AÇÕES AFIRMATIVAS NO IFRR/CAMPUS AMAJARI: ENTRE MEMÓRIAS E  CONTRIBUIÇÕES NA FORMAÇÃO INTEGRAL DOS ESTUDANTES INDÍGENAS 

AFFIRMATIVE ACTIONS AT IFRR/CAMPUS AMAJARI: BETWEEN MEMORIES AND  CONTRIBUTIONS TO THE HOLISTIC EDUCATION OF INDIGENOUS STUDENTS 

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202510041611


Elisangela Ferreira Duarte1
Raimunda Maria Rodrigues Santos2


RESUMO 

Este artigo é recorte de uma pesquisa de mestrado que analisa as memórias de egressos  autodeclarados indígenas dos Cursos Técnicos em Agropecuária e Aquicultura Integrados ao  Ensino Médio do Instituto Federal de Roraima /Campus Amajari, buscando compreender as  contribuições da política de ações afirmativas para sua formação integral. O estudo toma como  referência a Lei nº 12.711/2012, conhecida como Lei de Cotas, que constitui um marco na  promoção da equidade e da reparação histórica de grupos tradicionalmente excluídos do sistema  educacional brasileiro. A investigação, inserida na linha “Organização e Memórias de Espaços  Pedagógicos na Educação Profissional e Tecnológica (EPT)” do Programa de Pós-Graduação  em Educação Profissional e Tecnológica – PROFEPT, adota abordagem qualitativa, utilizando  como instrumento de coleta de dados, entrevistas semiestruturadas. Os dados foram analisados por meio da Análise Textual Discursiva (ATD), segundo Moraes e Galiazzi (2016),  contemplando as etapas de unitarização, categorização e elaboração de metatextos. Como  produto educacional, foi elaborado um documentário curto baseado nos relatos dos  participantes. Os resultados evidenciam que as políticas afirmativas implementadas no  IFRR/Campus Amajari, possibilitaram o acesso de estudantes indígenas à educação  profissional, promoveram fortalecimento identitário, garantiram permanência e êxito  acadêmico, além de contribuírem para a formação integral em consonância com a função social  da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica. 

Palavras- chave: Política de Ações Afirmativas, Lei 12.711/2012, Reparação Histórica, Formação Humana  Integral. 

ABSTRACT 

This article is an excerpt from a master’s research project that analyzes the memories of self identified Indigenous graduates of the Technical Courses in Agriculture and Aquaculture  Integrated into High School at the Federal Institute of Roraima/Amajari Campus, seeking to  understand the contributions of the affirmative action policy to their comprehensive education.  The study uses Law No. 12,711/2012 as a reference, known as the Quota Law, which constitutes  a milestone in promoting equity and historical reparations for groups traditionally excluded  from the Brazilian education system. This research, part of the “Organization and Memories of  Pedagogical Spaces in Professional and Technological Education (EPT)” line of the Graduate  Program in Professional and Technological Education (PROFEPT), adopts a qualitative  approach, using semi-structured interviews as data collection tools. The data were examined  using Discursive Textual Analysis (DTA), according to Moraes and Galiazzi (2016),  encompassing the stages of unitarization, categorization, and development of metatexts. A short  documentary based on the participants’ accounts was produced as an educational product. The  results show that the affirmative action policies implemented at the IFRR/Amajari Campus  enabled Indigenous students’ access to vocational education, fostered identity strengthening,  ensured retention and academic success, and contributed to comprehensive education in line  with the social function of the Federal Network of Vocational and Technological Education. 

Keywords: Affirmative Action Policy. Law 12.711/2012. Historical Reparation, Integral human training. 

1. INTRODUÇÃO 

A Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, instituiu a Rede Federal de Educação  Profissional, Científica e Tecnológica, composta pelos Institutos Federais de Educação, Ciência  e Tecnologia (IFs), e marcou um momento decisivo na reestruturação e expansão da educação  profissional no Brasil. Essa legislação promoveu a interiorização, a diversificação e a ampliação  da oferta de educação profissional e tecnológica, buscando atender às demandas regionais e  ampliar o acesso ao ensino público de qualidade (Brasil, 2008).

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima (IFRR), fruto desse  processo de expansão, é uma autarquia vinculada ao Ministério da Educação (MEC) e integra  a Rede Federal. A instituição conta com uma Reitoria e cinco câmpus, Amajari, Boa Vista,  Zona Oeste, Novo Paraíso e Avançado Bonfim. Localizados em regiões estratégicas. Os  campi atendem aos 15 municípios do estado de Roraima, oferecendo cursos gratuitos em  diferentes níveis e modalidades, do ensino técnico de nível médio integrado, concomitante ou  subsequente, até cursos superiores de graduação, pós-graduação e extensão. O IFRR tem por  finalidade ofertar formação articulada a diferentes áreas do conhecimento, contribuindo para o  fortalecimento dos arranjos produtivos, sociais e culturais do estado. Sua missão prevê  “promover formação humana integral, por meio da educação, ciência e tecnologia, em  consonância com os arranjos produtivos locais, socioeconômicos e culturais, contribuindo para  o desenvolvimento sustentável” (PDI, 2019-2023). 

