REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202409041254
Jonh Vaine Lincoln Cabral
Carlos Magno de Melo
RESUMO
O estudo das capacidades dinâmicas tem sido uma das referências na busca pelo entendimento da vantagem competitiva das organizações, principalmente na perspectiva da abordagem estratégica de recursos. Apesar da teoria ainda estar em desenvolvimento, com aspectos que convergem em alguns pontos e se distanciam em outros, a essência das capacidades dinâmicas reside na capacidade adaptativa da empresa frente ao dinamismo do mercado para alcançar e sustentar vantagens competitivas. Em decorrência do uso das capacidades dinâmicas, é possível criar, renovar ou integrar recursos, competências, processos e rotinas, permitindo que as organizações acompanhem as incertezas e instabilidades do contexto concorrencial. Desta forma, o presente artigo busca uma análise conceitual do tema com foco nas mudanças organizacionais, na vantagem competitiva e na sua relação com a gestão do conhecimento, tornando-se um diferencial estratégico.
Palavras-chave: Capacidades Dinâmicas. Vantagem Competitiva. Teoria Estratégica.
INTRODUÇÃO
As rápidas mudanças econômicas, sociais e tecnológicas, que caracterizam a sociedade no século XXI, tem demonstrado a necessidade de compreender como uma vantagem competitiva é desenvolvida e mantida pelas empresas. Com o advento de novas tecnologias, estruturas políticas e fusões de grandes mercados, as instituições foram levadas a renovarem e aprimorarem a gestão de mudança e cadeia de valor em sua formação
Nesse contexto, as dificuldades enfrentadas pelas empresas não se referem mais somente a obtenção de matéria prima, mão de obra ou maquinário. Em boa medida, isso é solucionável através da globalização, principalmente com a expansão das empresas multinacionais. O desafio, neste momento, é a aquisição de conhecimento para as empresas, elemento esse que não é facilmente comercializável no mercado e, por isso, é essencial no desenvolvimento de vantagens competitivas para diferenciar as empresas e seus produtos e serviços, principalmente em um ambiente de intensas mudanças tecnológicas. A gestão do conhecimento, alinhada a processos bem delineados e a ideias que surgem quase que repentinamente está embarcada em novos produtos ou processos produtivos, fazendo com que as empresas possam gerar renda, reduzir custos, aprimorar a qualidade nos processos e ainda preservar o meio ambiente.
Para atender ao objetivo do estudo, optou-se por realizar uma pesquisa de natureza qualitativa e de caráter exploratório. A coleta de dados fundamentou-se em pesquisa bibliográfica e documental que consistiu na identificação e exploração de publicações sobre o tema.
Nesse sentido, foi desenvolvida uma estrutura de apresentação organizada em cinco seções, além desta introdução. Na primeira seção são abordadas as teorias explicativas das vantagens competitivas. Em seguida, na segunda seção, é realizada uma abordagem conceitual das capacidades dinâmicas. A terceira seção expõe a organização das capacidades dinâmicas em hierarquia. A quarta seção analisa as várias formas através das quais é possível se fomentar a evolução e desenvolvimento das Capacidades Dinâmicas. A quinta seção disserta sobre o conhecimento enquanto vantagem competitiva e seu mecanismo de atuação dentro de uma empresa. Por fim, a conclusão busca fazer uma avaliação dos resultados e sugere futuras pesquisas que possam ampliar o debate sobre o tema.
DESENVOLVIMENTO
Teorias explicativas da vantagem competitiva
A partir da década de setenta, diversas correntes do pensamento econômico abordaram a questão da vantagem competitiva utilizando abordagens conceituais distintas. Notadamente no que se refere às teorias de estratégia empresarial, que tratam da questão da vantagem competitiva, pode-se estrutura-las em duas perspectivas principais (VASCONCELOS e CYRINO, 2000). Na primeira perspectiva estão inseridas duas teorias vinculadas aos aspectos estáticos da concorrência, baseadas em estruturas industriais, quais sejam: Teoria da Organização Industrial e a Teoria Baseada em Recursos. A primeira teoria prioriza a vantagem competitiva como resultado externo à firma, sendo orientada por uma visão de fora para dentro. Já a Teoria Baseada em Recursos parte de uma orientação da vantagem competitiva por meio de fatores internos à organização, sendo orientada por uma visão de dentro para fora. Na segunda perspectiva estão inseridas outras duas teorias associadas a uma visão dinâmica, enfatizando aspectos como desequilíbrio, descontinuidade e inovação, que consideram os aspectos de mudança e incerteza da concorrência, quais sejam: Teoria de Processos de Mercado e a Teoria das Capacidades Dinâmicas (LEITE e PORSSE, 2003).
