REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202411101730
Ingrid Alves Gomes1
Orientador: Antônio Lucena
RESUMO
A adoção homoafetiva no Brasil é um tema que, apesar de avanços legais, ainda enfrenta barreiras sociais e jurídicas significativas. O presente estudo teve como objetivo analisar a inclusão da adoção homoafetiva na legislação brasileira, identificando os obstáculos legais que precisam ser superados para garantir a equidade no processo de adoção. A pesquisa utilizou uma metodologia qualitativa, com base em uma revisão bibliográfica e o método dedutivo, para examinar a legislação vigente e as decisões judiciais relevantes. Os resultados indicaram que a ausência de uma regulamentação específica para a adoção por casais homoafetivos gera insegurança jurídica, permitindo interpretações divergentes nos tribunais. Além disso, foi constatado que o preconceito institucional e social ainda dificulta o acesso igualitário ao processo de adoção. O estudo sugere a necessidade de reformas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para incluir de forma clara o direito de adoção por casais homoafetivos, bem como o desenvolvimento de políticas públicas que promovam a equidade e a aceitação social. Conclui-se que a evolução da legislação e a conscientização social são fundamentais para assegurar os direitos das famílias homoafetivas e promover uma sociedade mais justa e inclusiva.
Palavras-chave: Adoção homoafetiva, inclusão jurídica, barreiras legais, igualdade de direitos, famílias homoafetivas.
ABSTRACT
Same-sex adoption in Brazil, despite recent legal advancements, still faces significant social and legal barriers. This study aimed to analyse the inclusion of same-sex adoption in Brazilian legislation, identifying the legal obstacles that need to be overcome to ensure equality in the adoption process. The research applied a qualitative methodology, based on a bibliographic review and the deductive method, to examine existing legislation and relevant court decisions. The results revealed that the lack of specific regulation for same-sex couples adopting leads to legal uncertainty, allowing for divergent interpretations in courts. Furthermore, institutional and social prejudice continues to hinder equal access to the adoption process. The study suggests the need for reforms in the Child and Adolescent Statute (ECA) to clearly include the right of adoption by same-sex couples, as well as the development of public policies promoting equity and social acceptance. It concludes that the evolution of legislation and social awareness are essential to ensuring the rights of same-sex families and fostering a more just and inclusive society.
Keywords: Same-sex adoption, legal inclusion, legal barriers, equality of rights, same-sex families.
1 INTRODUÇÃO
A adoção homoafetiva no Brasil é um tema que envolve questões jurídicas, sociais e culturais, gerando debates relevantes em diversos setores. Apesar dos avanços significativos, como o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo pelo Supremo Tribunal Federal (STF), desafios persistem no que se refere à inclusão dessas famílias no processo de adoção. A falta de uma legislação específica que trate a adoção homoafetiva de forma clara contribui para a insegurança jurídica e perpetua preconceitos.
Diante desse cenário, surge o questionamento: como a legislação e a sociedade brasileira podem promover a inclusão da adoção homoafetiva e superar as barreiras existentes nesse processo? O objetivo desta pesquisa é analisar a inclusão da adoção homoafetiva na legislação brasileira, identificando as barreiras legais que precisam ser superadas para garantir a equidade no processo de adoção. Embora existam avanços significativos, muitos casais homoafetivos ainda enfrentam dificuldades no acesso à adoção, seja por falta de regulamentação clara ou por preconceito institucional.
A investigação busca trazer à tona as principais dificuldades enfrentadas por essas famílias, propondo alternativas para a promoção de um sistema mais inclusivo e justo. A relevância deste tema é ampla, englobando aspectos sociais, jurídicos e acadêmicos. Socialmente, trata-se de garantir a igualdade de direitos para todos os cidadãos, independentemente de sua orientação sexual, promovendo uma sociedade mais inclusiva e respeitosa.
No campo jurídico, a pesquisa contribui para o aperfeiçoamento da legislação brasileira no âmbito do direito de família, que está em constante evolução. Já no contexto acadêmico, o estudo aprofunda a análise crítica sobre as decisões judiciais e o impacto dessas na formação de novas estruturas familiares. Metodologicamente, a pesquisa foi desenvolvida por meio de uma abordagem qualitativa, utilizando o método dedutivo e fundamentada em uma revisão bibliográfica aprofundada.
A pesquisa qualitativa permitiu a análise das normas vigentes e das decisões judiciais que tratam do tema, oferecendo uma compreensão abrangente sobre a adoção homoafetiva no Brasil. O método dedutivo possibilitou a investigação das questões legais e sociais envolvidas, contribuindo para uma visão crítica e informada sobre as barreiras e avanços na legislação e na sociedade. As contribuições deste estudo são amplas, destacando as principais barreiras legais e sociais que afetam os casais homoafetivos no processo de adoção.
A pesquisa fornece subsídios para que se compreendam as falhas do sistema atual e aponta caminhos para superar essas barreiras, promovendo maior segurança jurídica e justiça social. Ao abordar o tema sob a ótica do direito e da inclusão social, o estudo propõe alternativas para a evolução das leis e práticas que regem a adoção no Brasil. A justificativa para o desenvolvimento desta pesquisa reside na necessidade de promover a inclusão de casais homoafetivos no sistema de adoção, assegurando-lhes os mesmos direitos garantidos aos casais heterossexuais.
A investigação do tema é relevante, pois contribui para o aperfeiçoamento das normas jurídicas e combate ao preconceito institucional. A pesquisa destaca a importância de uma legislação clara e inclusiva que garanta o acesso igualitário à adoção, independentemente da orientação sexual dos adotantes. Além disso, o estudo traz benefícios práticos, ao promover uma reflexão sobre as mudanças necessárias no sistema jurídico e nas políticas públicas voltadas para a adoção. Essas mudanças podem contribuir para uma maior aceitação social das famílias homoafetivas, incentivando o respeito à diversidade e a igualdade de direitos.
