REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10031388
João Vitor Arnas de Miranda
1 . Introdução
As Polícias Militares, são previstas constitucionalmente como órgãos de Estado responsáveis pela segurança pública, cujo exercício visa o atingimento da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Neste sentido, a Carta Magna delimita a subordinação das polícias militares:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
(…)
V – polícias militares e corpos de bombeiros militares;
(…)
§ 6º As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército subordinam-se, juntamente com as polícias civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (BRASIL, 1988).
Notadamente, no estado do Paraná, através de sua Constituição Estadual, há a ratificação desta previsão atinente à Polícia Militar do Paraná como integrante do Poder Executivo do Estado, responsável pela segurança pública no âmbito da Unidade Federativa:
Art. 48 . À Polícia Militar, força estadual, instituição permanente e regular, organizada com base na hierarquia e disciplina militares, cabe a polícia ostensiva, a preservação da ordem pública, o policiamento de trânsito urbano e rodoviário, de florestas e de mananciais, além de outras formas e funções definidas em lei (PARANÁ, 1989).
Destarte, inserida em um contexto de instituição ligada às funções estatais, está sob a égide dos princípios da administração pública, muito bem delimitados na Constituição Federal do Brasil: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (BRASIL, 1988).
Tem-se o conceito do princípio da legalidade constitucional, segundo o doutrinador Alexandre Mazza:
Inerente ao Estado de Direito, o princípio da legalidade representa a subordinação da Administração Pública à vontade popular. O exercício da função administrativa não pode ser pautado pela vontade da Administração ou dos agentes públicos, mas deve obrigatoriamente respeitar a vontade da lei.
(…)
De acordo com o magistério de Hely Lopes Meirelles: “As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos”. ( MAZZA, 2021, p. 218).
A raiz do problema que este estudo atacará é a impossibilidade editalícia que a Polícia Militar do Paraná tem exigido em certames de cursos de especialização e aperfeiçoamento, principalmente no que diz respeito à participação de policiais femininas gestantes nos certames internos. De acordo com o entendimento institucional, “O processo seletivo de um concurso compreende o período entre a publicação do edital e a data do Termo de Matrícula do curso” (PARANÁ, 2014. p. 16). Segundo editais de cursos de especialização e aperfeiçoamento, cursos estes que propiciam conhecimentos mais aprimorados acerca de determinadas vertentes do serviço policial militar e impulsionamento de progressão de carreira, por vezes contam com exames de capacidade física para seleção dos candidatos. Tais exames restringiriam candidatas gestantes de acesso a tais cursos, por questões garantistas da integridade física da gestante e do feto, impossibilitando, consequentemente, policiais femininas de fazê-los e criando, portanto, diferenciações entre policiais masculinos e femininas. Há que se buscar meios de anular esta disparidade causada em decorrência da gestação.
Alguns editais, conforme serão analisados adiante, sequer permitem que mulheres gestantes tenham suas inscrições deferidas, criando um distanciamento entre os gêneros na questão profissional e restringindo possibilidades de ascensão de carreira pelo fato da gestação – que não pode ser interpretada como uma espécie de moléstia.
A Carta Magna assegura que homens e mulheres serão tratados com os mesmos direitos e obrigações:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição (BRASIL, 1988).
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, através do Recurso Extraordinário 1.508.333 Paraná, decidiu que:
“É constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata aprovada nas provas escritas que esteja grávida à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público”. (BRASIL, 2018).
Destarte, é necessário buscar formas que neutralizem os efeitos da gestação como fator prejudicial ao livre acesso às oportunidades profissionais.
Neste estudo, o enfoque será dado aos concursos internos da Polícia Militar do Paraná (PMPR).
2. Análises constitucionais e jurisprudenciais acerca da possibilidade de remarcação e aproveitamento de testes de aptidão física de candidatas gestantes durante o certame de cursos de especialização e aperfeiçoamento da PMPR.
