ALIENAÇÃO PARENTAL E A MEDIAÇÃO FAMILIAR COMO ALTERNATIVA DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

PARENTAL ALIENATION AND FAMILY MEDIATION AS ALTERNATIVES FOR CONFLICT RESOLUTION

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8433263


Kedson Santana de Sousa1
Deisy Sanglard de Sousa2


RESUMO: O presente trabalho aborda a possibilidade da mediação em casos de alienação parental, examinando como a intervenção mediadora pode impactar e facilitar as relações familiares afetadas por conflitos parentais. A pesquisa em questão objetiva investigar como o serviço de mediação familiar pode ser uma ferramenta eficaz para mitigar os efeitos da alienação e promover a resolução de conflitos entre os envolvidos. São discutidos os benefícios da mediação na prevenção e combate da alienação parental, incluindo a facilitação da comunicação e o estímulo à guarda compartilhada. Para isso, a metodologia utilizada para o desenvolvimento desta pesquisa foi pautada em leituras e fichamentos bibliográficos referentes à doutrinadores como Dias (2021) e Groeninga (2008), que realizaram um estudo pertinente à temática. Assim, é possível concluir que a complexidade das dinâmicas familiares exige uma atenção minuciosa do sistema jurídico, e a aplicação de uma cultura interdisciplinar de profissionais, mais especificamente a atuação de mediadores de forma a tornar mais prática e eficaz a solução de litígios relacionados à alienação parental.

Palavras-Chave: Alienação Parental; Mediação Familiar; Conflitos familiares.

ABSTRACT: This paper examines the possibility of mediation in cases of parental alienation, exploring how mediator intervention can impact and facilitate family relationships affected by parental conflicts. The research in question aims to investigate how family mediation services can be an effective tool in mitigating the effects of alienation and promoting conflict resolution among those involved. The benefits of mediation in preventing and combating parental alienation are discussed, including facilitating communication and promoting shared custody. To achieve this, the methodology used for the development of this research was based on readings and bibliographic notes from scholars such as Dias (2021) and Groeninga (2008), who conducted relevant studies on the subject. Thus, it is possible to conclude that the complexity of family dynamics requires careful attention from the legal system and the application of an interdisciplinary culture of professionals, specifically the role of mediators in order to make the resolution of disputes related to the occurrence of parental alienation more practical and effective.

Keywords: Parental Alienation; Family Mediation; Family Conflicts.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por finalidade tratar da mediação como via de resolução adequada de conflitos familiares, em especial nos casos envolvendo a alienação parental. A alienação parental é um fenômeno no qual uma criança é manipulada por um dos pais para rejeitar, temer ou odiar o outro genitor, geralmente após a separação ou divórcio. Esse termo surgiu por meio da definição da Síndrome de Alienação Parental (SAP), termo criado pelo psiquiatra Richard Gardner na década de 1980 para descrever a situação em que a criança se alia emocionalmente a um dos pais e rejeita injustificadamente o outro, influenciada pela alienação (GROENINGA, 2008)

No contexto histórico e jurídico, a alienação parental tem recebido atenção nas últimas décadas, principalmente em questões de guarda compartilhada e visitação após divórcios. Os tribunais têm enfrentado desafios em identificar e abordar esse fenômeno, pois pode ser difícil distinguir entre alegações legítimas de abuso e a alienação propriamente dita.

Nesse contexto, vários países têm implementado leis e diretrizes para combater e prevenir a alienação parental. O Brasil, por exemplo, em 2010, aprovou a Lei da Alienação Parental (Lei nº 12.318/2010) que busca prevenir e coibir essa prática. Essas leis visam proteger o bem-estar dos filhos menores e promover relações saudáveis entre estes e os pais (BRASIL, 2010).

A referida lei, em seu artigo 2°, ‘caput’, conceitua alienação parental como sendo uma “intervenção na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou instigada por um dos pais, avós ou aqueles que tenham autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este” (BRASIL, 2010).

A mediação, por sua vez, é um processo em que um terceiro imparcial, o mediador, ajuda as partes envolvidas em um conflito a chegar a um acordo mutuamente aceitável. O objetivo é facilitar a comunicação, promover a compreensão mútua e buscar soluções que satisfaçam as necessidades de ambas as partes, evitando a necessidade de recorrer a um tribunal (DIAS, 2021). É uma forma de resolução alternativa de conflitos que representa um meio substitutivo complementar e qualificador das decisões judiciais (DIAS, 2021, p.97)

Entre os objetivos específicos deste artigo, está explorar a relação entre esses dois temas, abordando como a alienação parental afeta a dinâmica familiar e como a mediação pode ser uma abordagem eficaz para lidar com esse problema. 

