ADOÇÃO E AFETIVIDADE: EMOÇÕES EMERGENTES NAS ETAPAS DO PROCESSO ADOTIVO

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202506091836


 Liduina Salviano de Matos¹
Eduardo Steindorf Saraiva²


RESUMO

Este artigo tem como objetivo analisar as emoções emergentes vivenciadas pelos  pretendentes à adoção durante as diferentes etapas do processo adotivo, referentes à habilitação e ao período de espera no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA). A adoção de crianças e adolescentes no Brasil representa um processo atravessado por  transformações históricas, jurídicas e afetivas. Nesse contexto, a prática adotiva, inicialmente  orientada por interesses patrimoniais, passou a incorporar dimensões éticas e emocionais com  o fortalecimento dos direitos da criança e do adolescente. A etapa da habilitação para adoção  demanda, além da documentação legal, avaliações psicossociais que revelam um momento de  reorganização subjetiva, marcado por sentimentos como luto, frustração e idealização. A inserção no SNA, que corresponde à etapa seguinte, acentua as expectativas dos pretendentes,  que frequentemente enfrentam longa espera devido à incompatibilidade entre os perfis  desejados e os perfis das crianças disponíveis. Entende-se, portanto, que a experiência adotiva  transcende os trâmites legais e exige acolhimento emocional, escuta qualificada e preparo  subjetivo daqueles que almejam a parentalidade adotiva. Ademais, conclui-se que a adoção  deve ser compreendida como um compromisso ético e afetivo com a infância, demandando  políticas públicas integradas, atuação interdisciplinar sensível e suporte contínuo aos  envolvidos, de modo a promover vínculos afetivos saudáveis e duradouros. 

Palavras-chave: Adoção. Parentalidade adotiva. Processo adotivo. Psicologia Jurídica. 

ABSTRACT

This article aims to analyze the emerging emotions experienced by prospective  adoptive parents during the different stages of the adoption process, specifically related to the  qualification phase and the waiting period within the National Adoption and Foster Care  System (Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento – SNA) in Brazil. The adoption of  children and adolescents in Brazil is a process shaped by historical, legal, and emotional  transformations. In this context, adoptive practices, which were initially guided by patrimonial  interests, have come to incorporate ethical and emotional dimensions with the strengthening  of children’s and adolescents’ rights. The qualification stage for adoption requires not only  legal documentation but also psychosocial evaluations, which mark a moment of subjective  reorganization, often accompanied by feelings of grief, frustration, and idealization. Entry into  the SNA, which constitutes the next stage, intensifies the expectations of prospective adoptive  parents, who frequently face long waiting periods due to mismatches between their desired  profiles and those of the children available for adoption. Therefore, the adoption experience  transcends legal procedures and demands emotional support, qualified listening, and  subjective preparation from those seeking adoptive parenthood. Furthermore, adoption should  be understood as an ethical and emotional commitment to childhood, requiring integrated  public policies, sensitive interdisciplinary action, and continuous support for those involved,  in order to foster healthy and lasting emotional bonds. 

Keywords: Adoption. Adoptive parenthood. Adoption process. Legal psychology. 

INTRODUÇÃO 

A adoção de crianças e adolescentes configura-se como um dos campos de atuação da  Psicologia Jurídica, caracterizando-se por sua complexidade e relevância social, além de  constituir tema de interesse crescente na produção acadêmica das ciências humanas. No panorama nacional, observa-se uma expressiva produção científica centrada nos aspectos  jurídicos e psicossociais que envolvem os infantes acolhidos, priorizando suas necessidades e  direitos. Contudo, ainda são escassos os estudos voltados especificamente para os adotantes,  sobretudo no que tange aos seus aspectos emocionais durante o processo adotivo (ALBUQUERQUE; ALBERTO, 2021). 

Considerando essa lacuna, e partindo da prática profissional no contexto da equipe  técnica do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), evidencia-se a necessidade de uma  escuta qualificada das vivências emocionais dos pretendentes à adoção. Tais experiências se desenrolam ao longo de etapas fundamentais do processo, como a habilitação e o ingresso na  fila de espera no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA). Essa realidade revela a  importância de práticas que ultrapassem os limites da avaliação psicossocial e dos trâmites  burocráticos, contribuindo para uma atuação mais humanizada e sensível às subjetividades  envolvidas. 