Outras análises constitucionais mais específicas de princípios basilares são importantes para este estudo e, sem dúvidas, agregam valor para real compreensão e contextualização do caso. O princípio da impessoalidade constitucional, conforme doutrinador Alexandre Mazza, traz que:
O princípio da impessoalidade estabelece um dever de imparcialidade na defesa do interesse público, impedindo discriminações (perseguições) e privilégios (favoritismo) indevidamente dispensados a particulares no exercício da função administrativa. Segundo a excelente conceituação prevista na Lei do Processo Administrativo, trata-se de uma obrigatória “objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades” ( MAZZA, 2021. p. 295)
Em concordância com o princípio acima citado, outra colocação é extremamente viável à análise que está sendo feita, a respeito do princípio da isonomia, que tem raízes no artigo 5° da Constituição Federal. Ainda, conforme Alexandre Mazza, tem-se o conceito do princípio da isonomia:
O dever de atendimento à isonomia não exige um tratamento sempre idêntico a todos os particulares. Pelo contrário. Há diversas situações práticas em que o princípio da isonomia recomenda uma diferenciação no conteúdo das providências administrativas conforme a peculiar condição de cada administrado. É o que se extrai da famosa máxima aristotélica segundo a qual respeitar a igualdade é “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades”
Tratar igualmente os iguais é simples. Mas tratar desigualmente os desiguais exige um esforço de compreensão e avaliação para identificar a dessemelhança e ajustar a correta proporção do tratamento a eles devido. (MAZZA, 2021. p. 295)
“Cabe ao Estado levar em conta todas as desigualdades humanas e sociais e tratar desigualmente os seres desiguais, na proporção em que se desigualam, para igualizá-los no plano jurídico”. (MALUF, 2019. p. 246).
Este é o cerne da concepção de igualdade material, que conceitua-se em “ dar aos desiguais um tratamento desigual, na medida da desigualdade.” (MARTINS, 2019, p. 942).
Indaga-se: essa igualdade constitucional entre homem e mulher é uma igualdade material ou formal? Trata-se de igualdade material. Homens e mulheres não têm tratamento idêntico por parte do Estado, que poderá dar tratamento diferenciado, na medida em que os gêneros se desigualam. (MARTINS, 2019. p. 961)
Assim sendo, com base nestes doutrinadores citados, a administração pública tem o dever de adotar todas as providências com o fito de equalizar as oportunidades entre homens e mulheres, visando fornecer a ambos os gêneros as mesmas possibilidades de ascensão e oportunidades profissionais. Há que se compreender o real sentido de igualdade entre homens e mulheres: propiciar as mesmas condições, considerando as limitações naturais que existem entre os gêneros. Cabe ao Estado equalizar eventuais desigualdades.
“Esses princípios, essencialmente dogmáticos, orientam e disciplinam a conduta dos governantes e dos particulares. A eles se subordinam necessariamente as leis e os atos de governo”. (MALUF, 2019. p. 179). Portanto, é necessário que os atos administrativos estejam sob a égide dos princípios constitucionais, não havendo possibilidade de descumprimento sob o risco de estarem eivados de nulidade.
O Decreto nº 4.377, de 2002, traz inúmeras anotações a respeito da necessidade do Estado Brasileiro em prever condições igualitárias entre as tratativas sociais de homens e mulheres:
Artigo 1 o Para os fins da presente Convenção, a expressão “discriminação contra a mulher” significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.
Artigo 2º Os Estados Partes condenam a discriminação contra a mulher em todas as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher, e com tal objetivo se comprometem a:
a) Consagrar, se ainda não o tiverem feito, em suas constituições nacionais ou em outra legislação apropriada o princípio da igualdade do homem e da mulher e assegurar por lei outros meios apropriados a realização prática desse princípio;
b) Adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher;
c) Estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher numa base de igualdade com os do homem e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação;
d) Abster-se de incorrer em todo ato ou prática de discriminação contra a mulher e zelar para que as autoridades e instituições públicas atuem em conformidade com esta obrigação;
e) Tomar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa;
f) Adotar todas as medidas adequadas, inclusive de caráter legislativo, para modificar ou derrogar leis, regulamentos, usos e práticas que constituam discriminação contra a mulher;
g) Derrogar todas as disposições penais nacionais que constituam discriminação contra a mulher.
