REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102412121656
Cleovan de Sousa Ferreira[1]
Tayrine de Lima Borges[2]
Fabrícia Gomes da Silva [3]
INTRODUÇÃO
Os caminhos que possibilitam pensar e efetivar a inclusão escolar, perpassam por variados elementos, dentre eles as metodologias que subjazem a atividade pedagógica dos professores na educação para crianças. Destaca-se aqui nessa pesquisa o entrelaçamento possível entre uma das aquisições mais sofisticadas que é a alfabetização a partir do trabalho com poesias e a inclusão escolar. É objetivo do estudo analisar o uso da poesia dentro do processo de alfabetização na perspectiva inclusiva. Como metodologia foi utilizada a abordagem de natureza qualitativa através da pesquisa bibliográfica e de campo. Para o trabalho de investigação no campo empírico foi desenvolvido o Projeto Alfa Rimando, fazendo-se uso do instrumento da observação participante. A investigação foi realizada em uma escola localizada no município de Picos – Piauí e teve duração de cinco semanas entre o planejamento e a efetiva prática. Os dados tratados estão organizados aqui desde os diálogos teóricos que embasaram o objetivo de pesquisa, perpassado pela estrutura metodológica e chegando a exposição dos resultados e discussões.
TECENDO FIOS SOBRE A ALFABETIZAÇÃO
Antes do século XX os estudos relacionados à alfabetização no Brasil eram poucos e apenas baseados nos métodos e cartilhas para as técnicas do ato de alfabetizar. No contexto social da época poucas pessoas tinham acesso à educação, sendo algo bem distante para a maioria da sociedade brasileira. No século XIX começou um processo de implementação do Sistema Brasileiro de Ensino, logo após percebeu-se grandes mudanças no âmbito da alfabetização, com um olhar voltado para as práticas pedagógicas dos professores, com visão voltada para a aprendizagem da leitura e da escrita (Silva; Coelho, 2020).
Hoje, a alfabetização é muito discutida e rica em experiências. A escola brasileira vê que esse processo deve ser aprimorado não só pelos professores nas primeiras séries dos anos iniciais, pois trata-se de uma aprendizagem que dura e se aprimora ao longo da vida (Sali; Magnani; Patella, 2023).
Sobre uma definição mais acadêmica, a alfabetização pode ser considerada como a relação de sons com letras, fonemas com grafemas, para codificar ou para decodificar. Além disso, também envolve a maneira que a criança pega o lápis, qual sentido ela escreve, se é de cima para baixo, da esquerda para direita. Para isso, é importante a codificação e decodificação das palavras (Matos, et al, 2023).
Na alfabetização o indivíduo passa a desenvolver habilidades que permitem que ele decodifique uma mensagem escrita, sendo capaz de decodificar algo falado oralmente e repassar para a forma escrita. Para algumas crianças, a escrita tem uma representação gráfica antes mesmo de começar a ir para escola, ela vem a partir da interação ou contato com pessoas que leem e escrevem. A escrita vem da própria leitura, por isso, a alfabetização é mais do que aprender a soletrar sons ou mesmo a simbolizar graficamente um símbolo em si (Sali; Magnani; Patella, 2023).
A leitura e escrita estão inseridas na vida social da criança desde o seu nascimento, motivo pelo qual, algumas, consegue falar muito cedo. Ela tem contato com um mundo de letras através de placas de sinalização, autdoors, propagandas e até livros. Geralmente, a criança tem interação com sua família e os meios em que ela vive, tanto pela oralidade, quanto pela escrita, o que favorece sua entrada “nesse mundo” das letras (Silva; Coelho, 2020).
Em casa ou na escola quando conta-se ou lê uma história para a criança mostrando as gravuras, ela já está sendo alfabetizada. Quando se conta uma história várias vezes ela consegue fazer uma releitura da história, mesmo não sabendo ler. Sendo assim, é importante que a escola permita o contato dos alunos com diversos livros e materiais de leitura, já que as crianças que tem contato com os materiais de leitura, geralmente, vão aprendendo a ler corretamente, destacando que, alfabetizar é uma tarefa que exige esforço, paciência e dedicação de ambas as partes, professor-aluno, escola-família (Paixão, 2022).