Nesse contexto, adentrar o universo da adoção é reconhecer que as práticas adotivas  passaram por transformações significativas ao longo das últimas décadas. Atualmente, os  processos são regidos por normativas legais que priorizam o princípio do superior interesse da  criança, conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990). Com  efeito, os processos são operacionalizados pelos Tribunais de Justiça por meio do SNA, e nessa  perspectiva, a adoção deixa de ser somente uma solução para a infertilidade e se configura  como um ato de responsabilidade afetiva e social. 

A experiência evidencia que muitos pretendentes à adoção tomam essa decisão após  vivenciarem o luto pela impossibilidade da gestação biológica, especialmente diante de um  diagnóstico de infertilidade. Além disso, frequentemente, esses indivíduos chegam às equipes  técnicas demonstrando sentimentos intensos de ansiedade e idealizações sobre a parentalidade,  sem, contudo, estarem preparados para enfrentar a morosidade e as exigências do processo  adotivo. Tal percurso exige deles não somente interesse e comprometimento, mas também  paciência e maturidade emocional para sustentar um projeto parental que, embora não  biológico, é igualmente legítimo e transformador (SCHWOCHOW; FRIZZO, 2021). 

Diante dessas considerações, este artigo visa analisar as emoções emergentes  vivenciadas pelos pretendentes à adoção durante as diferentes etapas do processo adotivo,  especialmente no decorrer da habilitação e do período de espera no Sistema Nacional de  Adoção e Acolhimento (SNA). Justifica-se tal proposta pela escassez de estudos que abordem  as vivências subjetivas dos futuros pais e mães por adoção, bem como pela importância de  práticas psicossociais que reconheçam e acolham essas experiências emocionais no contexto  da atuação técnica dos Tribunais de Justiça. 

1. TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA ADOÇÃO 

A adoção de crianças e adolescentes é uma prática ancestral, marcada por  complexidades éticas, sociais e culturais que a atravessam desde as mais remotas civilizações.  Não é possível precisar com exatidão quando se deu o início da prática de acolher como filhos  os descendentes de terceiros, mas há registros simbólicos e históricos que evidenciam sua presença na antiguidade. Adoções emblemáticas como as de Moisés, Jesus, Rômulo e Remo,  Édipo e Zeus são frequentemente mencionadas em textos sagrados, mitos e lendas, revelando  o quanto o tema da adoção está enraizado na construção cultural da humanidade (RECH et al.,  2017). Ainda hoje, histórias infantis como Tarzan, O Rei Leão e Mogli perpetuam a temática  da adoção, indicando sua permanência simbólica no imaginário coletivo. 

Nas sociedades antigas, o processo adotivo ocorria sem regulamentações legais formais.  A adoção era, em geral, praticada por motivações utilitárias, como a continuidade do nome da  família, a preservação do patrimônio ou a obtenção de força de trabalho (RECH et al., 2017).  As crianças adotadas, muitas vezes chamadas de “filhos de criação” ou “filhos bastardos”,  ocupavam uma posição social inferior, sem os direitos civis ou afetivos assegurados aos filhos  biológicos. Essa diferenciação reforçava estruturas de desigualdade e exclusão, em  consonância com os modelos hierárquicos familiares vigentes. 

Outro aspecto relevante da trajetória histórica da adoção diz respeito à concepção da  infância e à função social da maternidade. Em épocas remotas, a criança era frequentemente  vista como um “adulto em miniatura”, sem a atribuição de subjetividade ou necessidades  emocionais próprias. As mulheres, por sua vez, não eram socialmente incumbidas do papel de  maternagem, entregando seus filhos recém-nascidos a amas-de-leite e somente retomando os  cuidados maternos quando a criança atingia certa idade, como por volta dos quatro anos  (SOUZA, 2019; ZANELLO, 2016). Esse distanciamento refletia o lugar secundário atribuído  à infância e o caráter institucional da criação de filhos nas classes mais abastadas. 

Dessa forma, é plausível inferir que as adoções realizadas nas camadas populares e entre  pessoas com menos recursos – como pastores, amas-de-leite e trabalhadores rurais – apresentavam motivações afetivas e práticas distintas das elites, que delegavam o cuidado da  prole a terceiros. Ao analisarmos essas dinâmicas, é fundamental considerar os contextos  históricos, os valores sociais vigentes e os modelos familiares predominantes de cada época. 