O reconhecimento dessas famílias como parte legítima do sistema de adoção representa um avanço tanto no campo do direito quanto no fortalecimento da cidadania e da dignidade humana. Ao concluir, este trabalho apresenta uma visão crítica e fundamentada sobre a necessidade de aprimorar a legislação brasileira no tocante à adoção homoafetiva, propondo caminhos para a inclusão e equidade. A continuidade desta pesquisa pode fornecer ainda mais subsídios para futuras discussões e reformas legislativas que busquem garantir os direitos plenos das famílias homoafetivas no Brasil.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E JURÍDICA DA ADOÇÃO HOMOAFETIVA NO BRASIL
A evolução histórica e jurídica da adoção homoafetiva no Brasil é um tema intrinsecamente ligado à luta pelos direitos das minorias sexuais e à constante busca por igualdade de tratamento no ordenamento jurídico. Desde os primeiros movimentos de reconhecimento da união homoafetiva até a conquista de direitos relacionados à família, o caminho percorrido reflete a transformação da sociedade brasileira e sua percepção sobre o conceito de família. A adoção por casais homoafetivos, inicialmente invisibilizada, gradualmente passou a ser incluída nas pautas jurídicas, ainda que com resistências expressivas.
O reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo foi um marco fundamental para o avanço da adoção homoafetiva no Brasil. O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 42772, abriu precedentes ao equiparar a união homoafetiva às uniões heterossexuais, possibilitando a construção de direitos relacionados à família, como a adoção (Brasil, 2011). Esse entendimento foi corroborado por diversas decisões que, ao longo do tempo, consolidaram a inclusão da família homoafetiva no conceito de entidade familiar. Madaleno (2018, p. 272) destaca que “o reconhecimento da união homoafetiva como família foi um passo essencial para garantir a plena cidadania dos casais do mesmo sexo”.
A Constituição Federal de 1988 foi um ponto de inflexão na busca pela igualdade de direitos no Brasil (Brasil, 1988). Embora não mencionasse expressamente a adoção homoafetiva, seu artigo 2263, ao tratar da proteção à família, abriu margem para interpretações inclusivas. No entanto, a interpretação conservadora dos tribunais à época limitava o reconhecimento das famílias homoafetivas, afastando a possibilidade de adoção. Segundo Silva (2009, p. 182), “a resistência dos tribunais em reconhecer a adoção homoafetiva estava enraizada em um conceito ultrapassado de família, restrito à união entre homem e mulher”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990, trouxe avanços significativos no que tange aos direitos das crianças e adolescentes (Brasil, 1990). No entanto, o ECA não diferenciava expressamente entre casais homoafetivos e heterossexuais no que se refere à adoção, o que gerava lacunas interpretativas. Dias (2020, p. 365) afirma que “o silêncio legislativo em relação à adoção por casais homoafetivos gerava incertezas jurídicas, permitindo a discricionariedade dos juízes na análise de cada caso”. Essa falta de regulamentação específica foi um dos principais obstáculos enfrentados pelas famílias homoafetivas.
A partir do início dos anos 2000, houve um crescente reconhecimento da adoção homoafetiva nos tribunais brasileiros, impulsionado por decisões de vanguarda. Casos emblemáticos começaram a surgir, principalmente no Rio Grande do Sul, onde o Tribunal de Justiça foi pioneiro ao conceder o direito de adoção a casais do mesmo sexo (Baranoski, 2016). Essas decisões judiciais contribuíram para a consolidação de uma jurisprudência progressista, ainda que não fosse unânime entre os tribunais. Weber (2010, p. 150) ressalta que “a jurisprudência gaúcha foi crucial para o desenvolvimento do entendimento favorável à adoção homoafetiva no Brasil”.
De acordo com Dias (2020), o papel da Defensoria Pública também foi central na defesa dos direitos das famílias homoafetivas. Por meio de ações e pareceres favoráveis à adoção, a instituição atuou como guardiã dos direitos humanos e da igualdade. Baranoski (2016, p. 287) observa que “a atuação da Defensoria Pública permitiu que muitos casais homoafetivos tivessem acesso ao direito de adoção, especialmente em regiões mais conservadoras, onde a discriminação ainda era uma realidade”.
Apesar desses avanços, a resistência social e cultural ao reconhecimento da adoção por casais do mesmo sexo permaneceu como um entrave significativo. Em muitas ocasiões, o preconceito manifestava-se não apenas nas instituições jurídicas, mas também nos serviços de adoção, o que dificultava o processo para os casais homoafetivos. Sapko (2006, p. 324) pontua que “a discriminação velada nas instituições de adoção representava uma barreira ainda maior do que a resistência judicial, pois afetava diretamente o cotidiano dos casais homoafetivos”.
A falta de regulamentação específica sobre a adoção homoafetiva no âmbito legislativo brasileiro contribuiu para a manutenção de um cenário de incerteza jurídica até a década de 2010. Silva (2019, p. 223) critica a ausência de legislações claras, argumentando que “o legislador brasileiro se mostrou relutante em abordar de forma direta a questão da adoção homoafetiva, deixando o tema exclusivamente a cargo dos tribunais”. Isso gerou um ambiente de insegurança para os casais homoafetivos que desejavam adotar.
A partir de 2010, o cenário começou a mudar significativamente, com o aumento de decisões favoráveis à adoção homoafetiva nos tribunais superiores. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi um dos principais atores nesse processo, ao consolidar o entendimento de que não haveria impedimentos legais para que casais homoafetivos adotassem (Baranoski, 2016). Seguindo essa linha de pensamento, Barbosa (2016, p. 364) enfatiza que “as decisões do STJ contribuíram para sedimentar o direito de adoção por casais homoafetivos, rompendo com preconceitos históricos e abrindo espaço para uma nova concepção de família”.