A partir dos estudos construtivistas de Jean Piaget (1896-1980), durante o processo de construção da escrita, a criança passa por quatro etapas ao ser alfabetizada. São elas: Fase Pré-silábica; Hipótese Silábica; Hipótese silábico-alfabética; Escrita Alfabética. A Fase Pré-silábica pode ser dividida em duas subfases. Na primeira, a criança utiliza letras convencionais e outros símbolos aleatoriamente para escrever nomes de coisas de acordo com o seu tamanho (Matos; Guerra; Böes, 2023).
Na segunda subfase, a criança já consegue perceber que para coisas diferentes existem nomes diferentes, ou seja, é necessário usar letras e símbolos diferentes entre si na escrita de uma palavra. Na Hipótese Silábica a criança constrói a hipótese de que a escrita é a representação das partes sonoras da fala, em que precisa utilizar uma letra para representar cada sílaba da palavra (Matos, et al, 2023).
Na última fase, a da Escrita Alfabética, a criança já tem domínio do sistema de representação da língua escrita, compreende que cada valor sonoro, corresponde uma letra, que cada letra e seu som formam sílabas e cada sílabas e seu som formam palavras. (Matos, et al 2023).
Os anos iniciais do ensino fundamental são de extrema importância para o estudante, pois é a partir daí que as crianças têm os primeiros contatos com a língua formal falada, conhecendo os signos dos sons e aprendendo como representar cada som graficamente. O processo de alfabetização envolve a escola, professor, aluno e família, onde a escola deve ser um ambiente alfabetizador comprometido com a qualidade do ensino, e os professores serem sensíveis as necessidades individuais dos seus alunos. Por isso, é fundamental que o docente tenha uma diversidade de conhecimentos de como deve alfabetizar e letrar uma criança da forma correta, para que estas não sejam adultos sem domínio da leitura, da escrita e do entendimento do que estes significam no/para o mundo (Alves; Teixeira, 2022).
Sali, Magnani, Patella (2023) falam que:
Atualmente, o professor alfabetizador tem um grande desafio, pois além de ensinar o domínio da leitura e da escrita, é preciso torná-la um uso social, um meio pelo qual o aluno interage com o mundo ao seu redor, compreende o que lê e se comunica, através de diferentes formas de linguagem. É necessário que a escola pense em como a alfabetização pode ser compreendida e como direcionar esse processo para que, além da alfabetização, o aluno também seja letrado. Um professor deve ser muito mais que um facilitador da aprendizagem, pois não basta utilizar métodos e técnicas para ensinar.
Dessa forma, o professor alfabetizador precisa estar sempre se reinventado, se aperfeiçoando e em constante formação, já que não é uma tarefa fácil. É necessário, considerar a evolução de cada criança e o seu processo de aprendizagem, já que ele como mediador desse aprendizado, deve sempre estar atento as dificuldades e os avanços de cada aluno.
AS CONTRIBUIÇÕES DA POESIA NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA
A arte é algo inerente a vida humana. Desde o surgimento da humanidade até hoje, estamos em contato com ela. Na pré-história, por exemplo, o contato do homem com a arte, se materializava nas pinturas rupestres, estas por sua vez, eram utilizadas para representar situações cotidianas. Nessa perspectiva, entende-se que ela é sinônimo de manifestação, expressão e movimento.
Música, dança, pintura, escultura, teatro, cinema e literatura, são exemplos de manifestações artísticas. É no universo da arte literária que encontramos uma das mais belas e sensíveis expressões artísticas: a poesia. Nas entrelinhas do texto poético, as palavras conversam entre si de forma harmoniosa despertando em seus admiradores, sentimentos e emoções que transcendem a leitura do texto escrito.
A inserção da poesia no processo de ensino e aprendizagem pode deixar a prática pedagógica mais dinâmica, leve e prazerosa, uma vez que, as situações lúdicas, além de serem um direito da criança, tornam o processo menos enfadonho.
A poesia é um adorável recurso para ser utilizado em qualquer etapa do processo de ensino-aprendizagem. Ler e brincar com as palavras e a musicalidade de sua estrutura desenvolve, em primeiro e mais importante aspecto, o prazer da leitura, a imaginação, criatividade, e a vontade de retornar a essa experiência mágica, se apresentada adequadamente, principalmente na fase de alfabetização. (Picussa; Tegori, 2020, p. 1)
A poesia se constitui como uma eficiente ferramenta pedagógica, no processo de alfabetização e desenvolvimento da criança, pois a combinação de palavras, as repetições e as rimas contidas nas entrelinhas dos textos poéticos, além de aguçar o prazer e o gosto pela leitura, ajudam a criança no processo de memorização e consequentemente a assimilação torna-se mais fácil.