(…)
Artigo 111. Os Estados-Partes adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera do emprego a fim de assegurar, em condições de igualdade entre homens e mulheres, os mesmos direitos, em particular:
a) O direito ao trabalho como direito inalienável de todo ser humano;
b) O direito às mesmas oportunidades de emprego, inclusive a aplicação dos mesmos critérios de seleção em questões de emprego; ( BRASIL, 2002).
Baseado no Recurso Extraordinário nº 1.058.333/PR, pode-se extrair diversas passagens que embasam este estudo em formulação, que será contextualizado, mais adiante, com a realidade da Polícia Militar do Paraná:
O teste de aptidão física para a candidata gestante pode ser remarcado, posto direito subjetivo que promove a igualdade de gênero, a busca pela felicidade, a liberdade reprodutiva e outros valores encartados pelo constituinte como ideário da nação brasileira.
A remarcação do teste de aptidão física, como único meio possível de viabilizar que a candidata gestante à época do teste continue participando do certame, estende-lhe oportunidades de vida que se descortinam para outros, oportunizando o acesso mais isonômico a cargos públicos. (BRASIL, 2018, p. 1).
A Constituição Brasileira traz especial proteção à família, tratando-a como base da sociedade e de fundamental importância para a perpetuação da espécie:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(…)
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. (BRASIL, 1988).
Assim sendo, a Polícia Militar não pode obstaculizar o acesso de gestantes à progressão profissional, com base no simples argumento da gravidez.
Há de reconhecer que o interesse de que a grávida leve a gestação a termo com êxito exorbita os limites individuais da genitora, alcançando outros indivíduos e a coletividade. Enquanto a saúde pessoal do candidato configura “motivos exclusivamente individuais e particulares”, a maternidade e a família constituem direitos fundamentais do homem social e do homem-solidário, na nomenclatura de José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 186). ( BRASIL, 2018. p. 17)
Ademais, verifica-se a seguinte questão:
Conclui-se que o acesso aos cargos e empregos públicos deve ser amplo e democrático, precedido de um procedimento impessoal onde se assegurem igualdade de oportunidades a todos interessados em concorrer para exercer os encargos oferecidas pelo Estado, a quem incumbirá identificar e selecionar os mais adequados mediante critérios objetivos (MOTTA, 2005).
3. Análise dos editais e normas atinentes à PMPR e os princípios da previsão editalícia
A seleção de pessoal para ascensão profissional com base em certames de concursos internos está investido da satisfação do princípio constitucional da eficiência, conforme descreve Motta:
Utilizando-se deste mecanismo, atendem-se também as exigências do princípio da eficiência, neste momento entendido como a necessidade de selecionar os mais aptos para ocupar as posições em disputa e proporcionar uma atuação estatal otimizada. (MOTTA, 2005).
É necessário que seja evocado o conceito de edital, como sendo “ ato normativo editado pela administração pública para disciplinar o processamento do concurso público” (MOTTA, 2005).
Assim sendo, em sentido mais específico, o princípio da vinculação ao edital assegura que:
“o edital é a lei do concurso público”. Essa máxima consubstancia-se no princípio da vinculação ao edital, que determina, em síntese, que todos os atos que regem o concurso público ligam-se e devem obediência ao edital (que não só é o instrumento que convoca os candidatos interessados em participar do certame como também contém os ditames que o regerão). (MOTTA, 2005)
A Polícia Militar do Paraná possui um documento normativo que chancela e conduz todos os processos seletivos de cursos no âmbito da corporação. Neste documento – Portaria do Comando-Geral nº 330, de 14 de março de 2014 – não consta ressalvas ou asseguramento para gestantes dentro do período seletivo que garanta participação total nos cursos (dentro das realidades dos cursos, onde, por sua natureza, não exijam esforço físico contínuo que exponham o feto e a gestante a riscos à saúde).
