ADEQUAÇÃO DO TRATAMENTO PENAL DA PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10013422


Jocimar do Carmo1


RESUMO

O objetivo do presente artigo é discorrer sobre a imprescritibilidade de se refletir sobre as constantes ocorrências policiais envolvendo fatos e circunstâncias que tipificam a Contravenção Penal de Perturbação do Trabalho ou o Sossego Alheios, considerada, assim como outras infrações, crime de menor potencial ofensivo, apresentando, discutindo, refletindo, sobre a sua nocividade para o convívio harmonioso da sociedade, cuja realidade, hoje, está bem distante do quotidiano vivenciado na década de 1940 do século passado, quando a legislação foi promulgada, procurando mostrar que outras áreas do direito estão mais adequadas para resolução deste conflito. Propugnando-se, então, por adequação da lei vigente e/ou criação de mecanismos para reparação dos danos causados. Os objetivos específicos se expandem em tópicos, quais sejam os de analisar a diferenciação que o legislador, os operadores do direito e autores/pesquisadores tecem, conceitualmente a respeito desta Contravenção Penal, vislumbrar possibilidades de descriminalização da Perturbação do Trabalho ou o Sossego Alheios e ganhar, outros ramos do Direito, devido à complexidade do tema, deixando a infração do ambiente dos Juizados Especiais Criminais e migrando para outra seara do Poder Judiciário.

Palavras-chave: Contravenção Penal. Perturbação do Trabalho ou o Sossego Alheios. Descriminalização. Despenalização.

ABSTRACT

The objective of this article is to discuss the imprescriptibility of reflecting on the constant police incidents involving facts and circumstances that typify the Criminal Misdemeanor of Disturbing Work or Peace of Others, considered, like other infractions, a crime with less offensive potential, presenting, discussing, reflecting, on its harmfulness for the harmonious coexistence of society, whose reality today is very far from the daily life experienced in the 1940s of the last century, when the legislation was enacted, seeking to show that other areas of law are more appropriate to resolve this conflict. Therefore, we advocate the adaptation of current law and/or the creation of mechanisms to repair the damage caused. The specific objectives expand into topics, which are to analyze the differentiation that the legislator, legal operators and authors/researchers make, conceptually, regarding this Criminal Misdemeanor, envision possibilities of decriminalization of Work Disturbance or Peace of Others, win, other branches of Law, due to the complexity of the topic, leaving the infraction in the Special Criminal Courts environment and migrating to another area of the Judiciary.

Keywords: Criminal Misdemeanor. Disruption of Work or the Peace of Others. Decriminalization. Decriminalization.

1 INTRODUÇÃO

A necessidade humana de prosseguir vivendo em sociedade, com objetivo de ajuda mútua trouxe indiscutivelmente algumas vantagens para nossa população, mas também muitos problemas de convivência, por exemplo à Perturbação do Trabalho ou o Sossego Alheios, situações de conflitos muitas vezes causadas por nossos próprios vizinhos.

Situações como essas ocorrem em diversos locais e por várias formas, ou seja, é o volume do som vindo de residências, bares e igrejas, gritarias, algazarras, barulho com animais, obras em construção e reformas, barulhos ruidosos, profissão incomoda, entre outros exemplos de situações que são um tormento para algumas pessoas, pois incomodam quem precisa de sossego, bem como desrespeita o outro que pretende descansar, trabalhar ou fazer algo que necessite de um ambiente tranquilo.

Muitas vezes, a prática reiterada de infrações penais de menor potencial ofensivo em cidades de pequeno e médio porte, pode provocar insegurança jurídica na sociedade afetada, além de dúvida na atuação e prejuízo para a estabilidade das instituições integrantes do Sistema de Segurança Pública.

A Perturbação do Trabalho ou o Sossego Alheios (art. 42 LCP) é uma Contravenção Penal tipificada no Decreto Lei 3.688 de 3 de outubro de 1941.

Este dispositivo legislativo insere alguns questionamentos que caracterizam a problemática a ser estudada. Quando se caracteriza uma Perturbação do Trabalho ou o Sossego Alheios? Por que não há uniformidade nos procedimentos Policiais? Por que algumas pessoas são advertidas e outras encaminhadas? Quais as providências devem ser adotadas para reduzir os índices existentes?

Visto que a ausência de uniformidade nos procedimentos Policiais aponta um entendimento jurídico contraditório para situações de mesma natureza, com base nos questionamentos apresentados, resta a necessidade de definição jurídica para à garantia de que o direito seja aplicado corretamente, em relação à proteção ao direito dos perturbados.

Neste sentido, o objetivo do presente artigo cientifico é discorrer sobre os conceitos da Perturbação do Trabalho ou o Sossego Alheios, analisar quais devem ser os procedimentos adotados em cada situação, além de verificar outras formas de fiscalização existentes na legislação que possam auxiliar na diminuição dos índices apresentados.

Considerando a impressibilidade de analisar o que esta infração penal e sua nocividade representa na atualidade, cabe apontar como objetivo secundário deste artigo a verificação de outras formas que auxiliem na redução do grande número de ocorrências, dando ênfase à cidade de Ponta Grossa/PR, sobre o qual foram retirados os dados estatísticos, apontando possíveis soluções que possam ser utilizados nas políticas públicas de segurança para melhor atender a população.

2 A PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO

Nas últimas décadas houve profundas transformações no meio social por conta do crescimento populacional, que em conjunto com o crescimento econômico brasileiro, desenvolvimento de novas tecnologias, e a mudança de comportamento da sociedade, acabaram por ampliar alguns problemas no convívio social nos quais o direito a liberdade de alguns acaba por interferir no direito de outrem.

Periodicamente, o legislador brasileiro se depara com a necessidade de implementar, mudanças nas leis do País, seja por iniciativa de juristas e autoridades da ampla seara do Direito, seja pelas pressões exercidas pelo clamor público, ou visando sobretudo, atender à realidade de novos tempos e desafios surgidos no seio social, desde que se experimenta de forma dinâmica, o progresso evolutivo tanto econômico quanto intelectual, ensejando a criação de normas eficazes que produzam efeitos na quase utópica, porém essencial, harmonização do convívio humano.

Em sua brilhante obra “A luta pelo direito” – traduzida por Dominique Makins (2012, p. 53) nos ensina que: A meta da lei é a paz, a vida da lei é uma batalha, – uma batalha das nações do poder do Estado, das classes e dos indivíduos”. Afirmou ainda que a lei não é mera teoria, mas uma força viva, e assim que a justiça por um lado segura a balança, em que ela pesa o direito, e pela outra segura a espada com que ela a executa.

