ACRÉSCIMOS ABUSIVOS NOS PAGAMENTOS NAS COMPRAS COM CARTÃO DE CRÉDITO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7992622


José Welington de Carvalho Neves1
Marco Antonio dos Santos Barbosa2
Prof. Me. Jhon Kennedy Teixeira Lisbino3


RESUMO

Este trabalho analisa a cobrança de preços diferenciados em transações com cartão de crédito, de acordo com a Lei nº 13.455/17. Apesar de ser amplamente debatido na doutrina, legislação e jurisprudência, ainda há dúvidas entre os envolvidos devido à falta de acesso à lei e de informações durante as transações. A diferenciação de preços em pagamentos com cartão de crédito pode ocorrer por meio de descontos em dinheiro ou acréscimos para pagamentos com cartão. O estudo inicia com uma explanação clara sobre a relação de consumo, abordando os elementos dessa relação: comprador e vendedor. Em seguida, discute-se o surgimento da lei em questão, apresentando um breve histórico dos direitos do consumidor relacionados a ela, e analisam-se as mudanças, benefícios e desvantagens resultantes de sua promulgação. A conclusão abrange análises jurídicas e doutrinárias, com argumentos a favor e contra a diferenciação de preços, incluindo a consulta das normas mencionadas nas decisões. Após essa análise, conclui-se que a diferenciação de preços deve ser permitida, desde que haja informação adequada nos estabelecimentos comerciais, beneficiando assim o consumidor.

Palavras-Chave: Práticas Abusivas, Diferenciação de Valores em Compras Feitas em Espécie “à vista” e cartão de crédito, Cartão de Crédito, Contratos de Adesão.

ABSTRACT

This work analyzes the charging of differentiated prices in credit card transactions, in accordance with Law nº 13.455/17. Despite being widely debated in doctrine, legislation and jurisprudence, there are still doubts among those involved due to the lack of access to the law and information during transactions. Price differentiation on credit card payments may occur through cash discounts or surcharges for card payments. The study begins with a clear explanation of the consumption relationship, addressing the elements of this relationship: buyer and seller. Then, the emergence of the law in question is discussed, presenting a brief history of consumer rights related to it, and the changes, benefits and disadvantages resulting from its enactment are analyzed. The conclusion covers legal and doctrinal analyses, with arguments for and against price differentiation, including the consultation of the norms mentioned in the decisions. After this analysis, it is concluded that price differentiation should be allowed, as long as there is adequate information in commercial establishments, thus benefiting the consumer.

Keywords: Abusive Practices, Differentiation of Values ​​in Purchases Made in Cash “cash” and credit card, Credit Card, Adhesion Contracts.

INTRODUÇÃO

Devido ao capitalismo, a diversidade de produtos e serviços disponíveis cresceu consideravelmente ao longo dos anos. O cartão de crédito, como um serviço, não é exceção. Originado nos Estados Unidos, esse pequeno objeto de plástico se disseminou pelo mundo, alcançando todos os continentes e sendo utilizado em uma ampla gama de transações comerciais, proporcionando maior consumo e conveniência.

Isso é possível devido à segurança aprimorada para os fornecedores credenciados na rede de aceitação, uma vez que há uma instituição financeira garantidora. Além disso, o cartão de crédito permite que os usuários evitem carregar grandes quantias de dinheiro devido ao aumento da criminalidade. As empresas que administram os cartões também oferecem uma variedade de benefícios aos seus usuários, como programas de fidelidade que permitem acumular pontos que podem ser trocados por passagens aéreas, produtos de consumo e descontos em combustíveis.

Por um lado, esse sistema trouxe diversas facilidades para os usuários; por outro lado, como mencionado anteriormente, levanta preocupações para os estabelecimentos comerciais que aceitam cartões de crédito para o pagamento de bens e serviços. Para aceitar o uso de cartões de crédito, os fornecedores precisam arcar com despesas como o consumo de energia elétrica pela máquina utilizada nas transações, o custo de telefone ou internet, o aluguel do dispositivo e uma comissão calculada como uma porcentagem sobre cada operação.

Nesse contexto, é comum que pequenos estabelecimentos, que possuem uma margem de lucro menor para competir com os grandes, adotem práticas de diferenciação de preços. Isso pode ocorrer através de descontos concedidos para pagamentos em dinheiro ou por aplicação de uma taxa adicional aos usuários de cartão de crédito. No entanto, essa prática é amplamente criticada e condenada por órgãos de defesa do consumidor, pela doutrina, pela mídia e por parte do Poder Judiciário, pois acredita-se que é prejudicial ao consumidor.

O problema é agravado pela falta de uma lei específica que regule os cartões de crédito, havendo apenas atos emanados do Poder Executivo com o objetivo de solucionar problemas específicos dentro de um contexto mais amplo, o que gera ainda mais incerteza na questão. Tanto a Constituição Federal de 1988 quanto o Código de Defesa do Consumidor garantem o princípio da igualdade, buscando equilibrar situações injustas no mercado de consumo e promover o bem-estar coletivo. A relação de consumo tem uma função social de fornecer bens e serviços ao consumidor para atender às suas necessidades econômicas. O estabelecimento comercial tem o direito de exercer práticas comerciais com liberdade, desde que cumpra sua função social de forma rigorosa e não prejudique o bem comum e os interesses dos consumidores.

O objetivo deste estudo é abordar a preocupação compartilhada por consumidores e comerciantes: a possibilidade ou não de conceder descontos para aqueles que optam por pagar parcelado com cartão de crédito, garantindo o direito à informação antecipada e clara sobre possíveis cobranças extras quando o consumidor escolhe essa forma de pagamento.

Nos capítulos seguintes, são apresentados conceitos, a aplicabilidade da legislação regulamentadora, falhas, interpretações e pontos de vista de duas perspectivas distintas. São abordados diálogos das fontes que definem os conceitos de fornecedor e consumidor, além dos princípios do direito do consumidor, como boa-fé objetiva, transparência, dever de notificação, deveres de segurança, vulnerabilidade e hipossuficiência. O primeiro capítulo analisa a relação de consumo, o diálogo das fontes e o impacto da Lei nº 13.455/17. O segundo capítulo trata da criação e implementação da lei, discutindo mudanças no código de defesa do consumidor e os benefícios e desvantagens da sua aplicação. No último capítulo, são abordadas decisões e jurisprudências relacionadas à lei. Ao concluir a leitura dos capítulos, é destacado que a cobrança de taxas adicionais aos consumidores é legal e está alinhada ao interesse público, desde que seja informada de forma clara no estabelecimento.

Este estudo é relevante, uma vez que o consumidor representa a base fundamental de uma economia. É importante reconhecer que nenhuma corrente pode ser mais forte do que seu elo mais vulnerável. A aplicação prática da tese defendida neste estudo trará benefícios não apenas aos consumidores, mas também ao mercado e à economia como um todo, promovendo um ambiente mais equilibrado e vantajoso para todas as partes envolvidas.