O uso da arte poética como recurso pedagógico ajuda a exercitar a criatividade, e permite a criança expressar-se e conhecer-se, visto que, a poesia é a arte da materialização de sentimentos e emoções. A arte poética pode e deve ser usada como instrumento ou ponte para a compreensão da vida e para a assimilação de conceitos sutis ou explícitos através das palavras. (Santos, 2022, p 1583).
A poesia é sopro de vida que encanta, humaniza e desembrutece (Cruz, 2023, p. 269). A poesia tem o poder de tocar a alma, ao ler certos textos poéticos, somos tomados por um misto de emoções. O ritmo e a musicalidade presentes na estrutura do texto poético, causam um encantamento e nos reporta para outros lugares. A poesia é universal, é arte acessível para todas pessoas.
Ao ler um texto poético, as crianças têm a oportunidade de refletir sobre situações cotidianas diversas, e aprender sobre temas diversificados, exercitando assim o pensamento reflexivo e crítico. Desse modo, inserir a poesia no contexto escolar é oportunizar um processo de ensino e aprendizagem inclusivo, acessível e diversificado.
A poesia é uma ferramenta que, na prática, traz em seu bojo mensagens significativas que convidam à reflexão, identidade com diversos temas passados ou contemporâneos e ainda provoca a vontade de expressar pensamentos. A poesia é uma arte democrática, qualquer pessoa pode acessá-la e escrevê-la. (Santos, 2022, p 1583).
A poesia é presente, passado e futuro. Ela nos possibilita refletir e fazer conexões sobre os mais variados temas. Quando o professor utiliza a poesia como ferramenta pedagógica ele enriquece o repertório das crianças. Vários aspectos tais como, oralidade, escrita, interpretação, imaginação e criatividade podem ser observadas, desenvolvidos e aperfeiçoados, quando a poesia é usada como uma ferramenta pedagógica no processo de ensino e aprendizagem, do qual faz parte a alfabetização.
A utilização da poesia em sala de aula, pode ampliar e diversificar o repertório pedagógico do professor, potencializar o nível de aprendizagem das crianças e deixar o processo de alfabetização mais dinâmico, acessível, leve e prazeroso.
ALFABETIZAÇÃO E POESIA: CAMINHOS QUE LEVAM À INCLUSÃO
Pensar em inclusão, é ainda se deparar com um caminho em construção. As ultimas duas décadas, em particular vem trazendo substanciais conquistas ao campo, todavia muito ainda precisa ser modificado da estrutura social de modo a se alcançar uma inclusão para todos. Tomando por empréstimo reflexões como as de Mittler (2003) que lembra que a política de educação inclusiva foi planejada para beneficiar todos os alunos, incluindo aqueles de minorias linguísticas e étnicas, aqueles, também, com deficiência ou dificuldades de aprendizagem.
A cerca da Educação Especial Omote (1999, p. 4) diz que ela: tem sido uma “área fértil para o aparecimento de polêmicas, propostas inovadoras e modismos. Revela, na realidade, uma área para a qual dirigem atenção, muitas vezes com intenso envolvimento, as pessoas com as mais variadas necessidades ou interesses” sendo esses os mais diversos, “desde o cientista até a própria pessoa diretamente afetada pelo problema da deficiência. Aliás, a questão da deficiência sempre comportou paixões e temores, ensejando muitas reações ambivalentes das pessoas”.
Os desafios na Educação Especial Inclusiva são ainda maiores quando se discutem processos complexos como a alfabetização. É necessário destacar que pela singularidade presente em cada indivíduo, as estratégias devem ser pensadas para todos, mas também respeitas as necessidades específicas de cada aluno, talvez seja isso vem se definindo como equidade, dar oportunidades iguais, mas com suportes diferentes, de acordo com cada um. Como afirma Glat (2007, p. 16):
A Educação Inclusiva significa um novo modelo de escola em que é possível o acesso e a permanência de todos os alunos, e onde os mecanismos de seleção e discriminação, até então utilizados, são substituídos por procedimentos de identificação e remoção das barreiras para a aprendizagem. Para tornar-se inclusiva a escola precisa formar seus professores e equipe de gestão, a rever as formas de interação vigentes entre todos os segmentos que a compõem e que em nada interferem. Precisa realimentar sua estrutura, organização, seu projeto-pedagógico, seus recursos didáticos, metodologias e estratégias de ensino, bem como suas práticas avaliativas. Para acolher todos os alunos, a escola precisa, sobretudo, transformar suas intenções e escolhas curriculares, oferecendo um ensino diferenciado que favoreça o desenvolvimento e a inclusão social.