No Campus Amajari, local desta pesquisa, a formação integral está associada a uma  educação que considera todas as dimensões do indivíduo e não apenas sua preparação para o  mercado de trabalho. Busca-se, por meio dessa perspectiva, estimular uma visão crítica da  realidade, possibilitando a compreensão de fatos históricos, sociais e políticos que sustentam o  quadro de desigualdade no país (Frigotto; Ciavatta; Ramos, 2012). De acordo com Kuenzer  (2010), a educação integral pressupõe a garantia de condições que favoreçam a inclusão social,  promovendo direitos e mitigando desigualdades que afetam especialmente grupos  marginalizados. Em consonância com esse entendimento, a Organização Didática do IFRR  (2012), estabelece em seu artigo 8º, que a função social da instituição é promover uma formação  científica, tecnológica e humanística voltada para a constituição de cidadãos críticos, reflexivos,  competentes técnica e eticamente comprometidos com transformações sociais, políticas e  culturais. 

Ramos (2014b) destaca que a Educação Profissional no Brasil foi historicamente  marcada por disputas sobre sua função social. De um lado, prevalecia um modelo atrelado ao  capital, que reduzia a formação ao caráter instrumental; de outro, consolidava-se um projeto  político-pedagógico comprometido com a emancipação humana. Assim, a educação  profissional deve ser entendida como política pública de inclusão social, destinada não apenas  a suprir demandas produtivas, mas também a formar cidadãos críticos capazes de compreender  e transformar sua realidade. 

Nesse cenário, a expansão da Rede Federal trouxe à tona a necessidade de debater a  inclusão de grupos historicamente excluídos da escola pública. Um marco nesse processo foi a  sanção da Lei nº 12.711/2012, que instituiu a política de cotas para ingresso em universidades e institutos federais. Trata-se de uma ação afirmativa que busca promover a equidade e a  inclusão social de populações desfavorecidas, entre elas os povos indígenas. A reserva de vagas  representa não apenas uma estratégia de ampliação do acesso à educação de qualidade, desde o  ensino médio, mas também a oportunidade de jovens historicamente marginalizados  ingressarem em espaços educacionais que reconheçam as diferenças étnico-raciais e as  desigualdades sociais que os atingem. 

Segundo Luiz de Oliveira e Vera Candau (2010), ações afirmativas consistem em um  conjunto de medidas específicas que visam assegurar maior equidade a grupos sociais  historicamente marginalizados ou em situação de vulnerabilidade, como ocorre com as cotas  destinadas a pessoas autodeclaradas pretas, pardas e indígenas, possibilitando sua inclusão nas  instituições federais de ensino. Embora a discussão sobre essa temática tenha se iniciado em  1996, somente em 2012 ela se concretizou com a promulgação da Lei nº 12.711/2012, que  assegura que, no mínimo, 50% das vagas das instituições federais de ensino sejam destinadas a  estudantes oriundos da rede pública, distribuídas conforme critérios de renda, autodeclaração  étnico-racial e inclusão de pessoas com deficiência. 

Diante desse quadro, a presente pesquisa busca compreender as contribuições das  políticas de ações afirmativas, em especial a Lei nº 12.711/2012, para a formação integral de  estudantes egressos autodeclarados indígenas dos cursos técnicos integrados ao ensino médio  do IFRR – Campus Amajari. O objetivo geral consiste em analisar as memórias desses egressos,  investigando de que modo a política de cotas possibilitou o acesso e a experiência de formação  integral. Para atingir esse objetivo, apresentam-se os seguintes objetivos específicos: i)  compreender os desdobramentos da política de cotas no Campus Amajari; ii) identificar as  ações afirmativas implementadas pela instituição como estratégias de inclusão, permanência e  êxito dos estudantes indígenas; e iii) produzir um documentário a partir das narrativas dos  egressos, ressaltando as contribuições dessas ações afirmativas para a aquisição de formação  técnica sob a perspectiva da formação humana integral. 

O estudo adota abordagem qualitativa, de natureza aplicada e caráter descritivo, com  coleta de dados por meio de entrevistas semiestruturadas e análise, foi realizada através da  Análise Textual Discursiva (Moraes; Galiazzi, 2016). A população para esse estudo, corresponde a egressos indígenas do período de 2016 a 2021 e servidores envolvidos direta ou  indiretamente no processo das ações afirmativas. A amostra foi composta por dez egressos,  cinco do curso Técnico em Agropecuária e cinco do curso Técnico em Aquicultura e três  servidores.

A relevância desta pesquisa reside no contexto sociocultural e econômico do município  de Amajari, que segundo dados do IBGE (2019), apresenta população de 13.561 habitantes e  elevado índice de vulnerabilidade social. O território abriga mais de oito terras indígenas, entre  elas Araçá, Ouro, Anaro, Ponta da Serra, Aningal, Garagem, Santa Inês, Ananás e grande parte  da Terra Indígena Yanomami. O Campus Amajari concentra o maior número de estudantes  indígenas do IFRR, oriundos de diferentes municípios do estado e também de comunidades da  Venezuela. Muitos desses estudantes precisam residir no alojamento do campus devido à  distância de suas comunidades, enquanto outros se deslocam de áreas próximas. 

A escolha do tema desta dissertação decorre da trajetória profissional da autora no IFRR/  Campus Amajari, desde 2014, em funções como membro da Comissão Permanente de Processo  Seletivo e Vestibular, da Comissão de Heteroidentificação e do Núcleo de Estudos Afro Brasileiros e Indígenas (NEABI). Atualmente, exerço a função de coordenadora da  Coordenação de Apoio ao Estudante em Regime de Internato Pleno (CAEIP), o que proporciona  contato direto com o cotidiano dos estudantes indígenas. Essa experiência profissional, aliada  à identidade indígena e à compreensão histórica da exclusão desses povos, fundamenta a  motivação para desenvolver esta pesquisa. 