1. DA RELAÇÃO DE CONSUMO

1.1 Diálogo das Fontes

Em essência, conjecturas e normas jurídicas não se excluem pelo simples fato de pertencerem a diferentes ramos do direito; ao contrário, complementam-se. Desenvolvida por Erik Jayme na Alemanha e Cláudia Lixa Marques no Brasil, a conjectura desta última doutrina sugere um sentimento de complementaridade entre a codificação Civil de 2002 e a codificação de Defesa do consumidor, nomeadamente em matéria contratual e de responsabilidade civil.

Para alguns eruditos, essa conjectura se baseia no fato de que as normas parecem ser gerais e não se sobrepõem, principalmente quando há diferenças entre elas. Esse fundamento reside no fato de as normas serem aplicadas de forma geral e integrada e não porque haja algum tipo de competição entre elas. Isso deve ser levado em conta, principalmente quando há um campo convergente, pois existe uma infinidade de normas jurídicas e o sistema judicial deve verificar quais regras se aplicam a um determinado caso.

(MARQUES, 2010, p. 62). Afirma que “hoje o diálogo de fontes é muito útil, dada a grande pluralidade de fontes e as incertezas no campo da conjuntura jurídica geral […]”. Aprofundando o alcance prático dessa conjectura, nosso Código de Defesa do consumidor garante a execução de todas as fontes em favor do consumidor, sem excluir as diversas possibilidades de utilização nos campos e disciplinas jurídicas, onde esse vínculo é ilimitado graças aos direitos fundamentais e valores constitucionais.

Quanto às relações de consumo, Cláudia Lima Marques advertiu que:

O diálogo das fontes permite assegurar, às pessoas humana, consumidora e leiga, uma tutela especial e digna, conforme os valores e os princípios constitucionais de proteção especial, e renovar, mesmo a aplicação do próprio sistema constitucional, com a prevalência dos tratados internacionais de direitos humanos, considerados supralegais, e renovar o direito brasileiro para impedir prisão por dívidas do depositário infiel (MARQUES, 2010, p.62).

Dessa forma, podemos ter maior confiabilidade não só nas relações de consumo, mas em outras áreas do direito também.

Outro tipo de diálogo entre as fontes que Marques (2010) aponta é a aplicação coordenada das duas leis. Uma lei complementa a aplicabilidade da outra dependendo da área de aplicação no caso concreto, sinalizando a aplicação que complementa suas normas e princípios, quando apropriado, conforme necessário ou subsidiário. Os autores também apontam exemplos de situações em que as disposições gerais da norma podem obter um filho ou ação adicional em casos regidos por outra norma. Além disso, vale lembrar que, alternativamente, a regra geral da responsabilidade civil sem culpa ou o regime geral da decadência pode ser utilizado para organizar aspectos do consumo, trazendo normas favoráveis ao consumidor. O terceiro tipo de diálogo existente entre os referidos códigos refere-se às influências recíprocas e sistemáticas.

Caso haja a possibilidade de redefinição do âmbito de aplicação de uma lei, podemos citar como exemplo as definições de consumidor em sentido estrito e assimilado. A influência última do novo código civil, sabendo-se que a nova lei vem acompanhada de uma regulamentação das relações entre iguais, consumidores ou fornecedores entre si.

(MARQUES, 2010, p. 62 e 63) reafirma que “[…] o nosso método do Diálogo das fontes esclarece a lógica de tutela e proteção especial ao sujeito consumidor do CPC, possibilita uma visão unitária e coerente do direito privado, conforme a Constituição, e eleva a visão do intérprete para o do conjunto sistemático de normas. Método é o caminho, o método do diálogo das fontes é uma generosa luz que ilumina o nosso olhar, que nos guia por um caminho justo a seguir […]”.

Diante do exposto, verifica-se que a conjectura do diálogo entre as fontes traz a possibilidade de os advogados não ficarem presos apenas ao microssistema jurídico em que a norma foi inicialmente pensada. O ordenamento jurídico é peculiar e deve ser aplicado de forma diferenciada da ideia clássica de resolução de conflitos jurídicos. Portanto, o diálogo entre as fontes não deve ser confundido com os critérios clássicos de solução de antinomias jurídicas, como prioridade, especialidade e hierarquia, tendo em vista que o Código de Defesa do Consumidor também permite a aplicação de outras regras caso sejam mais benéficas ao consumidor.

A questão do diálogo entre as fontes é recente e ainda há um vasto conteúdo a explorar e desenvolver. É necessário que a jurisprudência combine as normas ao invés de excluí-las, acelerando, assim, sua convivência no sistema. Tais mecanismos beneficiam os consumidores, tendo em vista que a melhor solução para o caso deverá ser aquela que considera a proteção ao bem jurídico em conflito, solução esta que se fundamentará, imprescindivelmente, na Constituição Federal.

1.2 Fornecedor e Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor, no artigo 2º, utiliza os verbos “adquirir” e “utilizar”. Fica claro, portanto, que se considera consumidor não apenas a pessoa singular ou coletiva que celebra contrato com o fornecedor, mas também aquele que se limita a utilizar o produto ou serviço, estando na qualidade de consumidor presente ou equiparado. De acordo com o artigo 2º do CDC, consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Dessa forma, o referido artigo conceitua o consumidor como aqueles indivíduos que sejam considerados de fato vulneráveis na relação jurídica assimétrica de consumo. Para isso, o conceito de consumidor é aplicado a quem for destinatário final, demonstrando a prevalência da teoria finalista do direito brasileiro, a qual o STJ adota em sua jurisprudência.

Por outro lado, o maximalismo busca abranger um maior número de agentes dentro do conceito de consumidor. Assim, considera consumidores todos os destinatários fáticos da relação de consumo, sendo necessário apenas que o produto ou serviço seja retirado do mercado, não havendo a exigência de seu exaurimento. Essa teoria permite o consumo intermediário, ou seja, o reemprego do bem obtido na atividade do agente.

É importante mencionar, entretanto, que houve uma interpretação no STJ, com base no artigo 29 do CDC, que permite considerar algumas empresas ou alguns profissionais liberais como consumidores, desde que comprovada a sua vulnerabilidade no caso concreto, quando se trata de consumo intermediário, ou seja, eles consomem para aplicar o bem ou serviço em sua atividade econômica. Isso é chamado de finalismo detalhado.

Na década de 1970, Mauro Cappelletti iniciou o que mais tarde se tornaria conhecido como o projeto Florença de Acesso à Justiça, que consiste em três ondas de renovação do acesso à justiça. A primeira onda trouxe a assistência jurídica integral e gratuita, a segunda buscava a difusão e proteção dos interesses coletivos, e a terceira visava a simplificação de procedimentos e a implementação de métodos alternativos de resolução de litígios. Assim, em uma orientação coletivista, a defesa do consumidor na justiça está observando a influência das ações coletivas norte-americanas na elaboração da Lei de Ações Civis Públicas 7.347/85, além de ser produto da segunda onda de renovação do acesso à justiça.

Quanto aos interesses pessoais entrecruzados, pode-se dizer que os direitos ou interesses distribuídos são de natureza indivisível, sendo o titular uma pessoa inconstante sujeita às circunstâncias do momento. Por exemplo, uma ação movida pelo Ministério Público para prevenir danos ambientais segundo o princípio da prevenção. Outro exemplo são as ações tomadas pelas relações públicas para evitar publicidade enganosa ou ofensiva.

