REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202511201108
Alaf Pereira do Nascimento¹
Leonardo Felipe Debrino Leite²
RESUMO
O ser humano teve um salto tecnológico com o advento da energia elétrica e com isso acompanhou-se de uma enorme demanda da mesma, com isso buscou-se diversificar-se quantos as diferentes matrizes energéticas, entre elas a energia eólica tem se destacado por ser limpa e renovável e de grande abundância principalmente em áreas litorâneas. Contudo, acidentes em turbinas e parques eólicos têm acontecido e é preciso deter do conhecimento de normas regulamentadoras, e seu conhecimento é primordial para técnicos e engenheiros da área.
Palavras Chaves: Energia, Eólica, Acidentes
ABSTRACT
Human beings experienced a technological leap with the advent of electricity, which led to a massive increase in energy demand. As a result, efforts were made to diversify the energy matrix, and among the various sources, wind energy has stood out for being clean, renewable, and abundant—especially in coastal areas. However, accidents involving turbines and wind farms have occurred, and it is essential to have knowledge of regulatory standards. This knowledge is crucial for technicians and engineers working in the field.
Keywords: Energy, Wind, Accidents
1 INTRODUÇÃO
Em uma sociedade cada vez mais dependente da eletricidade e também com indústrias cada vez mais pujantes, há grande demanda de produção de energia para suprir tais necessidades. As energias renováveis surgem como mais uma solução Em uma sociedade progressivamente dependente da eletricidade e com o constante crescimento industrial, a demanda por produção de energia para suprir tais necessidades é considerável. As energias renováveis despontam como uma solução adicional. Nesse contexto, a energia eólica, em particular, demonstra grande potencial. De acordo com a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica; 2020), em 2019, foram instalados 38 novos parques eólicos, num total de o Brasil possuiria a capacidade de produzir 744,95 MW.
De acordo com Silva et al. (2015), “um dos pilares da sociedade moderna é a eletricidade, uma vez que são poucas as atividades que dispensam o seu uso. Ela demanda sistemas de geração de energia elétrica, a partir de outras formas de energia; transmissão, partindo da estação geradora e, por fim, a distribuição para os seus inúmeros pontos de consumo”. A dependência da sociedade moderna em relação à energia elétrica é evidente em sua aplicação universal, sendo o pilar que sustenta desde as necessidades mais básicas, como luz e calor, até sistemas complexos como as redes de comunicação e a produção industrial.
Embora a energia eólica represente um avanço crucial na matriz energética sustentável, sua indústria não está isenta de desafios significativos, especialmente no que tange à segurança do trabalho. A complexidade e a grandiosidade das operações em parques eólicos, desde a montagem até a manutenção de aerogeradores, criam um ambiente propício a acidentes de alto risco. Conforme apontam estudos da área, como o de Oliveira e Alves (2015), os trabalhadores estão expostos a uma gama de perigos com potencial para consequências graves e fatais, sendo a queda de altura uma das principais causas de mortalidade no setor. A problemática se estende a riscos de choques elétricos, aprisionamento em espaços confinados e acidentes com os componentes móveis das turbinas, tornando a gestão de segurança um pilar indispensável para a sustentabilidade da indústria.
Com tudo, devido ao crescimento da demanda de profissionais capacitados na área eólica, se torna imprescindível o conhecimento de normas regulamentadoras padrões de ação durante emergências e também na ética no trabalho.
A notável expansão do setor eólico no Brasil impulsionou uma demanda crescente por profissionais qualificados. Nesse contexto, a investigação aprofundada dos acidentes de trabalho torna-se fundamental. Este estudo justifica-se pela necessidade de garantir que o conhecimento e a aplicação das normas regulamentadoras, dos procedimentos de emergência e da ética profissional acompanhem o ritmo acelerado do mercado, sendo um passo crucial para a mitigação de riscos inerentes às operações.
Objetivos específicos: Analisar os tipos de acidentes mais comuns em parques eólicos brasileiros, analisar as principais causas e fatores de risco associados, discutir a aplicação das normas regulamentadoras no setor e apresentar um conjunto de medidas preventivas e boas práticas.
2. METODOLOGIA
A metodologia deste estudo consiste em um levantamento documental e bibliográfico, com uma abordagem de análise comparativa.