O estudo insere-se no Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e  Tecnológica (ProfEPT), na Linha de Pesquisa “Organização e Memórias de Espaços  Pedagógicos na EPT” e no Macroprojeto 4 – História e Memórias no Contexto da EPT. Essa  linha contempla investigações sobre história, memória, organização e planejamento de espaços  pedagógicos em ambientes formais e não formais, considerando ensino, pesquisa, extensão e  gestão, bem como suas interações com o mundo do trabalho e os movimentos sociais. 

Por fim, compreender o papel da educação implica considerar a necessidade de formar  sujeitos com conhecimentos técnicos, pensamento crítico, autonomia e emancipação. Nesse  sentido, Ramos (2014b) reforça que a Educação Profissional e Tecnológica deve ser entendida  como política pública de inclusão, vinculando ciência, cultura, trabalho e tecnologia na  perspectiva da emancipação. 

Assim, a formação integral apresenta-se como fundamento para superar a dualidade  histórica da educação brasileira e promover o acesso, a permanência e o êxito de grupos  historicamente excluídos, especialmente os povos indígenas. 

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 

Nesta seção serão abordados os referenciais que sustentam esta pesquisa, articulando  conceitos, legislações e debates acadêmicos em torno da Educação Profissional e Tecnológica (EPT), das políticas de ações afirmativas e da memória como elemento constitutivo da  identidade dos povos indígenas. 

Políticas públicas para a EPT: perspectivas para a formação humana integral de estudantes  indígenas

A Educação Profissional e Tecnológica (EPT), conforme a LDB nº 9.394/1996, é  entendida como modalidade de ensino que articula ciência e trabalho, preparando os cidadãos  para o mundo do trabalho e a vida social. No Brasil, a EPT abrange diferentes níveis, desde  cursos de formação inicial e continuada até pós-graduação, organizando-se a partir de políticas  públicas e programas que orientam seus princípios pedagógicos. Entretanto, em muitos  momentos históricos, foi reduzida a uma visão instrumental, voltada apenas às demandas do  mercado. 

Com a criação dos Institutos Federais em 2008, buscou-se superar essa limitação,  ampliando a interiorização da oferta educacional e incorporando a formação humana integral,  que articula trabalho, ciência e cultura. Nesse contexto, a EPT dialoga com a educação escolar  indígena, que também se consolidou a partir de lutas políticas e sociais, valorizando a  diversidade e a inclusão. O IFRR em seu PDI estabeleceu diretrizes para integrar saberes  indígenas e científicos, apoiar alternativas sustentáveis e respeitar os processos próprios de  aprendizagem das comunidades indígenas. 

A legislação também fortaleceu essa perspectiva, a Constituição de 1988 assegurou o  direito à educação integral; a LDB de 1996 introduziu a valorização da diversidade; e as Leis  nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008 tornaram obrigatório o ensino da História e Cultura Afro Brasileira e Indígena. Essas medidas buscam resgatar a contribuição desses povos para a  formação da sociedade brasileira e combater o racismo estrutural. 

Autores como Ramos (2008), Frigotto (2018), Ciavatta (2014), Moura (2015) e Saviani  (2007, 2022) destacam a importância da formação omnilateral, que compreende o trabalho, a  ciência e a cultura como dimensões integradas da vida social. O ensino médio integrado,  fortalecido pelo Decreto nº 5.154/2004 e pela Lei nº 11.892/2008, representa um avanço nessa  direção, ao unir formação geral e profissional em uma proposta de superação da histórica  dualidade da educação brasileira. 

Portanto, a EPT não deve limitar-se à preparação para o emprego, mas formar sujeitos  críticos, conscientes e emancipados, capazes de atuar no mundo do trabalho e na sociedade de forma ética e cidadã. Essa concepção é essencial para os povos indígenas, que veem na  educação profissional um caminho para fortalecer sua autonomia, preservar suas identidades e  construir alternativas de desenvolvimento alinhadas às suas culturas e territórios. 

Políticas de ações afirmativas 

Este capítulo discute a educação como direito social garantido pela Constituição de 1988  e mostra que sua efetivação exige políticas públicas que enfrentem desigualdades históricas. A  partir de uma leitura crítica (Almeida, 2011), a educação é apresentada como campo de disputa  entre projetos sociais, no qual as ações afirmativas emergem como resposta estatal e social para  promover igualdade material e reparar exclusões estruturais que atingem, sobretudo,  populações negra, indígena e pessoas com deficiência. 

Conceitualmente, ações afirmativas são políticas (públicas ou privadas) destinadas a  ampliar oportunidades por meio de instrumentos como cotas, bônus, metas, critérios de  desempate, cursos preparatórios e assistência estudantil (Gomes, 2002; Brasil, 2023). Sua  origem moderna remete ao movimento dos direitos civis nos EUA e, em paralelo, experiências  pioneiras como a Índia; hoje, são adotadas em diversos países e adaptadas às realidades locais. 