A partir do trabalho pioneiro de Mason (1949) e Brain (1952), da nova organização industrial (new industrial organization), que ficou conhecido como análise SCP (Structure, Conduct, Performance), Porter (1989), no seu trabalho intitulado Competitive Strategy, utilizando o poder dos monopólios em favor das empresas na formulação das suas estratégias, desenvolveu a Teoria da Organização Industrial que aborda as relações entre as condições externas e as estratégias internas das firmas.
De acordo com essa abordagem teórica, o desempenho das empresas é determinado pela estrutura da indústria na qual elas se inserem. Assim, a indústria determina o comportamento dos compradores e vendedores que, por sua vez, determina o desempenho do mercado. A posição da firma dentro da indústria é o fator crucial para o sucesso ou fracasso das empresas e representa uma adaptação externa, na qual a escolha da estratégia correta permite à firma adaptar-se a estrutura da indústria (LEITE e PORSSE, 2003).
Apresentada como um contraponto ao modelo externo de Porter (1989), surge a Teoria Baseada em Recursos como uma alternativa à posição dominante da organização industrial, representando uma nova teoria do pensamento estratégico.
Originada nos trabalhos de Penrose (1997), ela está centrada na concepção de recursos no lugar do conceito clássico de fatores de produção e enfatiza os limites e as possibilidades dos recursos internos das empresas, sobretudo destacando que a procura constante das empresas pela maximização do emprego dos recursos causa os desequilíbrios das firmas e dos mercados, sendo que essas imperfeições possibilitam a obtenção de vantagens competitivas (LEITE e PORSSE, 2003).
Segundo Vasconcelos e Cyrino (2000), esta abordagem representa uma mudança significativa, principalmente por considerar que a vantagem competitiva se encontra primariamente nos recursos e nas competências desenvolvidas e controladas pelas empresas e apenas secundariamente no ambiente em que estão inseridas.
Por conseguinte, a diferença de desempenho entre as empresas, ou melhor, a obtenção da vantagem competitiva, é explicada pela heterogeneidade de recursos. Isso significa que a fonte básica para a vantagem competitiva são os recursos e competências desenvolvidas e controladas pelas firmas.
Essa perspectiva impõe uma nova visão sobre a natureza da concorrência que, em lugar de ser uma concorrência entre produtos, passa a ser uma concorrência entre recursos e competências.
Para Leite e Porsse (2003) as teorias tradicionais de estratégia não explicam de forma adequada a dinâmica dos ambientes competitivos marcados pela incerteza, no qual a maioria das organizações estão inseridas atualmente. Eles referenciam Heene e Sanchez (1997) para argumentar que a construção das Teorias da Organização Industrial e Teoria Baseada em Recursos baseia-se numa abordagem positivista, o que leva a explicações teóricas ex post dos ambientes competitivos e dos recursos importantes estrategicamente, apresentando uma capacidade limitada para fazer avaliações ex ante de resultados competitivos.
Iniciando a segunda perspectiva, a Teoria dos Processos de Mercado teve sua origem nos trabalhos de Carl Menger e de outros economistas austríacos. Fundamentalmente, ela se concentra na dinâmica da empresa, dos mercados e da concorrência, enfatizando mais os processos de mudança e inovação do que as estruturas das indústrias (VASCONCELOS e CYRINO; 2000).
Para os teóricos da escola austríaca o papel do mercado, ao contrário do que incida a maior parte da literatura microeconômica neoclássica, não se caracteriza por um mecanismo equalizador para o atingimento do equilíbrio econômico, mas é um processo de descoberta interativa que mobiliza informações divergentes e conhecimentos dispersos, causando desequilíbrios permanentes e dando origem a inovação, ao surgimento de novos concorrentes ea taxas de rentabilidade acima da média de mercado.