2.1 FONTE E COLETA DE DADOS SOBRE ACIDENTES
A principal fonte de dados para o levantamento dos acidentes em escala global será o repositório de incidentes compilados e mantidos pela organização Scotland Against Spin (SAS). Este repositório é reconhecido por agregar um dos mais extensos registros públicos de acidentes relacionados a parques eólicos, baseados em notícias e relatórios de diversas origens geográficas. Para este estudo, foram extraídos e categorizados os registros de acidentes fatais e de maior impacto material (como colapsos e incêndios) para servirem como casos ilustrativos. De forma complementar, as informações de cada caso foram, sempre que possível, verificadas em fontes noticiosas originais para garantir a acurácia dos dados.
2.2 LEVANTAMENTO DO ARCABOUÇO NORMATIVO
Para a análise da estrutura de prevenção, foi realizada uma consulta direta à legislação trabalhista brasileira, com foco nas Normas Regulamentadoras (NRs) pertinentes (NR-35, NR-10, NR-33, NR-12), disponíveis no portal do Ministério do Trabalho e Emprego. Esta análise foi contextualizada com padrões de boas práticas internacionais, como os da Global Wind Organisation (GWO).
2.3 LIMITAÇÕES DO ESTUDO
É fundamental reconhecer que a fonte de dados primária, Scotland Against Spin (SAS), é uma organização com um posicionamento editorial crítico em relação à energia eólica. Embora seu banco de dados seja factualmente referenciado, o estudo reconhece um potencial viés na seleção e na ênfase dada aos eventos. Portanto, os dados são utilizados aqui para identificar a tipologia e a natureza dos acidentes, e não para realizar uma análise estatística de frequência. O objetivo é usar os fatos compilados como base para a discussão sobre prevenção, sem endossar o posicionamento da organização.
3. AVANÇO GLOBAL EM ENERGIA EÓLICA E TAMBÉM NO NÚMERO DE ACIDENTES
O setor de energia eólica atravessa um período de expansão sem precedentes. Relatórios do Global Wind Energy Council (GWEC) demonstram que a capacidade instalada global cresceu de forma acentuada nos últimos cinco anos, impulsionada pela transição energética.

Fonte: Global Wind Energy Council (GWEC), 2025
Contudo, essa aceleração na implantação de novos parques eólicos parece ter uma contrapartida preocupante. Dados compilados pela Scotland Against Spin (SAS) sugerem uma correlação direta entre o ritmo de crescimento da indústria e uma tendência de aumento no número de acidentes.

Fonte: SAS – Adaptado, 2025
3.1 PRINCIPAIS CAUSAS DE ACIDENTES
3.1.2 Falhas Nas pás eólicas
“Com 562 incidentes registrados, a falha de pás se destaca como o segundo tipo de acidente mais comum na indústria eólica. Essa falha, que consiste no lançamento de pás inteiras ou de seus pedaços, é a principal causa de acidentes em turbinas que estão em plena operação e pode ser originada por uma variedade de fatores.(SCOTLAND AGAINST SPIN, 2023).”

Fonte: SAS – Adaptado, 2025
As pás de um aerogerador são componentes de engenharia de alta complexidade, projetados para suportar milhões de ciclos de rotação sob condições ambientais severas. Sendo o principal componente responsável pela captura da energia do vento, elas estão constantemente expostas a estresses aerodinâmicos, gravitacionais e climáticos. Falhas nesses componentes são particularmente perigosas devido ao risco de projeção de fragmentos (“blade throw”), que podem ser arremessados a centenas de metros de distância, representando uma ameaça significativa para pessoas, animais e propriedades no entorno do parque eólico.
Os acidentes com pás podem ser categorizados em falhas catastróficas, que ocorrem de forma súbita, e em processos de degradação, que comprometem a segurança e a eficiência a longo prazo.
3.1.3 Incêndios
Os incêndios em aerogeradores representam um dos eventos mais catastróficos para a operação de um parque eólico. Dada a complexidade e o alto valor do equipamento, um incêndio geralmente resulta na perda total da turbina, com custos que envolvem não apenas a substituição do equipamento, mas também a perda de receita durante o longo período de inatividade.
A grande maioria dos incêndios ocorre na nacelle, o compartimento localizado no topo da torre que abriga os principais componentes da turbina, como o gerador, a caixa de engrenagens (gearbox) e os sistemas de controle. A dificuldade de acesso devido à altura, somada à presença de materiais inflamáveis e fontes de ignição em um espaço confinado, torna o combate ao fogo extremamente desafiador, e na maioria dos casos, impossível. As equipes de bombeiros geralmente se limitam a isolar a área no solo para conter os riscos de queda de destroços.