O conceito de família passou, então, por uma redefinição nos tribunais, deixando de se basear exclusivamente em um modelo heteronormativo. As decisões do STF e do STJ promoveram a inclusão de novas formas de organização familiar, reconhecendo que o afeto, e não o gênero, deveria ser o princípio norteador para a adoção (Baranoski, 2016). Nesse sentido, Dias (2020, p. 275) argumenta que “o direito das famílias deve se pautar pela pluralidade de formas de constituição familiar, não havendo justificativa para a exclusão de casais homoafetivos do instituto da adoção”.
Em meio a esse contexto, a decisão do STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 264, que tratou da criminalização da homofobia, também teve impacto indireto sobre a adoção homoafetiva. Ao equiparar a discriminação por orientação sexual ao racismo, o tribunal enviou uma mensagem clara de que as instituições brasileiras deveriam se adaptar a uma nova realidade inclusiva. Madaleno (2018, p. 309) observa que “essa decisão foi um marco não apenas para os direitos individuais, mas também para a consolidação de direitos familiares”.
O processo de adoção homoafetiva no Brasil, embora tenha avançado, ainda enfrenta desafios significativos. A inexistência de uma legislação específica para a adoção por casais homoafetivos continua sendo uma lacuna jurídica que necessita de regulamentação clara e objetiva.
Baranoski (2016, p. 380) salienta que “enquanto o legislador não se posicionar de forma definitiva sobre o tema, os casais homoafetivos continuarão dependentes da interpretação dos tribunais”. Isso gera uma insegurança jurídica que afeta diretamente o direito à formação familiar.
Nesse sentido, o reconhecimento social da adoção homoafetiva é tão importante quanto o reconhecimento jurídico. A sociedade brasileira, em muitos aspectos, ainda mantém preconceitos arraigados que dificultam a plena aceitação das famílias homoafetivas. Weber (2010, p. 192) afirma que “a verdadeira inclusão dos casais homoafetivos no processo de adoção só será possível quando a sociedade romper com os estigmas e preconceitos que ainda permeiam o imaginário coletivo”.
A discussão sobre a adoção homoafetiva no Brasil transcende a esfera jurídica, adentrando o campo dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana. A Constituição Federal de 1988, ao garantir o princípio da igualdade, oferece o arcabouço necessário para a promoção de direitos que incluam todos os cidadãos, independentemente de sua orientação sexual (Brasil, 1988). No entanto, a efetivação desse princípio ainda enfrenta barreiras significativas, tanto no Judiciário quanto no Legislativo.
Portanto, é imprescindível que o Brasil continue avançando no reconhecimento dos direitos das famílias homoafetivas, garantindo-lhes segurança jurídica e igualdade de tratamento. A adoção homoafetiva deve ser vista como um direito inerente à dignidade da pessoa humana, sendo essencial para a formação de uma sociedade mais justa e inclusiva.
A evolução histórica e jurídica já demonstra passos importantes nesse sentido, mas o caminho para a plena inclusão ainda exige esforços contínuos das instituições brasileiras.
2.1 Obstáculos legais e sociais à adoção homoafetiva
A adoção homoafetiva no Brasil enfrenta obstáculos legais e sociais que refletem uma complexa interação entre o direito e a realidade cultural do país. Embora os avanços jurídicos, especialmente a partir da década de 2010, tenham ampliado o reconhecimento das famílias homoafetivas, o processo de adoção por casais do mesmo sexo ainda enfrenta resistência. A análise desses obstáculos revela que, apesar do reconhecimento constitucional de igualdade de direitos, as práticas institucionais e as barreiras sociais permanecem presentes, retardando a inclusão efetiva das famílias homoafetivas no sistema de adoção.
Os desafios legais, por exemplo, decorrem da ausência de uma regulamentação clara que contemple de forma expressa a adoção por casais homoafetivos. O vácuo legislativo contribui para a existência de decisões judiciais contraditórias e para a insegurança jurídica. Segundo Gonçalves (2012, p. 260), “a omissão do legislador é uma das causas da fragmentação na aplicação do direito de família, especialmente em questões que envolvem minorias”. Assim, a inexistência de uma norma que estabeleça de forma inequívoca os direitos dos casais homoafetivos na adoção contribui para a perpetuação de interpretações discriminatórias.
A jurisprudência, embora tenha desempenhado um papel fundamental na evolução do reconhecimento dos direitos das famílias homoafetivas, ainda não é uniforme. Rosa (2021, p. 280) observa que “o reconhecimento judicial da adoção por casais homoafetivos, apesar de progressista, ainda depende da interpretação individual de magistrados, o que resulta em desigualdade de tratamento”. Esse aspecto é particularmente problemático em estados mais conservadores, onde a resistência ao reconhecimento de direitos homoafetivos é mais acentuada. Essa falta de uniformidade cria disparidades regionais, prejudicando o acesso ao direito.
No campo social, o preconceito é uma barreira significativa enfrentada por casais homoafetivos que desejam adotar. Mesmo com o reconhecimento legal de sua capacidade para formar família, muitos casais enfrentam discriminação velada em diferentes etapas do processo de adoção.
Baranoski (2016, p. 240) destaca que “o preconceito social, muitas vezes invisível nas decisões jurídicas, se manifesta de forma clara nas instituições responsáveis pelo processo de adoção”. As avaliações subjetivas dos profissionais envolvidos podem dificultar a aprovação dos processos, prolongando-os sem justificativa plausível.
As instituições responsáveis pela triagem e seleção de adotantes, como as varas da infância e juventude, não estão isentas de vieses pessoais. Bandeira (2001, p. 175) aponta que “a subjetividade de assistentes sociais e juízes pode influenciar negativamente a avaliação dos casais homoafetivos, mesmo que de maneira implícita”. Esse fator demonstra a necessidade de capacitação profissional contínua para reduzir preconceitos e promover uma análise mais objetiva e imparcial dos processos de adoção.