O presente estudo pretende também examinar como a mediação pode contribuir para minimizar os efeitos prejudiciais da alienação parental, promovendo a comunicação saudável entre os pais e buscando soluções para preservar o bem-estar dos filhos envolvidos. Considerando os objetivos do presente estudo, partiu-se do seguinte problema de pesquisa: a mediação familiar é um meio eficaz de prevenção e combate à alienação parental?

Esse tema foi escolhido tendo em vista a importância de abordar questões relacionadas a conflitos familiares, especialmente aqueles que envolvem os filhos menores, pois o afastamento de algum dos genitores pode prejudicar o relacionamento, crescimento e causar danos emocionais aos filhos. O estudo da mediação familiar mostra-se como uma alternativa para lidar com esses conflitos de forma construtiva e equilibrada.

Com relação à metodologia, trata-se de uma pesquisa bibliográfica, com abordagem qualitativa, com o intuito de explorar e descrever o tema proposto. Para tanto, foram utilizadas doutrinas, jurisprudências recentes, artigos e revistas acadêmicas, por meio de plataformas digitais como a Scientific Electronic Library (SCIELO), Google Acadêmico e o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), utilizando de referências como DIAS (2021), GROENINGA (2008) e FIGUEIREDO (2014), com o intuito de pormenorizar a temática e compreender a influência da mediação familiar nos casos de alienação parental.

2. A ENTIDADE FAMILIAR NO DIREITO E O ADEQUADO EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR

Conforme estabelecido no artigo 226 da Constituição Federal, a família é considerada a base da sociedade e, portanto, recebe uma proteção especial por parte do Estado. A convivência humana é organizada em torno das várias famílias que compõem a comunidade social e política do Estado, e é responsabilidade deste proteger e melhorar a instituição familiar, a fim de fortalecer sua própria estrutura política (MADALENO, 2022, p. 53). Dessa forma, para o presente estudo faz-se necessário a análise minuciosa de questões como a proteção jurídica dada a entidade familiar, dentre elas, o poder familiar e a guarda compartilhada nos casos de dissolução conjugal, a fim de compreender a possibilidade da ocorrência de alienação parental nos organismos familiares.

A alienação parental tem como base de discussão, a análise do poder familiar, sua importância, características e exercício. O poder familiar foi um termo adotado pela legislação civil de 2002 e se refere a um conjunto de direitos e deveres exercidos por ambos os pais para com os filhos menores, visando o bem-estar e o desenvolvimento saudável da criança. Esses direitos e obrigações encontram-se previstos no artigo 1.634 do Código Civil e dizem respeito às competências de ambos os pais, independente da sua situação conjugal (FIGUEIREDO, ALEXANDRIDIS, 2014, p. 11).

Uma outra definição foi dada pelo também professor Carlos Roberto Gonçalves, o qual afirma o poder familiar como sendo “o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores” (2020, p. 143). A partir dessa definição é possível aprofundar a temática da alienação parental, pormenorizando os critérios que estruturam o conceito de poder familiar. 

O conjunto de direitos e deveres citados pelo autor, são incisos presentes no artigo 1.634 do CC, dentre os quais citam a respeito da criação e educação do menor, o exercício da guarda unilateral ou compartilhada, o consenso ou a negativa para casarem, viajarem para o exterior ou mudarem de residência permanente para outro Município, o dever de representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos e o direito de exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição (BRASIL, 2002).

No que tange à igualdade de condições por ambos os pais, Gonçalves (2020) discorre a respeito da importância do exercício do poder familiar por ambos os genitores e as suas exceções. Um dos principais objetivos da prática é o desenvolvimento saudável e equilibrado do menor através do fornecimento de uma educação adequada, do ponto de vista formal e social, tanto no ambiente escolar como nos ambientes que fornecem desenvolvimento emocional e cognitivo (GONÇALVES, 2020, p. 145).

A importância do exercício do poder familiar por ambos os pais deságua na discussão a respeito da alienação parental, visto que a família é considerada como a célula da sociedade e, portanto, recebe atenção especial do Estado para a manutenção e desenvolvimento do organismo familiar (DIAS, 2021, p. 29). 