Esta Portaria prevê que um Curso de Especialização é “destinado ao aprofundamento específico de técnica ou conhecimento técnico-profissional em área peculiar da atividade policial-militar/bombeiro-militar”. (PARANÁ, 2014). Da mesma forma, prevê que o Curso de Aperfeiçoamento:“visa atualizar e ampliar o nível de conhecimentos técnico-profissionais necessários ao exercício e desempenho de diferentes funções institucionais, inclusive daquelas próprias de oficiais superiores e de graduações específicas da Corporação” (PARANÁ, 2014).
Com base no julgado recente do STF citado neste estudo, há que se preocupar e assegurar este direito, com o amparo dos princípios constitucionais mencionados e conciliados às citações doutrinárias. Logo, a Polícia Militar do Paraná deve balizar suas ações pautadas pelo estrito e total seguimento dos ditames legais no que tange aos atos administrativos promulgados.
“No direito positivo brasileiro, esse postulado, além de referido no artigo 37, está contido no artigo 5o, inciso II, da Constituição Federal que, repetindo preceito de Constituições anteriores, estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. (DI PIETRO, 2020, p. 220).
Assim sendo, ainda que haja previsão editalícia divergente do ocorrido, não poderá, a administração pública, regular seus atos administrativos de forma conflitante com a norma jurídica suprema do Estado brasileiro. “A mera previsão em edital do requisito criado pelo administrador público não exsurge o reconhecimento automático de sua juridicidade” (BRASIL, 2018, p. 3). “As restrições editalícias para o ingresso em cargo, emprego ou função pública devem respeito aos preceitos constitucionais e legais (RE 898.450, Relator Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 17/08/2016, DJe 31/05/2017).” (BRASIL, 2018, p. 16).
“A lei ou artigo de lei ordinária, quando inconstitucional, não será aplicado; e o ato administrativo será anulado.” (MALUF, 2019).
Pode-se verificar inúmeras citações doutrinárias a respeito da obrigatoriedade de estrita observação dos atos administrativos – tal qual a publicação de um concurso interno para ascensão profissional no âmbito da PMPR – frente aos preceitos e ditames constitucionais:
A vinculação da Administração às normas de direitos fundamentais torna nulos os atos praticados com ofensa ao sistema desses direitos. De outra parte, a Administração deve interpretar e aplicar as leis segundo os direitos fundamentais. A atividade discricionária da Administração não pode deixar de respeitar os limites que lhe acenam os direitos fundamentais. Em especial, os direitos fundamentais devem ser considerados na interpretação e aplicação, pelo administrador público, de cláusulas gerais e de conceitos jurídicos indeterminados. (MENDES, BRANCO, 2018, p. 219).
Ainda, extrapolada a competência da administração em rever seus atos administrativos, a Constituição Federal prevê, no Art. 5º, em seu inciso XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988). Assim sendo, poderá, a qualquer momento, ferido o direito adquirido de qualquer cidadão, especificamente no caso de gestantes candidatas à qualquer certame para ascensão profissional que tenha seu acesso tolhido por previsões editalícias que já foram demonstradas como arbitrárias, ingressar com pedidos judiciais impondo à administração pública a satisfação das suas condições amparadas legalmente. Tais lides geram onerosidade ao estado e à máquina pública, que deverá alocar recursos materiais e servidores dedicados para avaliar tais questões e responder às demandas, lides estas que poderiam ser prevenidas e evitadas no caso de haver previsões institucionais pré estabelecidas e pacificadas em casos que se assemelham, garantindo de antemão tais direitos.
Podem ser citados alguns editais de cursos internos da PMPR onde observa-se incongruências da previsão editalícia frente aos preceitos constitucionais mencionados.