Zanello (2016), ao discutir a construção social da maternidade, destaca que o sentimento  materno não é inato, mas foi sendo historicamente constituído. Até o século XVIII, as  mulheres não eram estimuladas a desenvolver vínculos afetivos com os filhos; essa mudança  só começou a emergir com o casamento burguês no início do século XIX, que passou a  associar a feminilidade ao papel materno. Esse processo histórico evidencia que tanto a  maternidade quanto os laços familiares construídos socialmente – inclusive os adotivos – são  atravessados por normas de gênero e expectativas culturais.

Assim, compreende-se que o papel social da maternagem é uma construção histórica e  simbólica, que foi sendo fortalecida por meio da diferenciação sexual e da atribuição de papéis  de gênero. Nesse processo, a mulher passou a incorporar a identidade de “mãe”, a qual, ao ser  socialmente reiterada, passou também a incidir sobre as escolhas relativas à parentalidade por  adoção. Na contemporaneidade, diante da impossibilidade de conceber biologicamente,  muitas mulheres buscam o processo adotivo não apenas como realização de um desejo interno  de maternar, mas também como resposta às cobranças familiares e sociais que ainda vinculam  fortemente o papel da mulher à maternidade (ZANELLO, 2016). 

2. ADOÇÃO NO CENÁRIO BRASILEIRO 

A adoção de crianças e adolescentes no Brasil passou por profundas transformações ao  longo do tempo, deixando de ser uma prática informal e muitas vezes clandestina, para se  consolidar como um processo legal altamente regulamentado, orientado pela defesa  intransigente dos direitos das crianças e adolescentes. Com isso, tornou-se imprescindível a  criação e o aprimoramento de leis específicas que resguardem tanto os interesses dos  adotandos quanto dos adotantes, visando garantir que os vínculos estabelecidos se sustentem  no princípio da proteção integral (BRASIL, 1990). 

A legislação brasileira estabelece que a adoção ocorra exclusivamente por meio de  processo judicial, regida prioritariamente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei nº 8.069/1990 –, complementado por outras normas específicas, como a Lei nº  12.010/2009, que introduziu importantes alterações no sistema de acolhimento institucional,  e a Lei nº 13.509/2017, que trouxe maior agilidade e objetividade aos processos adotivos. Tais  normativas incorporaram diretrizes que refletem o avanço dos direitos humanos da infância,  assegurando que a adoção atenda ao melhor interesse da criança e do adolescente, como  preconiza a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (ONU, 1989), ratificada  pelo Brasil. 

Nesse contexto, os processos de adoção seguem trâmites rigorosos, sob a  responsabilidade dos Tribunais de Justiça dos estados, supervisionados pelo Conselho  Nacional de Justiça (CNJ), órgão responsável pela normatização e fiscalização das práticas  judiciárias no país. Com efeito, desde 2019, todas as etapas do processo tramitam pelo Sistema  Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), que substituiu o antigo Cadastro Nacional de  Adoção (CNA) e centraliza as informações sobre crianças disponíveis para adoção e  pretendentes habilitados em território nacional (CNJ, 2019).

Atualmente, o ordenamento jurídico brasileiro reconhece diferentes formas de adoção,  tais como: 

1) Unilateral: quando apenas um dos membros do casal é o adotante legal;

2) Homoparental: quando o casal adotante é composto por pessoas do mesmo sexo;

3) Monoparental: quando o adotante é uma pessoa solteira; 

4) Póstuma: em casos em que o processo de adoção é concluído após o falecimento do  adotante; 

5) Conjunta ou bilateral: quando a adoção é feita por dois indivíduos simultaneamente,  independentemente de serem casados ou viverem em união estável (BRASIL, 2009). 

Com a exigência de seguir todas as etapas legais e técnicas, os processos adotivos muitas  vezes se prolongam por meses ou anos, o que pode gerar frustração e desgaste emocional nos  pretendentes. Parte desse sofrimento psicológico está relacionado à expectativa idealizada da  parentalidade e à ansiedade pela concretização do vínculo afetivo, sobretudo quando se  deparam com a burocracia e os critérios rígidos da justiça (SCHOWCHOW; FRIZZO, 2021;  SILVA, 2021). 

