabalho atuará de forma decisiva, sendo seu o ato homologatório necessário para a concretização da conciliação. A priori, também não incide nas comissões de conciliação prévia, em face da participação obrigatória do sindicato da categoria profissional (Brasil, 1943, artigo 625-E, § único).

Vale ressaltar que o empregado deve observar os termos do artigo 625-D: “Qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria”, no momento de submeter sua pretensão. 

A jurisprudência vem amenizando o peso do princípio, como no caso em que o empregado pode abrir mão do aviso-prévio, quando já conseguiu um novo emprego (Súmula 276 do Tribunal Superior do Trabalho), ou de optar por um novo regulamento empresarial, renunciando ao anterior (Súmula 51 do Tribunal Superior do Trabalho).

PRINCÍPIO DA DEMANDA

Segundo Carlos Henrique Bezerra Leite (2010) na esfera civil, o poder de provocar a tutela jurisdicional foi entregue à própria parte interessada, isto é, àquela que se sentisse atingida pelo comportamento alheio, podendo ela vir a juízo apresentar a sua pretensão, assim como dela desistir, respeitadas as exigências legais.

O princípio da demanda ou da inércia da jurisdição, é emanação do princípio da livre-iniciativa. Sua residência legal está no artigo 2º do Código de Processo Civil Brasileiro, que diz: “O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei” (Brasil, 2015, art. 2°).

Vale dizer, o nosso sistema adota o princípio romano nemo judex sine actore, ou seja ninguém é juiz sem autor (Montans de Sá; Freire, 2012). Percebe-se dessa forma que o sistema confere às pessoas o poder dispositivo, sendo certo que “esse poder dispositivo é quase absoluto, no processo civil, mercê da natureza do direito material que se visa a atuar. Sofre limitação quando o direito material é de natureza indisponível, por prevalecer o interesse público sobre o privado” (Grinover apud Magalhães, 1999, p. 168).

No direito processual do trabalho, há algumas exceções ao princípio da demanda, uma vez que neste setor especializado há previsão, por exemplo, da reclamação trabalhista instaurada por ofício oriundo da Delegacia Regional do Trabalho (CLT, art. 39), da execução promovida ex officio pelo juiz (CLT, art. 878) e da “instauração da instância” pelo juiz presidente do Tribunal, nos casos de greve (CLT, art. 856).

ANÁLISE DA CONDENAÇÃO EXTRA VEL ULTRA PETITUM

A discussão judicial tem no seu fundamento um conflito de interesses sobre determinada situação, cuja finalidade é sua solução. Para que isto aconteça, é necessário que seja formulada uma pretensão diante do Tribunal, pedindo o seu pronunciamento. Assim “o pedido revela-se como a razão de ser da decisão judicial”, sendo vedado ao Tribunal condenar em objeto diverso ou em quantidade superior ao que foi pedido, como também conhecer de questões não suscitadas pelas partes, ficando, portanto, limitado ao pedido da parte (Silva, 2008).

As partes, dispõem da autonomia em determinar o objeto do processo e vê-lo respeitado pelo julgador. Faz-se necessário realçar a limitação dos poderes de condenação, prescrita no artigo 609º, nº 1, “é a expressão do princípio ne eat iudex ultra petita partium, que corresponde “no campo do direito processual civil” à autonomia da vontade, “que caracteriza os direitos subjetivos”. Sua violação implica a nulidade da sentença, conforme dispõe o artigo 615º, nº 1, al. e) do Código de Processo Civil Português (Portugal, 2013).

No Direito Processual do Trabalho, a orientação consagrada no artigo 74º do Código de Processo do Trabalho português (Portugal, 1999, art. 74°) diverge deste entendimento, ao prever que:

O juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.

O artigo 74º do Código de Processo do Trabalho português, quando impõe ao juiz o dever de condenar “e quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso”, confirma que essa orientação é totalmente oposta à do direito processual comum. Essa diferença dá-se por serem as normas laborais de interesse e ordem pública, uma vez que têm por finalidade proteger o trabalhador e manter a harmonia social.