Na abertura do certame do Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos (CAS), no ano de 2023, foram verificadas as seguintes situações:
9. DA MATRÍCULA
Será matriculado no CAS PM – Turma 2023, o candidato que:
(…)
g. Não estiver gestante nos termos da Portaria do Comando-Geral nº 759/2014, sendo que em caso de gestação comprovada, a Diretoria de Ensino e Pesquisa deverá realizar consulta à Junta Médica da Corporação, para manifestação quanto à possibilidade de frequência, consoante análise da natureza e do conteúdo das disciplinas e do programa do curso, e ainda, considerando que a data provável do parto (DPP) não esteja compreendida no período previsto para realização do curso; (PARANÁ, 2023. p. 16)
Outra previsão editalícia neste mesmo certame do Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos (CAS), delimitou que:
5. EXAMES DE CAPACIDADE FÍSICA/TESTES DE APTIDÃO FÍSICA
(TAF)- 3ª FASE
(…)
g. Poderá ser utilizado o resultado do Teste de Aptidão Física aplicado pela Comissão de Inspeção Anual de Aptidão Física realizado em conformidade com o contido no inciso V do Art. 27 da Lei nº 5.944, de 21 maio 69 (Lei de Promoção de Oficiais), nos termos do Art. 22 da Portaria do Comando-Geral nº 078, de 25 jan. 16, bem como, também poderá ser utilizado o resultado do Teste de Aptidão Física aplicado em conformidade com o estabelecido no Art. 8º da Portaria do CG nº 159/16, de 7 mar. 16, que instituiu o Programa de Saúde Preventiva na PMPR, desde que dentro do prazo de validade de até 1 (um) ano da data de emissão, cabendo ao Chefe do CEFID assessorar o Diretor de Ensino e Pesquisa na necessária verificação dos candidatos que se encontram com os testes (TAF) válidos;h. Poderão ser dispensados do TAF 3ª Fase), pela Junta Médica da PMPR, os candidatos que apresentarem documento sanitário de origem (Atestado de Origem ou Inquérito Sanitário de Origem), encerrado, com sequelas que incapacite da realização de atividades físicas e/ou de realizar o TAF vigente na PMPR, nos termos estabelecidos pela letra “a” do inciso II do §1º do Art. 3º da Portaria do Comando-Geral nº 381, de 17 abr. 2020 (Alterada pela Portaria CG n º 385, de 3 de maio de 2022 ). Neste caso, caberá à Junta Médica da PMPR o encaminhamento à Seção de Concursos Internos da DEP, via eProtocolo (DEP/SEC), dentro dos prazos previstos no Cronograma do ANEXO “A” deste Edital;
i. Todos os candidatos convocados para esta fase deverão estar em condições de realizarem os exames e testes estabelecidos neste Edital, nas datas e horários previstos. Eventuais intercorrências ou circunstâncias temporárias que impliquem alterações fisiológicas ou de saúde, fraturas, luxações, indisposição e outros fatores que possam vir a ser apresentados pelos candidatos, antes ou durante a realização dos referidos testes, mesmo que discriminados em atestados/dispensas médicas, homologados ou não pela Junta Médica, NÃO SERÃO ACEITOS PELA COMISSÃO AVALIADORA para efeito de dispensa do TAF, sendo o candidato desclassificado do certame
Ora, neste edital verificamos pontos importantes a serem destacados. Primeiramente, no item g., verifica-se que o prazo de validade dos Testes de Aptidão Física na PMPR podem ser válidos por um ano. Logo, por que não aproveitar eventuais Testes de Aptidão Física de candidatas gestantes valendo-se desta regra? Outro apontamento, no item h., candidatos com problemas de saúde crônicos podem ser dispensados pela junta médica, enquanto que no caso de gravidez, há uma omissão nesta previsão, prejudicando, em tese, os princípios da isonomia e deixando de criar condições de acesso à progressão profissional de mulheres gravídicas. Neste caso, indivíduos com moléstias de saúde são agraciados com dispensa, enquanto que gestantes, desproporcionalmente, não.
Ocorre que o Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos, segundo prevê a Lei de Promoção de Praças da PMPR, é requisito obrigatório para promoções:
Art. 25. Constitui requisito básico para ingresso em quadro de acesso:
(…)
II – Possuir o Curso de Aperfeiçoamento de Sargentos ou equivalente, realizado na Corporação ou em outra Polícia Militar, para promoção a 1 º Sargento ou Subtenente. (PARANÁ, 1969).