Dentro desse contexto, a alfabetização, sendo um dos processos mais necessários dentro dos saberes acadêmicos, deve ser pensada na perspectiva inclusiva, de modo que o seu alcance permita que crianças, jovens e outros públicos tenham acesso aos conhecimentos escolares e outros, que as possibilitem estar no mundo de uma forma ativa e participativa, para tanto fala-se aqui na perspectiva de uma alfabetização ancorada no letramento.
Alfabetizar pode ser considerado como um dos processos mais difíceis e sofisticados que a humanidade tem, igualmente se diz de sua necessidade e importância, planejar e efetivar metodologias que o façam real é ainda mais desafiador quando se pensa no viés inclusivo, ou seja, que todos aprendam. A poesia pode ser um dos instrumentos pedagógicos que vem a auxiliar a alfabetização, através de suas linhas “que brincam com a realidade” e a ela dão um tom “suave e lúdico” as letras e sons podem ganhar o interesse dos alunos.
A ideia não é uniformizar ou engessar a Poesia como salvaguarda do processo de alfabetizar, mas tê-la como possibilidade dentro dos contextos da escola comum, observando que ante cada tomada de decisão metodológica é necessária a análise cuidadosa de cada realidade especifica.
PERCURSO METODOLÓGICO
O estudo ora apresentado tem uma abordagem qualitativa, uma vez que envereda pelos significados subjetivos do campo de pesquisa, procurado entrelaçar diálogos não apenas orais, como também captar os sentidos presentes em ações, gestos, silêncios e outros que fizeram parte da coleta de dados.
A respeito do método qualitativo, Minayo (2014) evidencia-que,
O método qualitativo é o que se aplica ao estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam (MINAYO, 2014, p. 57).
Nota-se que, a abordagem qualitativa se associa às vivências e percepções dos sujeitos. Nesse sentido, foi possível verificar as percepções dos alunos em relação às temáticas presentes em cada poesia, além de poderem relacioná-las com situações cotidianas.
Este estudo, trata-se, ainda, de uma pesquisa bibliográfica e de campo. A respeito da pesquisa bibliográfica, Sousa, Oliveira e Alves (2021, p. 65) apontam que ela “está inserida principalmente no meio acadêmico e tem a finalidade de aprimoramento e atualização do conhecimento, através de uma investigação científica de obras já publicadas”. Já a pesquisa de campo, para Fonseca (2022) caracteriza-se pela realização de coleta de dados junto a pessoas, com o recurso de diferentes tipos de pesquisa (pesquisa ex-post-facto, pesquisa-ação, pesquisa participante, etc.).
Foi usado como instrumento a observação participante ancorado nos registros do Diário de campo. De acordo com Minayo (2013) a observação participante é “um processo pelo qual um pesquisador se coloca como observador de uma situação social com a finalidade de realizar uma investigação científica” (Minayo, 2013, p. 70).
O campo de pesquisa foi uma sala de aula de 1º ano do Ensino Fundamental – Fase de alfabetização -, composta por 12 alunos e uma professora, de uma escola privada na cidade de Picos – PI. A escola foi previamente contatada, cedendo permissão para realização dessa investigação, bem como consentida pelos pais das crianças.
O período de pesquisa se deu durante os meses de setembro e outubro do ano de 2024, sendo estruturado em quatro semanas de trabalho participante com o desenvolvimento do Projeto: Alfa Rimando: a cada semana uma poesia, escrita especificamente para esse estudo, foi trabalhada com os alunos em sala através dos seguintes momentos: 1. Leitura da poesia; 2. Reescrita da poesia; 3. Discussão sobre o conteúdo da poesia. Os temas trabalhados foram: inclusão, respeito ás diferenças e diversidade. Os dados captados pela observação eram registrados em Diário de Campo para posterior análise e após as quatro semanas citadas, o dia 21 de outubro de 2024 foi o organizado para a culminância do Projeto, no qual as crianças foram estimuladas a relembrar o Projeto Alfa Rimando e qual o significado de cada texto trabalhado através de um livreto entregue com todas as poesias.