As consequências de um incêndio vão além da perda financeira. Há também o risco ambiental associado à queima de materiais compósitos (das pás e da própria nacelle) e ao derramamento de óleos lubrificantes e fluidos hidráulicos, que podem contaminar o solo e a água.

Fonte: SAS – Adaptado, 2025
3.1.4 Falhas estruturais
A falha estrutural em uma turbina eólica envolve o colapso parcial ou total de seus principais componentes de sustentação: a torre e a fundação. Esses eventos, embora menos frequentes que falhas de componentes menores, possuem um altíssimo grau de severidade, resultando invariavelmente na perda total do equipamento e apresentando um grave risco de segurança para a área circundante, devido à queda de uma estrutura que pode ultrapassar 100 metros de altura e pesar centenas de toneladas.
Uma falha estrutural raramente é instantânea; ela é, na maioria das vezes, o culminar de um processo de degradação lento ou o resultado de uma cadeia de falhas que submetem a estrutura a cargas para as quais ela não foi projetada.
3.1.4.1 Tipos de Falhas Estruturais
- Colapso da Torre: É a falha mais dramática. A torre pode sofrer flambagem (encurvamento sob compressão), torção ou ruptura completa. O colapso pode ser iniciado em uma das seções soldadas, em pontos de conexão com parafusos, ou na base, onde a tensão é máxima.
- Falha da Fundação: A fundação é a base crítica que transfere todas as cargas da turbina para o solo. Falhas aqui podem ser mais sutis no início, como recalque (afundamento) diferencial ou inclinação progressiva da torre. Em casos extremos, a fundação pode rachar ou perder sua ancoragem no solo, levando ao colapso de toda a estrutura.
- Falha de Conexões Estruturais: Refere-se especificamente à falha dos elementos que unem as diferentes seções da torre. Isso inclui o cisalhamento (ruptura) de parafusos de alta resistência ou a fratura de anéis de solda, que podem levar à separação das seções da torre.

Fonte: SAS – Adaptado, 2025
3.1.5 Acidentes em transporte de componentes de turbinas eólicas
Antes que um parque eólico possa ser erguido, seus monumentais componentes devem ser transportados do porto ou fábrica até o local de instalação, que frequentemente se encontra em áreas rurais e de difícil acesso. Esta etapa logística representa um dos maiores desafios de todo o projeto e é uma fonte significativa de acidentes, com riscos não apenas para a carga e os operadores, mas também para o público em geral e a infraestrutura viária.
O cerne do problema reside nas características dos componentes: são cargas indivisíveis, com peso e dimensões excepcionais (“cargas superdimensionadas”). Uma única pá pode ultrapassar 80 metros de comprimento, uma nacelle pode pesar mais de 120 toneladas e as seções da torre, além de pesadas, possuem um grande diâmetro, exigindo veículos e planejamentos altamente especializados.
3.1.6 Desafios Logísticos que Originam os Acidentes
Inadequação da Infraestrutura: A grande maioria das rodovias, pontes, viadutos e trevos não foi projetada para o tráfego de veículos com tais dimensões. Curvas fechadas, gabarito (altura e largura) de túneis e pontes, e a fiação elétrica em áreas urbanas são obstáculos constantes.
Complexidade do Planejamento: O transporte exige um estudo de viabilidade de rota minucioso, obtenção de licenças especiais de tráfego junto a órgãos como o DNIT e DERs, e um plano de escolta com batedores para garantir a segurança. Qualquer falha neste planejamento pode resultar em acidentes.
Fatores Climáticos: Ventos fortes podem desestabilizar a carga, especialmente as pás, que agem como uma vela gigante, tornando o transporte extremamente perigoso.
3.7 Tipos de Acidentes Comuns no Transporte de Componentes
3.7.1 Tombamento do Veículo de Transporte
É um dos acidentes mais comuns e perigosos. O alto centro de gravidade da carga, principalmente das nacelles e seções da torre, torna o conjunto (cavalo mecânico + reboque) instável. Manobras em curvas, terrenos inclinados ou irregulares e rajadas de vento laterais podem facilmente causar o tombamento, resultando na destruição do componente e em graves riscos para a via.