Nesse sentido, é importante destacar a extinção da chamada “adoção à brasileira”,  prática histórica e culturalmente aceita em determinados contextos sociais, que consistia em  registrar como filho próprio uma criança entregue informalmente por outra família, muitas  vezes sem qualquer mediação judicial ou conhecimento da origem. Embora esse modelo  trouxesse certa “comodidade emocional” aos envolvidos por evitar os trâmites legais, ele  também favorecia práticas ilícitas, como o tráfico de crianças e a comercialização de recém nascidos – o que motivou sua criminalização e o fortalecimento dos sistemas de controle legal  (CNJ, 2019). 

Atualmente, a entrada no processo adotivo se inicia, obrigatoriamente, na Vara da  Infância e Juventude da comarca de residência do pretendente, onde são prestadas informações  detalhadas sobre os documentos exigidos, a participação obrigatória em cursos preparatórios e o preenchimento do formulário de inscrição no SNA. Esse formulário abrange aspectos  pessoais, sociais, profissionais e financeiros, além de registrar o perfil da criança ou  adolescente desejado: faixa etária, sexo, cor da pele, condição de saúde, situação jurídica, entre  outros (SCHOWCHOW; FRIZZO, 2021). 

Por fim, é fundamental compreender que, para além dos aspectos legais e  administrativos, a adoção é uma experiência subjetiva marcada por expectativas, fantasias,  frustrações e transformações. Como tal, exige preparo emocional e acompanhamento técnico contínuo, tanto dos pretendentes quanto das crianças envolvidas, para que se estabeleça um  vínculo verdadeiramente seguro e duradouro. 

3. HABILITAÇÃO PARA A ADOÇÃO E AS EMOÇÕES DOS PRETENDENTES 

A habilitação para adoção constitui a etapa inicial e obrigatória do processo judicial de  adoção no Brasil, representando não apenas um requisito legal, mas também um momento de  profunda mobilização emocional para os pretendentes à parentalidade adotiva. Conforme o  Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2019), essa fase exige dos candidatos uma série de  providências documentais, incluindo cópias de documentos pessoais, certidões negativas,  atestados médicos, comprovantes de residência e declaração de idoneidade moral, além de  outros requisitos que atestem sua capacidade legal e emocional para exercer a parentalidade. 

Após a entrega da documentação completa, o magistrado responsável pela Vara da  Infância e Juventude determina à equipe técnica interdisciplinar — composta por psicólogos  e assistentes sociais — a realização de um estudo psicossocial. Este estudo inclui entrevistas  individuais e/ou familiares, visitas domiciliares e análises das motivações que sustentam o  desejo de adoção, visando avaliar a estrutura emocional, social, afetiva e financeira dos  pretendentes (CNJ, 2019). A avaliação considera, também, aspectos subjetivos relacionados à  história de vida, ao luto pela infertilidade e às expectativas em relação à criança a ser adotada. 

Paralelamente ao estudo psicossocial, os candidatos devem participar de um curso  preparatório para adotantes, com carga horária mínima de doze horas, oferecido pelas próprias  Varas ou em parceria com Grupos de Apoio à Adoção (GAAs). Esse curso aborda conteúdos  sobre os direitos da criança e do adolescente, os desafios da parentalidade adotiva, o impacto  do abandono, o tempo de acolhimento institucional e as especificidades das adoções inter raciais, tardias e de grupos de irmãos (SCHOWCHOW; FRIZZO, 2021; CNJ, 2019). Ao final,  o certificado de participação é anexado ao processo e enviado ao Ministério Público para  manifestação, sendo este o passo anterior à decisão do juiz quanto à habilitação. 

Conforme prevê a legislação, uma vez considerados aptos, os pretendentes são inseridos  no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) no prazo máximo de vinte dias,  entrando assim na fila de espera para o perfil de criança previamente indicado por eles  (BRASIL, 2009; CNJ, 2019). No entanto, é fundamental reconhecer que esta fase processual  costuma ser vivenciada com elevados níveis de ansiedade e angústia por parte dos  pretendentes. Muitos chegam à decisão de adotar após um doloroso percurso de tentativas  frustradas de concepção biológica ou após receberem o diagnóstico definitivo de infertilidade. 

Esse cenário é marcado por sentimento de frustração, luto, insegurança e expectativa, tornando  o início do processo adotivo um momento de reorganização emocional (DALLA PORTA et  al., 2019). 

Neste contexto, as exigências legais e técnicas impostas pelos tribunais, embora  necessárias à proteção dos direitos das crianças, podem intensificar a vivência de  vulnerabilidade psíquica dos candidatos. O medo da reprovação nas entrevistas e a  possibilidade de não corresponderem ao que é esperado pelas equipes técnicas contribuem  para a amplificação de sentimentos de inadequação e tensão emocional (KOHN WILLBRIDGE et al., 2021). 