Da mesma forma que ocorre na legislação em geral, quando o legislador entende necessário tutelar direitos na esfera penal ou retirá-los desta tutela, ocorrem alterações nas leis penais que incluem, modificam ou excluem ilícitos do ordenamento jurídico vigente.

Sobre o ilícito Paulo Nogueira leciona:

Todos nós temos a liberdade de viver, segundo nossa concepção e desde que não prejudiquemos o direito de outrem. Não há liberdade absoluta, ilimitada, mas condicionada para quem vive em sociedade. Ninguém pode fazer o que bem entende, havendo restrições à conduta humana. Mesmo no exercício de qualquer atividade, ainda que legítima, não pode haver um direito absoluto, pois todo abuso que venha a perturbar o trabalho ou sossego alheios deve ser reprimido na forma da lei (NOGUEIRA, 1993, p. 140).

A realidade atual está bem distante do quotidiano vivenciado na década de 1940, quando a lei de Contravenções Penais foi promulgada, diante disso houve o aumento insignificante no conflito de direitos. É possível verificar, por meio das estatísticas, que uma das principais causas de solicitação da interferência estatal pelos órgãos de Polícia é a ocorrência frequente da chamada Perturbação do Trabalho e ou Sossego Alheios, que não se concentra somente nas grandes capitais mais também nas cidades de pequeno porte do interior.

Contudo, aquele que faz barulho em excesso pode ser responsabilizado criminalmente, conforme estabelece a Lei de Contravenções Penais, Decreto Lei nº 3.688 de 3 de Outubro de 1941, que dispõe em seu art. 42 (Capítulo IV, Das Contravenções Referentes à Paz Pública).

Art. 42. Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios:

I – com gritaria ou algazarra;

II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais;

III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;

IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda:

Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.

2.1 CONCEITO E NATUREZA JURIDICA

Para conseguir definir o conceito de Perturbação do Trabalho e ou Sossego Alheios, é necessário primeiramente encontrar o significado do que é o sossego e o que consiste o trabalho.

A palavra sossego significa “ação de sossegar; descanso, calma, tranquilidade” (AMORA, 2009, p. 691).

No entanto configura a tranquilidade e paz em um determinado tempo e local é um estado de fato. Não somente ausência de barulho, mas também de ruído além daquele permitido, aquele que seja prejudicial à saúde e à vida do cidadão.

Trabalho é atividade consciente e voluntária, esforço humano para a produção de riqueza. “qualquer atividade laborativa legítima que vise ou não o lucro” e sossego é tranquilidade, repouso, descanso” (SZNICK, 1991, p. 204).

Sobre o que engloba o art. 42 da Lei das Contravenções Penais, vejamos:

I) Gritaria ou algazarra: a gritaria consiste em barulho produzido pela voz humana. Algazarra significa barulho produzido por outra forma qualquer (exceto as previstas nos demais incisos). Ex. Quebrar garrafas, chutar latas etc.

II) Exercício de profissão incômoda ou ruidosa: para que exista a contravenção é preciso que o fato ocorra em desacordo com as prescrições legais. Trata-se assim de norma penal em branco, que exige complementação. Deve, portanto, analisar; as posturas e regulamentos municipais, a existência de autorização ou de licença, a região onde é produzido o barulho (se a área é comercial, residencial ou industrial), o horário, qual o limite de decibéis admitido para a área, se o estabelecimento tem licença da Prefeitura, se eventual licença admite funcionamento noturno etc.

III) Abuso de instrumentos sonoros ou de sinais acústicos-pune-se o excesso na utilização de aparelhagem de som ou dos meios que têm destinação específica de chamar a atenção alheia. Sinais acústicos abrangem apitos, sinos, buzinas etc. É bastante comum a responsabilização de proprietários de casas noturnas ou boates onde a música é tocada em alto volume e incomoda os vizinhos.

IV) Provocar ou não procurar impedir barulho provocado por animal de que se tenha a guarda – há duas formas típicas: a) forma ativa, consistente na provocação do animal de quem tem a guarda, para que este faça barulho; b) a forma omissiva, que se traduz pela ausência de ação no sentido de impedir que o animal produza barulho. (GONÇALVES, 2006, p. 171)

Em termos jurídicos, o sossego é um direito da personalidade, consiste do direito à vida e a saúde, ou de outra forma, é “direito que tem cada individuo de gozar de tranquilidade, silêncio e repouso necessários, sem perturbações sonoras abusivas de qualquer natureza” (GUIMARÃES, 2007, p. 235).

A lei não expressa à quantidade de pessoas na infração, segundo a doutrina entende que “a Contravenção do art. 42 perturbar o sossego de um número indeterminado de pessoas; (JESUS, 2001, p. 138).

Para a existência da Contravenção, basta a ação ou omissão voluntária. Deve-se, todavia, ter em conta o dolo ou a culpa, se a lei faz depender, de um ou e outra, qualquer efeito jurídico.

Na lei de Contravenções Penais a culpa não é normativa como no Código Penal. O jurista deverá detectar a culpa na ação ou omissão, fazendo uma análise intuitiva. É possível afirmar desse conceito que todo cidadão tem direito ao sossego, é um direito extrapatrimonial, indisponível e absoluto, por consequência, o descumprimento da lei pode ter responsabilidade jurídica.

2.2 SUJEITO ATIVO E SUJEITO PASSIVO

Valendo-se dos ensinamentos de Gonçalves (2006), o sujeito ativo desta infração é qualquer pessoa, contrapondo-se ao sujeito passivo, que é a coletividade. Segundo ele não basta que uma pessoa ou um número reduzido de pessoas sinta-se atingido pela perturbação. “Exige-se que um número considerável de pessoas seja incomodado” . Isso porque a lei utiliza a palavra “alheios”, no plural (GONÇALVES, 2006, p. 170).

Pelas suas afirmações, deve o Policial Militar, primeiro a chegar ao local do fato, avaliar a maior ou menor suscetibilidade de uma pessoa incomodada.

2.3 TIPICIDADE

Hoje, além da tipicidade formal, a doutrina entende que devemos analisar a tipicidade conglobante, para que uma determinada conduta possa ser considerada típica.