3.7.2 Colisão com Estruturas Fixas
Ocorrem por erros de cálculo no planejamento da rota ou por falha do motorista. Os componentes frequentemente colidem com a parte inferior de viadutos, pontes, pórticos de sinalização, fiação elétrica ou mesmo com edificações em passagens por áreas urbanas.
3.7.3 Queda da Carga do Veículo
Pode ser causada por uma falha no sistema de amarração e fixação da carga (cintas, correntes, estruturas de apoio) ou por uma manobra brusca. A queda de uma pá ou de uma seção da torre na rodovia tem um potencial catastrófico.
3.7.4 Acidentes Durante Manobras Complexas
A simples manobra de uma carreta transportando uma pá de 80 metros em um trevo ou rotatória é uma operação de altíssimo risco. A cauda do veículo (a ponta da pá) pode invadir a pista contrária ou sair da estrada, atingindo outros veículos, postes ou propriedades. Muitas vezes, é necessário realizar adaptações temporárias na via para permitir a passagem.
3.7.5 Falhas Mecânicas no Veículo Transportador
O peso extremo da carga submete os veículos especiais a um estresse imenso. Falhas no sistema de freios, estouro de pneus ou falhas estruturais no próprio reboque podem levar à perda de controle do veículo e a acidentes graves.

Fonte: SAS – Adaptado, 2025
A prevenção desses acidentes reside quase que inteiramente em um planejamento logístico impecável. Isso inclui o uso de tecnologias como escaneamento a laser (LIDAR) para mapear a rota, a escolha de veículos e equipamentos de amarração adequados e certificados, o treinamento intensivo dos motoristas e uma coordenação perfeita com as autoridades de trânsito para garantir um trajeto seguro e sem imprevistos.
4 O MARCO REGULATÓRIO BRASILEIRO COMO FERRAMENTA DE PREVENÇÃO
4.1 A RESPOSTA DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA AOS RISCOS DOCUMENTADOS
Diante dos riscos universais de falhas estruturais, incêndios, acidentes com pás e outros eventos, como documentado por fontes como a SAS, o Brasil adota uma abordagem regulatória robusta e consolidada. Em vez de criar leis exclusivas para o setor eólico, o país aplica seu já existente e abrangente conjunto de Normas Regulamentadoras (NRs) de Segurança e Saúde no Trabalho. Essas normas, emitidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, são transversais a diversas indústrias, mas sua aplicação é diretamente pertinente aos riscos específicos encontrados em parques eólicos. Este arcabouço normativo estabelece os requisitos mínimos obrigatórios para a prevenção de acidentes, definindo responsabilidades para empregadores e trabalhadores e servindo como a principal ferramenta legal para a gestão de riscos no setor.
4.2 PRINCIPAIS NORMAS REGULAMENTADORAS (NRs) para o Setor Eólico
Dentre as 38 NRs existentes, quatro se destacam como pilares para a segurança nas atividades de montagem, comissionamento, operação e manutenção de aerogeradores. A seguir, detalha-se a aplicação de cada uma delas.
4.2.1 NR-35 (Trabalho em Altura)
A Norma Regulamentadora 35 (NR-35) é o principal instrumento do marco regulatório brasileiro para a gestão de segurança em atividades de alto risco em parques eólicos. Ela estabelece os requisitos e as medidas de proteção para o trabalho em altura, definido como qualquer atividade executada acima de 2,00 metros do nível inferior com risco de queda (BRASIL, 2022). Em um setor onde a manutenção rotineira ocorre em nacelles que ultrapassam 100 metros de altura, a NR-35 não é apenas uma diretriz, mas o alicerce de um complexo sistema de gestão da vida.
A norma se baseia em um conjunto de pilares que, quando aplicados ao contexto eólico, ganham uma dimensão crítica. Os principais tópicos da norma e sua aplicação direta são:
4.2.1.1 O Planejamento: Análise de Risco (AR) e Permissão de Trabalho (PT)
A NR-35 (BRASIL, 2022) proíbe o início de qualquer atividade em altura sem um planejamento robusto, materializado pela Análise de Risco (AR). Na indústria eólica, a AR é um documento de extrema complexidade que deve, obrigatoriamente, considerar:
- Fatores Ambientais: A velocidade do vento é o fator de controle predominante, com limites operacionais rígidos (geralmente entre 10 e 12 m/s) para qualquer trabalho externo. A AR deve prever também a possibilidade de descargas atmosféricas (raios), que exigem protocolos de evacuação imediata.