Com relação às exceções, Gonçalves afirma que há algumas situações anormais em que o poder familiar recairá apenas em um de ambos os genitores. Uma das situações é a morte de um dos conviventes, a suspensão ou destituição desse poder previstos no Código Civil ou a não possibilidade por motivo de força maior, além da possibilidade de atribuição de guarda que pode ser unilateral ou compartilhada, ficando o poder familiar condicionado ao tipo de guarda estabelecido (2020, p. 149 e 150). 

Por meio dessas exceções é possível extrair a importância dada pela legislação e o Estado à participação de ambos os genitores na organização e equilíbrio familiar, enquanto critério basilar da sociedade. O poder familiar, também conhecido como autoridade parental, é baseado na ideia de que ambos os pais compartilham igualmente a responsabilidade pela criação e educação de seus filhos. Isso reflete princípios de igualdade de gênero e é destinado a garantir o bem-estar da criança, permitindo que ela tenha relacionamentos saudáveis com ambos os pais, quando possível. 

A presença de ambos os pais na vida do filho tende a promover um ambiente mais equilibrado e estável para o seu desenvolvimento. No entanto, em casos de divórcio ou separação, os detalhes da guarda e responsabilidade parental podem ser ajustados com base nas melhores necessidades da criança.

O Poder Familiar e a Alienação Parental estão relacionados no contexto das relações familiares, particularmente em casos de divórcio ou separação em que há crianças envolvidas. Enquanto o Poder Familiar refere-se aos direitos e responsabilidades dos pais em relação à criação, educação e cuidados de seus filhos e na necessidade de ambos possuírem o dever de exercer esses direitos em benefício do bem-estar da criança.

A Alienação Parental, por sua vez, ocorre quando um dos pais, intencionalmente ou não, age de maneira que influencia negativamente a criança contra o outro. Isso pode incluir difamação, manipulação emocional, restrição de contato e outras táticas que prejudicam o relacionamento da criança com um dos pais (FIGUEIREDO, ALEXANDRIDIS, 2014, p. 40 e 41).

A relação entre esses conceitos é que a alienação parental pode afetar negativamente o exercício do poder familiar. Quando um dos pais aliena a criança contra o outro, isso pode prejudicar o relacionamento saudável e a comunicação entre a criança e o pai alienado. Pode resultar também em conflitos legais relacionados à guarda, visitação e autoridade parental (FIGUEIREDO, ALEXANDRIDIS, 2014).

Estipuladas as exceções que determinam o poder familiar exclusivo, emerge a necessidade de discutir-se acerca dos reflexos da dissolução do casamento quanto à pessoa dos filhos, dentre eles, a guarda compartilhada. A guarda compartilhada, como afirma Dias (2021), é a consequência que resta aos genitores após a dissolução do casamento. 

A guarda é um aspecto do poder familiar que diz respeito à convivência direta com um filho menor incapaz na mesma residência. Isso implica no dever de cuidar diretamente dos interesses do filho e representá-lo em questões legais em que ele esteja envolvido. A custódia, por sua vez, surge como consequência da separação dos pais, independentemente de terem sido casados ou não (MADALENO, 2022, p. 191).

Antes da dissolução do casamento, contudo, ambos os pais já exercem implicitamente a guarda de seus filhos menores por meio do poder familiar. No entanto, quando ocorre a dissolução do casamento, seja por separação de fato ou divórcio, torna-se necessário determinar quem terá a responsabilidade direta pela guarda, enquanto o outro terá o direito de visitação (direito convivencial), ou se a guarda será compartilhada (FIGUEIREDO, ALEXANDRIDIS, 2014, p. 36).

Nesse sentido, a guarda compartilhada legal busca assegurar que, apesar da separação pessoal dos pais e da vivência em lares distintos, eles continuem assumindo a responsabilidade pela criação, educação e sustento de seus filhos. Isso significa que devem continuar desempenhando suas funções parentais de maneira eficaz, priorizando exclusivamente os interesses de seus filhos em comum, em vez de quaisquer interesses egocêntricos que possam vir a ter (MADALENO, 2022, p. 206).