Zaffaroni e Pierangeli (2008), nos ensina que a tipicidade é característica que tem uma conduta em razão de estar adequada a um tipo penal, ou seja, individualizada como proibida por tipo penal. Foi uma ideia introduzida no Brasil por Zaffaroni, que o Direito Penal moderno não está regido apenas pela legalidade, tendo em vista que também devemos observar os princípios da intervenção mínima ou última “ratio” da lesividade, da adequação social da conduta, da fragmentariedade, dentre outros.

Isto nos indica que o juízo de tipicidade não é um mero juízo de tipicidade legal, mas que exige um outro passo que é a comprovação da tipicidade conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada na ordem normativa (ZAFFARONI, PIERANGELI, 2008, p. 396).

A tipicidade legal tem o condão de selecionar descritivamente os comportamentos, tendo em vista a exigência e respeito ao princípio da legalidade. A sua existência isolada, contudo, não permite o aperfeiçoamento essencial do juízo de tipicidade, pois não é capaz, por si só, de aferir a afetação, pela conduta analisada, da norma e do bem jurídico.

Dentre as teorias apontadas pela doutrina Zaffaroni e Pierangeli (2008), apontam que o plano da tipicidade deve ser entendido como um terreno de conflito onde colidem o poder punitivo e o Direito Penal. O primeiro luta pela maior habilitação de seu exercício; o segundo, por sua maior limitação racional.

Zaffaroni e Pierangeli (2008), explicam que em consonância com a doutrina dominante, reconhece o dolo e a culpa, a ação e a omissão como diferentes modalidades ou estruturas típicas. Segundo eles discorre que o bem jurídico Sossego Público não é um bem irrelevante, recebe a tutela estatal por ser bem juridicamente relevante, enquadrando-se naquilo que se chama de tipicidade material, podendo falar em tipicidade conglobante.

Assim a tipicidade penal ou legal deve ser analisada da seguinte forma: Ocorrido determinado fato, devemos analisar a tipicidade formal, se a conduta é anti-normativa, ou seja, não incentivada ou determinada por lei, assim também, verificar a relevância da lesão, para então concluirmos pela existência da tipicidade penal.

No entanto o barulho deve ser diverso da normalidade, por exemplo, (deve ser verificado de acordo com as circunstâncias que se deram). Neste entender verificar o local que ocorreu o fato, se foi em data festiva, carnaval, natal, ano novo ou em dia útil, se ocorreu em via pública ou interior de residência se foi em horário noturno etc. A “tipicidade consiste no ajuste perfeito do fato com o tipo, ou seja, na exata correspondência do fato praticado com a descrição legal existente” (FUHRER, 2006 p. 50).

2.4 BEM JURIDICO TUTELADO

Há uma determinação legal protegendo o sossego das pessoas e, em caso de descumprimento, o ofendido pode chamar a Polícia Militar para registrar uma ocorrência ou ir até à Delegacia de Policia Civil para registrar um boletim de ocorrência e assim instaurar o procedimento legal.

A Perturbação do Trabalho e do Sossego Alheios é um bem jurídico tutelado pelo Estado, seu bem jurídico é a “paz pública” (GONÇALVES, 2006, p. 170).

É certo que a proteção não é para suscetibilidades ou mesmo para intransigências. A perturbação deve ser amplamente comprovada, por gravação, e testemunhas.

Cabe ainda ressaltar a observação de Zaffaroni e Pierangeli (2008) que, quando uma conduta nos impede ou perturba a disposição desses objetos, esta conduta afeta o bem jurídico, e algumas destas condutas estão proibidos pela norma que gera o tipo penal.

Nosso Tribunal de Justiça do Estado tem inúmeras decisões neste sentido, vejamos a jurisprudência para demonstrar a aplicabilidade da lei.

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – CONTRAVENÇÃO PENAL – PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO ALHEIO – SOM AUTOMOTIVO EM VOLUME EXAGERADO PROVENIENTE DE RESIDÊNCIA – ABSOLVIÇÃO OU ATIPICIDADE – IMPOSSIBILIDADE – AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADOS – VALIDADE DOS DEPOIMENTOS PRESTADOS POR POLICIAIS MILITARES – DOSIMETRIA CORRETA – SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. Recurso conhecido e desprovido. (TJPR – 4ª Turma Recursal – XXXXX-98.2020.8.16.0191 – Curitiba – Rel.: JUIZ DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS MARCO VINICIUS SCHIEBEL – J. 02.05.2023)

A principal regra de convivência das pessoas segundo nossos costumes é o direito de cada um termina quando começa o do outro, isto significa que os indivíduos devem cumprir uma máxima benéfica para todos, ou seja, não causar nenhum dano (material e/ou moral) para o outro.

Quando ultrapassamos a fronteira existente entre nosso direito e o do próximo, violamos um dever moral consistente na obrigação de respeitar a integridade física e psíquica do nosso vizinho. A obrigação de não causar prejuízo a ninguém é o retrato de uma regra primária de convivência harmoniosa, principio de comportamento moral sobre o qual se assentam todas as regras de direito. (CLAYTON REIS, 2002, p. 57,58).

O direito de não ser perturbado, mais conhecido como direito ao sossego, nasce naturalmente da garantia constitucional do direito à intimidade e privacidade prevista no inciso X do art. 5º da Constituição Federal. “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Para Rudolph Von Jhering (1818-1892 apud MAKINS, 2012) o termo direito é como se sabe usada em nossa língua de duas formas, de uma forma objetiva e de uma forma subjetiva. Assim segundo o autor, direito, no sentido objetivo da palavra, abrange todos os princípios da lei aplicados pelo Estado; é a ordem legal da vida. No entanto no sentido subjetivo da palavra, é por assim dizer, a transformação da regra abstrata ao direito legal concreto da pessoa.

Do mesmo modo que a intimidade e a privacidade, o direito ao sossego é um direito de negação, de interdição da ação dos outros. Trata-se, pois, da imposição de um limite físico, visando garantir a tranquilidade das pessoas.

2.5 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Para que se caracterize esta infração é necessário que alguém perturbe o Trabalho ou o Sossego Alheios, com gritaria ou algazarra, exercendo profissão incomoda ou ruidosa em desacordo com as prescrições legais, abusando de instrumentos sonoros.

Segundo Maciel (2009, p. 108) “a conduta é perturbar, incomodar, atrapalhar o trabalho ou sossego alheios”.