O princípio favor laboratoris (Martinez, 2012) deve ser entendido numa perspectiva histórica, sem uma aplicação prática. O Direito do Trabalho não se estabeleceu para defender os trabalhadores contra os empregadores, mas defende um interesse geral.

Na legislação brasileira, a condenação extra vel ultra petitum se apresenta de maneira esparsa. Diferente da legislação portuguesa na forma do artigo 74º do Código de Processo do Trabalho português.

A CLT permite, expressamente, que o juiz decida ultra ou extrapetição. De uma maneira simplista como no artigo 467 que permite que o juiz determine o pagamento das verbas rescisórias incontroversas com acréscimo de 50%, no caso do pagamento não ser efetuado pelo réu na primeira audiência, mesmo que não tenha sido feito o pedido pelo autor. Já o artigo 496 da CLT permite que o Tribunal do Trabalho converta o pedido de reintegração feito pelo empregado estável em indenização, se for comprovada a incompatibilidade do retorno deste ao serviço, mesmo que não tenha sido pedida a reintegração.

Situação semelhante acontece quando o empregado requer a liberação das guias de seguro-desemprego e estas não são fornecidas. O artigo 137 da CLT, no seu § 2º, estabelece que a sentença comine com pena diária de 5% (cinco por cento) do salário-mínimo em favor do empregado, mesmo sem ser pedida.

Verifica-se que as regras contidas nos artigos acima citados são dirigidas ao juiz e não às partes. São consideradas normas de ordem pública e por esta razão o juiz deve aplicá-las, independentemente de pedido expresso.

A jurisprudência brasileira, nos casos de incidência do princípio da ultra ou extrapetição, tem fundamentado suas decisões levando em consideração a informalidade do Processo do Trabalho, sendo esta a razão da não aplicação do artigo 769 da CLT, que indica o Direito Processual comum como fonte subsidiária.

Ressalta ainda que a tarefa de aplicação do direito é do Julgador, a teor do princípio narra mihi factum dabo tibi ius, concluindo que basta que se apresentem os fatos para que se verifique o seu enquadramento nas normas jurídicas em vigor, sem que tal procedimento configure julgamento extra petita (Martins, 2012).

Raul Ventura (1964) considera adjetiva a expressão ultra petitum, e, portanto, outra forma de caracterizar o pedido, definindo-a como a possibilidade de pronunciar o juiz uma sentença conforme a pretensão substantiva juridicamente possível.

Assim o juiz, diante das divergências apresentadas, pode conformar-se obrigatoriamente com o pedido e julgá-lo procedente ou improcedente, não condenando em quantidade superior ou inferior ou coisa diversa, como também pode não se conformar, obrigatoriamente, com a pretensão deduzida do pedido, e determinar ou convidar, à sua adequação quantitativa ou qualitativa, a pretensão juridicamente possível.

O artigo 74º do Código de Processo do Trabalho português consagra a condenação extra vel ultra petitum e concede ao juiz o poder de condenar, levando em consideração a matéria provada e os fatos notórios de conhecimento geral, ou seja, aqueles de que a maioria do público tem conhecimento, como também aqueles que são conhecidos pelo Tribunal.

Miguel Teixeira de Sousa (1983), pronunciando-se sobre a matéria de fato, considera que, em casos eventuais, o Tribunal pode apreciar oficiosamente matéria de fato e acrescenta que, mesmo sendo improvável, o fato de conhecimento notório pode ser desconhecido do tribunal e pode ser objeto de atividade probatória das partes.

Analisando a sentença no Processo Civil Português (Portugal, 2013), ao contrário do processo do trabalho, não existe possibilidade de condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que foi pedido, de acordo com o artigo 609º, nº 1, podendo ser decretada nula conforme o artigo 615º, nº 1, alínea e do Código de Processo Civil sendo assim uma decorrência do princípio da demanda.

O dever de condenação imposto ao juiz no Direito Laboral concede ao Tribunal o poder para não atender às limitações propostas na ação ou na contestação, todavia este poder está limitado pela formulação do artigo 74º do Código de Processo do Trabalho quando impõe ao juiz que a citada condenação só poderá ocorrer respeitando à matéria provada.

Os direitos são inderrogáveis quando derivam de normas de direito necessário, tendo como característica essencial a situação de não permitir uma modelação contratual que tenha por efeito afastar a aquisição do direito através da não aplicação da norma que o atribui. 