Dessa forma, é evidente e gritante o prejuízo causado à ascensão profissional da mulher em decorrência da ausência de instrumentos garantidores de isonomia e de acesso a gestantes a esses casos, tendo reflexos na progressão de carreira, inclusive.
Pode-se invocar outro Edital, agora relativo ao Curso De Especialização. O edital de lançamento do Concurso ao Curso Intensivo de Trânsito (CITRAN) Categoria Oficiais – Turma 2021, fez as seguintes previsões:
11. DOS REQUISITOS PARA A MATRÍCULA
(…)
g. Não estar gestante.
(…)
13. PRESCRIÇÕES DIVERSAS
(…)
n. As candidatas que vierem a ficar gestantes durante as etapas do concurso ou durante a realização do curso DEVERÃO se manifestar (informar) e serão desclassificadas do certame ou desligadas do curso; (PARANÁ, 2021).
Conforme tudo o acima explicitado, claras são as ofensas aos direitos da mulher com esse edital, onde sequer puderam eventuais candidatas gestantes se inscrever, ou ainda, se durante o deslinde do concurso adquirissem uma condição gestacional, eram obrigadas a comunicar essa situação à administração militar com o consequente desligamento do certame.
A própria PMPR reconhece a situação peculiar de cuidados devidos às gestantes, conforme descrito na Portaria do Comando Geral n° 759/14, contudo, não aplicou tal proteção para dispensa de Teste de Aptidão Física em concursos ou até mesmo remarcação do teste, mesmo após ter sido pacificada tal questão pelo STF:
Considerando que o período de gestação envolve cuidados especiais, pois não obstante a gravidez não estar compreendida como uma doença, os estudos científicos demonstram que tal estado não pode ser desconsiderado sob o ponto de vista da proteção da saúde da mulher e do feto, em face das possibilidades de fragilização física e psíquica durante a gravidez, além dos potenciais fatores de risco que podem interferir na adequada e completa formação do nascituro; ( PARANÁ, 2014).
Diante destas análises de documentos apresentados, verifica-se algumas incongruências no que diz respeito à conferência de acesso à gestantes a oportunidades que propiciam alavancagem e especialização profissional. O presente estudo não tem o viés de atacar o sistema de ensino e seleção da PMPR, e sim, atualizá-lo e pacificar entendimentos isonômicos e alinhados com o dinâmico ordenamento jurídico brasileiro.
Em razão desse amparo constitucional específico, a gravidez não pode causar prejuízo às candidatas. Sob pena de malferir os princípios da isonomia e razoabilidade, surge, na hipótese, o direito à remarcação do teste, quando, por estarem gestante no dia da realização da prova física, restam impossibilitadas de realizar o teste ( BRASIL, 2018. p. 17)
4. Conclusão
Embora, conforme verificado que o edital “é a lei do concurso público”, há que se pontuar a seguinte questão:
Sendo ato normativo editado no exercício de competência legalmente atribuída, o edital encontra-se subordinado à lei e vincula, em observância recíproca. Administração e candidatos que dele não podem se afastar a não ser nas previsões que conflitem com regras e princípios superiores e que por isso são ilegais ou inconstitucionais. (MOTTA, 2005)
Com este estudo, há que se propor soluções para pacificar o entendimento da Corporação a respeito de condições isonômicas entre homens e mulheres. É necessário estabelecer uma regra básica para aqueles concursos que possam propiciar o acesso à gestantes ou ainda, a policiais que tenham se tornado mães recentemente.