Como bem pontua a professora Maria Berenice Dias:

Falar em guarda de filhos pressupõe a separação dos pais. Porém, o fim do relacionamento dos pais não pode levar à cisão dos direitos parentais. O rompimento do vínculo familiar não deve comprometer a continuidade da convivência dos filhos com ambos os genitores. É preciso que eles não se sintam objeto de vingança, em face dos ressentimentos dos pais (2021, p. 433)

Em qualquer separação dos pais, a determinação da guarda, seja compartilhada ou unilateral, é uma condição incontornável e depende das circunstâncias para encontrar a melhor solução, sendo um pré-requisito igualmente crucial para estabelecer a custódia (MADALENO, 2022). A guarda compartilhada é uma proteção jurídica dada à pessoa dos filhos, o art. 1.583, § 1º, do Código Civil, com a redação dada pela Lei n. 11.698/2008, conceitua a guarda compartilhada como “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns” (GONÇALVES, 2020).

Nesse contexto, a Lei 13.058/2014 reformulou a guarda compartilhada, e agora também estabelece uma distribuição equilibrada do tempo de convívio dos filhos com ambos os pais, além de exigir que os pais que não vivem juntos compartilhem a responsabilidade conjunta no exercício do poder familiar. De acordo com o artigo 1.583, § 2º , do Código Civil, na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido igualmente entre a mãe e o pai, levando sempre em consideração as circunstâncias reais e os interesses das crianças (BRASIL, 2014).

A alienação parental é frequentemente promovida pelo pai ou mãe que detém a guarda, e transfere para a criança ou adolescente seus sentimentos negativos, como raiva e ressentimento em relação ao ex-parceiro (MADALENO, 2022, p. 229).

Dessa forma, entende-se que sendo a guarda compartilhada ou unilateral, o arcabouço jurídico defende o direito fundamental à convivência familiar, que se encontra também regulamentado no capítulo III, art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que diz respeito ao direito da criança e do adolescente ao convívio saudável com ambos os pais: 

Art. 4º Declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de ofício, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso.

Questões como o poder familiar e o direito de convivência, desaguam no que conhecemos hoje como alienação parental. É crucial para o bem-estar dos filhos que haja uma cooperação entre os pais, permitindo que eles aceitem e compreendam o término do relacionamento conjugal, pois proteger os filhos significa também evitar que se tornem ferramentas de vingança dos pais (MADALENO, 2022, p. 227).

3. ALIENAÇÃO PARENTAL: conteúdo e consequências no âmbito da família 

A conexão emocional entre pais e filhos deve ser mantida, mesmo que a relação entre os pais não seja mais uma família formalizada ou mesmo que nunca tenha existido como tal. Essa preservação deve basear principalmente nos vínculos de afeto, respeito e consideração mútua. Com efeito, lamentavelmente, quando ocorre o fim da intenção de manter uma família ou devido à quebra de deveres associados a ela, ou até mesmo quando a formação familiar não segue o esperado, por ambos muitas vezes resulta em sentimentos de hostilidade, ódio ou inimizade entre os pais, seja de ambos ou de apenas um deles (FIGUEIREDO, ALEXANDRIDIS, 2014).

Dessa forma, com frequência, um dos pais pode induzir falsas crenças e memórias no filho em relação ao outro, o que resulta em uma tentativa de isolá-lo socialmente, seja como forma de punição, vingança ou mesmo sob pretexto falso de proteção ao filho menor, como se o dano causado ao genitor fosse se repetir com a criança, dando ensejo então a alienação parental.

Designa-se Alienação Parental a conduta na qual um dos envolvidos, de alguma forma, modifica a visão que a criança possui do outro genitor, para que ela passe a possuir sentimentos negativos e queira se afastar do genitor alienado. É chamado de alienado o indivíduo que pratica tal conduta, e alienado o genitor que sofre os ataques (FIGUEIREDO e ALEXANDRIDIS, 2014). 

A expressão “alienação parental” foi cunhada pelo psiquiatra e psicanalista americano Richard A. Gardner em 1985, em seu trabalho “The Parental Alienation Syndrome”. No entanto, o conceito de um dos pais influenciar negativamente uma criança contra o outro pai já era discutido na psicologia e na área jurídica antes disso (GONÇALVES, 2020, p. 104).

Em 1985, o professor da Universidade de Colúmbia Richard Gardner, descreveu pela primeira vez, a Síndrome da Alienação Parental. Na definição de Gardner (2002) a Síndrome de Alienação Parental (SAP) é: 

Um distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças. Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a “lavagem cerebral, programação, doutrinação”) e contribuições da própria criança para caluniar o genitor- alvo. Quando o abuso e/ou a negligência parentais verdadeiros estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e assim a explicação de Síndrome de Alienação Parental para a hostilidade da criança não é aplicável. (GARDNER, 2002, p. 2).