Consequentemente, os fenômenos econômicos que desviam do equilíbrio não são considerados como acidentes temporários, corrigíveis pela ação livre do mecanismo de preços, que dirige a alocação dos recursos, mas como ocorrências esperadas de um modelo que gera e preserva diferenças de desempenho (VASCONCELOS e CYRINO, 2000).
A escola austríaca considera a empresa com uma entidade que possui uma trajetória histórica própria e características individuais de difícil imitação pelos concorrentes. Neste sentido, para que uma empresa possa manter uma rentabilidade elevada, ela deve se basear em estratégias de inovação permanente, derivadas de elementos de difícil imitação por parte dos concorrentes, possibilitando o surgimento de vantagem competitiva.
Por fim, chega-se a Teoria das Capacidades Dinâmicas, objeto deste trabalho, que procura fornecer uma explicação de como as firmas ou organizações empresariais podem agir para reconfigurar a sua base de recursos diante da incerteza e da instabilidade do contexto concorrencial, com o propósito de criar e sustentar vantagens competitivas.
Conceito e caracterização de Capacidades Dinâmicas
Na literatura há uma diversidade de definições de capacidades dinâmicas, sendo necessário destacar a importância dos trabalhos de Teece et al. (1997) e de Eisenhardt e Martin (2000) para a evolução conceitual da teoria.
O conceito clássico de capacidades dinâmicas elaborado por Teece, Pisano e Shuem (1997), no artigo intitulado Dynamic Capabilities and Strategic Management, foi definido como a habilidade da empresa de integrar, construir e reconfigurar competências internas e externas para enfrentar ambientes de intensa mudança.
Segundo os mesmos autores, o termo “dinâmicas” se refere à capacidade de renovar competências, principalmente quando a frequência de mudanças tecnológicas é rápida e o futuro da competição e do mercado são difíceis de determinar. Já o termo “capacidades” enfatiza o protagonismo da gestão estratégica em adaptar, integrar e reconfigurar apropriadamente as habilidades internas e externas da organização, os recursos e as competências funcionais para alcançar as exigências de um ambiente altamente mutável (TEECE et al.,1997).
Assim, a criação de valor para a empresa surge a partir da habilidade em responder de maneira tempestiva e efetiva às mudanças de tecnologia e às necessidades do mercado, identificando ameaças e oportunidades, por meio da coordenação e reposicionamento dos seus recursos internos e externos.
Partindo de uma visão distinta, Eisenhardt e Martin (2000) consideram que as capacidades dinâmicas são um conjunto de processos específicos e identificáveis na empresa, como o desenvolvimento de um produto, a tomada de decisão estratégia e a formatação de alianças. Eles conceituam as capacidades dinâmicas como os processos das empresas que utilizam recursos para alcançar ou até mesmo criar mudanças no mercado.
Assim, capacidades dinâmicas são rotinas organizacionais e estratégicas por meio das quais as empresas alcançam novas configurações de recursos na medida em que o mercado emerge, colide, se divide, desenvolve e morre.
Segundo Eisenhardt e Martin (2000) o padrão de efetividade das capacidades dinâmicas depende do dinamismo do mercado. Mercados com dinamismo moderado são aqueles em que as mudanças ocorrem com frequência, mas seguem um padrão previsível e linear. Eles têm indústrias relativamente estáveis, os modelos de negócio são claros e as limitações do mercado são definidas e bem conhecidas por todos os atores. Nesses mercados, as capacidades dinâmicas dependem de forma significativa do conhecimento existente.
Por outro lado, quando os mercados são muito dinâmicos as mudanças não são lineares ou previsíveis. Mercados com mudanças rápidas são aqueles em que a estrutura da indústria não está consolidada, os modelos de negócio são fluidos, as fronteiras do mercado são obscuras e os atores do mercado (compradores, vendedores, fornecedores, concorrentes) são caracterizados pela ambiguidade. Nesses mercados, as capacidades dinâmicas dependem menos do conhecimento existente e muito mais no processo criativo de novos conhecimentos aplicados a situações específicas.