Conforme exposto, mesmo com as limitações apresentadas para várias formas de disposição, e com o reconhecimento que o direito ao salário é total ou parcialmente irrenunciável, não significa dizer que se possa considerar um direito indisponível.

A irrenunciabilidade

A irrenunciabilidade dos direitos dos trabalhadores é um tema sobre o qual os doutrinadores apresentam soluções bastante diversas. No direito Português, não subsiste qualquer norma que expressamente regule a figura da renúncia a direitos dos trabalhadores, todavia, existem alguns casos em que a lei expressamente estabelece a irrenunciabilidade, como ocorre com relação às férias prescrito no artigo 237º, nº 3, do Código do Trabalho Português, e à greve, disposto no artigo 530º, nº 3 do mesmo ordenamento (Portugal, 2009).

A doutrina tem-se posicionado no sentido de que a condenação extra vel ultra petitum está associada à irrenunciabilidade dos direitos subjetivos do trabalhador (Baptista, 2002).

A irrenunciabilidade a certos direitos substantivos do trabalhador é uma das características do direito substantivo do trabalho e a possibilidade de condenação ultra petitum é o reflexo adjetivo daquela irrenunciabilidade. Assim sendo, a possibilidade de sentença ultra petita é um dos reflexos processuais da irrenunciabilidade dos direitos substantivos do trabalhador e esta, por sua vez, é apenas uma das características do direito substantivo do trabalho.

Pertinente ao tema, Martinez (2012) afirma que a verdadeira função da condenação extra vel ultra petitum é garantir a efetividade, a consistência prática dos direitos atribuídos por normas inderrogáveis, independentemente ou até contra a vontade do seu titular.

Para que ocorra a condenação extra vel ultra petitum, o juiz tem que respeitar a causa de pedir, como também ser a condenação o resultado da aplicação de normas inderrogáveis de leis ou de instrumentos de regulamentação coletiva aos fatos notórios, e do conhecimento oficial do juiz.

Todavia, a jurisprudência e doutrina são unânimes na inclusão dos direitos emergentes de acidente de trabalho na previsão do artigo 74º do Código de Processo do Trabalho português (Portugal, 1999).

Quanto ao direito ao salário, cada ordenamento jurídico trata o salário de acordo com as suas peculiaridades, adequando-se o seu conceito ao sistema legislativo de cada país.

A Constituição da República Portuguesa (1976), no artigo 59º, nº 1, alínea a), garante a todos os trabalhadores o direito à “retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual, salário igual, de forma a garantir uma existência condigna”. O nº 2 do mesmo artigo determina que cabe ao Estado assegurar ao trabalhador o direito à retribuição e o nº 3 prescreve: “Os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei”.

O Código do Trabalho português (2009) apresenta o conceito de retribuição no artigo 258º nº 1, quando prescreve: “Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho”.

O artigo 258º, nº 1, do Código do Trabalho português, determina que se considere como retribuição apenas aquilo que o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho”. Já o artigo 260º apresenta as prestações incluídas e excluídas da retribuição. Outrossim, no caso de prestações concedidas, mas não devidas constitui uma liberalidade e não uma obrigatoriedade, ou seja, uma espécie de doação remuneratória.

A subordinação jurídica é uma decorrência do compromisso do trabalhador em prestar seu serviço sob a autoridade e direção da entidade empregadora e se constitui no poder do credor da prestação determinar e definir através de comandos e instruções, definindo como, quando, onde e com que meios deve ser executada a prestação pelo trabalhador.

Verifica-se, contudo, que o artigo 74º do Código de Processo do Trabalho português (1999) só se aplica, realmente, quando o trabalhador se encontra em condições de não poder dispor livremente dos seus créditos, mas podendo dispor livremente dos seus créditos, não se aplica a condenação extra vel ultra petitum.

O ordenamento jurídico do trabalho considera lícito o despedimento por iniciativa do empregador, tanto com relação à justa causa subjetiva, que diz respeito ao comportamento imputável ao trabalhador, como com relação às várias modalidades de despedimentos por causas objetivas, por motivos de mercado tecnológicos ou estruturais, ou seja, despedimento coletivo, despedimento por extinção do posto de trabalho e o despedimento por inadaptação.