Além disso, há uma idealização do processo de adoção, muitas vezes contrastada com  a realidade burocrática, o que pode gerar frustração e até abandono do processo em alguns  casos. Conforme destacam Dalla Porta et al. (2019), os pretendentes necessitam de apoio  psicológico ao longo do processo, não somente para lidar com a espera, mas também para  ressignificar a parentalidade, o vínculo afetivo e os desafios que emergem ao longo da  construção do laço adotivo. 

Assim, a habilitação para adoção não deve ser vista somente como um procedimento  técnico ou jurídico, mas como um momento que exige escuta qualificada, acolhimento  emocional e mediação sensível por parte das equipes interdisciplinares do judiciário. O  sucesso da adoção depende, em grande medida, da preparação emocional dos pretendentes e  do cuidado ético com que se conduz essa etapa inicial do processo. 

4. O SISTEMA NACIONAL DE ADOÇÃO E ACOLHIMENTO (SNA) E AS  EMOÇÕES DOS PRETENDENTES 

A jornada adotiva no Brasil, embora marcada por esperanças e motivações legítimas, é  também atravessada por inúmeras dificuldades, especialmente após os pretendentes superarem  a etapa da habilitação e serem inseridos no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento  (SNA). Esse sistema, gerenciado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), representa uma  ferramenta essencial para garantir maior transparência, equidade e controle no processo  adotivo em âmbito nacional, reunindo os cadastros de crianças e adolescentes disponíveis para  adoção e os dados dos pretendentes habilitados em todas as comarcas do país (CNJ, 2025;  SOUSA, 2019). 

Contudo, a inserção no SNA, embora inicialmente vivenciada com entusiasmo,  rapidamente se transforma em um período de tensão e sofrimento emocional. Muitos pretendentes, ao receberem a sentença de habilitação, vivenciam um momento de intensa  alegria e esperança, por acreditarem que estão próximos da concretização do sonho de formar  uma família. Tal fase é comumente associada ao que estudiosos denominam como “gestação  adotiva” — um processo simbólico e emocional de preparação para a parentalidade, no qual  os adotantes idealizam o encontro com o futuro filho, preparam o ambiente doméstico,  produzem registros fotográficos e constroem expectativas idealizadas (SCHOWCHOW;  FRIZZO, 2021; CECÍLIO; COMIN, 2018). 

Apesar das orientações oferecidas nos cursos preparatórios e das informações técnicas  transmitidas pelas equipes das Varas da Infância, muitos adotantes tendem a absorver  seletivamente os conteúdos, pautando suas expectativas na romantização social da adoção,  fortemente impulsionada por discursos midiáticos e relatos idealizados de influenciadores  digitais. Tais discursos muitas vezes negligenciam os desafios reais da adoção, contribuindo  para o desenvolvimento de frustrações posteriores (SOUZA; CRUZ, 2021). Esse fenômeno se  relaciona, ainda, ao que Zanello (2016, p. 113) denomina como a “versão romântica do valor  da maternidade”, segundo a qual ter um filho se torna símbolo de completude, felicidade e  realização pessoal. A ausência da experiência parental, nesse contexto, é vivida por muitos  como um vazio existencial. 

Nesse cenário, a realidade da fila de espera no SNA impõe um choque à idealização. O  sistema opera com critérios objetivos e automatizados, priorizando o melhor interesse da  criança e a compatibilidade entre perfis. No entanto, a discrepância entre o perfil desejado pela  maioria dos pretendentes e o perfil das crianças disponíveis permanece um dos maiores  entraves à celeridade da adoção. Dados do CNJ (2025) revelam que, até maio de 2025, havia 35.622 pretendentes habilitados no Brasil, frente a apenas 4.935 crianças disponíveis para  adoção. Dessas, a maioria era composta por grupos de irmãos, crianças com mais de sete anos,  adolescentes, e aquelas com deficiências ou condições de saúde que requerem cuidados  específicos — perfis geralmente rejeitados pela maioria dos adotantes. 