No Brasil, o debate ganhou impulso com a redemocratização, marcos normativos (Leis  10.639/2003 e 11.645/2008) e conferências internacionais, culminando na Lei 12.711/2012 (Lei  de Cotas), que reservou vagas nas instituições federais de ensino superior e técnico para  egressos de escolas públicas, com recortes de renda e distribuição proporcional para PPI e  pessoas com deficiência. O texto evidencia que, além do acesso, permanência e êxito  demandam políticas integradas de assistência (moradia, alimentação, transporte, inclusão  digital), currículo integrado e práticas pedagógicas críticas, especialmente na Educação  Profissional e Tecnológica (EPT). Na Rede Federal e no IFRR/Campus Amajari em particular,  essas políticas ampliam o ingresso de estudantes indígenas, favorecem a autonomia dos povos,  valorizam saberes e identidades, e articulam trabalho, ciência e cultura rumo à formação  humana integral, sem perder de vista desafios como fraudes, necessidade de  heteroidentificação3 e superação de heranças dualistas na educação.

MEMÓRIA 

A memória, nesta pesquisa, é compreendida como um fator histórico e social essencial  para analisar a trajetória dos estudantes indígenas no Campus Amajari. Mais que simples  lembrança, constitui um processo inconsciente que revela elementos centrais da identidade dos  sujeitos (Coracini, 2011). Para os povos indígenas, a memória é também um espaço de  resistência, recriada continuamente por meio da oralidade, das narrativas, da literatura indígena  e, mais recentemente, das tecnologias digitais (Munduruku, 2012). 

A memória individual e coletiva se entrelaça, funcionando como instrumento de  resistência ao esquecimento e à invisibilidade histórica. Ao narrar e registrar suas experiências,  os indígenas reafirmam suas identidades e fortalecem sua presença social. Nesse sentido, a  memória é inseparável da identidade (Candau, 2011), pois constitui um elo entre passado e  presente, consolidando valores e hábitos que sustentam a cultura (Le Goff, 2013). 

No campo educacional, a memória e a identidade ganham relevância ao evidenciar a  luta pela afirmação de direitos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996)  reconhece a necessidade de recuperar memórias históricas e reafirmar identidades étnicas,  assegurando às comunidades indígenas a valorização de suas línguas e saberes. Assim, a escola  deve ser espaço intercultural, articulando diferentes matrizes de conhecimento e reparando simbolicamente apagamentos sofridos ao longo da história. 

Autores como Hall (2006) e Goffman (1985) reforçam que a identidade não é fixa, mas  um processo em constante reconstrução, marcado por contradições e negociações sociais. Nos  discursos indígenas, a memória atua como um campo ativo de disputas, revelando não apenas  subjetividades individuais, mas também atravessamentos políticos e ideológicos. 

3. METODOLOGIA  

A presente pesquisa teve como objetivo analisar as memórias de egressos autodeclarados  indígenas dos Cursos Técnicos em Agropecuária e Aquicultura Integrados ao Ensino Médio do  Instituto Federal de Roraima/Campus Amajari, a fim de compreender como percebem a oportunidade de formação integral proporcionada pela política de ações afirmativas. Para  atender a esse objetivo, adotou-se uma abordagem qualitativa, considerada a mais adequada  para investigar fenômenos sociais e compreender aspectos subjetivos que não podem ser  reduzidos a dados numéricos. Conforme Minayo (2017), a pesquisa qualitativa permite captar significados, valores, crenças e representações, reconhecendo a indissociabilidade entre sujeito  e objeto e a dimensão histórico-social das experiências. 

Do ponto de vista de seus objetivos, classifica-se como descritiva, pois se propôs a  caracterizar percepções, crenças e atitudes dos participantes em relação às ações afirmativas e  sua contribuição para a formação integral (Casarin, 2012). 

População e amostra 

A população da pesquisa foi constituída por egressos e servidores do IFRR/Campus  Amajari envolvidos direta ou indiretamente na aplicação das ações afirmativas. A amostra foi  composta por 13 participantes, sendo 10 egressos autodeclarados indígenas (05 do curso  Técnico em Agropecuária e 05 do curso Técnico em Aquicultura) e 03 servidores: o(a)  Diretor(a) Geral, o(a) Coordenador(a) da Comissão Permanente de Processo Seletivo e  Vestibular (CPPSV) e o(a) Coordenador(a) do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas  (NEABI). A seleção seguiu critérios de inclusão: ter ingressado por meio das cotas, ser maior  de 18 anos, consentir formalmente com a participação e, no caso dos servidores, ter atuação  vinculada às ações afirmativas. 

Após a coleta de dados, realizada por meio de entrevistas semiestruturadas, procedeu-se à análise e interpretação utilizando a metodologia da Análise Textual Discursiva (ATD),  alinhada às pesquisas de abordagem qualitativa. A ATD possibilitou uma imersão aprofundada  nos dados, buscando compreender os fenômenos investigados a partir de seus contextos de  produção. Conforme explicam Moraes e Galiazzi (2016), esse método consiste em um processo  integrado de análise e síntese, que propõe uma leitura minuciosa dos materiais textuais, com o  objetivo de descrevê-los e interpretá-los, alcançando uma compreensão mais ampla dos  fenômenos e discursos. 

Instrumentos de coleta de dados 

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semiestruturadas, escolhidas por  possibilitarem maior proximidade entre o pesquisador e os sujeitos investigados. Conforme  destaca Gil (2021), a entrevista constitui-se em uma das técnicas mais relevantes para a coleta  de dados em pesquisas sociais, pois coloca frente a frente pessoas que, muitas vezes, não se  conhecem, mas dialogam durante um determinado período de tempo e, provavelmente, não  voltarão a se encontrar.