Winter (2003) traz também uma importante contribuição na medida em que considera que uma capacidade só é dinâmica se a organização for capaz de utilizá-la de forma repetida e confiável. Isso quer dizer que é necessária a existência de um padrão para que se confirme a existência de uma capacidade dinâmica. As soluções ad hoc ou talento criativo de pessoas empregadas numa organização não são consideradas capacidades dinâmicas (CAMARGO e MEIRELLES, 2012).
Com o objetivo de diferenciar capacidades dinâmicas de capacidades operacionais, O´Reily e Tushman (2007) apresentam o caso da empresa aérea Southwest Airlines, cuja vantagem competitiva não era derivada dos seus recursos (aeronaves, rotas e funcionários) mas da combinação de fatores como a otimização do uso do avião (turnaround), com menor tempo em solo, alta produtividade de seus funcionários e baixo custo operacional.
Essas competências difíceis de imitar (baixo custo de operação com elevada utilização de ativo) deram a empresa uma vantagem sobre os seus concorrentes. Entretanto, essas competências não são capacidades dinâmicas já que não garantem que a firma teria a capacidade de mudar em face de uma nova ameaça. De fato, o seu sucesso prévio fez com que concorrentes como a Jet Blue Airways obtivesse vantagens do desenvolvimento tecnológico para permitir um turnaround ainda mais rápido da aeronave, principalmente com a designação de assentos prévios para os passageiros.
Em contraste, O´Reily e Tushman (2007) relatam que os processos e rotinas repetidas que os executivos sêniores da IBM empregam para competir em mercados consolidados de tecnologia, como os dos computadores mainframe, e em mercados emergentes, como os de consultoria tecnológica, são capacidades dinâmicas.
Por fim, a essência das capacidades dinâmicas reside na capacidade adaptativa da empresa frente ao dinamismo do ambiente para alcançar e sustentar vantagens competitivas.
Hierarquia das Capacidades Dinâmicas
As capacidades dinâmicas também podem ser analisadas como um conjunto de capacidades estruturadas em níveis, segundo sua natureza ou complexidade. Esses níveis sobrepõem-se uns aos outros e formam uma hierarquia. Evidentemente, cada autor classifica seus níveis e hierarquia de acordo com o seu entendimento, de sorte que não há um consenso sobre quantos são os níveis e como eles se dispõem.
Winter (2003) entende que capacidade dinâmica que existem capacidades de diferentes níveis nas organizações. Uma organização que tem um nível de capacidade zero é baseada apenas em suas capacidades operacionais. Esse tipo de organização não evolui e não apresenta um diferencial que confira uma vantagem competitiva (CAMARGO e MEIRELLES, 2012). Dessa forma, a organização se mantem atuando com os mesmos recursos, a mesma produtividade, os mesmos produtos, de acordo com a mesma escala e para a mesma base de clientela.
Logo acima do nível zero, na medida em que a organização consegue mudar suas rotinas, ela possui o que Winter (2003) denomina de capacidades de ordem superior. Essas capacidades que alteram o produto, o processo de produção, a escala ou a base de clientes, são capacidades dinâmicas. Quanto mais uma organização conseguir melhorar rotinas e mantê-las em alto nível, maior será o conjunto de capacidades dinâmicas e seu desempenho no longo prazo (CAMARGO e MEIRELLES, 2012).
Collis (1994) apresenta sua hierarquia de capacidades dinâmicas em três níveis de capacidades. No primeiro nível, estão as capacidades funcionais, que permitem a própria existência da empresa. Logo acima, as capacidades dinâmicas são aquelas que permitem o melhoramento dos processos de negócio e a evolução da organização. Por fim, o terceiro nível tem-se a capacidade criativa, verdadeiro momento em que a empresa pode gerar inovação e possibilitar a criação de estratégias comerciais que possibilitem vantagens competitivas frente aos concorrentes.
Vale ressaltar ainda a concepção desenvolvida por Wang e Ahmed (2007). Para os autores existem quatro níveis de hierarquia das capacidades, de zero a três. O nível zero é atribuído às capacidades fundamentais, que permitem a existência da empresa, mas que não garantem vantagens competitivas. Em seguida, no nível um, as capacidades comuns, que permitem à organização produzir o que produz (ambas na linha dos dois outros autores comentados). No nível dois, as capacidades chave são responsáveis por oferecer as vantagens competitivas do negócio, em alguma medida, diferenciando-o dos concorrentes. Existe, ainda, um quarto segmento (nível três) que renova as capacidades chaves, para que não se tornem obsoletas e continuem a render frutos. São as capacidades dinâmicas que têm o papel “de perseguir a renovação, reconfigurar e recriar seus recursos, suas capacidades comuns e suas capacidades chave, de forma a endereçar as mudanças ambientais” (CAMARGO e MEIRELLES, 2012).