Não esta tutelando apenas o repouso ou descanso, mas também o direito à tranquilidade das pessoas, nenhum sujeito é obrigado a suportar excessivo barulho e ininterrupto provocado por bares, casas de shows, vizinhos, locais de culto, apenas porque o som, entende-se volume alto de aparelho sonoro que causa ruído, é provocado antes do horário de repouso.

A infração penal pode ocorrer também durante o dia, o excesso de barulho é proibido em qualquer horário, do dia ou da noite, e a ideia usual das 22 horas não existe em nenhuma determinação ou norma legal somente é um costume ou crença. 

A expressão alheios, indica que a Perturbação do Trabalho ou do Sossego de uma única pessoa, não configura a contravenção. “Somente se configura se atingir várias pessoas” (MACIEL, 2009, p. 108).

Destarte, os tribunais superiores têm entendido que não basta a simples perturbação, de forma particular, para caracterização da contravenção penal, devendo ser atingido à coletividade, vejamos a seguinte jurisprudência:

APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRAVENÇÃO PENAL. PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO ALHEIO, ART. 42, INCISO III DO DECRETO LEI Nº 3.688/41. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO POR ANTIPICIDADE DA CONDUTA. VIABILIDADE. MATERIALIDADE DO DELITO NÃO COMPROVADA. NECESSÁRIA OFENSA AO BEM JURÍDICO PAZ PÚBLICA. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE NÃO COMPROVA OFENSA À COLETIVIDADE. EXISTÊNCIA DE RECLAMAÇÕES JUNTO AO 190, ENTRETANTO, TAL FATO NÃO EVIDENCIA A MULTIPLICIDADE DE VÍTIMAS. AUSÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS CAPAZES DE CORROBORAR COM A VIOLAÇÃO DA PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO DA COLETIVIDADE LOCAL. ÔNUS DA PROVA EXCLUSIVO DA ACUSAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. (TJPR-4ª Turma Recursal – XXXXX-89.2019.8.16.0136-Pitanga – Rel.: Juíza Bruna Greggio – J. 17.08.2020).

Conforme Decreto Lei nº 3.688 de 03 de Outubro de 1941, parte geral em seu art. 4º “não é punível a tentativa de contravenção”.

Diz-se crime tentado quando iniciada execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente (Art. 14 II CP). No aspecto fático, obviamente, é possível tentar-se praticar uma contravenção, mas o legislador trata a hipótese como irrelevante penal. Pode-se dizer que é atípica a tentativa de contravenção. Para JESUS (2010) há exclusão da ilicitude.

3 A LEGISLAÇÃO

Em nossa legislação existem várias leis que amparam para que não haja excesso de barulho ou ruídos e os infratores possam ser penalizados tanto na esfera Criminal, Civil e Administrativa.

Segundo Cessare Beccaria (1738-1794, apud, LIMA, 2012), as leis são as condições sob as quais os homens, naturalmente independentes, unem-se em sociedade. Cansados de viver em um contínuo estado de guerra e de gozar uma liberdade que se tornou de pouco valor, a causa das incertezas quanto a sua duração, eles sacrificam uma parte dela para viver o restante em paz e segurança.

O direito de viver sem barulhos incômodos é tutelado pelo art. 42 do Decreto Lei 3.688 de 3 de outubro de 1.941 Lei de Contravenções Penais, art. 54 da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1.998, Lei de Crimes Ambientais e pelos artigos 228 e 229 da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, do Código de Trânsito Brasileiro. 

3.1 AÇÃO PENAL E A LEI DE CONTRAVENÇÕES PENAIS

Ademais, após a edição da Lei 9.099/95, todas as Contravenções são de competência do Juizado Especial Criminal. A ação penal nas Contravenções Penais é pública incondicionada, como bem informa o art. 17 da LCP; “A ação é pública, devendo a autoridade proceder de ofício”.

Assim esta afastada a incidência das ações públicas condicionadas à representação ou privadas, sendo, em primeiro momento, exclusividade do Ministério Público a titularidade ativa da demanda. “São funções institucionais do Ministério Público: promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei” (art. 129 I CF/1988).

Para melhor compreender a dimensão do vocábulo Contravenção, é de apreço transladar a seguinte definição. “infração; transgressão de regras, leis, disposições estabelecidas” (AMORA, 2009, p. 173).

Por ser uma infração de menor potencial ofensivo, aplica-se às Contravenções Penais a lei 9.099/95; permitindo a transação penal, elegendo um procedimento sumaríssimo para cotejar a culpa.

Segundo Guilherme de Souza Nucci (2009) a Contravenção Penal examinem, assim se classifica: a) infração comum, por ser cometida por qualquer pessoa; b) material, exigindo para sua caracterização a efetiva perda de tranquilidade; c) de forma vinculada, haja vista que seu cometimento somente se dará pelos incisos do dispositivo; d) comissiva; e) instantânea; f) unissubjetiva, podendo ser cometido por uma só pessoa; g) plurissubsistente, cometida por mais de um ato.

Portanto, uma vez noticiada à prática da Contravenção Penal e presente o autor diante da equipe Policial, esta deve na ausência da vítima, agir de ofício lavrando o Boletim de Ocorrência e posterior o Termo Circunstanciado.

No Brasil, esclarece SILVA (2006), parágrafo único: A palavra Contravenção traz à ideia de ilicitude de menor importância que crime, assim, é comum as pessoas dizerem; “é só contravenção”, ou seja, a população ameniza ainda mais o que a Lei pretendeu amenizar, nessa esteira, incute nas pessoas a ideia de que contravenção não tem muita importância para nosso ordenamento jurídico.

Neste ponto, inexorável ter-se em mente que os bens jurídicos protegidos de hoje não são mais aqueles merecedores de proteção na década de 40, ante a evolução do tempo, sendo uma das principais, a implementação da democracia no ordenamento pátrio, e a consequente vigência de uma Constituição permeada de princípios sem precedentes na história constitucional do país.

3.2 A AÇÃO POLICIAL E O ATENDIMENTO DE OCORRÊNCIA

A atividade policial é regulamentada pelos órgãos de Segurança Pública e por se tratar de um serviço público é regulamentada por legislação vigente que assim assegura:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares; VI – polícias penais federal, estaduais e distrital. § 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. (art. 144 CF/1988).

As Policias Militares, segundo SILVA (2012), estão subordinadas aos Governos dos respectivos Estados Federados e desenvolvem as atribuições de Polícia Ostensiva e da Preservação da Ordem Pública.