Entrevistas semiestruturadas, escolhidas por possibilitarem interação direta com os  sujeitos e a construção de narrativas detalhadas sobre suas experiências. Conforme Gil (2021),  a entrevista é uma técnica fundamental nas pesquisas sociais, pois permite apreender  percepções, valores e memórias. 

As entrevistas foram realizadas em ambiente reservado e gravadas em áudio e vídeo,  mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (RCLE). Para assegurar  conforto e espontaneidade, a pesquisadora adotou estratégias de acolhimento, como momentos  de conversa e integração antes das gravações. 

Procedimentos 

O percurso metodológico seguiu as seguintes etapas: Levantamento e organização de  bibliografia e documentos institucionais relacionados à temática; definição da amostra e convite  formal aos participantes; realização das entrevistas semiestruturadas com egressos e servidores;  transcrição integral das entrevistas, respeitando a fidelidade às falas e às expressões dos  sujeitos; organização do corpus de pesquisa a partir das transcrições e registros documentais. 

Análise dos dados 

Os dados foram analisados pela técnica da Análise Textual Discursiva (ATD), de acordo  com Moraes e Galiazzi (2016), que consiste em um processo de desconstrução, categorização  e síntese dos textos. O procedimento envolveu três etapas: Unitarização, com a fragmentação  dos textos em unidades de significado; categorização, com a organização dessas unidades em  conjuntos temáticos que dialogam entre si; produção do metatexto, que integrou as falas dos  participantes às reflexões teóricas, resultando em novas compreensões sobre o fenômeno  investigado. 

A escolha pela ATD justifica-se por sua adequação às pesquisas qualitativas, permitindo a  emergência de interpretações a partir das falas dos sujeitos e possibilitando compreender, de  forma aprofundada, os sentidos atribuídos às ações afirmativas e à formação integral. 

CONTRIBUIÇÕES DAS POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS PARA FORMAÇÃO  HUMANA INTEGRAL DE ESTUDANTES INDÍGENAS NO IFRR/CAMPUS AMAJARI 

O presente capítulo apresenta o metatexto construído a partir da Análise Textual  Discursiva (ATD), fundamentado nas entrevistas realizadas com estudantes egressos indígenas dos Cursos Técnicos em Agropecuária e Aquicultura Integrados ao Ensino Médio, e com  servidores do Instituto Federal de Roraima/Campus Amajari. 

A análise buscou responder à pergunta central da pesquisa: “Quais as contribuições das  políticas de ações afirmativas para a formação integral dos estudantes egressos autodeclarados  indígenas no IFRR/Campus Amajari?” 

A compreensão aprofundada das experiências e percepções, especialmente, dos egressos  é essencial para avaliar o impacto das ações afirmativas no campus Amajari. No contexto do  objeto de pesquisa desta dissertação de mestrado, a coleta e a análise de dados por meio de  entrevistas, possibilitaram a obtenção de insights relevantes acerca da influência do Câmpus  Amajari/IFRR na formação acadêmica, profissional e pessoal de seus alunos. A organização  das narrativas em unidades de significado permitiu sintetizar de forma eficaz os principais  aspectos evidenciados: os benefícios percebidos e os desafios enfrentados. 

A análise das memórias dos egressos indígenas possibilitou identificar padrões e  tendências que revelam as contribuições das políticas de ações afirmativas em suas trajetórias  no Campus Amajari. A partir da codificação das falas e da seleção de excertos significativos,  foi possível agrupar informações em torno de conceitos, ideias e temas recorrentes emergentes  das narrativas. 

Essas unidades de significado ofereceram uma estrutura analítica consistente para a  interpretação qualitativa dos dados, favorecendo uma compreensão mais clara e abrangente das  experiências dos egressos. 

A análise detalhada dessas unidades revelou nuances importantes sobre o impacto e a  efetividade das políticas de ações afirmativas implementadas pelo IFRR/Campus Amajari,  permitindo compreender tanto seus alcances quanto suas limitações. 

O processo de unitarização e categorização das falas dos participantes permitiu identificar  cinco categorias centrais, que sintetizam a relação entre as ações afirmativas e a trajetória dos  estudantes indígenas: 

1. Políticas afirmativas reparação histórica 

2. Respeito à identidade indígena e valorização cultural 

3. Formação humana integral 

4. Permanência e êxito 

5. Impacto das ações afirmativas e programas de apoio 

As categorias foram analisadas, entrelaçando os relatos dos entrevistados, os aportes  teóricos e a legislação pertinente, em consonância com a metodologia proposta por Moraes e  Galiazzi (2016).