A resistência cultural é outro obstáculo que dificulta a aceitação social das famílias homoafetivas no Brasil. Vechiatti (2012, p. 185) explica que “a sociedade brasileira, marcada por valores tradicionalistas e religiosos, tende a rejeitar formas familiares que fogem ao modelo heteronormativo”. Esse preconceito social influencia não apenas a legislação, mas também a percepção das famílias homoafetivas como legítimas dentro do contexto de formação familiar. O impacto disso se reflete no tratamento discriminatório que muitos casais homoafetivos ainda recebem em suas comunidades.
O preconceito social também influencia o processo de adoção de forma mais insidiosa, uma vez que casais homoafetivos podem ser dissuadidos de iniciar o processo por medo de represálias ou discriminação. Filho (2017, p. 19) afirma que “muitos casais homoafetivos sequer entram com pedido de adoção devido ao estigma associado à sua orientação sexual”. Isso perpetua um ciclo de exclusão, no qual o medo do julgamento social impede o exercício de direitos fundamentais, como o de formar uma família.
Outro obstáculo importante está relacionado à própria concepção jurídica do que é família no Brasil. Embora a Constituição de 1988 tenha dado margem a uma interpretação inclusiva, ainda prevalece, em muitos setores do direito de família, uma visão conservadora que associa a família exclusivamente à união entre homem e mulher. Rosa (2021, p. 220) observa que “o conceito de família, tal como interpretado por alguns setores conservadores, dificulta a aceitação das famílias homoafetivas como entidades familiares legítimas”. Essa visão é especialmente visível em discursos políticos e religiosos que continuam a influenciar a opinião pública e, em alguns casos, a própria interpretação do direito.
As implicações disso para a adoção homoafetiva são evidentes. Mesmo com decisões progressistas no Supremo Tribunal Federal (STF), como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277, que reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo, o processo de adoção por esses casais ainda é visto com desconfiança por parte da sociedade. Essa resistência social, como pontua Dias (2016, p. 275), “torna a aplicação dos direitos homoafetivos mais difícil e demorada, exigindo uma mudança de mentalidade tanto no âmbito jurídico quanto no social”.
A educação jurídica e social sobre o tema da adoção homoafetiva é, portanto, uma necessidade urgente. Para Bandeira (2001, p. 195), “somente com a conscientização social e a capacitação dos profissionais do direito será possível superar os obstáculos que impedem a plena realização dos direitos dos casais homoafetivos”. Essa conscientização deve incluir não apenas juízes e advogados, mas também assistentes sociais, psicólogos e demais profissionais que atuam diretamente no processo de adoção.
A ausência de políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade no processo de adoção é outro fator que contribui para a manutenção desses obstáculos. Araújo (2021, p. 235) argumenta que “o Estado brasileiro ainda falha em desenvolver políticas que garantam a equidade no processo de adoção, especialmente no que se refere às minorias sexuais”. A falta de programas específicos que promovam a igualdade de acesso ao processo de adoção para casais homoafetivos reforça as desigualdades existentes e perpetua o preconceito.
A resistência institucional também pode ser observada em setores do Judiciário, onde magistrados, ainda que de forma velada, aplicam interpretações restritivas que dificultam o reconhecimento pleno das famílias homoafetivas. Vechiatti (2012, p. 300) aponta que “alguns juízes ainda resistem a aplicar o entendimento mais progressista, preferindo se manter alinhados a uma visão tradicionalista do direito de família”. Essa resistência é particularmente prejudicial em regiões mais conservadoras, onde o preconceito contra casais homoafetivos é mais explícito.
Mesmo diante de decisões favoráveis, como a já mencionada ADI 4.277, muitos casais homoafetivos enfrentam desafios na fase administrativa do processo de adoção, onde as barreiras são mais sutis e difíceis de contestar judicialmente. Baranoski (2016, p. 285) observa que “os obstáculos administrativos podem ser tão impeditivos quanto os jurídicos, dificultando o acesso dos casais homoafetivos ao direito de adoção”. Esses entraves, muitas vezes, não são formalizados em pareceres, o que torna difícil sua contestação por vias legais.
Nesse contexto, a questão do preconceito estrutural se torna ainda mais evidente. Filho (2017, p. 312) argumenta que “o preconceito estrutural contra casais homoafetivos se manifesta de forma difusa em várias etapas do processo de adoção, desde a análise inicial até a conclusão”. Esse preconceito estrutural é mais difícil de ser combatido, pois não se trata apenas de normas legais, mas de práticas enraizadas nas instituições que regem o processo de adoção.
Um aspecto que também merece destaque é a relação entre o preconceito social e a legislação, que muitas vezes reforça os estigmas e as discriminações. Araújo (2021, p. 260) afirma que “a legislação brasileira, ao não tratar de forma específica a questão da adoção homoafetiva, acaba por perpetuar o preconceito social existente”. Essa relação entre lei e preconceito social cria um ciclo vicioso que precisa ser rompido por meio de reformas legislativas e ações de conscientização pública.
Portanto, superar os obstáculos legais e sociais à adoção homoafetiva no Brasil requer uma abordagem multifacetada, que envolva a reforma legislativa, a capacitação de profissionais e a conscientização social. Gonçalves (2012, p. 290) salienta que “a mudança legislativa é apenas o primeiro passo, sendo necessário também promover uma mudança cultural mais ampla que permita a aceitação plena das famílias homoafetivas”.