No contexto de escrita das poesias e produção do livreto que foi entregue às crianças no dia da culminância, é importante destacar que,
O mundo poético, carregado de imagens, cores e sons, é a primeira visão do indivíduo, mas a escola incube-se em afastá-lo dessa visão, fazendo de um trabalho inverso ao que se propõe, através da valorização de conteúdos vazios. Comprometida com o ensino utilitarista, valoriza textos “úteis” e abandona o texto literário e o conhecimento que só a poesia, enquanto, é capaz de propiciar (Cruz, 2023, p. 272).
Observa-se que no contexto escolar, outros tipos textuais são mais valorizados e utilizados do que a poesia, desconsiderando assim, os conhecimentos que esse tipo textual pode produzir. Diante disso, o projeto Alfa Rimando surge como um caminho para desconstruir essa visão.
Antes de tratar do contexto de produção das poesias, faz-se necessário, explicar a arte da capa do livreto. As poesias foram organizadas em um livreto, para posteriormente entrega às crianças. Abaixo segue a capa do livreto:
Imagem 1: Capa do livreto que compõe o Projeto Alfa Rimando
Fonte: Arquivos do Projeto Alfa Rimando (2024)
A capa é bem colorida e apresenta alguns elementos, cada um com seu significado e importância. O título “ALFA RIMANDO”, faz referência ao processo de alfabetização através da poesia rimada. O lápis e as letras, reportam-se a questão da escrita. O sol e dos cactos, fazem alusão ao nordeste, visto que, a poesia rimada é um tipo textual bem presente na região nordestina.
A temática escolhida para produzir os textos versa sobre inclusão e diversidade, com vista a despertar nas crianças um sentimento de reflexão. Abordar temáticas como essas na Educação Infantil e Anos Inicias do Ensino Fundamental é de suma importância: mostrar que a diferença é algo presente no cotidiano, e que deve-se respeitá-la. Picussa e Tegori (2020, p. 3) evidenciam que,
A poesia em si amplia as possibilidades do aluno comunicar-se e expressar-se com clareza e desenvoltura e torna-se receptivo a conhecer outros gêneros literários. As poesias realizam um exercício de memória podendo ser dramatizadas, trabalhando com as emoções confrontando-as com suas próprias vivencias; desenvolver a criatividade, transmitir valores, intervindo no processo social.
A poesia possibilita o desenvolvimento de inúmeras habilidades além de transmitir valores indispensáveis para o convívio em sociedade, dentre os quais destaca-se, o respeito às diferenças. Nesse sentido, foram produzidas poesias que tratam de inclusão, diferenças e diversidade.
Imagem 2: Poesias: “Inclusão” e “Todo mundo tem um nome”
Fonte: Arquivos do Projeto Alfa Rimando (2024)
Imagem 3: Poesias: “Somos todos diferente” e “Aquarela humana”
Fonte: Arquivos do Projeto Alfa Rimando (2024)
As poesias acima, foram produzidas exclusivamente para esse projeto. A intenção ao tratar de assuntos tão delicados, mas importantes, é provocar às crianças para refletirem sobre situações de bullying, discriminação, respeito às diferenças, entre outros.
Após o trabalho de campo, os dados foram tratados através de uma análise qualitativa com base nos autores dialogados durante o estudo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise dos achados está organizada em dois momentos: Caracterização e sentidos da prática e Alfa Rimando: por uma alfabetização inclusiva
Caracterização e sentidos da prática
No primeiro dia de realização do projeto, foi aplicada a poesia “Somos todos diferentes”. A professora assim procedeu: escreveu no quadro branco a primeira poesia que foi trabalhada em sala, explicou a estrutura de uma poesia: enfatizou sobre o título, versos, estrofes e rimas, falou também sobre como eles deveriam copiar no caderno, já que cada linha precisa ser colocada em parágrafos.
Segundo Matos et al. (2023), nos anos iniciais do Ensino Fundamental, os estudantes estão em processo de alfabetização, o foco principal da Base Nacional Comum Curricular na Língua Portuguesa deve ser a aprendizagem do sistema alfabético de escrita, nos três primeiros anos do Ensino Fundamental. Por isso, é fundamental que se trabalhe a leitura e escrita na Educação Básica.