1. Políticas afirmativas como reparação histórica 

O acesso dos indígenas ao IFRR/CAM esteve vinculado às políticas de cotas e à forma  como elas foram divulgadas. Muitos estudantes conheceram o processo seletivo por meio da  presença ativa de servidores nas comunidades. Rosa lembrou: “eu fiquei sabendo pelo servidor  do campus Amajari, que foi para a comunidade fazer as inscrições, e lá ele informou que tinha  vagas destinadas para os indígenas”. Elenilton relatou: “quando eu estava finalizando o ensino  fundamental, vi os cartazes pregados na escola Tobias Barreto”. Já Kaline destacou a mediação  comunitária: “eu fiquei sabendo através do tuxaua da comunidade Aningal, o Raíldo, e depois  a equipe do IF foi explicar como funcionava o processo”. Exemplos como esses mostram que  o CAM não se limitou a publicar editais em meios digitais, mas buscou assegurar que a  informação chegasse às comunidades, superando barreiras de acesso à internet e às informações  oficiais. Para o diretor geral, Rodrigo Barros, “essa política de divulgação nas comunidades é  fundamental para assegurar a equidade no acesso, pois muitas vezes os estudantes não têm  internet nem orientação adequada nas escolas indígenas”. Essa situação deixa claro a  desigualdade de acesso tendo em vista que nem todos têm acesso, por exemplo, a recursos  educacionais e tecnológicos, o que pode impactar diretamente o desempenho e a adaptação ao  currículo acadêmico (Carvalho, 2018). 

Já a egressa Sara Miriam, relatou como ficou sabendo do processo seletivo “Foi por  meio da minha irmã que já estudava aqui. Quando fomos nos inscrever presencialmente, nos  informaram que havia vagas para os povos indígenas.” Isso reflete a importância das redes  sociais e familiares na escolha educacional dos indivíduos, corroborando com estudos que  destacam o papel das relações interpessoais na formação de trajetórias acadêmicas (Fonseca,  2015). 

Além do acesso, os entrevistados interpretaram as cotas como justiça social. Joacy ressaltou: “Foi muito importante esse sistema de cotas pelo fato de dar oportunidade para  pessoas indígenas terem uma educação mais desenvolvida (…) facilitou bastante a entrada de  um indígena como eu”. Elenilton acrescentou: “não devemos ver a cota como privilégio, mas  como uma forma de igualar o acesso, porque nem todo mundo tem as mesmas condições”. Esse  entendimento encontra respaldo em Joaquim Barbosa (2001), que compreende as ações  afirmativas como medidas compensatórias e promocionais, destinadas a neutralizar os efeitos  persistentes da discriminação histórica. Baniwa (2013) também ressalta a educação como  espaço estratégico para a superação da marginalização indígena. Do ponto de vista legal, a Lei nº 12.711/2012 (Lei de Cotas) e o recente Decreto nº 11.785/2023 confirmam a centralidade  dessas políticas no processo de democratização do ensino. 

Assim, a política de cotas no IFRR/CAM não apenas abriu portas, mas foi compreendida  pelos estudantes como mecanismo de reparação histórica, que lhes garante condições de  igualdade diante de muitos anos de exclusão. 

2. Respeito à identidade indígena e valorização cultural 

O reconhecimento das culturas indígenas dentro do campus foi um dos aspectos mais  destacados pelos entrevistados. Joacy relatou: “nas Semanas dos Povos Indígenas, a gente fazia  as danças tradicionais da comunidade, os cantos, as pinturas também, e até os esportes como  arco e flecha, carregamento de tora, damurida… fazia a gente se sentir em casa”. Rosa reforçou:  “houve alguns eventos como a Semana dos Povos Indígenas, Roda de Conversa e apresentações  culturais, que mostravam nossas tradições e fortaleciam nossas identidades”. 

Sara destacou um momento simbólico: “tive a oportunidade de trazer meu avô para  contar a trajetória dele e sobre uma lenda que a gente tem sobre os Canaimé”. Kaline também  relatou que se sentiu fortalecida: “eu desfilei com meu traje indígena junto com colegas de  outras comunidades, e isso reforçava que a gente podia afirmar nossa identidade sem medo ou  vergonha”. Raideson complementou: “sempre tinha pinturas, artesanatos, danças parixara… a  instituição nunca deixava passar, sempre revivia aquele momento”. Para Cristiano, servidor, “a  presença da cultura indígena não apenas fortalece a identidade dos alunos, mas enriquece a  diversidade acadêmica do Instituto”. A partir das falas que ressaltam a importância da arte, da  dança, do artesanato e das culturas tradicionais, destaca-se como referencial curricular o  RCNEI, documento elaborado para orientar a prática escolar em consonância com as Diretrizes  Curriculares Nacionais. Em seu fundamento 1, “Multietnicidade, pluralidade e diversidade” – o RCNEI enfatiza a necessidade de compreender a escola sob o olhar indígena, considerando  sua inserção na comunidade, sua forma de organização cultural e religiosa, seu contexto social  e econômico, bem como os modos próprios de transmissão de saberes (Brasil, 1988, p. 22). 

A análise desse fundamento evidencia a importância da inserção da disciplina de Cultura  Indígena na matriz curricular do Ensino Médio. Tal disciplina propicia uma reflexão sobre o  ser humano e reafirma o direito de cada indivíduo de se relacionar com seus costumes, com a  ciência, a religião e a cultura como forma de defesa e garantia da dignidade humana. Nessa  perspectiva, o estudante indígena não busca benefícios assistencialistas, mas sim  reconhecimento, valorização, autonomia e a efetivação de seus direitos.

Essa valorização dialoga com a Lei nº 11.645/2008, que tornou obrigatória a inclusão  da história e cultura afro-brasileira e indígena nos currículos, e com a Convenção 169 da OIT,  que assegura aos povos originários o direito de manter suas tradições e identidades. Autores  como (Munduruku, 2012) e (Cunha, 2012) também reforçam que a preservação cultural no  espaço escolar é um pilar da educação intercultural e do direito à diferença. 