3 JURISPRUDÊNCIA E CASOS RELEVANTES SOBRE ADOÇÃO HOMOAFETIVA
A jurisprudência brasileira sobre a adoção homoafetiva tem sido um campo dinâmico de avanços significativos, marcados por decisões que expandem o reconhecimento dos direitos das famílias formadas por casais do mesmo sexo. A análise das decisões judiciais de tribunais como o Supremo Tribunal Federal (STF), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e outros Tribunais de Justiça estaduais revela um caminho progressivo rumo à inclusão. O primeiro marco relevante é a decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) em 2010, que afastou preliminares de ilegitimidade ativa e reconheceu a possibilidade de casais homoafetivos adotarem conjuntamente, desde que cumpridos os requisitos legais.
APELAÇÃO CÍVEL. HABILITAÇÃO PARA ADOÇÃO. CASAL HOMOAFETIVO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA AFASTADA. POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DE UNIÕES HOMOAFETIVAS COMO ENTIDADES FAMILIARES. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL. ATRIBUIÇÃO POR ANALOGIA DE NORMATIVIDADE SEMELHANTE À UNIÃO ESTÁVEL PREVISTA NA CF/88 E NO CC/02. HABILITAÇÃO EM CONJUNTO DE CASAL HOMOAFETIVO. POSSIBILIDADE, DESDE QUE ATENDIDOS AOS DEMAIS REQUISITOS PREVISTOS EM LEI. IMPOSSIBILIDADE DE LIMITAÇÃO DE IDADE E SEXO DO ADOTANDO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. NÃO-DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. MELHOR INTERESSE DO ADOTANDO QUE DEVE SER ANALISADO DURANTE O ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA NO PROCESSO DE ADOÇÃO, E NÃO NA HABILITAÇÃO DOS PRETENDENTES. APELAÇÃO PROVIDA. RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.
(TJ-PR – AC: 5824999 PR 0582499-9, Relator: Mendonça de Anunciação, Data de Julgamento: 17/03/2010, 11ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 409).
Nessa decisão, a ausência de vedação legal e a analogia com a união estável foram destacadas como fundamentos para a inclusão das uniões homoafetivas no conceito de família, garantindo assim o direito à adoção (TJ-PR, 2010). Outro caso emblemático é o julgado do STJ em 2010, que consolidou o entendimento de que o melhor interesse da criança deve prevalecer em qualquer processo de adoção. O acórdão destacou a existência de vínculos afetivos estáveis entre os menores e as requerentes, em uma situação fática consolidada, onde as crianças já conviviam com ambas as mães, evidenciando que a qualidade do vínculo afetivo é o elemento central na adoção, independente da orientação sexual dos adotantes (STJ, 2010).
DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ADOÇÃO DE MENORES POR CASAL HOMOSSEXUAL. SITUAÇÃO JÁ CONSOLIDADA. ESTABILIDADE DA FAMÍLIA. PRESENÇA DE FORTES VÍNCULOS AFETIVOS ENTRE OS MENORES E A REQUERENTE. IMPRESCINDIBILIDADE DA PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS MENORES. RELATÓRIO DA ASSISTENTE SOCIAL FAVORÁVEL AO PEDIDO. REAIS VANTAGENS PARA OS ADOTANDOS. ARTIGOS 1º DA LEI 12.010/09 E 43 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DEFERIMENTO DA MEDIDA, (STJ – REsp: 889852 RS 2006/0209137-4, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 27/04/2010, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/08/2010)
Esse posicionamento refletiu uma mudança importante no entendimento jurídico, priorizando o bem-estar das crianças sobre os preconceitos sociais, o que é corroborado por estudos que mostram que “o desenvolvimento de crianças em lares homoafetivos não apresenta diferenças negativas em relação a lares heteronormativos” (Dias, 2016, p. 275). O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) também contribuiu significativamente para a construção dessa jurisprudência ao julgar, em 2015, um caso de adoção em que o cônjuge, que inicialmente havia pleiteado a adoção sozinho, foi autorizado a incluir seu companheiro no processo sem prejuízo ao procedimento.
APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO POR CASAL HOMOAFETIVO. LEGALIDADE, DESDE QUE CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS PREVISTAS NO ECA. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. CÔNJUGE QUE, EM UM PRIMEIRO MOMENTO, POSTULOU SOZINHO A SUA INSCRIÇÃO NO CADASTRO CUIDA. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ, PORQUE DESDE O PRIMEIRO ESTUDO SOCIAL DECLAROU QUE VIVE EM UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. CINCO ESTUDOS SOCIAIS QUE AFIRMAM QUE O CASAL TEM CONDIÇÕES DE GARANTIR O DESENVOLVIMENTO SAUDÁVEL DO INFANTE, TENDO O MAIS RECENTE, INCLUSIVE, ASSEGURADO QUE O SEGUNDO CÔNJUGE EXERCE A PARENTALIDADE EM RELAÇÃO AO MENOR, COM LAÇOS DE AFETO. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA QUE DEVE PREPONDERAR SOBRE FORMALIDADES, APARÊNCIAS E PRECONCEITOS. RECURSO DESPROVIDO.