O Código do Trabalho português, no artigo 351º, nº 1 (Portugal, 2009), define a justa causa de despedimento como o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

No caso do despedimento, o trabalhador poderá propor a ação judicial de impugnação do mesmo. Sendo o despedimento declarado ilícito, o artigo 390º, nº 1 do Código do Trabalho Português (2009), determina que o trabalhador tenha “direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento”, sem prejuízo da indenização prevista na alínea a), do nº 1, do artigo 389º do mesmo código.

O trabalhador, ao propor a ação judicial de impugnação do despedimento deverá pedir, além da indenização em substituição de reintegração prevista no artigo 391º do Código do Trabalho Português, “as quantias que se vierem a vencer desde o momento da propositura da ação até ao trânsito em julgado da decisão final” que significam prestações vincendas.

Portanto, se não for realizado o pedido das prestações vincendas, o juiz não pode utilizar o prescrito no artigo 74º do Código de Processo do Trabalho Português, condenando além do pedido. Dessa forma, esta impossibilidade diz respeito ao fato de as prestações não se situarem no campo da inderrogabilidade absoluta (Baptista, 2002).

Quanto aos juros de mora, o autor tem que realizar o pedido expresso de condenação do réu no pagamento de juros moratórios, e, no caso da omissão do pedido, o juiz não pode agir ex officio condenando ultra petita. Este impedimento está prescrito no artigo 609º, nº 1, do Código de Processo Civil Português que dispõe: “1. A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”. Portanto, no caso da inclusão dos juros de mora, o artigo 74º do Código de Processo do Trabalho não é aplicado.

No Brasil, o artigo 293 do Código de Processo Civil (Brasil, 2015) admite a aplicação de juros, mesmo sem pedido expresso, como também a orientação da Súmula nº 211 do TST dispõe que “Os juros de mora e a correção monetária incluem-se na liquidação, ainda que omisso o pedido inicial ou a condenação”.

Entende Paulo Sousa Pinheiro (2010) que a categoria profissional corresponde à verdadeira expressão funcional do trabalhador dentro da sua empresa. Mesmo assim, cabe ao trabalhador alegar e provar as funções que realmente exerce para ser atribuído o estatuto a que se arroga.

Portanto, mesmo que o trabalhador desempenhe funções correspondentes a uma determinada categoria profissional, deve expressar na petição inicial a atribuição da mesma, referindo-se aos seus fatos constitutivos. Do contrário, não poderá existir a condenação extra vel ultra petitum consagrada no artigo 74º do Código de Processo do Trabalho (Portugal, 1999).

Quanto ao Direito a indenização por acidentes de trabalho ou doença profissional percebe-se a importância da matéria da segurança, higiene, saúde e acidentes de trabalho e doenças profissionais impõe sua consagração na CRP no artigo 59º, nº 1 ao dispor sobre os direitos dos trabalhadores, incluindo a prevenção dos acidentes de trabalhos, assim como a reparação e assistência às vítimas. O mesmo acontece no Código do Trabalho português, do artigo 281º ao artigo 284º (Portugal, 2009).

O direito à indenização com o objetivo de reparar acidente de trabalho é um direito concedido pela lei que impõe sua existência, assim como seu exercício. Com relação a estes direitos, a vontade das partes não se sobressai tanto no plano prático como no plano jurídico.

A indenização por acidente de trabalho ou por doença profissional é a área escolhida pelo Tribunal para aplicação do artigo 74º do Código de Processo do Trabalho Português (Portugal 1999). A possibilidade da condenação extra vel ultra petitum se explica por tratar-se de direitos de natureza específica que dizem respeito a aspectos de assistência na doença e na invalidez. Portanto, se o titular do direito não o exerce, visando à indenização por acidente de trabalho ou doença profissional, o juiz deve ir além e conceder esse direito.

Quanto à Constitucionalidade do artigo 74 do Código de Processo do Trabalho português os autores, de modo geral, assim como a jurisprudência, partem da compreensão de que o artigo 74 do Código de Processo do Trabalho português não viola o artigo 13º da Constituição da República Portuguesa que consagra o princípio da igualdade.