Ora, caso fosse vedada a remarcação do teste de aptidão física ou condicionada à previsão editalícia, a candidata gestante seria invariavelmente eliminada do concurso público – pelo simples fato de estar grávida. Inviabilizada a conciliação de seus interesses pessoais e profissionais, a mulher vê-se tolhida de oportunidades de vida que se descortinam para outros. (BRASIL, 2018. p. 19)
Uma das vertentes (soluções) seria, ao longo do concurso, propiciar acesso à policiais gestantes de realizar as seletivas intelectuais, se assim elas desejarem e houver condições de saúde (atestadas) para tal. Destinar-se-á, no caso de aprovação na seletiva escrita, vaga reservada para a candidata gestante para o próximo curso idêntico ao que houve aprovação, após ter sido vencido o estado gestacional e, se for o caso, a devida licença maternidade. A questão não é escusar a policial de realização de teste de aptidão física vencido este estágio gravídico, e sim, fazer com que haja condições devidas e isonômicas para realização deste teste, como uma simples remarcação deste teste. Em outra linha de ação, poderá ser reaproveitado o último Teste de Aptidão Física (dentro de determinado prazo de validade, com tempo mínimo de um ano, conforme regramento já demonstrado), para legitimar a vaga. Assim, haverá uma reserva de vaga com o garantismo de reaproveitamento do Teste de Aptidão Física, assegurando, portanto, o acesso à vaga. Para o caso de reprovação da candidata com remarcação de Teste de Aptidão Física, o candidato (a) preterido logo após os aprovados (primeiro suplente), poderá ser convocado para realização de eventual teste de aptidão física e, no caso de aprovação, ser conferida a frequência no curso, aproveitando a mesma reserva de vaga anteriormente destinada à mulher.
A remarcação do teste de aptidão física realiza com efetividade os postulados constitucionais, atingindo os melhores resultados com recursos mínimos, vez que o certame prossegue quanto aos demais candidatos, sem descuidar do cânone da impessoalidade.
A continuidade do concurso em geral, com reserva de vagas em quantidade correspondente ao número de candidatas gestantes, permite que Administração Pública gerencial desde logo supra sua deficiência de contingente profissional, escopo último do concurso, assim como permite que os candidatos aprovados possam ser desde logo nomeados e empossados, respeitada a ordem de classificação.
(…)
A inexistência de previsão em em edital do direito à remarcação, como no presente caso, não afasta o direito da candidata gestante, vez que fundado em valores constitucionais maiores cuja juridicidade se irradia por todo o ordenamento jurídico. Por essa mesma razão, ainda que houvesse previsão expressa em sentido contrário, assegurado estaria o direito à remarcação do teste de aptidão para a candidata gestante.(BRASIL, 2018. p. 2).
“A fim de efetivar a tutela jurisdicional, determinou-se a reserva da vaga para posterior nomeação da candidata, caso obtivesse êxito no teste, ou de outro candidato aprovado, respeitada a ordem classificatória”. (BRASIL, 2018. p. 10)
É fundamental adotar procedimentos para eliminar as causas de segregação e distanciamento entre homens e mulheres em suas vidas pessoais e carreiras profissionais. “Ao neutralizar a desvantagem que a condição natural da gravidez possa representar para a genitora, permite que persiga seus projetos de vida e suas ambições. O discrímen autorizativo da remarcação na hipótese, assim, promove a igualdade material.” (BRASIL, 2018 . p. 20).
Em conclusão, a busca por condições igualitárias de acesso a oportunidades profissionais entre policiais militares masculinos e femininas é uma missão essencial no caminho rumo a uma sociedade mais justa e inclusiva. Para atingir esse objetivo, é imperativo que as instituições policiais continuem a promover a igualdade de gênero por meio de políticas de recrutamento, treinamento e promoção que reconheçam o valor das contribuições individuais, independentemente do gênero. Além disso, é essencial que sejam implementadas medidas para eliminar preconceitos arraigados e criar um ambiente de trabalho que seja seguro, respeitoso e acolhedor para todos os profissionais, independentemente do gênero. Em última análise, apenas quando os policiais militares masculinos e femininas tiverem igualdade de oportunidades e tratamento, poderemos alcançar uma força policial verdadeiramente eficaz e representativa, pronta para atender às complexas demandas da sociedade contemporânea. Cabe, portanto, à
Instituição propiciar esta oportunidade isonômica, solidificada e pacificada para que as policiais femininas não sejam prejudicadas por uma condição tão nobre como a gestação.
5. Referências
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm > . Acesso em 6 out. 2023.
BRASIL. Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002. Promulga a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, e revoga o Decreto n° 89.460, de 20 de março de 1984, Brasília, 13 set. 2002. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4377.htm. Acesso em: 16 out. 2023.
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