(TJ-SC – AC: 20150249251 Jaraguá do Sul 2015.024925-1, Relator: Domingos Paludo, Data de Julgamento: 28/05/2015, Primeira Câmara de Direito Civil)
Além disso, em 2023, o TJ-SC, no julgamento do processo Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 50102003520238240000, reforçou o direito de casais homoafetivos à licença-maternidade de 180 dias, igualando-os aos casais heteroafetivos e aos genitores monoparentais. O tribunal afirmou que o tratamento jurídico diferenciado nesses casos violava os princípios da isonomia e da proteção integral da criança e do adolescente. Esta decisão reafirma o papel do Poder Judiciário na promoção da igualdade, garantindo que as famílias homoafetivas sejam tratadas de maneira isonômica perante a lei.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 276, PARÁGRAFO ÚNICO, E 277, CAPUT E INCISO II, DA LEI COMPLEMENTAR N. 660/07 DO MUNICÍPIO DE BLUMENAU. COMANDOS NORMATIVOS ZURZIDOS QUE INSTITUÍRAM A LICENÇA-PATERNIDADE E A LICENÇA-MATERNIDADE A ADOTANTES DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES. TRATAMENTO JURÍDICO DIFERENCIADO A CASAL ADOTANTE HOMOAFETIVO MASCULINO E A GENITOR MONOPARENTAL. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ENCARTADOS NOS ARTS. 4º, 27, INCISO XIII, 186 E 187, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. PARCIAL PROCEDÊNCIA DO PEDIDO PARA (A) REALIZAR INTERPRETAÇÃO CONFORME, SEM REDUÇÃO DE TEXTO, DO ART. 277, CAPUT E INCISO II, DA LEI COMPLEMENTAR 660/07 PARA QUE O PRAZO DE LICENÇA-MATERNIDADE DE 180 (CENTO E OITENTA) DIAS SEJA CONFERIDO AOS CASAIS HOMOAFETIVOS E AO GENITOR MONOPARENTAL, BEM COMO (B) DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE, SEM REDUÇÃO DE TEXTO, DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 276 DO MESMO PERGAMINHO LEGAL PARA EXCLUIR LINHA INTERPRETATIVA QUE OBSTE O GOZO DE LICENÇA DE 180 (CENTO E OITENTA) DIAS POR GENITOR MONOPARENTAL, BEM COMO POR UM DOS GENITORES EM CASO DE ADOÇÃO POR CASAL HOMOAFETIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIALMENTE ACOLHIDA. (TJ-SC – ADI: 50102003520238240000, Relator: José Carlos Carstens Kohler, Data de Julgamento: 02/08/2023, Órgão Especial)
Essas decisões são reflexo de um movimento de progressiva inclusão de famílias homoafetivas, impulsionado por normas constitucionais que garantem a igualdade e a dignidade da pessoa humana. A ausência de uma legislação específica que regule de forma explícita a adoção por casais homoafetivos, conforme observado por Rosa (2021, p. 220), “é suprida por interpretações judiciais que aplicam os princípios constitucionais de isonomia e não discriminação”.
A Defensoria Pública e ONGs têm desempenhado um papel central em apoiar esses casos, garantindo que os direitos dessas famílias sejam reconhecidos e defendidos judicialmente, o que é fundamental para a consolidação de uma jurisprudência inclusiva. As implicações dessas decisões para o ordenamento jurídico são profundas, uma vez que estabelecem precedentes que poderão orientar futuros julgados e influenciar a criação de normas mais claras e inclusivas.
A partir dessas decisões, evidencia-se uma mudança na mentalidade jurídica e social, onde o conceito de família vai além dos laços biológicos e se fundamenta nos vínculos afetivos e na responsabilidade mútua entre os membros. A Defensoria Pública, por exemplo, foi fundamental em impulsionar esses processos, defendendo o direito à formação familiar sem distinção de orientação sexual. Segundo Vechiatti (2012, p. 185), “a atuação desses órgãos e das ONGs foi crucial para assegurar o reconhecimento dessas novas estruturas familiares”.
A jurisprudência progressista também tem efeitos sobre a sociedade, contribuindo para a quebra de preconceitos e para a normalização das famílias homoafetivas no Brasil. Ao consolidar esses direitos nos tribunais, abre-se caminho para uma maior aceitação social dessas famílias, uma vez que o reconhecimento jurídico é um dos pilares para a transformação social.
Como Bandeira (2001, p. 175) aponta, “a legalização de novos arranjos familiares é um passo essencial para a promoção da igualdade de direitos e para o fortalecimento da dignidade humana”.
Portanto, as decisões analisadas demonstram que, apesar dos desafios legais e sociais, a adoção homoafetiva está ganhando cada vez mais espaço no ordenamento jurídico brasileiro. Os tribunais têm sido essenciais na promoção de uma justiça inclusiva, aplicando princípios constitucionais para garantir a igualdade de direitos às famílias homoafetivas. O papel da Defensoria Pública e das ONGs tem sido indispensável nesse processo, assegurando que os casais homoafetivos tenham acesso a seus direitos, promovendo uma sociedade mais justa e plural.
4 PROPOSTAS DE INCLUSÃO E MELHORIA DA LEGISLAÇÃO PARA ADOÇÃO HOMOAFETIVA
A inclusão da adoção homoafetiva na legislação brasileira ainda carece de melhorias para assegurar a equidade de direitos para todos os cidadãos, independentemente de sua orientação sexual. Embora o reconhecimento da união homoafetiva pelo STF tenha representado um avanço significativo, a ausência de regulamentação específica para a adoção por casais homoafetivos ainda gera insegurança jurídica e perpetua a discriminação.
As propostas de reforma legislativa visam suprir essas lacunas, promovendo uma maior proteção jurídica e aceitação social para essas famílias, em consonância com os princípios constitucionais de igualdade e dignidade da pessoa humana. A primeira proposta de melhoria envolve a reforma do ECA, com a inclusão expressa da possibilidade de adoção por casais homoafetivos. Atualmente, o ECA não faz distinção explícita entre casais heterossexuais e homoafetivos, o que tem permitido interpretações contraditórias nos tribunais (Brasil, 1990).
Seguindo essa linha de pensamento, Dias (2014, p. 220) afirma que a falta de clareza legislativa “gera insegurança jurídica para as famílias homoafetivas, que dependem de decisões judiciais favoráveis para exercerem plenamente seus direitos”. Uma reforma que reconheça explicitamente o direito à adoção por casais homoafetivos eliminaria essa incerteza e uniformizaria as decisões. Além da reforma legislativa, é essencial que as políticas públicas sejam ampliadas para promover a equidade no processo de adoção.