É possível perceber que os autores referenciados comungam com a visão das capacidades dinâmicas como estruturas hierárquicas, compostas por diferentes grupos de capacidades, cada qual com sua especificidade. Existem, porém, divergências entre as construções dos autores, como ficou demonstrado, porque variam os níveis e os conteúdos das capacidades elencadas. A síntese possível de ser feita é aquela que entende, dentre todas as concepções, a existência de uma diversidade de capacidades organizáveis em importância e complexidade crescentes, sendo que as mais altas são centrais na diferenciação de concorrentes e na geração de vantagens competitivas e as mais baixas dão os fundamentos para o funcionamento da empresa.
Evolução das Capacidades Dinâmicas
Em um contexto de mudanças, no qual se inserem as capacidades dinâmicas, é razoável supor que elas não são estáveis no decorrer do tempo, mas devem ser constantemente atualizadas, aprimoradas e evoluídas.
A evolução das capacidades dinâmicas, portanto, está ligado ao tempo e à linha histórica da organização, sendo seus pilares de sustentação. Dessa forma, o histórico de decisões da empresa é vital para determinar as possibilidades de sua atuação, bem como para garantir o desenvolvido de capacidades. Nomeia-se isso como “path-dependent”: decisões passadas que interferem nas decisões atuais. Quão melhor forem as antigas decisões, melhor será a evolução das capacidades dinâmicas.
Eisenhardt e Martin (2000) enfatizam o lado psicológico da path-dependent, enquanto uma ferramenta de aprendizado de capacidades. Não só as decisões passadas direcionam as atuais condições da empresa, mas também é preciso perceber que o conhecimento adquirido e as capacidades dinâmicas desenvolvidas no passado ampliam ou restringem as capacidades dinâmicas e a sua possibilidade de evolução no presente.
Exemplificam os autores através de processos de práticas repetitivas, que são positivamente associadas como o acúmulo de conhecimento tácito e explícito a respeito da execução das atividades, o que permite à organização e aos seus membros a aquisição de capacidades dinâmicas mais altas e de uma performance melhor. A obtenção de conhecimento também está ligada à codificação de uma série de experiências em tecnologia e procedimentos formais que melhorem e acelerem as rotinas presentes na empresa. São processo, assim, de externalização e combinação, segundo o modelo de Nonaka e Takeuchi (1997) para a espiral do conhecimento.
Os autores também destacam a ocorrência de falhas como uma etapa importante na construção e desenvolvimento de capacidades dinâmicas. Os pequenos erros – mais do que os grandes erros ou as grandes conquistas – tem papel fundamental em marcar as possibilidades de evolução de capacidades dinâmicas, porque atraem os olhares dos agentes da organização para que os erros não se repitam, de sorte que novos processos e rotinas são desenvolvidos com este fim. Todavia, as grandes falhas podem levantar impedimentos ao aprendizado, uma vez que ativam autodefesa dos agentes envolvidos.
Ademais, segundo as teses de Eisenhardt e Martin (2000), existe a evolução das capacidades alimentada pelo pacing of experience, expressão que pode ser traduzida por “marcha de experiências”. Nessa construção, busca-se analisar o ritmo com que a organização tem contato com as experiências e como isso influência a evolução das capacidades dinâmicas. Para os autores, as experiências que surgem muito abruptamente podem surpreender os agentes envolvidos, de tal modo que será impossível de transformar essa experiência em alguma evolução. Uma experiência no sentido contrário – muito devagar ou muito infrequente – também não gera bons resultados para a empresa, que não absorvem e mantém os ensinamentos adquiridos.
O meio termo entre a hiper-velocidade e a lentidão é o ideal para que as capacidades dinâmicas possam evoluir. É necessário, portanto, tempo para que os agentes possam internalizar, tratar e utilizar aquele conhecimento adquirido com as experiências vivenciadas.