SILVA (2012) explica que antes de entender em que consiste a Segurança Pública, é importante definir os conceitos dos termos “Segurança” e “Polícia”.

Nesse sentido afirma que Segurança de modo geral pode ser entendida como garantia e proteção da ordem pública. “Ordem pública será uma situação de pacífica convivência social, isenta de ameaça de violência ou de sublevação que tenha produzido ou que supostamente possa produzir, em curto prazo, a prática de crimes” (BARILE, 1953; apud SILVA, 2012, p.780).

Quanto a Polícia, SILVA (2012) explica que esta possui o objetivo de prevenir e evitar o dano ou perigo as pessoas, na preservação da ordem pública (Polícia Ostensiva) e, no caso de ocorrência de crime, o objetivo de investigar, identificar a autoria, apurar as infrações penais com o intuito principal de fornecer dados para a futura atuação repressiva às condutas delituosas por meio da ação penal (Polícia Judiciária). 

Nery Júnior e Nery (2009), em relação à atividade Policial, afirmam que seja ela administrativa ou judiciaria deverá estar pautada da legalidade e na Constituição, com seu limite delineado pelos direitos fundamentais. 

Legalidade esta expressa em nossa CF/88 em seu art. 5º XXXIV – “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Por este motivo, será defeso ao Policial qualquer ato que não esteja previsto nas normas vigentes, restando apenas o dever de realizar aquilo que a norma determinar.

Nos casos em que o Policial constatar o ilícito penal, este encaminhará o autor para o TCIP e fará apreensão do objeto causador do barulho. Ainda somente haverá condução do autor da Contravenção à Delegacia de Polícia, se este negar-se a assinar o Termo de comparecimento ao JECrim (Juizado Especial Criminal), fato que ensejará sua prisão em flagrante delito. 

Segundo a doutrina, quando se está diante do texto do artigo 42 da LCP, não se faz necessário perícia ou comprovação técnica do barulho provocado pela parte ré do processo. Os julgados nos diversos tribunais são no sentido de que a prova testemunhal é mais que suficiente para comprovação da conduta delitiva.

APELAÇÃO CRIMINAL. PERTURBAÇÃO DE SOSSEGO. ART. 42, INCISO III, DECRETO-LEI 3.688/1941. RECEPÇÃO CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUTORIA E MATERIALIDADE. PROVA TÉCNICA. DESNECESSIDADE. REINCIDÊNCIA. REGIME SEMIABERTO. SUMULA STJ. -Não há incompatibilidade do delito previsto no art. 42, inciso III da Lei de Contravenções Penais, em relação à Constituição Federal. O abuso de instrumentos sonoros, capaz de perturbar o trabalho ou o sossego alheio, tipifica a contravenção do art. 42, III, do Decreto-lei 3688/41, sendo irrelevante, para tanto, a ausência de prova técnica. Sendo o réu, reincidente, condenado a pena igual ou inferior a quatro anos, mostra-se adequado, em princípio, o regime semiaberto para o início da pena. (Apelação, Processo nº 0000795-22.2016.822.0013, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, Turma Recursal, Relator (a) do Acórdão: Juiz Jorge Luiz dos S. Leal, Data de julgamento: 05/04/2017). (TJ-RO – APL: 00007952220168220013 RO 0000795-22.2016.822.0013, Relator: Juiz Jorge Luiz dos S. Leal, Data de Julgamento: 05/04/2017, Turma Recursal, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 07/04/2017).

É certo que o Policial Militar, não obstante encontra sua situação vinculada à lei e possui ampla margem de discricionariedade na consecução das atribuições de sua função. Assim, o exercício do Poder de Polícia, consubstanciado em suas quatro fases (ordem, consentimento, fiscalização e sanção de Polícia), representa a essência da Polícia Ostensiva e da Preservação da Ordem Pública, além de formar conjuntamente a outras ferramentas  mecanismos Policiais, um forte arcabouço instrumental à atividade Policial Militar.

Portanto faz-se ainda ressaltar, que o poder de Polícia pode assumir o caráter preventivo ou repressivo. Quando atuando preventivamente, deve impedir as ações antissociais, de outra forma deve visar punir os infratores que violam a Lei. A partir destes caracteres, esse poder exercido pelo Estado pode incidir na área administrativa e na judiciária. 

De acordo com Di Pietro (2015, p. 158) define o Poder de Polícia como: “a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”.

Ademais, a experiência profissional nos afirma que o cidadão, quando perturbado em seu direito ao sossego, não possui como escopo principal ver o infrator processado, ao menos espera em um primeiro momento, apenas que o ato perturbador cesse e que seus direitos sejam assegurados, motivo que vem ressaltar o papel pacificador da Polícia Militar.

3.3 DO TERMO CIRCUNSTANCIADO

O Termo Circunstanciado, surge com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que trouxe a determinação para que a União, Distrito Federal, Territórios e Estados conforme art. 98 I, instituíssem os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Os Juizados Criminais vêm com a função de conciliar e julgar as infrações penais de menor potencial ofensivo, e têm como julgadores dos recursos turmas de juízes de primeiro grau.

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo , permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

Desta forma a nossa CF/98 previu a criação dos Juizados Especiais, no qual o art. 98 I  foi regulamentado pela lei nº 9.099/95, que entrou em vigor no mesmo ano de sua publicação, fazendo nascer assim à figura do Termo Circunstanciado. Conforme art. 69 da Lei 9.099/95. “A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários”.

O Termo Circunstanciado é bem semelhante ao Boletim de Ocorrência, só que este contém alguns dados a mais do que aquele a citar, por exemplo: o resumo dos relatos das testemunhas, autor e vítima; caso necessário a requisição de exame de corpo de delito; e o termo de compromisso de comparecimento; entre outros a depender do caso concreto. Desta forma assevera Fernandes que:

O termo circunstanciado é um boletim de ocorrência simples, que substitui o inquérito policial. Como autuação sumária, deve ser suscinto e conter poucas peças, garantindo o exercício do princípio da oralidade. O próprio talão de ocorrência da Policia Militar serve de autuação sumária. (FERNANDES, 2010, p. 94).

O Termo Circunstanciado não necessita de formalidades até mesmo para atender aos princípios da Lei 9.099/95. Nas palavras de Burille, tem a seguinte definição.