- Riscos Interrelacionados: O trabalho em um aerogerador nunca é apenas um risco de altura. A AR deve obrigatoriamente contemplar a interface com a NR-10 (Eletricidade), pois a nacelle é uma subestação energizada, e a NR-33 (Espaço Confinado), para acesso ao interior da torre e do hub.
- Método de Acesso: A AR deve avaliar as condições de segurança do método de ascensão, seja pelo elevador de serviço ou pelo sistema de trava-quedas da linha de vida vertical instalada na escada.
Para atividades não rotineiras — o que inclui a maioria das manutenções corretivas —, a norma exige a emissão da Permissão de Trabalho (PT), que serve como um checklist final, assegurando que todos os riscos identificados na AR foram controlados antes do início da tarefa (BRASIL, 2022).
4.2.1.2 Os Sistemas de Proteção: A Hierarquia de Controle
A norma preconiza uma hierarquia de medidas: priorizar a eliminação do risco, seguida da proteção coletiva (EPC) e, por último, a proteção individual (EPI). Em um aerogerador, os principais sistemas são:
- Equipamentos de Proteção Coletiva (EPC): Incluem os sistemas de ancoragem, as linhas de vida verticais fixas (na escada da torre) e as linhas de vida horizontais (na cobertura da nacelle), além de guarda-corpos e plataformas de trabalho.
- Equipamentos de Proteção Individual (EPI): São a última barreira de defesa do trabalhador. A NR-35 exige que sejam certificados, inspecionados antes de cada uso e adequados ao risco. O kit básico em um parque eólico inclui: cinto de segurança tipo paraquedista (com múltiplos pontos de ancoragem), talabarte duplo em “Y” (para permitir o deslocamento 100% ancorado) e um trava-quedas compatível com a linha de vida vertical.
4.2.1.3 A Capacitação: O Limite da Norma e o Padrão do Setor
A NR-35 estipula que o empregador é responsável por capacitar seus trabalhadores, com um treinamento periódico (mínimo de 8 horas a cada dois anos) que aborde teoria e prática (BRASIL, 2022). No entanto, a indústria eólica reconhece universalmente que este requisito mínimo legal é insuficiente para os riscos extremos do setor.
Por essa razão, o mercado adota como padrão de facto a certificação internacional da Global Wind Organisation (GWO). O módulo de Trabalho em Altura (Working at Heights) da GWO vai muito além do básico da NR-35, focando intensamente em técnicas avançadas de resgate vertical, auto resgate e evacuação em cenários de emergência específicos de uma turbina, que a norma brasileira não detalha.
4.2.1.4 O Plano de Emergência e Resgate: A Autonomia Obrigatória
Talvez o ponto mais crítico da NR-35 para o setor eólico seja a exigência de que o empregador disponibilize um plano de resgate e uma equipe de resposta à emergência (BRASIL, 2022). Em locais remotos como parques eólicos, o resgate a 100 metros de altura, muitas vezes em um espaço confinado (como o elevador ou o interior da torre) e com uma vítima potencialmente inconsciente, não pode depender dos serviços públicos (Corpo de Bombeiros), que podem levar horas para chegar e não possuir o equipamento ou a expertise para tal resgate técnico.
A norma, portanto, obriga a empresa a ter uma equipe própria (ou contratada dedicada), treinada, equipada e apta a realizar o resgate de forma autônoma e rápida. Isso transforma a gestão de segurança: não basta apenas prevenir a queda, é preciso ter um plano exequível para o dia em que ela acontecer.
4.2.2 A NR-10 e a Gestão do Risco Elétrico em Aerogeradores
A Norma Regulamentadora 10 (NR-10) estabelece os requisitos e condições mínimas para a implementação de medidas de controle e sistemas preventivos, visando garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores que, direta ou indiretamente, interajam com instalações elétricas e serviços com eletricidade (BRASIL, 2019). Em um parque eólico, um aerogerador não é apenas uma máquina, mas uma usina de geração elétrica compactada. A nacelle abriga componentes de alta potência — como o gerador, conversores e transformadores — tornando a NR-10 uma norma de aplicação diária e vital.