No que diz respeito ao direito do salário, tanto a jurisprudência como alguns autores consideram um direito irrenunciável enquanto existir a relação laboral. Após a cessação da relação laboral, ou seja, deixando de existir a subordinação, o trabalhador adquire plena autonomia, podendo dispor livremente dos seus créditos, tornando dessa forma o direito renunciável e por esta razão excluído da citada condenação.

Não se pode esquecer que o salário do empregado é destinado, antes de qualquer coisa, ao seu próprio sustento e de sua família. É no trabalho que gasta sua energia e consegue fonte de renda para suprir as necessidades. É exatamente pela função alimentar que nasce a proteção ao salário, evitando inclusive que seja renunciado (Amado, 2011).

Com relação às prestações vincendas, o trabalhador, no momento da propositura da ação judicial de impugnação do despedimento, deverá realizar o pedido tanto da indenização em substituição de reintegração, junto com as prestações vincendas. Do contrário, o juiz não pode utilizar o prescrito no artigo 74º do Código de Processo do Trabalho Português, uma vez que aquele não pertence ao quadro considerado da inderrogabilidade, constituindo-se, portanto, um direito disponível do trabalhador decorrente da cessação do contrato de trabalho.

A discussão em torno da condenação extra vel ultra petitum está associada à irrenunciabilidade dos direitos subjetivos do trabalhador que, por sua vez, vincula-se à liberdade do trabalhador para dispor livremente dos seus créditos, podendo assim renunciar. Em todos os casos, existe a justificativa para a não aplicação do preceito.

A interpretação sobre preceitos inderrogáveis que leva em consideração se o direito é de exercício necessário ou não, daí definindo sobre a disponibilidade e indisponibilidade do direito pelo trabalhador, é uma questão que precisa ser revista.

Vale ressaltar que a característica do princípio da indisponibilidade no processo trabalhista justifica-se pelo número de normas públicas existentes no direito material do trabalho.

Em todos os ramos de direito processual, as normas são consideradas de natureza absoluta e de ordem pública, mas no processo do trabalho ganha mais valor por ser o trabalhador considerado, técnica e economicamente, inferior ao empregador.

Entende-se que essa permissão dada ao trabalhador favorece, para que o mesmo só reivindique seus direitos após a cessação do contrato de trabalho, evitando realizá-la durante a relação de trabalho (Delgado, 2017).

No Brasil, a condenação extra vel ultra petitum não se encontra positivada na forma do artigo 74º do Código de Processo do Trabalho português (Portugal, 1999), mas a CLT (Brasil, 1943) permite, em alguns artigos, que o juiz decida ultra ou extra petição, além de habitualmente o juiz do trabalho adotar a prática de determinar o pagamento de valores devidos diretamente ao empregado, quando o mesmo pede a comprovação do recolhimento dos depósitos fundiários e fica comprovado que não foi recolhido, acontecendo da mesma forma quando o empregador não apresenta as guias para o requerimento pelo empregado do seguro desemprego.

No caso de demissão sem justa causa, o empregado tem o direito de retirar o FGTS que foi recolhido mensalmente durante todo contrato de trabalho e de receber o seguro desemprego. Todavia, se o empregador não recolhe o FGTS e não apresenta as guias para o trabalhador requerer o seguro desemprego, impossibilita o seu recebimento junto ao órgão competente. As leis são consideradas de ordem pública, o que justifica aplicação da norma pelo juiz sem o pedido expresso do empregado.

A jurisprudência brasileira aplica o princípio da ultra ou extra petição fundamentando suas decisões na informalidade do Processo do Trabalho, orientando que é necessário valorizá-lo sempre e que, de acordo com o princípio da ultra petição, o juiz pode e deve interpretar o pedido da forma adequada e correta, conforme a causa de pedir e que, através dos fatos, pode ser feito o enquadramento nas normas jurídicas, sem configurar julgamento extra petita, seguindo o brocardo latino narra mihi factum dabo tibi ius, entendendo que a tarefa da aplicação do direito é do Julgador. O princípio da ultra ou extra petição aplicado no Brasil está incluído na autorização dada ao juiz para julgar por equidade.