Apesar do termo “alienação parental” não ter surgido no Brasil, foi popularizado em âmbito legal e psicológico através da Lei nº 12.318, publicada em 2010. Essa lei brasileira trata especificamente do fenômeno da alienação parental e estabelece medidas para prevenir e combater essa prática prejudicial aos filhos menores e aos relacionamentos familiares.

No Brasil, a lei e o termo ganharam importância para lidar com casos em que um dos pais tenta manipular a criança para afastá-la do outro genitor após divórcio ou separação. O objetivo da lei é proteger o direito da criança de manter relacionamentos saudáveis com ambos os pais, mesmo em situações de conflito entre os adultos.

É importante frisar que nem sempre a situação caracteriza alienação parental e, portanto, é importante não tratar a possibilidade de alienação parental em disputas de guarda e direito de convivência com o filho menor de maneira que toda alegação contra um dos genitores seja automaticamente considerada como uma campanha depreciativa. Assim, o juiz se depara com situações em que existem graves alegações contra a parte vitimada, que podem ser resultado da campanha depreciativa do alienador ou não. Cabe ao juiz agir com a inteligência e a perspicácia necessárias para descobrir a verdade, o que, na maioria das vezes, é uma tarefa desafiadora (FIGUEIREDO e ALEXANDRIDIS, 2014).

O artigo 2º da mencionada lei dispõe que é considerado um ato de alienação parental qualquer intervenção na saúde psicológica de uma criança ou adolescente, realizada por um dos pais, pelos avós ou por qualquer pessoa que tenha autoridade, guarda ou supervisão sobre a criança ou adolescente, com o objetivo de fazê-los rejeitar um dos pais ou prejudicar a criação ou manutenção de vínculos com esse pai. O parágrafo único do mesmo artigo explicita formas exemplificativas de alienação parental como difamar o comportamento do genitor no exercício de sua parentalidade; dificultar o exercício da autoridade parental; impedir o contato da criança ou adolescente com o genitor; ou obstruir o cumprimento do direito regulamentado de convivência familiar (BRASIL, 2010).

O art. 3º, por sua vez, diz respeito à proteção à dignidade da pessoa humana, que se trata de princípio fundamental e se encontra prevista no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal. A alienação parental também desrespeita o amadurecimento moral, afetivo dos menores e fere o princípio da solidariedade, que corresponde ao compromisso pelo qual as pessoas se obrigam umas pelas outras, em comunhão de atitudes e sentimentos. Além de atingir o princípio da dignidade da pessoa humana, que pode ser compreendido como a consciência que o ser humano tem de seu próprio valor, o respeito que pode exigir de todos pela sua condição de ser humano, de não ser prejudicado em sua existência, vida, corpo ou saúde, e de usufruir de um âmbito existencial característico seu (FIGUEIREDO e ALEXANDRIDIS, 2014, p. 56-60).

O art. 4º afirma que quando for identificado um indício de alienação parental, seja por solicitação das partes ou por iniciativa do juiz, em qualquer estágio do processo, seja em uma ação independente ou incidental, o processo terá prioridade em sua tramitação. O juiz, com urgência e após consultar o Ministério Público, tomará as medidas provisórias necessárias para proteger a integridade psicológica da criança ou adolescente. Isso inclui garantir sua convivência com o genitor afetado ou facilitar uma reconciliação efetiva entre eles, se for apropriado (BRASIL, 2010).

Em respeito à convivência familiar o parágrafo único do citado artigo afirma que será garantida à criança ou ao adolescente, bem como ao genitor, a garantia mínima de visitação assistida, a menos que haja um risco iminente à integridade física ou psicológica da criança ou adolescente. Nesses casos, um profissional designado pelo juiz acompanhará as visitas para assegurar a segurança (BRASIL, 2010).