Já os direitos ou interesses coletivos são de natureza indivisível, pelos quais os titulares de um grupo, categoria ou classe de pessoas – os titulares podem ser determinados – estão ligados entre si ou à contraparte por uma relação jurídica fundamental – o link não é factual e legal. Por exemplo, os sindicatos protegem os direitos de certos empregados. Outro exemplo é a hipótese de que a litigância impede que seguradoras ou escolas/universidades facilitem o aumento de lucros ilícitos.

1.3 Princípios do Direito do Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) é uma lei eminentemente principiológica, uma vez que estabelece princípios e enumera cláusulas gerais. Cabe ao aplicador da norma estabelecer os limites de sua aplicação no caso concreto. Além disso, a codificação utiliza diversas frases indeterminadas, como credibilidade, inadequação, abuso, desvantagem exagerada, entre outras, permitindo ao aplicador da norma, com base nas experiências do que costuma acontecer, explicar o alcance do conteúdo dessas frases.

No entanto, é importante ressaltar, como adverte (FILIU, 2010), que a liberdade concedida ao aplicador da norma não deve ser confundida com cláusulas gerais e conceitos jurídicos não especificados, nem com discricionariedade, pois os princípios determinarão a atividade do intérprete e impõem diretrizes e restrições que não podem ser contrariadas. Nessa perspectiva, é necessário analisar os princípios que a codificação reconhece em relação ao adquirente como norma de ordem pública e de interesse público (ARTICLE 1º), em conformidade com a disposição constitucional expressa (CDC, ARTICLE 48). Desse modo, em relação a uma relação de consumo, os princípios objetivos da boa-fé (e os deveres decorrentes dela), fragilidade e ineficácia prevalecem sobre qualquer outra regulamentação que possa contradizê-los.

1.3.1 Princípio da Boa-fé Objetiva

O princípio da boa-fé objetiva é uma das disposições mais importantes da codificação no que diz respeito à proteção contratual e contratual do consumidor.

A boa-fé objetiva, de que trata o direito do consumidor não deve ser confundida com a boa-fé subjetiva, que se baseia, afinal, na investigação do estado de espírito (intenção) interno do consumidor, como a codificação Civil quando se trata de posse e posse ilícita. A boa-fé objetiva não está atrelada ao espírito interior dos envolvidos na relação, na verdade é uma norma geral, um modelo ideal de comportamento esperado de todos os membros de uma dada sociedade. Este princípio desempenha um papel tão importante nas relações empresariais que Cláudia Lixa Marques afirma categoricamente que “a boa-fé é o princípio norteador máximo do CDC”.

A boa-fé objetiva também cumpre uma função de controle na medida em que limita o exercício dos direitos subjetivos das partes envolvidas na relação comercial, de modo a evitar o abuso de direito em todas as fases da relação jurídica. Esse princípio é tão importante que hoje permeia todas as relações comerciais. Mesmo relacionamentos que vão além do direito do consumidor isso porque é um princípio adotado pelo novo Código Civil como disposição geral nas relações jurídico-comerciais contratuais.

A lei de defesa do consumidor prevê expressamente o princípio da boa-fé no capítulo da política nacional de consumo e no capítulo da proteção contratual, nomeadamente no que diz respeito às cláusulas contratuais consideradas abusivas.

Nesse sentido, o papel do juiz é especialmente importante, sabendo que é ele quem deve buscar verdadeira intenção da norma e identificar, em cada caso concreto, os limites de aplicação do princípio da boa-fé, sabendo que o princípio da autonomia da vontade dá lugar ao princípio decorrente da lei de que “o primado não é à vontade, é a justiça, até porque a vontade de uns é superior à de outros […] ” (MARQUES, 2006, p. 52).

Deve-se notar também que as regras objetivas da boa-fé se aplicam não apenas aos fornecedores, mas também aos consumidores. Trata-se de uma via de mão dupla que “une prestador e consumidor e impede que a proteção conferida pelo minissistema CDC sirva de broquel para os consumidores que violentar o princípio da boa-fé objetiva e buscam danos-interesses por sua atuação crítica em sua produção […]” (VENOSA, 2015, p. 120). Do princípio da boa-fé, generalizamos as chamadas “obrigações anexas”, ou seja, transparência, informação e segurança, que examinamos a seguir.

1.3.2 Princípio da Transparência

A Codificação do consumidor estabelece que a política nacional de defesa do consumidor tem por finalidade satisfazer as necessidades dos consumidores, respeitar sua dignidade, saúde e segurança, proteger seus interesses econômicos, melhorar sua qualidade de vida e assegurar a transparência e harmonia nas relações com os consumidores. Este princípio, que constitui regra geral, é ainda reforçado à luz do disposto no artigo 46, segundo o qual: “O contrato que regula a relação jurídica de consumo não vincula os consumidores se não incluir a possibilidade de conhecer previamente seu conteúdo, ou se o documento em questão estiver redigido de forma que seu conteúdo seja difícil de entender” (BRASIL, 1990, art. 46).

Transparência significa fornecer informações claras sobre o produto a ser vendido e sobre o contrato a ser celebrado (MARQUES, 2006). Significa lealdade e respeito na relação entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, ou seja, na fase negocial dos contratos de consumo. Deve-se também ter em mente que a transparência, como princípio da política nacional de consumo, representa a clareza qualitativa e quantitativa das informações que as partes na relação jurídica são obrigadas a comunicar entre si. Este princípio encontra aplicação prática no capítulo sobre proteção contratual. Nesse contexto, trata-se de garantir indenização ao consumidor em relação a cláusulas contratuais que não foram devidamente comunicadas ou redigidas de forma a interferir em seu entendimento. Isso significa que o consumidor não está vinculado ao contrato se comprovar que não teve a oportunidade de tomar conhecimento dele com antecedência razoável.

No capítulo dedicado às condições de apresentação da oferta, fica prescrito que a apresentação de qualquer produto ou serviço deve fornecer ao consumidor informações corretas, claras, precisas e evidentes em português, de modo que ele possa compreender suas características, qualidades, quantidades e composição, preço, garantia, validade, além dos riscos que possam acarretar para a saúde e segurança do comprador.

Nesse dispositivo, observa-se uma clara demonstração de que o legislador nacional enfatizou o aspecto da defesa preventiva do consumidor, tornando as informações do pré-contrato verdadeiras, de fácil compreensão, precisas e em português. Isso porque é no pré-contrato, em que a decisão de compra é efetivamente tomada pelo consumidor, que a transparência desempenha um papel fundamental. Verifica-se, portanto, que a transparência está intimamente ligada ao dever de informação e vai além de um simples elemento formal, pois pode afetar a essência da empresa, uma vez que as informações transmitidas fazem parte do contrato ou de outra forma implicam falha na qualidade do produto ou serviço, confirmando que o princípio da transparência incorpora a ideia do equilíbrio de forças nas relações com os consumidores, como forma de alcançar a desejada justiça contratual.

1.3.3 Princípio do dever de notificar

É direito fundamental do consumidor receber informações suficientes e claras sobre os produtos e serviços disponíveis no mercado de consumo, incluindo quantidade, características, composição, qualidade e especificações de preço, além dos riscos apresentados pelo produto, para que possa exercer livremente e com consciência a sua escolha. As obrigações de notificação podem surgir de várias maneiras, tais como fornecer informações nas embalagens, rótulos, formas de publicidade, promoções, impressos e menções.