A aplicação da norma em turbinas eólicas foca em pilares essenciais, sendo o primeiro e mais importante a desenergização.
4.2.2.1 O Procedimento de Desenergização (LOTO)
A NR-10 (BRASIL, 2019) define o trabalho com o circuito desenergizado como a medida de proteção prioritária. Para que uma intervenção em um painel elétrico ou no gerador da nacelle seja considerada segura, não basta apenas desligar um disjuntor. A norma exige um procedimento formal de desenergização, conhecido internacionalmente como LOTO (Lockout/Tagout), ou Bloqueio e Etiquetagem.
Isso implica em uma sequência rigorosa de ações:
- Seccionamento: Abertura efetiva do circuito.
- Impedimento de Reenergização: O bloqueio físico do dispositivo de seccionamento (uso de cadeados e travas).
- Constatação de Ausência de Tensão: A verificação com um multímetro de que o circuito está, de fato, morto.
- Aterramento Temporário: Instalação de aterramento com equipotencialização.
- Sinalização: A etiquetagem, informando quem bloqueou o circuito e por quê.
Em um aerogerador, onde múltiplos técnicos podem estar trabalhando, e onde o sistema pode ser religado remotamente, a aplicação rigorosa do LOTO é a principal barreira contra choques elétricos fatais e curtos-circuitos.
4.2.2.2. O Risco de Arco Elétrico e Vestimentas Específicas
Diferente do choque elétrico (contato direto), o arco elétrico (ou arc flash) é uma explosão de energia causada por uma falha elétrica, liberando calor intenso (podendo ultrapassar 20.000 °C), luz e uma onda de pressão. A NR-10 exige que os trabalhadores sejam protegidos contra esse risco.
● Aplicação em Aerogeradores: As intervenções nos conversores de potência e nos painéis de controle da nacelle apresentam alto risco de arco elétrico. Por isso, a NR-10 (BRASIL, 2019) obriga o uso de EPIs específicos, notadamente as vestimentas de proteção FR (Fire Resistant), ou antichama. Essas roupas, classificadas por ATPV (Arc Thermal Performance Value), são a última linha de defesa para evitar queimaduras graves ou fatais em caso de uma explosão elétrica.
4.2.2.3 Capacitação e Habilitação (SEP)
A NR-10 não permite que qualquer profissional acesse instalações elétricas. Ela exige treinamentos específicos (BRASIL, 2019):
- NR-10 Básico (40h): Obrigatório para qualquer profissional que trabalhe próximo ou com baixa tensão.
- NR-10 SEP (Complementar – 40h): Este é o ponto-chave para parques eólicos. O SEP é obrigatório para quem trabalha em Sistema Elétrico de Potência, que é exatamente o caso da geração, transmissão e distribuição de energia. Como o aerogerador é uma unidade de geração, os técnicos de manutenção devem, por regra, possuir o treinamento de SEP, que aborda os riscos específicos de sistemas de alta potência.
4.2.2.4 Prontuário das Instalações Elétricas (PIE)
Para instalações com carga superior a 75 kW — o que inclui absolutamente todas as turbinas eólicas comerciais — a NR-10 exige que a empresa mantenha um Prontuário das Instalações Elétricas (PIE). Este documento é a “identidade” elétrica do parque eólico, devendo conter, no mínimo, os diagramas unifilares, especificações dos sistemas de proteção, relatórios de inspeção (como termografias) e os procedimentos de segurança (BRASIL, 2019). O PIE é a ferramenta de gestão que centraliza toda a documentação de segurança elétrica exigida pela norma.
4.2.3 NR-33 e o Controle de Riscos em Espaços Confinados de Aerogeradores
A Norma Regulamentadora 33 (NR-33) é de aplicação constante na indústria eólica, pois define os requisitos para a identificação de espaços confinados, seu reconhecimento, avaliação, monitoramento e controle dos riscos existentes (BRASIL, 2022). Um aerogerador é, por definição, uma estrutura composta por múltiplos espaços confinados, sendo os mais evidentes a torre, o hub (cubo onde as pás são fixadas) e, em certos reparos, o interior das próprias pás.
Esses locais não são projetados para ocupação humana contínua, possuem meios limitados de entrada e saída, e ventilação natural insuficiente. A NR-33 estabelece um sistema de gestão completo para prevenir acidentes nesses locais, cujos riscos vão muito além da claustrofobia.