O estudo iniciado pelo psicólogo Richard Gardner, fez surgir a necessidade de estabelecer as diferenças entre a síndrome de alienação parental e a alienação parental, assim como bem elucida a professora Priscila Corrêa da Fonseca, ao afirmar que: 

A síndrome da alienação parental não se confunde, portanto, com a mera alienação parental. Aquela geralmente é decorrente desta, ou seja, a alienação parental é o afastamento do filho de um dos genitores, provocado pelo outro, via de regra, o titular da custódia. A síndrome, por seu turno, diz respeito às sequelas emocionais e comportamentais que vem a padecer a criança vítima daquele alijamento. Assim, enquanto a síndrome refere-se à conduta do filho que se recusa terminantemente e obstinadamente a ter contato com um dos progenitores e que já sofre as mazelas oriundas daquele rompimento, a alienação parental relaciona-se com o processo desencadeado pelo progenitor que intenta arredar o outro genitor da vida do filho. Essa conduta – quando ainda não dá lugar à instalação da síndrome – é reversível e permite – com o concurso de terapia e auxílio do Poder Judiciário – o restabelecimento das relações com o genitor preterido (2007, p. 7)

Assim, a alienação parental atenta contra a ordem constitucional e constitui um verdadeiro abuso moral em face da criança e do adolescente, conforme preconiza o artigo 3º da Lei nº 12.318/2010, à medida que impossibilita a convivência familiar – que é fator essencial da formação da personalidade infanto-juvenil, pois a criança não cresce de maneira saudável sem a construção de um vínculo afetivo, estável e verdadeiro com seus pais –, sendo causa de transgressão do princípio da convivência familiar, previsto no já citado artigo do texto constitucional.

4. A MEDIAÇÃO FAMILIAR EM CASOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL

Tendo em vista as constantes evoluções perpassadas pela organização familiar, é válido ressaltar a importância da relação entre a aplicação atual da legislação civil e a entidade familiar. A autora Maria Berenice Dias expõe em sua obra a respeito do contraponto entre a valoração excessiva das normas jurídicas e a necessidade da atuação mais subjetiva do Direito, considerando, nesse sentido, as relações afetivas e os sentimentos das partes envolvidas, tendo em vista que geralmente são critérios presentes nos litígios familiares (DIAS, 2021).

A autora, ao citar o abarrotado número de litígios familiares no Judiciário e o raro efeito apaziguador desejado, dispõe a respeito da necessidade de profissionais com qualificação interdisciplinar, de forma a entender as emoções envolvidas e a complexidade dos laços familiares, não sendo suficiente apenas o conhecimento técnico-jurídico. Dias (2021, p. 91-95) afirma, ainda, a necessidade de uma abordagem que envolva profissionais de diversas áreas, como psicólogos, assistentes sociais e mediadores, para compreender plenamente as dinâmicas familiares, os sentimentos das partes envolvidas e promover soluções mais adequadas e eficazes para as situações familiares complexas. 

De maneira abrangente, no que diz respeito à conceituação, a mediação pode ser descrita como um processo em que um terceiro auxilia na negociação entre as partes envolvidas em um conflito. Alguns autores preferem definições mais abrangentes, argumentando que a mediação é um método autocompositivo no qual as partes em disputa recebem assistência de uma terceira parte neutra ou de um grupo de pessoas sem interesse direto no caso, com o objetivo de chegar a um acordo (CNJ, 2016).

A ideia da mediação, tanto judicial como extrajudicial, é agilizar os processos jurídicos que envolvam partes conflitantes. É um método de resolução de disputas que envolve uma série de procedimentos nos quais o terceiro imparcial facilita a comunicação entre as partes em conflito, ajudando-as a compreender melhor suas posições e a encontrar soluções que atendam aos seus interesses e necessidades. 

De acordo com a doutrinadora Maria Berenice Dias (2021, p. 97), a mediação, por outro lado, tem como objetivo transformar uma situação de confronto em um processo colaborativo, incentivando o diálogo e a criação conjunta da solução pelas próprias partes envolvidas. O mediador desempenha o papel de facilitador do diálogo, para que as partes possam autonomamente e solidariamente construir alternativas satisfatórias. Vale ressaltar que o mediador não toma a decisão final, pois a mediação visa possibilitar que os envolvidos reassumam a responsabilidade por suas próprias escolhas.

A lei, por sua vez, conceitua no § 3º, art. 165 do Código de Processo Civil, agente mediador como aquele “que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos” (BRASIL, 2015).

Nesse sentido, a mediação, ao conduzir os conflitos e estabelecer a comunicação entres as partes, pode promover não só a facilitação do diálogo, mas também a predominância de soluções personalizadas, a preservação de relacionamentos, a economia de tempo e recursos e a redução de litígios. 