A Constituição da República Federativa do Brasil, no artigo 7º, inciso XVII (Brasil, 1988), garante aos trabalhadores o gozo das férias anuais remuneradas com um terço a mais.

No Brasil, o processo do trabalho admite o ius postulandi que significa uma permissão a quem necessita estar em juízo, de praticar pessoalmente os atos necessários para exercer o direito de ação, sem auxílio de advogado. A CLT (Brasil, 1943) no artigo 791° dispõe que “os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final”, e no artigo 839°, prescreve: “A reclamação poderá ser apresentada: a) pelos empregados e empregadores, pessoalmente, ou por seus representantes, e pelos sindicatos de classe”.

Esta possibilidade permitida pela lei, muitas vezes, causa um desequilíbrio na relação processual, tanto para o empregado como para o empregador que não está assistido por advogado, pela falta de conhecimento técnico. O empregado que postula sem o advogado corre o risco de não realizar corretamente suas pretensões e perder aquilo a que certamente teria direito. Além disso, pode encontrar-se numa situação de desigualdade perante o empregador, assistido por advogado, que possui a capacidade de seguir todos os procedimentos necessários para o bom andamento do processo.

Por outro lado, o advogado cuja formação jurídica que envolve conceitos técnicos é um ser humano e, como tal, pode praticar algum erro, ou esquecer algum pedido, omitir ou realizar um pedido de forma incorreta, mesmo sem ser por vontade própria, mas que pode prejudicar seu assistido.

O Brasil não positivou a citada condenação. Percebe-se que aparece permitida em alguns artigos da CLT, como também a jurisprudência tem aplicado o princípio da ultra ou extra petição ao destacar a equidade como forma de interpretação, permitindo ao juiz corrigir erros provenientes do exercício do direito pretendido, que é realizado de forma inadequada pelo Trabalhador, por considerar ser o mais justo para o caso a decidir. Além disso, a jurisprudência brasileira tem considerado o pedido implícito quando o trabalhador realiza um pedido principal e deixa de pedir um direito relacionado a ele.

Entende-se que, no Brasil, mesmo com as possibilidades apresentadas para aplicação da condenação extra vel ultra petitum, estas não satisfazem porque não são abrangentes, o entendimento não é pacífico e nem sempre admitido para garantir a justiça, concedendo aos trabalhadores seus direitos consagrados em lei. Cada Juiz tem seu entendimento e nem sempre utiliza a equidade nos seus julgamentos e a falta do pedido ou o pedido imperfeito pode corresponder à perda do direito, como já tivemos oportunidade de comprovar na prática.

Conclui-se que o Brasil, para garantir a plena aplicação do princípio da ultra ou extrapetição, precisa admitir legalmente a condenação extra vel ultra petitum de forma que autorize o juiz realizar a interpretação da lei adequadamente, levando em consideração, sobretudo, a causa de pedir e podendo realizar o enquadramento nas normas jurídicas existentes, garantindo a aplicação do princípio do contraditório e da ampla defesa.

CONCLUSÃO

Pretendeu-se com este trabalho revelar as diversas questões relacionadas com as formas de se analisar a condenação extra vel ultra petitum

Sabe-se, por exemplo, que a doutrina criou diversos critérios para se analisar a condenação extra vel ultra petitum. Entretanto, como demonstrado o tanto o Brasil quanto Portugal existem critérios comuns que regulam a incidência desse Direito.

As premissas lançadas ao longo deste trabalho autorizam afirmar que a condenação extra vel ultra petitum é uma garantia do obreiro na relação trabalhista e questão de justiça. Isto porque, sob o enfoque da ética verificou-se que os anseios do legislador que criou a norma são repletos dos princípios legalistas necessários para o convívio harmônico e justo na sociedade. Dessa forma, as normas laborais possuem caráter imperativo e indisponíveis e, por esta razão, as partes não podem afastá-las por sua livre vontade.

Podem ser considerados pontos fracos na análise do tema os textos normativos que regulam direitos sobre direitos e a doutrina que podem fixar novos entendimentos. Assim sendo, o aspecto temporal também representa oportunidade de mudança representando a possibilidade de mudança na forma de se interpretar a disponibilidade dos direitos laborais.