4.2.3.1 Identificação e Avaliação dos Riscos Atmosféricos
O maior perigo em espaços confinados é a atmosfera interna. A NR-33 (BRASIL, 2022) obriga a empresa a realizar uma avaliação atmosférica criteriosa antes da entrada de qualquer trabalhador.
Aplicação em Aerogeradores: Embora a torre de uma turbina seja um cilindro oco, ela pode apresentar riscos atmosféricos graves:
- Deficiência de Oxigênio (O2 ): A oxidação natural das paredes metálicas (ferrugem) ou a presença de gases inertes (usados em sistemas anti-incêndio) podem consumir o oxigênio, tornando a atmosfera irrespirável.
- Gases Tóxicos ou Inflamáveis: Durante reparos internos (laminação de fibra de vidro nas pás) ou pintura, a evaporação de solventes (Estireno, COVs) pode criar uma atmosfera tóxica e/ou explosiva. Um princípio de incêndio nos cabos elétricos pode preencher a torre com fumaça e monóxido de carbono (CO).
- A norma exige medições de O2 (entre 19,5% e 23%), gases inflamáveis (limite de 10% do LII) e toxicidade (limite de tolerância para CO, H2 S, etc.).
4.2.3.2. O Controle de Acesso: A Permissão de Entrada e Trabalho (PET)
Nenhuma entrada em espaço confinado pode ocorrer sem a emissão e o afixamento da Permissão de Entrada e Trabalho (PET) (BRASIL, 2022). Este documento não é uma formalidade burocrática, mas o checklist de segurança que autoriza a entrada.
Aplicação em Aerogeradores: A PET é o documento central que conecta todos os riscos. Ela é emitida pelo Supervisor de Entrada (um profissional capacitado) e deve conter, no mínimo:
- Os resultados das medições atmosféricas iniciais.
- A lista de trabalhadores autorizados.
- A confirmação de que os sistemas de bloqueio elétrico (NR-10) estão ativados.
- A confirmação de que os equipamentos de resgate (NR-35) estão disponíveis e prontos para uso.
- A validade da permissão é limitada a um único turno de trabalho.
4.2.3.3 Os Papéis Definidos: Supervisor, Vigia e Trabalhador
A NR-33 cria funções claras e interdependentes. O Supervisor de Entrada autoriza a PET. Os Trabalhadores Autorizadossão os que entram no espaço. E, fundamentalmente, o Vigia.
Aplicação em Aerogeradores: O Vigia é o profissional que deve permanecer fora do espaço confinado (geralmente na base da torre) durante toda a operação, sem se desviar para outras funções. Sua responsabilidade é manter comunicação contínua com a equipe interna, monitorar os riscos, controlar o acesso de entrada e saída e, em caso de emergência, acionar a equipe de resgate. Ele é a “âncora de segurança” da equipe.
4.2.3.4. O Sistema de Resgate: A Interface Crítica com a NR-35
A NR-33 (BRASIL, 2022) exige que o empregador estruture um sistema de resgate funcional, com equipamentos e equipe dedicada. A norma proíbe explicitamente que o Vigia realize o resgate, pois ele não pode abandonar seu posto.
Aplicação em Aerogeradores: Este é o maior desafio e a sinergia mais importante com a NR-35. Um resgate dentro de uma torre eólica é, simultaneamente, um resgate em espaço confinado e um resgate vertical (em altura). A equipe de resgate deve ser capaz de, por exemplo, içar ou descer uma vítima inconsciente por mais de 100 metros através de uma escada estreita ou do elevador. Isso exige equipamentos altamente especializados (tripés, macas, sistemas de polias) e treinamentos intensivos que simulem exatamente esse cenário, muito além do que a NR-33 ou a NR-35 exigem isoladamente.
4.2.4 NR-12 e a Prevenção de Riscos Mecânicos em Aerogeradores
A Norma Regulamentadora 12 (NR-12) estabelece os princípios fundamentais e as medidas de proteção para garantir a segurança no trabalho em todas as fases de utilização de máquinas e equipamentos, desde o projeto até o descarte (BRASIL, 2023). Embora um aerogerador seja frequentemente visto como uma instalação elétrica (NR-10) ou uma estrutura para trabalho em altura (NR-35), ele é, em sua essência, uma máquina complexa. A NR-12 é, portanto, a norma que rege a proteção contra riscos mecânicos, como esmagamento, amputação e aprisionamento, gerados por suas partes móveis.