O projeto de lei da alienação parental nº 12.318 de 2010, previa nos artigos 9º e 10, respectivamente a respeito da utilização do procedimento da mediação para a solução de litígios familiares e aplicação de sanção nos casos de relato falso que pudesse vir a restringir a convivência do filho com o genitor. O fundamento para o veto, relacionado a utilização de mediação familiar, foi pautado no art. 227 da Constituição Federal de 1988, sob a alegação de que o direito da criança e do adolescente à convivência familiar é indisponível, não devendo caber apreciação por mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos. Ademais, o dispositivo contrariava a Lei n. 8.069, de 13-7-1990, que prevê a aplicação do princípio da intervenção mínima (BRASIL, 2010).

O artigo objeto do veto, assim determinava: 

As partes, por iniciativa própria ou sugestão do juiz, do Ministério Público ou do Conselho Tutelar, poderão utilizar-se do procedimento da mediação para a solução do litígio, antes ou no curso do processo judicial.
§ 1º O acordo que estabelecer a mediação indicará o prazo de eventual suspensão do processo e o correspondente regime provisório para regular as questões controvertidas, o qual não vincula eventual decisão judicial superveniente.
§ 2º O mediador será livremente escolhido pelas partes, mas o juízo competente, o Ministério Público e o Conselho Tutelar formarão cadastros de mediadores habilitados a examinar questões relacionadas à alienação parental.
§ 3º O termo que ajustar o procedimento de mediação ou o que dele resultar deverá ser submetido ao exame do Ministério Público e à homologação judicial (BRASIL, 2010, s/p).

Contudo, tal vedação foi objeto de crítica de muitos autores, dentre eles, a autora Maria Berenice Dias (2010, s/p)) que, à época, afirmou: 

De forma para lá de desarrazoada foram vetados dois procedimentos dos mais salutares: a utilização da mediação e a penalização de quem apresenta relato falso que possa restringir a convivência do filho com o genitor. Assim a lei que vem com absoluto vanguardismo deixa de incorporar prática que tem demonstrado ser a mais adequada para resolver conflitos familiares.

Nesse caso, a mediação aplicada à solução de litígios familiares foi interpretada como uma ofensa ao direito de convivência familiar e intervenção mínima do Estado. Ocorre que os autores Selonk & Oltramari (2014), afirmam em contraponto, que a vedação do art. 9º da Lei de Alienação Parental apesar de afirmar o desrespeito a indisponibilidade do direito à convivência familiar, é importante destacar que a mediação não tem finalidade de encobrir práticas ilegais.

Os autores afirmam que por ser apenas um método para a resolução de conflitos, não é justificável que as ações resultantes dela possam desrespeitar o cumprimento do direito, visto que se o acordo, por regra, estiver em desacordo com o estipulado na Constituição, é considerado inválido. Nesse contexto, para que uma decisão proveniente da mediação familiar seja legalmente exigível, é essencial que haja supervisão e fiscalização do Estado (SELONK, OLTRAMARI, 2014).

Com o intuito de assegurar a efetividade e constitucionalidade, especialmente em conformidade com o mencionado dispositivo constitucional, que a homologação judicial e a participação do Ministério Público se apresentam como meios viáveis para a eficácia da mediação no contexto do direito de família. Foi nessa direção que o parágrafo 3º do artigo vetado estabelecia que o resultado do procedimento de mediação seria submetido à avaliação do Ministério Público e do Poder Judiciário, que teriam a prerrogativa de homologar ou rejeitar o acordo resultante desse processo (SELONK, OLTRAMARI, 2014).

Selonk & Oltramari (2014) afirmam, portanto, que o argumento de inconstitucionalidade mencionado nas razões de veto não se sustenta. Outro ponto que embasou o veto presidencial, conforme Santos e Melo Júnior (2011), argumenta que o uso da mediação viola o princípio da intervenção mínima estabelecido pela Lei 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). No entanto, a mediação familiar mostra-se uma ferramenta importante para auxiliar na resolução da alienação parental, e se reconhecidos os interesses dos filhos menores como prioritários, não há que se falar em disponibilidade ou intervenção excessiva.

Dessa forma, apesar de não previsto em lei, nada impede as partes, de forma consensual, estabeleçam acordo com relação as desavenças familiares que incidem na alienação parental. Apesar de retirada a possibilidade no dispositivo da legislação, isso não impede sua prática nos Juízos de Família, quando se está diante de casos de alienação, visto que se as partes envolvidas têm a legitimidade para submeter um acordo à homologação judicial, com o propósito de resolver, por meio da mediação, questões disputadas, como no caso da alienação parental, não há nenhum impedimento para isso (GRINOVER; WATANABE; LAGRASTA NETO, 2008).