3. Formação humana integral 

Os relatos apontam que a formação oferecida pelo CAM não se limitou apenas ao  domínio técnico. Laene afirmou: “a gente sai preparado tanto para o trabalho quanto para a  vida”. Lairton destacou: “mudou minha vida social e familiar, me ensinou a respeitar opiniões  e ideologias diferentes”. Romeson sublinhou a relevância de disciplinas como filosofia e  sociologia: “ajudaram a entender melhor nossa posição como profissionais e como indígenas  dentro da sociedade”. Raideson reforçou essa percepção: “a instituição possibilitou que eu  aprendesse a conviver em igualdade, sem me sentir superior ou inferior, mas integrando a  formação técnica com a humana”. Kaline relatou que o convívio com colegas de diferentes  etnias e culturas “nos ajudava a desenvolver empatia, respeito e ética no dia a dia”. 

Cristiano Santos, técnico em assuntos educacionais, servidor, afirmou: “o Instituto não  apenas forma técnicos, mas cidadãos capazes de dialogar, de respeitar diferenças e de se  posicionar criticamente”. Essas percepções confirmam o que Ramos (2008, 2014) define como  formação omnilateral, que articula trabalho, ciência, tecnologia e cultura, e o que Ciavatta e  Frigotto (2011, 2012) defendem ao apontar o trabalho como princípio educativo. Nesse sentido,  a formação integral no CAM preparou os estudantes não apenas para o mercado de trabalho,  mas também para a vida social e política em suas comunidades e na sociedade mais ampla. 

4. Permanência e êxito 

A permanência dos estudantes indígenas foi viabilizada pelas políticas de assistência  estudantil. Joacy declarou: “recebi auxílio alimentação, auxílio-alojamento… foi bem  importante para mim, porque minha família não era muito bem financeiramente e esses auxílios  me ajudaram bastante a permanecer na instituição”. 

Laene se emocionou ao relembrar: “o apoio pedagógico era como se fosse um pai e uma  mãe, dizendo que ia ficar tudo bem. Isso fez diferença para que eu não desistisse”. Sara  enfatizou: “o que pesou para mim muito foi a questão psicológica, que o Instituto providenciou para mim, com acompanhamento de psicóloga e professores que me apoiaram nas minhas crises  de ansiedade”. Nesse sentido, Almeida (2020), ressalta que a promoção da saúde mental precisa  ser tratada como prioridade nas políticas educacionais. O apontamento do autor revela a relevância de compreender a saúde mental como um dos pilares da permanência e do êxito  escolar.  

Ao defender que sua promoção deve ser prioridade nas políticas educacionais, o autor  amplia a noção de educação para além do domínio cognitivo, ressaltando a importância de  estratégias institucionais que considerem o bem-estar emocional dos estudantes. Tal perspectiva  dialoga com o princípio da formação humana integral, na medida em que reconhece que o  desenvolvimento acadêmico só é efetivo quando acompanhado de condições que favoreçam  equilíbrio psicológico, autoestima e relações sociais saudáveis. 

No caso do IFRR/Campus Amajari, as narrativas dos egressos indígenas reforçam essa  necessidade. Muitos destacaram o apoio psicológico recebido como decisivo para lidar com  crises de ansiedade, saudade da família e desafios de adaptação Os testemunhos das egressas  Laene e Sara, mostram que a presença de profissionais de psicologia e pedagogia não apenas  fortaleceu a permanência, mas também contribuiu para a construção de resiliência e segurança  emocional. 

Assim, ao investir em acompanhamento psicológico, atividades culturais e espaços de  diálogo, o Campus Amajari exemplifica como a promoção da saúde mental pode ser  incorporada às políticas de assistência estudantil. Tais ações não devem ser vistas como  complementares, mas como elementos estruturantes de uma educação que almeja ser inclusiva  e integral. 

Raideson destacou a importância das atividades complementares: “tive aula de capoeira,  violão e dança… isso me segurou aqui dentro e facilitou até o término da minha formação”.  O depoimento da egressa Kaline evidencia como a acessibilidade foi determinante para  sua permanência: “a pedagoga me atendia toda semana, e isso foi essencial para que eu  continuasse firme; além disso, o transporte e a alimentação foram fundamentais”. Esse relato  mostra que, sem o transporte escolar e a assistência oferecida, muitos estudantes indígenas  teriam enfrentado maiores dificuldades para frequentar regularmente o campus. Nesse sentido,  Arroyo (2017) ressalta que o acesso à educação depende não apenas da abertura formal de  vagas, mas da garantia de condições materiais que viabilizem a presença efetiva dos estudantes  nas instituições. 

Assim, o transporte, enquanto política de apoio, não deve ser visto como mero serviço  logístico, mas como um fator de equidade e inclusão, cuja ausência pode se tornar uma barreira  significativa para o direito à educação. 

Cristiano Santos, técnico em assuntos educacionais, servidor, reforçou que “a  assistência estudantil foi determinante para que os estudantes indígenas não abandonassem o  curso, sobretudo aqueles alojados”. Rodrigo acrescentou: “a evasão é um desafio estrutural,  mas as políticas de apoio no Campus Amajari tiveram impacto direto no êxito acadêmico”. Essa  categoria dialoga com o PDI do IFRR (2019-2023), que define políticas de permanência como  estratégicas, e com Estevão (2018), que evidencia a vulnerabilidade dos estudantes indígenas  sem suporte institucional. 