A proposta de Zollo e Winter (2002) no tocante à evolução de capacidades dinâmicas está alicerçada em três mecanismos através dos quais as capacidades se desenvolvem. Em primeiro lugar, a acumulação de experiênciasocorre mediante as reiteradas rotinas que passam a integrar a memória de procedimentos da organização (CAMARGOe MEIRELLES, 2012). O segundo mecanismo prevê a articulação do conhecimento, método que permite a cada membro da organização tomar ciência de seu papel, de tal forma que seu esforço renderá mais frutos, uma vez que alinhado a todo o contexto empresarial. Nesse particular, os autores ressaltam a importância da socialização para que as pessoas se percebam inseridas nesse contexto. Um ambiente livre para troca de ideias será, assim, interessante para o aprendizado. Ao fim, a codificação do conhecimento será o terceiro mecanismo. Nela, todo o conhecimento organizacional é transformado e exteriorizado em manuais, planilhas, desenhos, sistemas etc. Através da codificação, os membros da organização poderão armazenar e buscar as informações que precisam e, assim, terão maior conhecimento a respeito das atividades exercidas.
Dentro de uma organização, é possível perceber esses três mecanismos dentro de um padrão elaborado por Zollo e Winter (2002) e dividido em cinco fases, segundo a exposição de Camargos e Meirelles (2012):
Um estímulo externo (ou feedback) gera a possibilidade de variação generativa para solução de um dado problema; 2) Essa variação de soluções passa então por um processo de seleção interna, no qual a solução será avaliada e legitimada; 3) Uma vez legitimada, ocorre uma fase de replicação do conhecimento, na qual existe transferência de conhecimento por meio de mecanismos de gestão do conhecimento e na qual podem ocorrer adaptações para a resolução de problemas; 4) Uma vez replicada, a solução é rotinizada e, finalmente; 5) As rotinas sofrem variações ao longo do tempo e realimentam o processo de conhecimento.
A proposição dessas cinco fases por Zollo e Winter (2002) relembra, certamente, o fluxo de conhecimento proposto por Choo (2003). Para este autor, as três fases também falam do tratamento da informação/do conhecimento dentro da empresa a partir de um estímulo vindo do ambiente externo, que é processado e entendido dentro da empresa, e utilizado como subsídio para a tomada de decisão.
O Conhecimento e a Capacidade Dinâmica como vantagem competitiva
A literatura especializada vem ensaiando perspectivas teóricas para compreender o papel do conhecimento dentro de uma empresa e o seu papel frente a vantagem competitiva. Fundamentalmente, considera-se que o conhecimento é a principal fonte de vantagem competitiva, ou ainda, o principal recurso de uma empresa, conforme ressalta Maciel et al. (2012):
Dessa perspectiva, as organizações passam a ser vistas como instituições de integração por meio de práticas ritualísticas, bases das ações coletivas e do processo de aprendizagem, uma vez que são capazes de criar condições culturais e materiais nas quais os indivíduos conseguem integrar seus conhecimentos individuais, bem como aqueles conhecimentos e informações compartilhados por diferentes grupos. Nesse sentido, o principal papel da organização reside na habilidade em criar um contexto favorável para integrar o conhecimento especializado individual (tácito e explícito) ao conhecimento de outros atores organizacionais, bem como aplicá-lo ao desenvolvimento de novas capacidades.
É a partir da consciência que a empresa tem a respeito da importância do conhecimento para suas atividades que ela poderá, então, criar um conceito capacitante no qual o conhecimento agirá para melhorar o desempenho das capacidades dinâmicas e alcançará vantagens competitivas (NONAKA; TOYAMA, 2003).
Mais pragmaticamente, uma primeira abordagem possível a respeito desse tema trata do conhecimento enquanto elemento catalisador do desempenho geral da empresa. Isso significa que a existência e a utilização de conhecimento dentro das empresas são capazes de levá-las a maior produtividade e lucro porque aperfeiçoa processos internos e, assim, interage positivamente com as capacidades dinâmicas.