A obrigatoriedade de fornecer informações está expressamente consagrada no direito do consumidor, que exige o cumprimento adequado dos requisitos de reporte em outros países. Por exemplo, no caso de produtos perigosos ou nocivos à saúde ou segurança, informação publicitária, apresentação prévia de orçamento detalhado pelo prestador de serviços, direito do consumidor ser informado sobre a retenção de dados em bases de dados e cadastros, informações contidas em contratos de consumo que não vinculam o consumidor caso este não tenha a oportunidade de conhecer integralmente seu conteúdo, informações sobre preço, juros e comissões que devem anteceder a concessão do crédito, e defeitos em produtos e serviços, onde os fornecedores podem ser responsabilizados mesmo em caso de informação insuficiente ou inadequada sobre os riscos de uso.

Assim, além do direito à informação sobre fertilidade, segurança, qualidade e preço, previsto no art. 6º, inciso III, a legislação abrange outros casos de obrigatoriedade da informação, estabelecendo sua ligação com o contrato a ser celebrado. Portanto, a informação como direito do consumidor não se limita à comunicação escrita, podendo ser verbal ou mesmo gestual. A codificação do consumidor permite que as informações sejam transmitidas por qualquer meio de comunicação, como a fala do representante da empresa no atendimento telefônico, informações verbais do pessoal do restaurante, informações verbais do gerente do banco, entre outros exemplos.

A transparência e veracidade sobre produtos e serviços só serão alcançadas por meio de uma maior troca de informações entre o prestador e o consumidor na fase pré-contratual, refletindo o princípio da transparência.

1.3.4 Princípio dos deveres de Segurança

A obrigação de segurança não é incondicional, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor não proíbe a comercialização de produtos potencialmente perigosos. Na realidade, essa obrigação está relacionada ao conceito de defeito. Conforme definido pela própria lei do consumidor, um produto ou serviço é considerado defeituoso quando não oferece a segurança esperada, levando em consideração as condições de fornecimento, como apresentação, uso, riscos esperados e o momento da colocação no mercado ou entrega.

Existem diversos produtos naturalmente perigosos e essenciais para os seres humanos que são comercializados. Por exemplo, “quase todos os medicamentos, devido à sua natureza, possuem um grau normal de nocividade, o qual, exceto pela responsabilidade do fornecedor, é tolerado desde que acompanhado de informações explicativas” (BRASIL, 1990). Nesse caso, a nocividade será refutada quando o produto for acompanhado de explicações sobre sua finalidade e uso (aviso), de forma que o dever de informação, complementar ao dever de segurança, seja óbvio. Isso significa que se o consumidor for devidamente informado sobre a nocividade ou periculosidade do produto e, mesmo assim, utilizar o produto de maneira inadequada ou incorreta, o fornecedor não poderá ser responsabilizado, pois a responsabilidade recairá exclusivamente sobre a vítima ou, em última instância, sobre terceiros.

O dever de segurança está implícito em todas as relações de consumo. Conforme afirmado por Roberto Senise Lisboa:

“a responsabilidade pelo fato do produto e serviço é fundamentada no dever de segurança que o fornecedor possui, de exercer sua atividade sem causar danos à vida, saúde ou outros direitos extrapatrimoniais do consumidor, sob pena de ser responsabilizado pela reparação do prejuízo decorrente de um acidente de consumo” (LISBOA, 2010, p. XX).

Por essa razão, a jurisprudência reconhece que acidentes de consumo ocorridos em shoppings centers e supermercados, por exemplo, geram uma obrigação indenizatória devido ao dever de segurança inerente à atividade comercial desenvolvida nesses locais. Portanto, situações como furto de veículo no estacionamento, sequestro relâmpago de usuários, queda devido a piso escorregadio, entre outras, acarretam responsabilidade para o responsável pela atividade devido ao dever de cuidado e vigilância que se espera ser fornecido.

Assim, a segurança é um dever implícito em todas as relações de consumo, e o seu descumprimento pode levar à responsabilidade do fornecedor. Não é aceitável que um produto ou serviço viciado ou defeituoso seja colocado em circulação e cause danos ao consumidor.

1.3.5 Princípio da vulnerabilidade e da hipossuficiência

Primeiramente, é importante deixar claro que as leis de proteção ao consumidor tratam as duas entidades de maneira diferente. Em relação à vulnerabilidade, todo consumidor é considerado parte vulnerável nas relações de consumo, mas há um tratamento diferenciado em relação à insuficiência, onde o juiz reconhece, com base em suas experiências e no que normalmente ocorre, a causa em questão. Segundo os princípios do direito do consumidor, todo consumidor necessita de proteção, mas nem sempre é considerado insuficiente. Para entender melhor o problema. A vulnerabilidade do consumidor decorre principalmente de três fatores fundamentais: técnico, econômico e jurídico.

Do ponto de vista técnico, é o fornecedor quem controla e possui conhecimento da produção da mercadoria, pois é ele quem decide o que, quando e como produzir, deixando o consumidor à mercê do que é produzido. Isso significa que o consumidor, ao buscar atender suas necessidades, entra no mercado e está sujeito às condições estabelecidas pelo fornecedor de bens e serviços. O segundo aspecto diz respeito à disparidade econômica das partes envolvidas, comumente o fornecedor possuindo maior capacidade econômica em comparação ao consumidor individual. É claro que existirão situações em que o consumidor possui capacidade econômica maior que o fornecedor, porém isso deve ser considerado uma exceção, não uma regra geral. Os melhores exemplos de vulnerabilidade jurídica são os contratos de adesão e as cláusulas abusivas presentes neles.

Uma vez que esses contratos são elaborados previamente pelos fornecedores, de forma unilateral, a inserção das cláusulas contratuais é feita para favorecer a situação econômica e jurídica do fornecedor, em detrimento do consumidor aderente. A vulnerabilidade, conforme consagrada na legislação do consumidor, independe de critérios de razoabilidade para ser avaliada em uma situação específica, uma vez que o legislador presume que, nas relações de consumo, o consumidor, como destinatário final dos produtos, é a parte mais fraca e, portanto, merece ser amparado de forma privilegiada, a fim de que, tratando desigualmente os desiguais, na proporção de suas desigualdades, se alcance a tão almejada igualdade jurídica.

Ao contrário da vulnerabilidade, que é presumida, o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor depende da análise do juiz, que, valendo-se da analogia dos usos e dos princípios gerais do direito, poderá reconhecê-la ou não no caso específico, de acordo com as regras ordinárias para experimentos. A questão da inadequação está intimamente relacionada à capacidade do juiz de determinar se a inversão do ônus da prova é uma forma de promover a proteção do consumidor no tribunal. Em muitos casos, as informações e documentos que podem embasar uma ação estão sob posse do fornecedor. Nessas circunstâncias, é absolutamente impossível para um consumidor provar seus direitos de forma adequada em uma reclamação judicial, sendo assim, o instituto da inversão do ônus da prova permite que o consumidor conteste o fornecedor de produtos ou serviços.