O Termo Circunstanciado é um espécie de Boletim de Ocorrência Policial mais detalhado, porém sem as formalidades exigidas no inquérito policial, contendo a notícia de uma infração penal de menor potencial ofensivo (notitia criminis). ou seja, trata-se da narração sucinta do fato delituoso, com local e hora verificados, acrescida de breves relatos de autor, vítima e testemunha(s), bem como, citando-se objeto(s) apreendido(s), relacionado(s) à infração, se houve, podendo conter, ainda, dependendo do delito, a indicação das perícias requeridas pela autoridade policial que o lavrou. (BURILLE, 2008, p. 3,4).

Neste entender, temos que nem toda ocorrência Policial envolvendo Perturbação do Trabalho ou do Sossego Alheios, ensejará necessariamente na atuação repressiva deste profissional, culminando por fim na elaboração do TCIP.

Vê-se com acertada análise que o Policial Militar, tem o poder/dever de enriquecer discricionariamente o exercício de seu Poder de Polícia, sem contudo, passar e aplicar imediata e diretamente a “Sanção de Polícia”, uma vez que, na maioria dos casos, à “ordem de Polícia”, verbalizada de forma persuasiva e preventiva, tende por si só, afastar o ilícito.

A ação da autoridade Policial (Policial Militar), quando do cometimento da Contravenção Penal de Perturbação do Trabalho ou o do Sossego Alheios, deve atentar para algumas particularidades em relação aos direitos individuais, ao bem estar coletivo e a liberdade individual, as quais podem comprometer seriamente a eficiência e a efetividade do trabalho Policial.

Assim o Policial Militar, dentro de suas atribuições e competências deve agir de acordo com os ditames inerentes a sua atividade, a exemplo da legalidade, conveniência, necessidade e proporcionalidade, objetivando sempre que possível, a resolução pacífica e harmônica da ocorrência. Percebe-se que o objetivo maior na Atividade Policial é promover a paz social, e apaziguar conflitos com o objetivo de manter e preservar a ordem pública.

Para isso, faz-se salutar manter constante interdisciplinaridade da atividade Policial (prática) com a doutrina e jurisprudência (teoria), corroborando assim para que o Policial Militar possa, antes de tudo, pautar suas ações de forma preventiva, apaziguando conflitos e atuando como verdadeiro mediador da Segurança Pública.

3.4 DOS OBJETOS APREENDIDOS

Em se tratando de Direito Penal, configurada a infração penal, deve a autoridade policial apreender os instrumentos utilizados na prática da Contravenção Penal, no caso em tela, os instrumentos sonoros.

O art. 6º CPP nos afirma que logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais (Decreto Lei nº 3.689/1941).

No caso por exemplo, em que o autor da infração penal, utiliza-se de seu potente aparelho de som para realizar tal conduta, será necessário à elaboração de um documento de apreensão de objeto com valor agregado que tenha servido para pratica da infração.

De acordo com o procedimento padrão da PMPR na cidade de Ponta Grossa/PR, após a expedição do termo de apreensão, este será encaminhado juntamente com o objeto para o depósito público do cartório distribuidor até a sua destinação final.

3.5 DOS PROCEDIMENTOS NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS

Os Juizados Especiais Criminais vêm com a função de conciliar, julgar e executar as infrações penais de menor potencial ofensivo. O referido art. 60 da Lei 9099 de 26 de setembro de 1995, prevê que; os JEC seja providos por juízes togados ou leigos, com competência para conciliação, julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, devendo, no entanto, respeitar as regras de conexão e continência. 

Em um processo solucionado via Poder Judiciário, após abertura de Termo Circunstanciado pela Polícia Militar, é marcada a data da audiência preliminar e encaminhado ao Juizado Especial Criminal.

Na audiência preliminar, propõe-se a aplicação da pena não privativa de liberdade a opção de encaminhamento a prestação de serviços a comunitários. Tal proposta se dá nos termos do art. 72 da Lei nº 9.099/95:

Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.

No entanto verificamos que a preocupação do poder judiciário, consiste somente na observância da lei e do seguimento quase cego ao Processo Penal, em momento algum se verifica a preocupação com a solução do conflito.

Mesmo que se reflita sobre o conflito na primeira instância, na audiência, acusado e vítima pouco falam e, na maioria das vezes, sequer se veem. O acusado é submetido a um interrogatório e não compreende totalmente o que se passou e qual a próxima fase do processo, as consequências que suas declarações podem ter numa eventual condenação e a garantia constitucional de não produzir prova contra si mesmo.

Não há objetivo fundamental de compreender e discutir o conflito, mas sim de que o Estado tenha a ilusão de ter solucionado a questão, apenas sob o ponto de vista jurídico legal. Assim observamos o art. 62 da Lei 9.0999/95.

Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.  

Aos princípios de justiça restaurativa perpassam ideais de justiça social, independência das partes para solucionar seus problemas como lhes for melhor, com respeito aos valores e a dignidade de todos os envolvidos no conflito.

3.6 DAS PENAS NAS CONTRAVENÇÕES PENAIS

O art. 61 da Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995, institui que serão consideradas infrações penais, os crimes a que a lei comine pena máxima de até 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa, e os crimes em que a pena cominada seja apenas de multa.

É uma infração penal considerada como “crime menor”, de menor gravidade que o crime, punida com pena de prisão simples, multa ou ambas.

Segundo Cessare Beccaria (1738-1794, apud, LIMA, 2012) toda pena que não advier da absoluta necessidade, diz o grande Montesquieu, é tirânica. O objetivo da pena portanto não é outro que evitar que o criminoso cause mais danos à sociedade e impedir a outros de cometer o mesmo delito.

As penas principais conforme art. 5º Decreto Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 são prisão simples e multa. A prisão simples é uma pena restritiva de direito imposta pela justiça que substitui a pena privativa de liberdade inferior a quatro anos, no caso da prática de crime sem violência.

A pena pode ser substituída por prestação de serviço à comunidade, que consiste na atribuição de tarefas gratuitas, isto é, sem remuneração, a ser cumprida em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos etc. Elas serão impostas levando-se em consideração a aptidão do condenado e cumpridas em dias e horários que não prejudiquem a jornada normal de trabalho do prestador de serviço.