Atualmente, as práticas institucionais, como os serviços de assistência social, ainda carregam preconceitos velados que dificultam o acesso dos casais homoafetivos ao sistema de adoção. Gueiros (2017, p. 275) destaca que “a discriminação no atendimento inicial e nos processos administrativos impede que os casais homoafetivos tenham acesso igualitário à adoção”. Nesse sentido, a criação de programas de capacitação para os profissionais envolvidos no processo seria uma forma eficaz de combater o preconceito e assegurar a imparcialidade.
Os movimentos sociais e as ONGs desempenham um papel crucial na luta pela inclusão de direitos, e seu trabalho de advocacy tem sido fundamental para promover mudanças jurídicas. Como apontam Roberto et al. (2024, p. 2582), “as ONGs têm sido responsáveis por pressionar o sistema jurídico e político, promovendo debates e ações que resultam em conquistas importantes para a comunidade LGBT+”.
O fortalecimento dessas entidades, por meio de apoio governamental e de incentivos para sua atuação, poderia contribuir significativamente para a melhoria do cenário legislativo e social relacionado à adoção homoafetiva. A jurisprudência também é uma ferramenta importante na promoção de mudanças legislativas. Embora o STF tenha desempenhado um papel essencial ao reconhecer a união homoafetiva como entidade familiar, há ainda uma necessidade de ampliação dessa jurisprudência, com julgados mais específicos sobre a adoção.
Nesse sentido, Moraes e Camino (2016, p. 300) observam que “a interpretação conforme à Constituição do art. 1.7235 do Código Civil foi um avanço, mas ainda faltam decisões que consolidem o direito à adoção por casais do mesmo sexo”. Isso demonstra que, apesar dos avanços, é preciso que as instâncias superiores continuem a proferir decisões que fortaleçam esse entendimento. O impacto dos tratados internacionais e convenções que o Brasil é signatário, como a Convenção sobre os Direitos da Criança, deve ser levado em consideração.
Esses acordos impõem ao país a obrigação de garantir a todas as crianças o direito à convivência familiar, independentemente da configuração familiar. Silva e Bernardes (2023, p. 6548) afirmam que “os tratados internacionais ratificados pelo Brasil reforçam a necessidade de políticas que garantam o direito à convivência familiar, sem discriminação”. Isso reforça a ideia de que a legislação nacional deve estar alinhada aos compromissos internacionais assumidos pelo país. Outra proposta de inclusão envolve a alteração dos critérios utilizados para a seleção de candidatos à adoção, eliminando preconceitos implícitos relacionados à orientação sexual.
Louro (2021, p. 285) destaca que “o preconceito ainda está presente nas entrelinhas dos critérios de avaliação dos serviços de adoção, que muitas vezes favorecem casais heterossexuais em detrimento dos homoafetivos”. A criação de critérios objetivos, que foquem exclusivamente na capacidade do casal de oferecer um ambiente saudável e afetivo para a criança, seria uma forma de combater essa discriminação. Os desafios enfrentados pelos casais homoafetivos no processo de adoção também apontam para a necessidade de uma política de proteção contra discriminação no âmbito dos procedimentos administrativos.
Chaves (2018, p. 190) observa que “a discriminação contra casais homoafetivos no processo de habilitação para adoção não é expressa, mas ocorre de forma disfarçada em pareceres subjetivos”. Para combater essa prática, seria necessário garantir a transparência e a objetividade dos pareceres sociais e psicológicos, estabelecendo parâmetros claros que evitem avaliações discriminatórias. A promoção de campanhas de conscientização pública também se mostra uma medida eficaz para combater o preconceito social em torno das famílias homoafetivas.
O preconceito cultural é um dos maiores desafios para a aceitação dessas famílias na sociedade, e campanhas educativas poderiam ajudar a desmistificar os estigmas e promover uma visão mais inclusiva. Dias (2014, p. 240) sugere que “a mudança de mentalidade na sociedade depende de ações educativas e da divulgação de informações sobre a realidade das famílias homoafetivas”. Essas campanhas poderiam ser promovidas tanto pelo governo quanto por organizações da sociedade civil.
No que se refere à atuação do Poder Legislativo, uma proposta relevante seria a criação de uma lei específica para a adoção homoafetiva, que contemple todas as etapas do processo de adoção e estabeleça direitos e deveres claros para os casais do mesmo sexo. Gueiros (2017, p. 280) afirma que “uma legislação clara e objetiva é essencial para garantir que os direitos dos casais homoafetivos sejam respeitados de maneira uniforme em todo o país”. A criação de uma legislação específica evitaria a necessidade de cada caso ser levado à Justiça, reduzindo a morosidade e a insegurança jurídica.
A inclusão da adoção homoafetiva nas pautas das políticas públicas relacionadas à família é outro aspecto que pode ser melhorado. Atualmente, as políticas voltadas para a adoção não tratam de forma explícita as necessidades e especificidades dos casais homoafetivos. Silva e Bernardes (2023, p. 6550) argumentam que “as políticas públicas devem ser reformuladas para incluir as famílias homoafetivas em suas diretrizes, garantindo-lhes acesso igualitário aos programas de apoio familiar”. Isso incluiria, por exemplo, a garantia de apoio psicológico e social para essas famílias, tanto no processo de adoção quanto após a conclusão.
No que tange às implicações dessas reformas para a área de direito de família, uma legislação mais inclusiva e clara poderia reduzir significativamente a litigiosidade relacionada à adoção homoafetiva. Roberto et al. (2024, p. 2585) apontam que “muitos casais homoafetivos precisam recorrer à Justiça para garantir seus direitos, o que poderia ser evitado com uma legislação mais abrangente e inclusiva”. Isso demonstra que, além de promover a igualdade, as reformas legislativas teriam um impacto positivo na celeridade e eficiência do sistema jurídico.