5. Impacto das ações afirmativas e programas de apoio 

As entrevistas mostraram que os impactos das políticas afirmativas ultrapassaram o  âmbito individual e reverberaram nas comunidades de origem. Romeson relatou: “o campus me  deu condições de levar conhecimento e práticas de piscicultura para ajudar minha comunidade”. Joacy ressaltou: “me proporcionou desenvolver argumentos para enfrentar o preconceito e me  posicionar como liderança indígena”. Rosa ingressou no curso superior de Aquicultura,  enquanto Sara iniciou Letras-Português/Wapichana, confirmando a continuidade dos estudos.  Laene afirmou: “hoje eu sou uma pessoa totalmente diferente devido ao Instituto Federal, às  vezes eu até me questiono como seria minha vida se eu não tivesse entrado lá”. Raideson  expressou um sentimento de retribuição: “eu penso que tudo o que aprendi aqui vai me ajudar  a dar aquilo que nunca tive para minha família e comunidade”. 

Kaline destacou as experiências extensionistas: “as visitas técnicas às comunidades  indígenas nos capacitavam mais, porque já nos preparavam para o mercado de trabalho com  consciência social”. 

Do ponto de vista institucional, Rodrigo ressaltou que “os programas de apoio e a  política de cotas contribuíram para democratizar o acesso e gerar equidade”. O coordenador do  NEABI, Emílio Caetano complementou que “os resultados são visíveis quando se observa que  muitos egressos seguiram para o ensino superior e hoje são lideranças em suas comunidades”.  Cristiano concluiu: “as ações afirmativas não são apenas políticas de ingresso, mas  instrumentos de transformação social e cultural”. Esses resultados confirmam o que Feres  Júnior (2012) chama de “efeitos multiplicadores” das ações afirmativas: o benefício de um  estudante indígena se estende à comunidade. Também dialogam com Saviani (1989) e Gramsci (2004), que defendem a educação como prática emancipatória e transformadora. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A análise empreendida nesta seção, à luz da Análise Textual Discursiva (ATD), permitiu  compreender de maneira aprofundada as contribuições das políticas de ações afirmativas para  a formação integral dos estudantes egressos indígenas do IFRR/Campus Amajari. 

Primeiramente, verificou-se que o acesso dos estudantes indígenas à instituição esteve  diretamente ligado à política de cotas e à divulgação ativa dos processos seletivos nas  comunidades. Essa ação revelou-se essencial para democratizar o ingresso, garantindo que  jovens de territórios historicamente excluídos tivessem condições reais de participação, em  consonância com a Lei nº 12.711/2012 e a Convenção 169 da OIT. 

No que se refere à identidade indígena e à valorização cultural, observou-se que o  campus não apenas abriu espaço de ingresso, mas promoveu práticas concretas de  fortalecimento cultural, como a realização de eventos, apresentações, oficinas e rodas de  conversa. Tais ações reforçaram a memória coletiva (Le Goff, 2013) e a tradição como  tecnologia de resistência (Munduruku, 2012), permitindo que os estudantes se reconhecessem  em suas culturas no espaço acadêmico. 

Quanto à formação humana integral, ficou evidente que a proposta pedagógica do  IFRR/câmpus Amajari, não se limitou à dimensão técnica, favorecendo a criticidade, a  autonomia e a consciência social. A articulação entre trabalho, ciência, cultura e tecnologia foi  destacada pelos egressos, o que reforça a concepção de formação omnilateral discutida por  Ramos (2008, 2014) e Ciavatta e Frigotto (2011).  

A experiência vivida pelos estudantes demonstrou que a instituição cumpriu papel  significativo na preparação não apenas para o mercado de trabalho, mas também para a vida  em sociedade. No tocante à permanência e êxito, os depoimentos indicaram que a assistência  estudantil, por meio de apoio pedagógico, acompanhamento psicológico e atividades culturais  e esportivas, foi determinante para que os estudantes indígenas concluíssem seus cursos. Esses  mecanismos se mostraram fundamentais para superar vulnerabilidades sociais, econômicas e  geográficas, assegurando equidade de oportunidades, conforme preveem os documentos  institucionais (PDI 2019–2023) e as diretrizes nacionais (Decreto nº 11.785/2023). 

Por fim, os impactos das ações afirmativas se estenderam para além da vida individual  dos egressos, alcançando suas comunidades e reforçando o papel transformador da educação. 

Projetos comunitários, continuidade nos estudos superiores, fortalecimento da identidade e  assunção de papéis de liderança foram alguns dos efeitos destacados. Esses resultados  corroboram a noção de efeitos multiplicadores das ações afirmativas (Feres Júnior, 2012), pois  beneficiam não apenas os indivíduos, mas todo o tecido social indígena e regional. 

Em síntese, o estudo demonstrou que as políticas de ações afirmativas implementadas  no IFRR/Campus Amajari, foram capazes de viabilizar o acesso, fortalecer identidades,  promover formação integral, garantir permanência e êxito e gerar impactos sociais e  comunitários significativos.  


3Procedimento complementar à autodeclaração que consiste na percepção social de outro(a)(s), além da própria  pessoa, para a identificação étnico-racial.

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1Mestranda do PROFEPT do Instituto Federal de Roraima Campus Boa Vista e-mail: eliduarte82327@gmail.com.br 

2Docente do Instituto Federal de Roraima Campus Boa Vista. Doutora em Ciências Sociais. e-mail: raimunda.rodrigues@ifrr.edu.br