Ressalta-se que a insuficiência abordada na legislação não é de natureza econômica ou financeira. Ela se baseia na ideia de que o consumidor carece de conhecimento técnico e informações sobre os produtos ou serviços disponíveis no mercado de consumo. O que torna o consumidor mais fraco na relação de consumo é a falta de conhecimento técnico ou científico sobre um produto ou serviço, e, por isso, o consumidor precisa de mais proteção. Essa vulnerabilidade é repetida várias vezes. Não é uma questão econômica ou financeira, pois os consumidores que necessitam de recursos têm a possibilidade de assistência jurídica gratuita, que é o assunto do próximo ponto.

2. ADVENTO DA LEI N. 13.455/17

O marco histórico no desenvolvimento dos direitos de defesa do consumidor no Brasil depende principalmente da aprovação da Constituição Federal de 1988, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor. Desde a entrada em vigor do código, a relação de consumo tem evoluído ao longo dos anos, como é natural, uma vez que afeta as pessoas. Conforme se sabe, o Código de Defesa do Consumidor entrou em vigor em 1990. Com o avanço das relações de consumo, algumas cláusulas do código tornaram-se desatualizadas, abrindo espaço para diferentes interpretações. É importante proteger os direitos dos consumidores, lembrando que é possível haver previsões ou decisões que não os favoreçam.

Nesse sentido, pode-se dizer que o período anterior à Lei nº 13.455/17 foi marcado por amplos debates sobre a legalidade da Medida Provisória nº 764/2017, que posteriormente foi convertida em lei, uma vez que essa inovação poderia resultar em uma possível redução da proteção ao consumidor, uma vez que a jurisprudência até então determinava que não seria permitido diferenciar o preço de bens ou serviços de acordo com o meio de pagamento, caracterizando tal prática como abusiva. Assim, a Lei nº 13.455, publicada em 26 de junho de 2017, teve como um de seus objetivos evitar conflitos normativos e jurídicos decorrentes da falta de regulamentação sobre o tema e resolver as pendências existentes a respeito.

Cabe ressaltar que este estudo não tem como objetivo defender ou contestar o texto legal atual, mas sim analisar as alterações trazidas pela nova lei e avaliar as possíveis vantagens e desvantagens de sua aplicação.

2.1 Histórico sobre Direito do Consumidor diante da Lei n. 13.455/17

Com a entrada em vigor da Constituição Federal em 1988, os direitos do consumidor foram fortalecidos e a defesa do consumidor tornou-se o cerne do ordenamento jurídico brasileiro. Além da garantia como um princípio econômico, a Constituição também estabeleceu um prazo para o Congresso Nacional elaborar a lei de proteção ao consumidor, conforme previsto no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT): Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.

Em cumprimento a essa previsão do ADCT, foi promulgada a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, fundamentado no artigo 5º da Constituição Federal, conforme descrito no artigo 1º da referida Lei: Art. 1º O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.

Diante das mudanças trazidas pelos efeitos da globalização, o direito do consumidor surgiu em um momento oportuno e tem influenciado profundamente o ordenamento jurídico. A aplicação do Código de Defesa do Consumidor tem como objetivo proteger os sujeitos vulneráveis, salvaguardar direitos e estabelecer obrigações para os prestadores de serviços, que antes não tinham parâmetros claros a serem seguidos. Suas normas são de princípio e de ordem pública, com aplicação prevista na Constituição Federal de 1988, não podendo ser suprimidas, em regra, pela vontade das partes.

Desde a entrada em vigor do Código do Consumidor, têm sido observadas mudanças significativas nas relações de consumo. Os princípios defendidos pela nova lei são mais bem compreendidos e interpretados por consumidores e advogados. Essas mudanças estão levando a novas disciplinas, bem como à criação e formação de uma ampla rede de defensores dos consumidores, incluindo entidades como o PROCON, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), as Delegacias de Proteção ao Consumidor (DECON), o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e a Associação Brasileira de Defesa do Consumidor.

No entanto, mesmo com a existência de várias entidades e legislação protetora, isso não exclui a possibilidade de disposições regulamentares que visem suprimir os direitos dos consumidores. Da mesma forma, embora a jurisprudência também tenha abrangido as relações de consumo, muitas vezes concentra-se na proteção desses direitos. Em particular, é possível mencionar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre as questões abordadas neste artigo. Antes da aprovação da Lei nº 13.455/2017, ou mesmo da medida provisória prevista nela, houve relatos de descumprimento dessas leis ao Tribunal de Justiça.

Nesse sentido, essa interpretação proibiu qualquer diferenciação de preços de bens e serviços com base nos meios de pagamento. Essa decisão está expressa no Acórdão Especial 1479039/MG, de 16 de outubro de 2015.

É evidente que o poder legislativo, no exercício de suas funções, tem o poder de legislar, e, nesse sentido, não está sujeito às decisões do poder judiciário. No entanto, a nova lei deve ser compatível com a legislação vigente, e o regime jurídico deve ser benéfico para os consumidores. Nesse sentido, este artigo permitirá apreciar as mudanças trazidas pela entrada em vigor da lei e seu impacto social, que é indissociável dos direitos do consumidor.

2.2 Mudanças trazidas pela lei n. 13.455/17

Em dezembro de 2016, foi editada a Medida Provisória 764, que autoriza a diferenciação de preços de bens e serviços de acordo com o prazo ou meio de pagamento utilizado. Essa medida provisória foi convertida na Lei Nº13.455, de 26 de junho de 2017. O relatório ilustrativo foi publicado em 27 de dezembro de 2016 no portal da Presidência da República. A justificativa do regulamento também ressaltou a importância de evitar disputas regulatórias e jurisdicionais decorrentes da falta de um marco regulatório claro nessa área.

Diante dessas motivações, o legislador autorizou a prática em questão por meio da Lei nº 13.455/2017, que permite a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público com base no prazo ou instrumento de pagamento utilizado. O artigo 1º dessa lei estabelece: a “Art. 1º – Fica autorizada a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado”.

O artigo 1º da Lei Nº 13.455/2017 indica claramente a possibilidade de diferenciação de preços com base em dois parâmetros: prazo e instrumento de pagamento. Por exemplo, no caso de pagamentos à vista, os produtos e serviços podem ter preços mais baixos em comparação com os adquiridos ou realizados a prazo. Além disso, o modo de efetuar o pagamento, como por cartão de débito/crédito, cheque ou em espécie, pode influenciar em preços diferentes a serem pagos pelo consumidor, podendo a empresa fornecer descontos nesses casos.

As alterações introduzidas pela nova lei têm impacto em novas decisões sobre o assunto, como evidenciado no julgamento do recurso anônimo nº 1030250-06.2016.8.26.0562, publicado em 13/04/2018. Entende-se que a lei não está expressa e que novas decisões judiciais têm sido utilizadas para a interpretação da nova lei, o que tem gerado dúvidas e questionamentos quanto à possível violação do artigo 39, V e X, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e do artigo 36, § 3º, X e XI, da Lei 13.455/2017. Agora, a nova lei deve ser interpretada como não proibindo a diferenciação de preços de bens e serviços oferecidos ao público com base no prazo ou instrumento de pagamento, para a elaboração da nova lei. Nesse sentido, a responsabilidade pela diferenciação de preços recai sobre o vendedor, que poderá estabelecer descontos nos pagamentos a receber, levando em consideração as condições e meios de pagamento.