Como limite a condenação extra vel ultra petitum sob o aspecto legalista o juiz deve sempre observar os anseios do legislador e a norma de maneira positivada no momento da análise do caso concreto.

Por fim, diante do exposto surge a necessidade de um estudo mais aprimorado sobre a criação e modificação de normas técnicas para facilitar a atividade jurisdicional. Sendo esta análise possível tese de doutorado.

BIBLIOGRAFIA

AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2011. ISBN 9789723221428.

BAPTISTA, Albino Mendes. Código de processo do trabalho: anotado. 2. ed. Lisboa: Quid Juris? Sociedade Editora, 2002. ISBN: 9789727241330.

BRASIL. Código de processo civil e normas correlatas. 9. ed. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2016. ISBN: 978-85-7018-710-9

______. Consolidação das leis do trabalho – CLT. DECRETO-LEI Nº 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943. Brasília. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em 13. out. 2020.

______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Coordenação de Edições Técnicas, 2016. ISBN: 978-85-7018-698-0.

______. Tribunal Superior do Trabalho. SÚMULAS Nº 276 – AVISO PRÉVIO. RENÚNCIA PELO EMPREGADO. Disponível em: https://www.coad.com.br/busca/detalhe_16/1231/Sumulas_e_enunciados. Acesso em: 13 jun. 2023.

______. Tribunal Superior do Trabalho. SÚMULA Nº 51 – NORMA REGULAMENTAR. VANTAGENS E OPÇÃO PELO NOVO REGULAMENTO. ART. 468 DA CLT. Disponível em: https://www.coad.com.br/busca/detalhe_16/931. Acesso em: 13 jun. 2023.

______. Tribunal Superior do Trabalho. SÚMULA Nº 211 – JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. INDEPENDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL E DO TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. Disponível em: https://www.coad.com.br/busca/detalhe_16/1167/Sumulas_e_enunciados. Acesso em: 13 jun. 2023.

CISNEIROS, Gustavo. Direito do trabalho sintetizado. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016. ISBN: 978-85-309-7060-4.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 16. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2017. ISBN 978-85-361-9104-1

MAGALHÃES, Jorge de Miranda. Princípios Gerais do Direito no Processo Civil. Revista da EMERJ, v.2, n.5, 1999.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito processual do trabalho. 33. ed. atual. Até 03/12/2011. São Paulo: Atlas, 2012. 9788522468522

MARTINEZ, Pedro Romano. Estudos do Instituto de Direito do Trabalho. Volume VI. ed Almeidina, 2012. ISBN: 9789724047102

MONTANS DE SÁ, Renato; FREIRE, Rodrigo C. Lima. Processo Civil I: Teoria Geral do Processo. São Paulo: Saraiva, 2012. Saberes do Direito, v. 22. p. 36. ISBN 978-85-02-17120-6.

PINHEIRO, Paulo Sousa. Curso breve de direito processual do trabalho. Coimbra: Editora Wolters Kluwer, Coimbra Editora, 2010. ISBN 9789723218176.

SARAIVA, Renato Direito do Trabalho. 15. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. ISBN 978-85-309-4548-0.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2008. ISBN: 978-85-309-2406-5.

PORTUGAL. Código de Processo Civil. Lei n.º 41/2013. Disponível em: https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-/lc/121702376/201905270004/exportPdf/maximized/1/cacheLevelPage?rp=indice. Acesso em 13 mai. 2020.

________. Código de Processo do Trabalho. Decreto-Lei n.º 480/99. Disponível em: https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-/lc/107958202/201905262356/exportPdf/maximized/1/cacheLevelPage?rp=indice. Acesso em 13 mai. 2020.

________. Código do Trabalho – CT – Artigo 258. Lei n.º 7/2009. Disponível em: https://diariodarepublica.pt/dr/legislacao-consolidada/lei/2009-34546475-46749575. Acesso em 13 mai. 2020.

________. Constituição da República Portuguesa. 1976. Disponível em: https://diariodarepublica.pt/dr/legislacao-consolidada/decreto-aprovacao-constituicao/1976-34520775-43894075. Acesso em 13 mai. 2020.