APELAÇÃO CRIMINAL – PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO ALHEIO – SENTENÇA CONDENATÓRIA – PRELIMINAR CERCEAMENTO DE DEFESA – TESE AFASTADA – SUBSTITUIÇÃO DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS POR PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE – IMPOSSIBILIDADE – INTELIGÊNCIA DO ART. 46 DO CÓDIGO PENAL – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO CONHEICDO E DESPROVIDO., resolve esta 1ª Turma Recursal, por unanimidade de votos, conhecer do recurso e negar-lhe provimento, mantendo incólume a sentença monocrática (TJPR – 1ª Turma Recursal – XXXXX-94.2013.8.16.0074 – Corbélia – Rel.: Juíza Ana Paula Kaled Accioly Rodrigues da Costa – J. 10.02.2015)

Antes dessa substituição o juiz analisa as condições pessoais do acusado, pois não deverá concedê-la se ele for reincidente ou a personalidade, os antecedentes, a conduta social, entre outras circunstâncias, forem desfavoráveis.

4 DADOS ESTATISTICOS

Nos últimos anos, os profissionais que trabalham na área da Segurança Pública, tem se deparado com o rotineiro crescimento dos casos envolvendo o delito penal Perturbação do Trabalho ou o Sossego Alheios, que figura nas estatísticas, como uma das principais infrações penais atendidas pela PMPR.

Tome-se, a título de exemplo, a cidade de Ponta Grossa/PR, localizada no 2º Planalto Paranaense da região dos Campos Gerais, segundo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) com mais de 350 mil habitantes, considerada uma cidade ordeira e progressista, situada há aproximadamente 100 quilômetros de Curitiba/PR Capital do Estado.

De acordo com a 3ª Seção do 4º Comando Regional de Polícia Militar Ponta Grossa/PR, foram geradas entre o período de 01 de janeiro de 2023 à 30 de setembro de 2023, 27.350 (vinte e sete mil trezentos e cinquenta) ocorrências, destas 1.258 foram de Perturbação do Trabalho e ou Sossego Alheios.

Fonte: 4º CRPM – 3ª Seção – Business Intelligence – Celepar Paraná, acesso em 04 out. 2023.

O gráfico apresentado refere-se as ocorrências mais atendidas pela Polícia Militar, no período de janeiro à setembro de 2023, percebe-se que a Perturbação do Trabalho ou Sossego está entre as principais solicitações da população.

Destas ocorrências, segundo dados da 3ª Seção/4º CRPM Ponta Grossa/PR, neste período, foram elaborados 80 (oitenta) Termos Circunstanciados de Infração Penal de Perturbação do Trabalho e ou Sossego Alheios, as outras situações foram devidamente orientadas e elaborados Boletim de Ocorrência.

4.1 INAPLICABILIDADE DO DIREITO PENAL

Todo dispositivo legal possui um objeto de regulamentação, algo que dá existência à norma de impor pelo Estado determinadas regras de comportamento aos cidadãos por ela atingidos. Se observarmos qualquer ação legislativa, sob este prisma, podemos identificar qual é a sua finalidade, bem como os seus destinatários.

A norma máxima de nosso País, a Constituição, objetiva estabelecer a estrutura do Estado, organização de seus órgãos, os direitos e garantias dos indivíduos e todas as regras básicas para que haja um funcionamento adequado, com  respeito aos direitos e deveres de todos.

O Direito Penal tem por objeto determinar o que é proibido ao cidadão, estabelecendo as infrações penais (crimes), as sanções correspondentes e as regras para que haja a efetiva punição aos que descumprirem tais mandamentos. Nesse sentido, será que não bastaria aplicação de outras legislações para a contravenção citada. Em nosso País, pode o magistrado tomar decisão conforme legislação anterior a CF/88, desde que essa lei seja eficaz.

Ademais não deve ultrapassar a vida do indivíduo, ou seja, existem outras áreas do direito para solucionarem os conflitos quando o bem jurídico for lesado. Citamos como exemplo o art. 69 do CTB que tem punições mais temidas pelos motoristas do que propriamente a punição na esfera penal, diante das elevadas multas e do ganho de pontos na carteira que podem levar a perda da Carteira Nacional de Habilitação.

No entanto, princípios como o da intervenção mínima como a fragmentariedade, a subsidiaridade e a ofensividade devem elencar na prática do caso concreto. Sendo assim, propõe-se uma recepção da Lei de Contravenções Penais, especificamente nos casos de Perturbação do Trabalho e ou Sossego Alheios, com vistas inclusive a desafogar o poder judiciário de casos que não tem a mínima ofensividade e podem ser tutelados por outros ramos da ciência jurídica.

Com base nessa norma, a própria Constituição Federal assegura os direitos invioláveis, como a vida, liberdade, igualdade, além principio da dignidade da pessoa humana, que deve orientar toda a atuação do direito penal.

Neste contexto comenta Rogério Greco (2011) “se as Contravenções Penais são destinadas à proteção dos bens que não gozam do status de indispensáveis, no sentido que lhe empresta o Direito Penal, a única solução seria sua retirada da esfera de proteção por este último”. 

4.2 DO CÓDIGO CIVIL

Ao analisar os aspectos jurídicos do novo Código Civil Brasileiro, constatamos que o direito ao sossego também está protegido, desta forma se faz necessário verificar o art. 1277, que assim define:

Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha. 

Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança. 

Evidente que os danos causados são, primeiramente, de caráter moral, pois atingem a saúde e o sossego das pessoas, podendo gerar danos de ordem psíquica. Além disso pode também gerar danos materiais, como acontece quando a pessoa não consegue produzir seu trabalho, sofrendo perdas financeiras em função da perturbação.

A questão, portanto, não se restringe à esfera penal, (caso de Polícia), naturalmente, envolve a esfera judicial na área Cível, na qual a vítima pode tomar as medidas cabíveis, inclusive com pedido de liminar, para impedir ou fazer cessar a produção do barulho excessivo e, ainda, podendo pleitear indenização por danos materiais e morais.

No entanto para a caracterização do delito penal da Perturbação do Trabalho ou o Sossego Alheios, a lei não exige demonstração do dano à saúde. Basta o mero transtorno, vale dizer, a mera modificação do direito ao sossego, ao descanso e ao silêncio de que todas as pessoas gozam, para caracterização do delito.

4.3 PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

Portanto o Direito Penal Mínimo, trata de uma corrente doutrinária de grande repercussão que pugna, não para acabar com o Direito Penal, mas sim, pela redução dos mecanismos punitivos do Estado ao mínimo necessário. Assim, a intervenção penal somente se justifica quando é absolutamente inevitável para a proteção das pessoas.