Também deve-se observar a alteração acrescentada ao artigo 2º da Lei nº 13.455/2017. O artigo 5º-A foi acrescido à Lei 10.962, de 11 de outubro de 2004, que passa a vigorar da seguinte forma: “Art. 5º-A. O fornecedor deve informar, em local e formato visíveis ao consumidor, eventuais descontos oferecidos em função do prazo ou do instrumento de pagamento utilizado”. Com as alterações dessa cláusula, o vendedor fica obrigado a comunicar de forma destacada os descontos oferecidos, tanto em termos de métodos de pagamento quanto em termos de prazo. Os comerciantes que não cumprirem essas regras estarão sujeitos a multas e penalidades, conforme descrito na Lei de Defesa do Consumidor.

2.3 Lei n. 13.455/2017: benefícios e desvantagens

Ao analisar as principais críticas à vigência da Lei nº 13.455/2017, verifica-se que uma análise superficial dessa nova legislação pode levar à percepção de que suas desvantagens superam as vantagens para o consumidor. Isso ocorre devido ao fato de que a determinação dos preços fica a cargo do fornecedor, o que significa que, se o comerciante não agir de boa-fé, o consumidor poderá acabar pagando mais ao optar pelo parcelamento em vez de obter descontos.

Por outro lado, é importante considerar a conjuntura econômica atual do país, na qual a maioria dos brasileiros acaba se endividando excessivamente devido aos estímulos do mercado que favorecem o parcelamento e o uso do cartão de crédito. É sabido que os administradores cobram altas taxas de juros quando as dívidas são contraídas. Além disso, devemos levar em conta os efeitos negativos que essa regra pode causar, como o aumento da criminalidade por roubo e furto devido ao maior número de consumidores e, consequentemente, mais dinheiro em caixa, o que também pode favorecer a evasão fiscal devido à possível falta de controle e monitoramento dos valores pagos.

Outro ponto negativo a ser considerado é a possível violação da isonomia entre os consumidores, uma vez que nem todos possuem recursos para realizar suas compras. Nesse sentido, observa-se que os pagamentos com cartão de crédito costumam ser essenciais para que essas pessoas tenham acesso a certos bens e serviços, o que contribui significativamente para a preservação de sua dignidade, dependendo desse meio de pagamento. Quanto mais parcelas eles tiverem que pagar para utilizar essa forma de pagamento, mais difícil será o acesso a ela.

3. ESTUDOS DE CASOS: ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

No presente tópico, passar-se-á a estudar casos concretos apreciados pelos Tribunais, que versam sobre a cobrança de acréscimos abusivos em compras realizadas com cartão de crédito, que conforme visto, constitui o objeto de estudo da aludida pesquisa. De acordo com a jurisprudência contemporânea:

ADMINISTRATIVO. CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO MANEJADO POR DIVERSOS SINDICATOS DO RAMO VAREJISTA. PRETENSÃO DE VER RECONHECIDA A VALIDADE DE PREÇO A MAIOR PARA O CONSUMIDOR QUE PAGA COM CARTÃO DE CRÉDITO. POSSIBILIDADE. PRÁTICA HODIERNAMENTE AUTORIZADA NO ORDENAMENTO JURÍDICO. ART. 1º DA LEI N. 13.455/17. ALCANCE RETROATIVO. 1. A cobrança diferenciada de preços de bens e serviços ao público em face do pagamento mediante cartão de crédito passou a ser legalmente admitida pelo ordenamento jurídico pátrio. Logo, inexiste abusividade em tal prática comercial. 2. Antes da entrada em vigor da Lei n. 13.455/17, inexistia expressa vedação legal à prática diferenciada de preços em função da forma de pagamento utilizada pelo consumidor, por isso que não se cuida de hipótese de superveniente atipicidade da conduta, mas, ao invés, de positivação normativa com o intuito de referendar e estabilizar a prática comercial em realce. 3. A norma administrativa mais benéfica, no que deixa de sancionar determinado comportamento, é dotada de eficácia retroativa. Precedente: REsp 1.153.083/MT, Rel. p/ Acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 19/11/2014). 4. Nesse norte, incensurável se revela o acórdão recorrido no passo em que, ao conceder a segurança pleiteada no presente writ preventivo, ordenou à autoridade coatora que se abstenha de impor penalidade contra as empresas integrantes das categorias econômicas representadas pelos sindicatos impetrantes, na hipótese de concessão de descontos para compras efetuadas mediante dinheiro ou cheque, sem extensão de tal vantagem às transações realizadas mediante cartão de crédito. 5. Recurso especial não provido. (STJ – REsp: 1402893 MG 2013/0302333-0, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 11/04/2019, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/04/2019)

Nesse caso é abordado quanto a validade da prática de cobrança de preços diferenciados para o consumidor que opta pelo pagamento com cartão de crédito. O caso envolveu um mandado de segurança preventivo apresentado por diversos sindicatos do ramo varejista, buscando o reconhecimento da legalidade dessa prática. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a cobrança diferenciada de preços em função do pagamento com cartão de crédito é legalmente admitida pelo ordenamento jurídico, conforme estabelecido pelo artigo 1º da Lei nº 13.455/17. Portanto, não é considerada abusiva. O tribunal ressaltou que antes da entrada em vigor dessa lei, não havia uma proibição expressa quanto à diferenciação de preços com base na forma de pagamento, o que torna essa prática válida.

Além disso, o STJ enfatizou que a norma administrativa mais benéfica, que deixa de sancionar determinado comportamento, possui eficácia retroativa. Ou seja, a Lei nº 13.455/17 tem efeito retroativo, referendando e estabilizando a prática comercial em questão. O acórdão recorrido, que concedeu o mandado de segurança preventivo e determinou que a autoridade coatora não imponha penalidades às empresas representadas pelos sindicatos, foi considerado válido pelo STJ. Dessa forma, o tribunal negou provimento ao recurso especial.

Essa jurisprudência é relevante para esclarecer a validade da cobrança de preços diferenciados em função do pagamento com cartão de crédito. O STJ analisou a legislação aplicável e concluiu que não há ilegalidade nessa prática comercial. Essa decisão fornece orientação jurídica para empresas do setor varejista e reafirma a importância de considerar a legislação vigente ao estabelecer políticas de preços relacionadas à forma de pagamento.

ADMINISTRATIVO. CONSUMIDOR. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIFERENCIAÇÃO DE PREÇOS DE ACORDO COM A FORMA DE PAGAMENTO (DINHEIRO, DÉBITO OU CRÉDITO). POSSIBILIDADE. PRÁTICA HODIERNAMENTE AUTORIZADA A PARTIR DA VIGÊNCIA DA LEI N. 13.455/2017. 1. A Lei n. 13.455/2017 passou a autorizar, em seu art. 1º, a diferenciação de preços de bens e serviços ofertados ao público, levando em consideração o prazo ou a modalidade do instrumento utilizado para pagamento pelo consumidor. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ – AgInt no REsp: 1608592 ES 2016/0163075-8, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 01/06/2020, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/06/2020)

A jurisprudência em questão aborda um tema relevante no âmbito do Direito Administrativo e do Direito do Consumidor: a diferenciação de preços com base na forma de pagamento. Segundo a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Lei nº 13.455/2017 autoriza essa prática, permitindo que os fornecedores de bens e serviços estabeleçam valores distintos de acordo com o prazo ou a modalidade do instrumento utilizado para efetuar o pagamento. A lei mencionada no acórdão representa uma mudança recente na legislação e, portanto, é um marco importante a ser considerado nesse contexto. A decisão do STJ ressalta que a diferenciação de preços em função da forma de pagamento é uma prática legalmente válida e que tem precedentes na jurisprudência.