A dificuldade de compreensão dessa realidade leva muitos pretendentes a  responsabilizar o sistema e o judiciário pela demora, quando, na verdade, o principal fator  de morosidade está no desalinhamento entre os perfis desejados e os perfis reais das crianças  acolhidas (SCHOWCHOW; FRIZZO, 2021; SOUZA; CRUZ, 2021). Nesta circunstância, o  CNJ tem buscado enfrentar esse desafio por meio de ações informativas, como cartilhas,  vídeos explicativos, e atualizações constantes no portal do SNA, incentivando os adotantes a  revisarem seus perfis e refletirem sobre suas motivações, ampliando suas disposições para  perfis mais diversos.

Na prática cotidiana do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), é comum  observarmos que a possibilidade de flexibilização do perfil desejado no SNA permite acelerar  significativamente a concretização da adoção, sobretudo quando os pretendentes demonstram abertura para acolher crianças mais velhas ou adolescentes. Ainda assim, muitos resistem a essa mudança por questões emocionais, inseguranças pessoais ou financeiras, ou por  expectativas idealizadas, muitas vezes inconscientes. 

O SNA, por sua estrutura tecnológica e cobertura nacional, permite que todas as Varas  da Infância e Juventude alimentem e acessem informações em tempo real, promovendo uma  gestão mais eficiente e responsável dos processos adotivos. O sistema também emite alertas  automáticos, garantindo o cumprimento dos prazos legais, tanto para as crianças quanto para  os pretendentes, sendo constantemente monitorado por magistrados e corregedores (CNJ,  2025; SOUSA, 2019). 

Apesar de todos os avanços promovidos pelo SNA, não se pode ignorar o impacto  psicológico da longa espera. A fila virtual, embora funcionalmente eficiente, é, do ponto de  vista emocional, uma das fases mais difíceis de todo o processo adotivo. Sentimentos característicos de impotência, angústia, frustração e até desistência são frequentemente  verbalizados pelos pretendentes. Como observam Cecílio e Comin (2018), “há um tempo para  o processo de adoção começar, mas não se pode prever quando ele se encerrará”. Essa  imprevisibilidade aumenta o sofrimento emocional, especialmente entre aqueles que  aguardam há anos sem nenhum contato com crianças compatíveis. 

Portanto, é fundamental que os pretendentes contem com redes de apoio emocional,  sejam elas institucionais, como os Grupos de Apoio à Adoção (GAAs), ou serviços  psicológicos, capazes de ajudá-los a enfrentar a ansiedade da espera e a ressignificar suas  expectativas quanto à parentalidade adotiva. A adoção é um processo que demanda não  somente trâmites legais, mas também um trabalho interno de transformação, abertura e  amadurecimento emocional. 

5. METODOLOGIA 

Trata-se de uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório, fundamentada em uma  revisão de literatura sobre o tema da adoção e as dimensões emocionais dos adotantes ao longo  do processo. A seleção do material bibliográfico considerou artigos científicos publicados na  última década e o ordenamento jurídico vigente, priorizando produções nacionais da área de  Psicologia Jurídica e Psicologia Social. A busca foi realizada em bases de dados como SciELO, PePSIC, LILACS e Google Acadêmico, utilizando descritores como “adoção”,  “afetividade”, “emoções”, “pretendentes à adoção” e “processo adotivo”. A análise do  material permitiu a identificação de categorias temáticas relacionadas às emoções  predominantes durante as etapas do processo adotivo, às dificuldades enfrentadas pelos  adotantes e às contribuições possíveis da escuta qualificada na atuação profissional. 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Diante das reflexões apresentadas, é possível compreender que o processo de adoção  envolve muito mais do que aspectos legais e burocráticos. Ele é atravessado por significados  históricos, simbólicos e emocionais que moldam tanto como a sociedade compreende a  parentalidade adotiva quanto às vivências subjetivas dos pretendentes à adoção. A análise  histórica evidencia que as práticas adotivas foram inicialmente motivadas por interesses  patrimoniais e sociais, e somente com o avanço das concepções sobre infância, maternidade e  direitos humanos é que a adoção passou a incorporar dimensões afetivas e éticas mais amplas. 

Contudo, apesar dessas transformações, ainda hoje persistem expectativas sociais  rigidamente construídas, especialmente em torno da maternidade/paternidade e da idealização  da parentalidade, que influenciam diretamente a decisão de adotar e as emoções  experimentadas ao longo do processo. Nesse cenário, pretendentes muitas vezes iniciam esse  percurso marcados por perdas, luto e frustrações, ao passo que enfrentam um sistema que,  mesmo amparado por importantes garantias legais, pode ser vivenciado como lento, exigente  e emocionalmente desafiador. 