A aplicação de tal intuito não significa enfraquecer o sistema penal, mas fortalecê-lo; isso porque um número maior de leis não quer dizer a diminuição do cometimento das infrações.

Greco (2009) nos ensina que; o Princípio da Intervenção Mínima, o qual a doutrina majoritária consagra como o verdadeiro coração do Direito Penal Mínimo, apregoa que o Direito Penal só deve cuidar das condutas de maior gravidade e que representam um perigo para a paz social, não tutelando todas as condutas ilícitas e, sim, aquelas que não podem ser suficiente repreendidas por outro ramo jurídico.

Assim, pode se afirmar nas palavras de Gianpaolo Smanio e Humberto Fabretti (2010, p. 155) que se trata “de um típico princípio liberal tanto que se encontra nas obras dos mais importantes pensadores do liberalismo, tais como John Locke, Montesquieu, Rousseau e Beccaria”.

Assim, se outros ramos do Direito (Direito Civil, Direito Administrativo) conseguirem conter os ataques a determinado objeto em uma relação jurídica, não há porque haver a intervenção do Direito Penal.

Na mesma linha de entendimento de Luigi Ferrajolli (2002, p. 575), pode-se dizer que “um redimensionamento do Direito Penal deveria ser precedido, ao menos, da despenalização de todas as Contravenções Penais”.

Na verdade, o que o Direito Penal Mínimo busca é a descriminalização, despenalização e diversificação do sistema penal, isto é, outras formas de solução que não a prisão. Por isso se falar em deixar com o Direito Penal as condutas mais atentatórias ao convívio social, e estas deve ser o mínimo possível, surgindo assim, o Direito Penal Mínimo.

Sobre o tema acrescenta Gianpaolo Smanio e Humberto Fabretti ( 2011, p. 163 a 165) que no sentido de se operar uma redução da intervenção punitiva do Estado, normalmente encontra-se os seguintes processos: Descriminalização, Despenalização e Diversificação: A descriminalização é renúncia formal do Estado em punir penalmente determinada conduta.

Podemos citar como exemplo desta vertente a revogação do crime de adultério do Código Penal Brasileiro no ano de 2005. a despenalização seria o ato de diminuir a pena de um delito, sem, no entanto, descriminaliza-lo.

Sobre o assunto Paulo Queiroz explica que:

Assim já não se justifica, nos dias atuais, a punição do adultério (que inclusive já foi revogado) ou da bigamia, por exemplo, visto ser suficiente a disciplina do Direito Civil para resguardar a fidelidade conjugal e a preservação da instituição do casamento: separação, divórcio, anulação. (QUEIROZ, 2006, p. 29)

Neste sentido citamos o art. 89 da Lei nº 9.099/1995, que trata do instituto da suspensão condicional do processo, onde se o indivíduo seguir determinados requisitos por um período de tempo, sua punibilidade restará extinta. Não por menos, Paulo Queiroz afirma que:

Tal perspectiva conduz, pois, a um modelo de política criminal radicalmente descriminalizador; conduz, enfim, a um modelo de direito penal mínimo, que julgamos constituir a formulação mais condizente com a Constituição Brasileira, em particular, sobretudo pela sua declaração vocação libertária. (QUEIROZ, 2005, p. 188)

Não é demais lembrar que os Juizados Especiais Criminais foram criados com o fito de alcançarem um julgamento mais célere, todavia com a existência de várias infrações de menor potencial ofensivo, não permitem que os juízes cumpram com a demanda exigida, o que acaba acarretando em um inchaço de cadernos processuais sem ter a decisão judicial. Como se pode ver, o resultado obtido é totalmente diverso do que o pretendido com implemento da norma instituidora. 

No que tange a respeito da interpretação das Contravenções frente ao Direito Penal Mínimo, é gritante o desrespeito, haja vista que sob tal ponto de vista aquelas nem existiriam, pois sequer defendem bens jurídicos fundamentais para o Estado de Direito; ao contrário, são tão inofensivas que nem podem ser conceituadas como crime.

Considerando as circunstâncias em que vivemos, o Direito Penal deveria se adaptar as normas trazidas pela atual Constituição, já que vivemos em um Estado Democrático de Direito e a titularidade da soberania é do povo, no entanto o Estado atuaria apenas em casos gravíssimos interferindo na vida das pessoas o mínimo possível.

Segundo Nucci (2012) entende que no Principio da Intervenção Mínima o Direito deve ser a última opção do legislador para resolver conflitos emergentes na sociedade, preocupando-se em proteger bens jurídicos efetivamente relevantes.

Considerando o art. 42 da Lei de Contravenções Penais, percebe-se que a sociedade desconhece esse delito, não quer ver seu vizinho sendo processado criminalmente, somente quer que seja cessado o barulho. Assim, notamos se há a necessidade de uma atitude tão enérgica definida pela norma jurídica penal em situações que configuram somente relações com outras pessoas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Normas penais devem proteger somente os bens mais importantes ao convívio social, além de se adaptar à realidade social e reprimir tão somente as condutas do agente que ultrapassar a sua esfera individual, atingindo bens de terceiros, o que, certamente, não é observado nas Contravenções Penais. 

Se em 1940, em uma sociedade ultraconservadora e arcaica, tais condutas já eram consideradas irrelevantes, não há sentido em mantê-las como infrações penais em pleno Século XXI.

Desta forma, deve o legislador se adequar ao ambiente democrático no qual se inseriu a sociedade brasileira com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, promover o devido processo legislativo e ab-rogar a Lei de Contravenções Penais, seguindo os princípios do Direito Penal Mínimo e deixando a repressão aos atos hoje tipificados como Contravenções as outros ramos do Direito.

Todavia, à doutrinadores que entendem que a Contravenção indicada no art. 42 da LCP é desnecessária, por ser um excessivo tipo penal incriminador. No entanto a inquietude causada por aparelhos sonoros, gritarias ou mesmo o exercício de profissão ruidosa estabelece infração aos deveres de vizinhança que deve ser tratada por outros ramos do Direito. 

Leis Municipais podem determinar os horários e os limites a serem respeitados para que o excesso do volume de som, não coloque em risco nem prejudique a saúde e o bem estar da sociedade. Quanto à competência da Polícia Militar, nota-se que além da elaboração do TCIP, são possíveis autuações na área de trânsito e na área ambiental quando se tratar de poluição sonora.

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1Cabo QPMG1 da PMPR. Bacharel em Direito, pós graduado em Segurança Pública, Direito Militar e Análise Criminal