Insta relembrar o modelo conceitual de Choo (2003). Nele, vê-se o relacionamento da empresa com o conhecimento dividido em três momentos: criação de significado, construção do conhecimento e tomada de decisões. É este o fluxo por qual o conhecimento passa dentro da empresa, sendo primeiramente captado do ambiente externo, selecionado e traduzido e, por fim, é utilizado para embasar racionalmente as ações que aquela organização tomará. Esse modelo guarda semelhanças com as capacidades dinâmicas na medida em que também serve de instrumento analítico para uma tomada de decisões frente ao ambiente de mudanças constantes.
Por outro viés, o conhecimento também é significante para a empresa na medida em que se constitui como capital intelectual. Segundo Coelho (2004), o capital intelectual é eixo central da competição entre empresas atualmente, porque é considerado o principal fator de produção da economia moderna. O capital intelectual é fundamental na inovação e na concepção de novos produtos, porque o conhecimento, assim como as novas ideias, só pode nascer a partir de uma pessoa – um ser pensante. Ou seja, nasce sempre como conhecimento tácito a partir dos conhecimentos acumulados daquela pessoa. Impera, portanto, a necessidade que a empresa não só forneça o máximo de conhecimento a seus membros, mas que também tenha membros com maior e melhor conhecimento acumulado, a fim de que possam gerar inovação. Esses novos produtos e serviços construídos serão responsáveis por reposicionar a empresa no mercado, respondendo aos estímulos do ambiente, gerando, assim, vantagem competitiva.
O conhecimento, como lhe é próprio, não pode ser facilmente adquirido no mercado, da mesma forma como se compra uma matéria prima ou maquinário. Na verdade, o conhecimento é produto de uma série de complexos processos e dinâmicas de conversão dentro de um contexto capacitante, de tal sorte que, ainda que se repitam os processos, não há garantia de que o conhecimento produzido será o mesmo.
Portanto, o cultivo de conjunto de conhecimentos dentro da empresa e seus reflexos nos produtos e nos serviços prestados fazem com que a empresa possa se diferenciar completamente dentro do mercado. O conhecimento, nessa forma, se configura um agente de diferenciação dos produtos de uma empresa, fazendo com que ele seja resultado dos conhecimentos ali retidos e utilizados, que não podem ser adquiridos e replicados pelas concorrentes.
CONCLUSÃO
A partir da abordagem conceitual das capacidades dinâmicas, fica evidenciado que é possível alcançar e sustentar vantagens competitivas por meio de processos e rotinas que estabelecem novas configurações de recursos, dificultando que a empresa regresse frente às inovações requeridas pelo ambiente competitivo e em constante mutação.
Contata-se que a literatura especializada aloca as capacidades dinâmicas em vários níveis, segundo sua natureza e importância. Assim, ensaiou-se uma síntese entre os autores, entendendo pela diversidade na natureza das capacidades e que, por isso, podem ser organizadas em diferentes níveis. São esses níveis mais altos que enfatizam a inovação e são, assim, essenciais para as vantagens competitivas, embora os níveis mais baixos também sejam essenciais para a existência da própria empresa.
Essas mesmas capacidades, como se espera, não podem permanecer sempre iguais e inertes diante do ágil contexto ao seu redor. Nesse sentido, elas têm de ser aprimoradas com o passar do tempo, garantindo a ascendência e maturidade competitiva da empresa. Foram abordados vários mecanismos para a evolução das capacidades dinâmicas, dos quais se destacam a importância dos erros e dos processos ligados ao conhecimento organizacional.
O conhecimento também assume papel importante nesse contexto ao ser responsável por melhorar o desempenho geral da empresa, gerando produtos mais inovadores. O conhecimento possibilita que uma empresa possua um elemento de diferenciação que é fundamental para a obtenção de vantagens competitivas, se caracterizando, dessa forma, como um fator importante para a criação e desenvolvimento de capacidades dinâmicas.
Não obstante a pesquisa bibliográfica que aqui se perfaz, também são recomendados estudos que visem a sua aplicação prática e cotidiana. Assim, estudos de caso poderão confirmar ou rejeitar as conexões conceituais descritas e, ainda, conduzir a possíveis novas teses para que sejam trabalhadas no campo conceitual e prático. Como exemplo, pode-se estudar os mecanismos de evolução das capacidades dinâmicas, a fim de testar se as crises realmente representam fator de desenvolvimento de capacidades.
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