Com o rompimento da relação conjugal, independe da situação auferida, a competência sobre a criação e educação dos filhos, visto que conforme garantido na Constituição, no direito de família prevalece o princípio da igualdade entre genitores e compete a ambos os pais as obrigações materno-filiais. Ocorre que a separação conjugal, em muitos casos, resulta em traumas para uma das partes, provocando sentimentos de abandono, rejeição e traição, o que pode despertar o desejo de vingança. Aqueles que não conseguem lidar adequadamente com o processo de separação podem iniciar uma jornada de destruição, desmoralização e descredibilização do outro, frequentemente recorrendo a táticas como privar o outro do convívio com os filhos, utilizando-os como instrumento de manipulação (DIAS, 2023).

Considerando esse cenário, Dias (2021, p. 96) reforça em sua obra a importância da mediação interdisciplinar para a coibição de atos de alienação parental, ao afirmar que a decisão judicial raramente atende plenamente às aspirações daqueles que buscam, sobretudo, a reconstrução de danos emocionais causados pelo fim do ideal de uma relação conjugal, em vez de simples compensações financeiras ou reparações materiais. Mesmo após o término do processo legal, persiste o sentimento de impotência entre os envolvidos nas disputas familiares. 

E considerando a ausência dos efeitos desejados, a autora afirma ainda, não haver outro campo senão as técnicas alternativas como a mediação, para levar as partes a encontrar uma solução consensual sejam mais eficazes do que nos conflitos familiares. Essas abordagens permitem identificar as necessidades específicas de cada membro da família, diferenciando funções, papéis e responsabilidades individuais e isso possibilita que os membros da família reconstruam um novo perfil familiar (DIAS, 2021, p. 97).

Nesse contexto, é inegável que a mediação familiar desempenha um papel fundamental na resolução de conflitos que podem resultar em Alienação Parental. Ela contribui para evitar que essa situação se prolongue, reduzindo os impactos negativos sobre todas as partes envolvidas, com foco especial nas crianças, que frequentemente são as mais afetadas por esse tipo de conflito. A mediação ajuda a promover um diálogo construtivo entre os pais, permitindo que eles trabalhem juntos na busca de soluções que atendam aos interesses e necessidades dos filhos, ao invés de perpetuar o conflito e os danos emocionais associados à Alienação Parental.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em conclusão, o presente estudo a respeito da alienação parental e a mediação familiar como solução de conflitos, revela a complexidade das dinâmicas familiares e a importância de abordar esse problema de maneira sensível e eficaz. A alienação parental representa uma realidade dolorosa para muitas famílias e, frequentemente, tem efeitos prejudiciais profundos sobre o bem-estar das crianças envolvidas. A mediação familiar surge como uma abordagem valiosa e viável juridicamente para lidar com esses conflitos, oferecendo um espaço seguro para os pais expressarem suas preocupações e trabalharem juntos na construção de acordos que priorizem o melhor interesse das crianças. 

Através da mediação é possível criar um ambiente propício para a comunicação e a cooperação entre os pais, reduzindo a hostilidade e o litígio que podem agravar ainda mais a alienação parental. Além disso, a mediação promove a participação ativa das crianças no processo decisório, permitindo que suas vozes sejam ouvidas e suas necessidades consideradas.

No entanto, é importante reconhecer que a mediação não é uma solução única e universal para todos os casos de alienação parental. Há situações em que a intervenção judicial e a terapia familiar podem ser necessárias para garantir a segurança e o bem-estar das crianças. Portanto, a abordagem adequada deve ser escolhida com base na gravidade do caso e nas necessidades específicas da família envolvida.

Em última análise, o estudo sobre alienação parental e mediação familiar destaca a importância de abordar esse problema de maneira completa e multidisciplinar, considerando tanto as necessidades emocionais e psicológicas das crianças quanto a capacidade dos pais em cooperar. Em resumo, a mediação familiar desempenha um papel crucial na mitigação da alienação parental, de forma a promover uma comunicação mais eficaz entre os genitores, a garantia do bem-estar dos filhos, a redução de litígios e a promoção da educação e conscientização dos pais, para a importância da presença de ambos os genitores para o desenvolvimento saudável do menor.

REFERÊNCIAS

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