É relevante observar que essa diferenciação pode ter impacto direto no consumidor, uma vez que o preço final do produto ou serviço pode variar conforme a opção de pagamento escolhida. Dessa forma, cabe aos consumidores analisarem as condições oferecidas e decidirem qual a modalidade de pagamento mais vantajosa para suas necessidades. Em resumo, essa jurisprudência confirma a possibilidade de diferenciação de preços com base na forma de pagamento, desde que respeitadas as disposições da Lei nº 13.455/2017. Isso demonstra a preocupação do Judiciário em acompanhar as mudanças legislativas e adequar as decisões às novas realidades do mercado e dos direitos do consumidor.

APELAÇÃO – Ação anulatória. Auto de infração lavrado pelo PROCON de Campinas. Estabelecimento comercial que fornece desconto para pagamento à vista no boleto bancário, e não oferece o mesmo desconto para o pagamento à vista no cartão de crédito. A prática comercial em discussão não se mostra abusiva, pois há razões financeiras para tanto, já que a transferência do crédito por boleto tem custo menor se comparado a outros tipos de transações, como o uso do cartão de crédito. Além disso, é reduzido o tempo necessário para o recebimento em conta do valor pago. Assim, a prática não indica prejuízo ao consumidor, a quem cabe optar por uma alternativa de pagamento sem o repasse dos encargos financeiros que a administradora do cartão cobra do comerciante. Lei Federal nº 13.455/17 que admite a diferenciação de preços diante da forma de pagamento, não existindo no ordenamento jurídico a ilicitude administrativa do ato praticado. Sentença mantida. Precedentes. RECURSO IMPROVIDO. (TJ-SP – AC: 10256609820188260114 SP 1025660-98.2018.8.26.0114, Relator: Antonio Celso Faria, Data de Julgamento: 01/07/2021, 8ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 01/07/2021)

Nesse outro caso, essa jurisprudência trata de uma situação em que um estabelecimento comercial oferece desconto para pagamento à vista no boleto bancário, mas não concede o mesmo desconto para o pagamento à vista no cartão de crédito. O PROCON de Campinas lavrou um auto de infração questionando essa prática, porém, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) entendeu que não havia ilegalidade ou abusividade nesse tipo de diferenciação de preços. De acordo com a decisão do TJ-SP, a prática comercial em discussão não é considerada abusiva, uma vez que existem razões financeiras justificando a diferenciação. O uso do boleto bancário como forma de pagamento apresenta custos menores de transferência de crédito em comparação com outras modalidades, como o cartão de crédito. Além disso, o estabelecimento também mencionou a rapidez no recebimento do valor pago por meio do boleto. Portanto, a prática não prejudica o consumidor, que tem a opção de escolher uma forma de pagamento sem os encargos financeiros cobrados pelas administradoras de cartões.

A decisão menciona ainda a Lei Federal nº 13.455/17, que admite a diferenciação de preços com base na forma de pagamento. Dessa forma, o ato praticado pelo estabelecimento não é considerado ilícito no ordenamento jurídico, reforçando a legalidade da prática em questão. Essa jurisprudência é relevante, pois demonstra a interpretação do Tribunal sobre a diferenciação de preços com base na forma de pagamento. Ao considerar os aspectos financeiros envolvidos e a legislação aplicável, o TJ-SP concluiu que não havia irregularidades na conduta do estabelecimento. Tal decisão fornece um precedente importante para casos semelhantes, oferecendo uma orientação para as empresas e consumidores envolvidos nesse tipo de situação.

CONSUMIDOR. RECUSA DE VENDA DE PRODUTO MEDIANTE PRONTO PAGAMENTO EM DINHEIRO IMPOSIÇÃO DE UTILIZAÇÃO DE CARTÃO DE CONSUMAÇÃO PARA AQUISIÇÃO DA MERCADORIA. PRÁTICA ABUSIVA OFENSA AO DIREITO DE INFORMAÇÃO DO CONSUMIDOR CONDUTA ILÍCITA CLARA AFRONTA AOS TERMOS DA LEI DANOS MORAIS CONFIGURADOS CARÁTER PEDAGÓGICO DA MEDIDA. VALOR ADEQUADO E PROPORCIONAL. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

[…] 8. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO Para julgar parcialmente procedente os pedidos e condenar solidariamente as rés ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), com juros legais adf partir de 11/02/2018, na forma da Súmula nº 54 do STJ, e atualizada monetariamente pelo INPC/IBGE, a partir desta data, na forma da Súmula nº 362 do STJ. 9. Nos termos do art. 55 da lei nº 9.099/95, sem condenação em custas e honorários advocatícios. (TJ-DF 07014048620188070020 DF 0701404-86.2018.8.07.0020, Relator: ASIEL HENRIQUE DE SOUSA, Data de Julgamento: 18/07/2018, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 25/07/2018 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Trata-se de um caso em que houve a recusa de venda de um produto mediante pronto pagamento em dinheiro, sendo exigida a utilização de um cartão de consumação para a aquisição da mercadoria. O consumidor alegou que essa conduta configura prática abusiva, viola seu direito de informação e é ilícita. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal entendeu que a conduta das rés configurou prática abusiva, violando o artigo 39, IX, do Código de Defesa do Consumidor. Esse dispositivo proíbe o fornecedor de recusar a venda de bens ou a prestação de serviços diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, exceto em casos regulados por leis especiais. Além disso, o tribunal destacou que o consumidor tem direito à informação adequada e clara sobre os produtos e serviços, incluindo as condições de pagamento.

No caso em questão, o consumidor foi informado apenas no momento da compra de que não poderia adquirir diretamente a bebida mediante pagamento em dinheiro, sendo necessário fazer um cadastro e pagar pela ativação de um cartão de consumação. Não havia evidência de que o consumidor tenha sido informado disso ao adquirir o ingresso para o evento. O tribunal considerou que essa conduta configurou uma prática ilícita, inclusive tipificada como contravenção penal. Dessa forma, o tribunal concluiu que as rés agiram de forma abusiva, desrespeitando os direitos básicos do consumidor. Foi reconhecida a ocorrência de danos morais e estabelecida uma indenização no valor de R$ 500,00. O tribunal ressaltou a importância de coibir abusos por parte dos fornecedores e aplicar uma resposta proporcional aos prejuízos sofridos pelo consumidor, de modo a desencorajar a repetição da conduta.