Ademais, o fortalecimento do papel da Defensoria Pública como defensora dos direitos das famílias homoafetivas deve ser incentivado. A Defensoria tem sido um importante ator no avanço dos direitos LGBT, e sua atuação no apoio jurídico aos casais homoafetivos é essencial para garantir que seus direitos sejam respeitados. Dias (2014, p. 275) ressalta que “o papel da Defensoria Pública é vital para assegurar que os casais homoafetivos tenham acesso aos seus direitos, especialmente aqueles que não possuem recursos para arcar com os custos de um processo judicial”.
As propostas de inclusão e melhoria legislativa, além de fortalecerem a proteção jurídica, também têm o potencial de influenciar a sociedade de maneira positiva. Uma legislação mais inclusiva pode promover uma mudança cultural, levando a uma maior aceitação das famílias homoafetivas. Isso reflete a importância de uma legislação progressista, que, além de assegurar direitos, tem o poder de transformar a realidade social, promovendo a inclusão e o respeito à diversidade.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de análise jurídica e social da adoção homoafetiva no Brasil revela um cenário de avanços significativos, mas também de desafios ainda persistentes. Ao longo desta pesquisa, observou-se que, apesar das conquistas jurídicas, como o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar pelo STF, ainda há lacunas legislativas e barreiras sociais que dificultam a plena realização do direito à adoção por casais do mesmo sexo. O sistema jurídico brasileiro, embora tenha mostrado uma evolução considerável, precisa continuar avançando para garantir maior segurança jurídica e equidade a essas famílias.
A ausência de uma legislação específica que regulamente a adoção homoafetiva de forma clara foi um dos principais pontos levantados. O ECA não faz distinções explícitas entre casais heterossexuais e homoafetivos, o que gera interpretações ambíguas e decisões divergentes nos tribunais. Essa falta de uniformidade legislativa contribui para a insegurança jurídica, exigindo que muitos casos sejam levados ao Poder Judiciário para que os direitos sejam reconhecidos. Esse processo, além de moroso, reforça a desigualdade de acesso à justiça para os casais homoafetivos.
O papel da jurisprudência e das decisões proferidas pelos tribunais superiores foi fundamental para o avanço dos direitos das famílias homoafetivas. Decisões importantes no âmbito do STF e do STJ abriram precedentes para a inclusão dessas famílias no sistema de adoção. No entanto, a pesquisa mostrou que essas decisões, embora progressistas, ainda não consolidaram de maneira uniforme o direito à adoção por casais do mesmo sexo em todas as esferas judiciais. A necessidade de fortalecimento das decisões judiciais e de sua disseminação em todas as instâncias se faz presente para que o sistema jurídico se alinhe aos princípios constitucionais de igualdade e dignidade humana.
Do ponto de vista social, foi constatado que o preconceito cultural e institucional ainda é uma barreira significativa. A discriminação velada nas instituições responsáveis pela adoção e a resistência de alguns setores da sociedade retardam o processo de aceitação das famílias homoafetivas. As campanhas de conscientização pública e a educação são, portanto, instrumentos fundamentais para quebrar esses estigmas e promover uma mudança de mentalidade coletiva. Assim, o avanço jurídico precisa ser acompanhado de esforços no âmbito social, para que a igualdade não seja apenas formal, mas também material.
Outra conclusão importante desta pesquisa é o papel das ONGs e dos movimentos sociais na promoção dos direitos das famílias homoafetivas. Essas entidades foram cruciais para impulsionar a pauta da adoção por casais do mesmo sexo e para pressionar o sistema político e jurídico a reconhecer e garantir esses direitos. O apoio dessas organizações, tanto na esfera judicial quanto na sociedade, continuará sendo fundamental para a consolidação de um sistema mais inclusivo e justo.
No tocante às possibilidades de melhoramento, este estudo sugere a necessidade de reformas legislativas que contemplem explicitamente o direito à adoção homoafetiva, evitando interpretações discricionárias e divergentes. Além disso, a capacitação dos profissionais envolvidos no processo de adoção, como assistentes sociais e juízes, é uma medida necessária para garantir que o preconceito e a discriminação sejam combatidos de forma efetiva.
Por fim, o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a proteção e o apoio às famílias homoafetivas, como programas de suporte psicológico e social, seria um passo importante para assegurar a equidade no processo de adoção. A continuidade desta pesquisa pode envolver uma análise mais aprofundada sobre os impactos dessas políticas na vida das famílias homoafetivas e como o aprimoramento das legislações e políticas públicas pode contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.
REFERÊNCIAS
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2 A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132-RJ foi recebida parcialmente como Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.277-DF para julgar a união homoafetiva como instituto jurídico. O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a necessidade de “interpretação conforme à Constituição” do artigo 1.723 do Código Civil, estabelecendo que a discriminação baseada em orientação sexual é inconstitucional, reforçando o princípio da dignidade da pessoa humana e a liberdade sexual. A decisão reafirmou que o conceito de família não está restrito a casais heteroafetivos, defendendo uma visão pluralista e inclusiva. O STF reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, garantindo isonomia entre casais heteroafetivos e homoafetivos e aplicando as mesmas regras da união estável (Brasil, 2011).
3 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (Regulamento)
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.
4 Trata-se de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, que visa tornar efetiva a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia. O objeto direto da ação é declarar a inconstitucionalidade na falta de lei que puna a ação discriminatória contra pessoas LGBTQIA+. O objetivo dos proponentes desta ação é que o STF aplique a Lei 7716/89, conhecida como Lei de Racismo a este tipo específico de discriminação, até que sobrevenha uma lei criada pelo Congresso Nacional com a finalidade direta de criminalizar condutas homofóbicas ou transfóbicas, respeitando, por tanto, o que está disposto na Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, XLI e XLII
5 É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família (Brasil, 2002).
1Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro. E-mail: Ingrid_alvesgomes@hotmail.com ORCID: 0009-0006-9011-8927.