A professora sempre estimulava “letra bonita e organizada” dos alunos – todos escrevem com letra cursiva. A poesia era bem extensa, os alunos não copiaram toda, apenas duas crianças conseguiram copiar a poesia integralmente. Das doze crianças que estudam nessa sala, apenas cinco leram a poesia completa, as demais só leram a primeira e a segunda estrofe, pois são crianças que ainda não conseguem ler sílabas complexas, apenas sílabas simples. Três crianças não focaram na leitura e não sabiam falar quando perguntadas sobre de que se tratava a poesia.
Observa-se que algumas crianças apresentam dificuldade em ler, por isso que Sali, Magnani, Patella (2023), falam em seu estudo que mesmo que a criança não saiba ler e escrever, o professor deve apresentar situações que possam ser trabalhadas em sala com as crianças, como por exemplo, quando o professor faz a leitura de determinado texto e sugere aos alunos algumas atividades em cima do texto, como: elaboração de um novo texto, escrever um final para a história antes da leitura, realizar a intepretação oral e escrita do que foi visto, entre outras.
Durante a aplicação da poesia nesse dia, a maioria das crianças entenderam a poesia e falaram que se os pais fossem iguais fisicamente não teriam nascido. Também disseram que se todos fossem iguais ninguém teria nascido, compreenderam que o legal é ser diferente. Nenhuma criança teve dificuldade de copiar e organizar a escrita da poesia no caderno, foi notado apenas o desinteresse, acharam cansativo escrever a poesia.
No segundo dia de realização do projeto, foi aplicada a poesia “Aquarela Humana”. A professora seguiu a mesma dinâmica de aplicação da poesia com a turma, porém as crianças estavam mais empolgadas em copiar e ler a poesia do que no primeiro dia, devido as intervenções que a professora fez, avaliando a dificuldade de cada um. Obtendo êxito, pois todas conseguiram copiar o texto completo.
Com isso, pode-se destacar a partir de Matos et al. (2023) que a teoria é a base da prática pedagógica de qualquer professor, porém somente a teoria não é suficiente. É necessário que o docente também tenha uma prática que lhe permita colocar em prática os conhecimentos adquiridos. É por meio da prática que o educador enxerga as dificuldades e evoluções dos alunos e faz as intervenções necessárias e avalia o processo de alfabetização dos mesmos.
Com relação a leitura da poesia, apenas cinco alunos leram a poesia inteira e os demais leram apenas um ou duas estrofes. Sobre a parte interpretativa do texto, todos compreenderam bem sobre a cor de pele que cada pessoa tem, que todos tem cor de pele diferentes. Gostaram muito da parte da poesia que fala sobre os sotaques nordestinos “uai, oxente”, pois se familiarizaram, por ouvir de alguém e já fazer parte do seu cotidiano. Os alunos aprenderam com a poesia que todos são bonitos e importantes.
Diante disto, de acordo com Sali, Magnani, Patella (2023), os alunos que estão sendo alfabetizados vivem em uma sociedade letrada onde eles inevitavelmente entrarão em contato com textos escritos. Por isso, é importante que as atividades em sala sejam aquelas que considerem alfabetização e o letramento de forma articulada e simultânea. O desenvolvimento dessas habilidades: leitura, escrita, fala e ouvir com compreensão, devem ser ensinadas sistematicamente e isso acontece, especialmente, nos anos iniciais do ensino fundamental.
No terceiro dia do projeto, foi aplicada em sala a poesia intitulada “Todo mundo tem um nome”. Nesse dia as crianças estavam muito agitadas, porque a rotina da sala mudou um pouco, a professora teve que se ausentar por mais de trinta minutos para resolver uma demanda da escola, além disso, as crianças estavam na semana de avaliações. Pode-se destacar que duas crianças não copiaram a poesia toda, não estavam concentrados, não estavam interessados, mas foi possível fazer a leitura com cada um deles.
Segundo Paixão (2022), para a criança ler precisa se tornar algo prazeroso. A leitura é um meio de conhecer o mundo a sua volta. Continua sendo um desafio para escola tornar os atos da leitura e da escrita algo significativo para o aluno. Portanto, é necessário que os educadores busquem estar sempre atualizados, para serem bons leitores e para poder incentivar e estimular a confiança desses alunos em ler e escrever da melhor forma que sabem.
No quarto e último dia, foi aplicada em sala a poesia intitulada “Inclusão”. Assim como nos demais dias, a professora escreveu no quadro branco a poesia, para que as crianças copiassem nos cadernos pequenos que ela distribuiu para cada um.