Essa jurisprudência destaca a necessidade de respeito aos direitos do consumidor, como o direito à informação e a proibição de práticas abusivas. Além disso, reforça a importância de garantir que a legislação de defesa do consumidor seja efetivamente aplicada, a fim de evitar a impunidade e garantir a proteção dos consumidores contra condutas ilícitas por parte dos fornecedores de produtos e serviços.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inicialmente, a alteração da legislação por meio da Medida Provisória 764 em 2016 e posteriormente pela Lei 13.455/17 trouxe segurança jurídica ao mercado, eliminando as demandas judiciais sobre a diferenciação de preços com base nos meios de pagamento – dinheiro, cheque, débito e crédito. O Banco Central do Brasil conduziu um estudo prévio dos impactos da medida na economia, e os resultados estimaram uma mudança benéfica, especialmente para os consumidores de baixa renda considerados vulneráveis. No entanto, a falta de integração entre os órgãos estatais é evidente, pois a elaboração da lei não consultou os órgãos de defesa do consumidor, como a SENACON e os PROCON’s estaduais e municipais.

A prática implementada de valorizar o dinheiro como meio de pagamento, em oposição à tendência mundial de eliminar o papel-moeda devido ao avanço da tecnologia digital, revela que os impactos serão percebidos na economia nos próximos anos. Embora não haja dados oficiais sobre os descontos oferecidos ao consumidor pelas vendas realizadas em dinheiro neste curto período de vigência da Lei 13.455/17, reduzir o custo final dos produtos, excluindo o custo das operadoras de cartões de crédito, é benéfico tanto para os comerciantes quanto para os consumidores do ponto de vista teórico. A queda no preço final permite um aumento no volume de vendas para os comerciantes, especialmente para as pequenas empresas que possuem mais flexibilidade na negociação e estão dispostas a baixar o percentual de lucro, se necessário. Para o consumidor, especialmente para o grupo mais vulnerável economicamente, a lei coloca fim na prática de subsídio cruzado, em que os mais pobres pagavam o custo do meio de pagamento do mais rico.

Cabe ressaltar que o Banco Central do Brasil implementou uma nova regulamentação de arranjos e instituições de pagamento para compras a débito, que passou a vigorar em outubro de 2018. A tarifa que hoje não é regulada passará a ter média estabelecida em 0,50% do valor da transação e a máxima em 0,80%. Essa mudança pode acarretar alterações nos preços repassados ao consumidor final nas compras realizadas a débito com o uso de cartão bancário.

De forma geral, verificou-se que as desvantagens da Lei nº 13.455/17 superaram as vantagens para os consumidores, no sentido de que as determinações de preço ficam a cargo do fornecedor, que poderá agir de má-fé e vir assim a prejudicar o consumidor, que poderá acabar pagando mais caro ao optar pelo parcelamento, ao invés de conseguir descontos.

As atuais normas que disciplinam a política de parcelamento podem ocasionar o aumento da criminalidade por furto e roubo, devido ao maior número de consumidores, bem como a evasão fiscal, diante da falta de controle e monitoramento de valores. Viola-se ainda a isonomia entre os consumidores, tendo em vista a discrepância de recursos existente entre tais.

Demonstra-se, pois, a necessidade de uma adequação normativa, no sentido de propiciar maior proteção jurídica aos consumidores, que como bem se sabe, constituem o polo hipossuficiente da relação.

Apesar de todas as nuances do problema, a elaboração da lei foi baseada em estudos matemáticos, visando o melhor funcionamento do mercado como um todo, mas especialmente para os consumidores vulneráveis do ponto de vista econômico, ou seja, a parcela mais pobre da sociedade brasileira. De acordo com as evidências trazidas pelos dados do Banco Central, percebe-se que as classes média e alta não alteraram até o momento a preferência pelo uso do cartão de crédito, aproveitando-se das vantagens trazidas pelos parcelamentos sem juros junto ao lojista e pelos programas de milhagens e promoções.

Inicialmente, devemos dizer que a alteração da legislação por meio da Medida Provisória 764 em 2016 e posteriormente pela Lei 13.455/17 trouxe uma segurança jurídica importante ao mercado, eliminando as disputas judiciais relacionadas à diferenciação de preços com base nos meios de pagamento. Essa medida, segundo estudos realizados pelo Banco Central do Brasil, estimou benefícios significativos, especialmente para os consumidores de baixa renda considerados mais vulneráveis. No entanto, é evidente que houve uma falta de integração entre os órgãos estatais durante o processo de elaboração da lei. A ausência de consulta aos órgãos de defesa do consumidor, como a SENACON e os PROCONs estaduais e municipais, mostra uma falha na consideração de todos os aspectos e possíveis impactos da legislação.

Embora a ideia de valorizar o uso do dinheiro como meio de pagamento possa parecer interessante, principalmente no contexto de redução de custos para os comerciantes e consumidores, devemos levar em conta a tendência global de eliminação do papel-moeda devido ao avanço da tecnologia digital. A preferência por dinheiro pode limitar o desenvolvimento da economia digital no país e nos distanciar dos avanços tecnológicos e das praticidades que eles proporcionam.

Além disso, a falta de dados oficiais sobre os descontos oferecidos aos consumidores em vendas realizadas em dinheiro dificulta uma análise precisa dos impactos da lei até o momento. Embora teoricamente a redução dos custos das operadoras de cartões de crédito possa resultar em preços finais mais baixos para os produtos, é importante considerar se os benefícios estão realmente sendo repassados aos consumidores.

Outro aspecto relevante é a nova regulamentação do Banco Central do Brasil para compras a débito, estabelecendo tarifas médias e máximas. Essa mudança pode afetar os preços repassados aos consumidores finais nas compras realizadas com cartão bancário, e é necessário monitorar de perto para garantir que não haja abusos.

Apesar dos esforços para beneficiar os consumidores de baixa renda, a Lei 13.455/17 apresenta algumas desvantagens. A determinação dos preços fica a cargo dos fornecedores, o que pode resultar em abusos e prejudicar os consumidores que optam pelo parcelamento, ao invés de obter descontos. Também é importante considerar que as atuais normas de parcelamento podem aumentar a criminalidade, como furto e roubo, devido ao maior uso de dinheiro, além de possibilitar a evasão fiscal pela falta de controle e monitoramento dos valores. A discrepância de recursos entre os consumidores também viola o princípio da isonomia. Diante de todos esses aspectos, é evidente a necessidade de uma adequação normativa que garanta uma maior proteção jurídica aos consumidores. A elaboração da lei teve como base estudos matemáticos, visando o melhor funcionamento do mercado como um todo, mas é preciso um olhar mais abrangente e considerar outros aspectos sociais, tecnológicos e econômicos.

Apesar das intenções positivas, é importante reavaliar a lei e promover um diálogo mais amplo entre os órgãos competentes, visando uma legislação mais equilibrada e que leve em conta os interesses de todos os envolvidos. A educação financeira também é fundamental para que os consumidores possam tomar decisões conscientes e aproveitar ao máximo as vantagens e benefícios oferecidos pelo mercado.

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1 Centro universitário Santo Agostinho (UNIFSA) Email: nevesadvg@gmail.com

2 Centro universitário Santo Agostinho (UNIFSA) Email: marco.antonio31@hotmail.com

3 Mestre em Criminologia. Professor do Centro universitário Santo Agostinho (UNIFSA) Email: jhonlisbino@unifsa.com.br