Observa-se que a adoção, no contexto brasileiro, representa uma complexa interseção  entre normas jurídicas, políticas públicas e experiências humanas singulares. Vale salientar,  que ao longo das últimas décadas, avanços significativos vêm sendo conquistados no sentido  de assegurar que o direito à convivência familiar e comunitária, previsto no Estatuto da  Criança e do Adolescente, seja efetivamente garantido a todas as crianças e adolescentes  privados do cuidado parental. Contudo, apesar da sofisticação dos sistemas legais e da  implementação de ferramentas como o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), o  êxito dos processos adotivos depende, na maioria, do preparo emocional dos pretendentes e  da capacidade das instituições envolvidas de oferecer acolhimento sensível e contínuo. 

A análise das etapas que envolvem a habilitação para adoção e a posterior inserção no  SNA revela que, mais do que um procedimento técnico, a adoção é atravessada por vivências  subjetivas intensas, muitas vezes marcadas por frustrações, idealizações e desconstruções. O desejo de adotar frequentemente emerge como resposta a um luto silencioso — o da  infertilidade ou da parentalidade sonhada —, exigindo dos pretendentes um processo de  elaboração emocional profundo e contínuo. Nesse sentido, é essencial que os profissionais do  sistema de justiça atuem não somente como avaliadores, mas como facilitadores e mediadores  de um processo de transformação pessoal e relacional. 

Além disso, é preciso enfrentar o desafio da disparidade entre o perfil desejado pela  maioria dos pretendentes e o perfil das crianças disponíveis para adoção. Essa lacuna revela,  muitas vezes, preconceitos internalizados e limitações simbólicas que precisam ser trabalhadas  com escuta, empatia e orientação especializada. A atuação de Grupos de Apoio à Adoção  (GAAs), cursos preparatórios e o acompanhamento psicológico durante e após o processo são  estratégias fundamentais para promover a ampliação de perspectivas e a construção de  vínculos afetivos mais realistas e duradouros. 

Portanto, mais do que a realização de um sonho individual, a adoção deve ser  compreendida como um compromisso ético e afetivo com a infância e a adolescência  brasileiras. Para que esse compromisso se transforme em experiências exitosas, é necessário  integrar rigor técnico, sensibilidade humana e políticas públicas eficazes que promovam a  escuta, a orientação e o cuidado de todos os envolvidos no processo. Afinal, a verdadeira  parentalidade adotiva se constrói no cotidiano dos afetos, na superação dos desafios e na  capacidade de acolher o outro em sua integralidade. 

Nesse cenário, torna-se fundamental ampliar o olhar das instituições para além da  proteção da criança, incluindo também um cuidado contínuo com os sujeitos que desejam  adotar. A escuta qualificada das suas histórias, angústias e expectativas, aliada a uma  abordagem psicossocial sensível e humanizada, pode contribuir significativamente para o  fortalecimento do projeto adotivo, minimizando sofrimentos psíquicos e promovendo vínculos  mais saudáveis e duradouros. Assim, pensar a adoção na contemporaneidade exige não  somente o cumprimento de normas jurídicas, mas o reconhecimento dos afetos, histórias e  subjetividades que possibilitam a construção de novas formas de filiação e pertencimento. 

REFERÊNCIAS 

ALBUQUERQUE, Leonam Amitaf Ferreira Pinto de; ALBERTO, Maria de Fátima Pereira.  Profissionais de Psicologia na política de adoção: produção científica nacional. Gerais, Rev.  Interinst. Psicol., Belo Horizonte , v. 14, n. spe, p. 1-23, dez. 2021 . Disponível em  <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-82202021000300013&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 02 jun. 2025. https://doi.org/10.36298/gerais202114e18526. 

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¹Mestranda em Psicologia na Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), Especialista em Direito das Famílias  (URCA), Analista Judiciário/Psicóloga no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), Salgueiro, PE, E-Mail:  liduina.salviano@tjpe.jus.br. 

²Pós-doutor em Psicologia Social (UERJ), Doutor em Ciências Humanas (UFSC), Mestre em Educação (UFRS),  docente no Programa de Pós-Graduação em Psicologia e Professor Adjunto na UNISC, Santa Cruz do Sul, RS, E Mail: eduardo@unisc.br.