Todos copiaram a poesia, em seguida a professora foi pedindo para cada um ler para ela em voz alta. Foi um dia calmo e tranquilo, pois as crianças não reclamaram muito e fizeram tudo com calma. Perguntaram o que era inclusão e como fazer para incluir um aluno autista em sala de aula. A professora respondeu todos os questionamentos das crianças com muita clareza.
Por isso, pode-se destacar no projeto o processo de alfabetização além da leitura e da escrita, mas também a interpretação de texto a partir do conhecimento adquirido do cotidiano de cada criança. Essa afirmação corrobora com o estudo de Silva e Coelho (2020), que relatam que na alfabetização é importante compreender a definição de criança e seu papel dentro da sociedade contemporânea. Pois, a criança cria sua cultura a partir de histórias contadas para ela ou até mesmo lida por elas, para recontar a história. Usar esse processo de aquisição da leitura e escrita através do cotidiano desse aluno, é importante para que ele possa aproveitar dos conhecimentos adquiridos.
Alfa Rimando: por uma alfabetização inclusiva
Cada um dos encontros do Projeto Alfa Rimando trouxe não apenas a efetivação das atividades planejadas, mas abriu um “mundo” de tantas outras possibilidades a partir das próprias devolutivas das crianças: suas vozes, os olhos que se deixavam enveredar por cada poesia, as expressões corporais que levantavam das carteiras escolares para dizer de seu pensamento, mostraram que o trabalho inclusivo pode e deve estar aliado a prática de alfabetização. Conhecer as letras, seus usos e significados é externalizar as ideações que transitam no imaginário e isso é vida, é estar e participar do mundo.
A escola é um ambiente plural, onde os saberes se constroem e as pessoas interagem umas com as outras na busca do conhecimento, dessa forma é o lugar ideal para trabalhar a inclusão. Iniciativas que sensibilizem as crianças e todo corpo docente, trabalhando desde cedo a temática em sala de aula e em outros espaços escolares, por meio de atividades lúdicas com recursos que sejam atrativos e de fácil entendimento podem contribuir para que a criança sinta a interação com o outro como algo positivo (Barbosa e Silva, 2024, p.17-18).
Os temas trabalhados despertaram nas crianças, aliados as suas diversas vivências, reflexões/conhecimentos sobre a diversidade e a inclusão, estimulando para que expandam isso com seus familiares e amigos e para que tenham ainda mais interesse em ler “as letras” que falam sobre isso e que elas mesmas possam escrever sobre seus pensamentos.
CONSIDERAÇÕES
Conclui-se que, a alfabetização é um processo dinâmico que desenvolve habilidades de linguagem, possibilitando que as crianças dominem a leitura e a escrita de palavras e textos, bem como a interpretação de textos escritos por elas mesmas quanto aqueles escritos por outras pessoas. O sucesso da alfabetização exige que a escola seja um ambiente alfabetizador.
Portanto, um dos meios trabalhados nesse estudo que favorece a alfabetização é o gênero textual poesia, que possibilitou as crianças que fizeram parte da pesquisa ter contato com poesias com temas diferentes que se interligavam pelos temas abordados. Os alunos conseguiram ler, escrever e interpretar as poesias a partir de sua visão de mundo e de suas vivências cotidianas.
Com isso, percebe-se que utilizar essa ferramenta para trabalhar a leitura e a escrita com temas que envolvem o cotidiano desses alunos, permite que suas reflexões e conhecimentos sobre a diversidade e a inclusão, se expandam para além da sala de aula, estimulando um maior interesse na leitura e na construção escrita de novos textos a partir das suas experiências em sala de aula e fora dela.
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SOUSA, Angélica Silva de; OLIVEIRA, Guilherme Saramago de; ALVES, Laís Hilário. A pesquisa bibliográfica: princípios e fundamentos. Cadernos da FUCAMP, v. 20, n. 43, p.64-83/2021.
[1] Licenciado em História pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Discente do curso de Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Membro do Grupo de Estudos em Educação Inclusiva (GEEI). E-mail: poetacleovan@gmail.com.
[2] Bacharelado em Nutrição pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Discente do curso de Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Membro do Grupo de Estudos em Educação Inclusiva (GEEI). E-mail:tayrineborges@aluno.uespi.br.
[3] Mestre em Educação. Psicopedagoga Clínica e Institucional. Especialista em Neurociência e Educação. Pedagoga. Docente da Universidade Estadual do Piauí (UESPI). E-mail: fabriciagomes@pcs.uespi.br.