A aplicação da norma em turbinas eólicas foca em garantir que a intervenção humana para manutenção possa ocorrer de forma segura, neutralizando os perigos mecânicos da máquina.
4.2.4.1 A Apreciação de Riscos (AR) Mecânicos
A NR-12 exige que toda máquina possua uma Apreciação de Riscos, um processo sistemático para identificar e graduar todos os perigos mecânicos.
Aplicação em Aerogeradores: A AR é a base de todo o projeto de segurança da máquina. Em uma turbina, ela deve identificar perigos óbvios e latentes, tais como:
- O Rotor (Pás e Hub): Risco de movimento inesperado durante a manutenção.
- O Sistema de Yaw (Giro): Risco de esmagamento entre a nacelle (que gira) e a torre (que é fixa) para técnicos que trabalham na plataforma de serviço.
- O Sistema de Pitch (Ângulo da Pá): Risco de aprisionamento ou esmagamento para técnicos que trabalham dentro do hub.
- Componentes Internos: Risco de aprisionamento em eixos de alta e baixa rotação, engrenagens da caixa multiplicadora (gearbox) e ventiladores de refrigeração.
4.2.4.2 Proteções Físicas (Fixas e Móveis)
Uma vez identificados os riscos, a NR-12 exige a instalação de sistemas de proteção, priorizando barreiras físicas.
Aplicação em Aerogeradores:
- Proteções Fixas: São as grades, cercas e encapsulamentos que impedem o contato com partes perigosas, como o eixo de alta rotação entre o gerador e o gearbox. Elas só podem ser removidas com o uso de ferramentas.
- Proteções Móveis Intertravadas: São as portas e escotilhas de acesso, por exemplo, ao hub ou ao interior da nacelle. A NR-12 exige que essas proteções sejam intertravadas: ao abrir a porta, um sensor deve, obrigatoriamente, enviar um comando de parada segura para a máquina, impedindo seu funcionamento enquanto o técnico estiver na zona de risco (BRASIL, 2023).
4.2.4.3 Dispositivos de Parada de Emergência
A norma determina que todas as máquinas devem possuir dispositivos de parada de emergência que permitam cessar o movimento perigoso de forma rápida e segura (BRASIL, 2023).
● Aplicação em Aerogeradores: A turbina deve possuir múltiplos botões de emergência (tipo “soco” ou “cogumelo”) em locais estratégicos e de fácil acesso. No mínimo, deve haver um na base da torre, um no painel de controle da nacelle e, idealmente, um dentro do hub. O acionamento de qualquer um desses botões deve sobrepor-se a qualquer comando operacional (inclusive remoto, via SCADA) e levar a máquina a uma condição segura.
4.2.4.4 Sinergia entre NR-12 e NR-10: O Bloqueio Seguro
A NR-12 complementa diretamente os requisitos de desenergização da NR-10. Enquanto a NR-10 foca em eliminar o risco elétrico (choque e arco), a NR-12 foca em eliminar o risco de movimento inesperado (energia mecânica). O procedimento de LOTO (Lockout/Tagout) em uma turbina atende a ambas as normas: ao bloquear eletricamente os motores, garante-se também que os sistemas mecânicos (como o yaw ou o pitch) não serão acionados inadvertidamente, protegendo o trabalhador contra esmagamento.
4.2.4.5 Manuais, Procedimentos e Capacitação
A NR-12 exige que o fabricante forneça manuais completos com instruções de segurança para operação, manutenção e reparo (BRASIL, 2023). Além disso, os trabalhadores devem ser capacitados para realizar suas tarefas de forma segura. Em parques eólicos, isso se traduz na obrigação de que os técnicos de manutenção sejam treinados especificamente no modelo da turbina em que irão atuar, conhecendo a localização de todos os pontos de bloqueio, proteções e paradas de emergência daquela máquina.
4.3 A SINERGIA DAS NRS COM AS BOAS PRÁTICAS INTERNACIONAIS: A GLOBAL WIND ORGANIZATION (GWO)
O robusto marco regulatório brasileiro, composto por Normas Regulamentadoras como a NR-10, NR-12, NR-33 e NR-35, estabelece o “o quê” da segurança: as exigências legais, as responsabilidades do empregador e os direitos do trabalhador. No entanto, a natureza globalizada da indústria eólica, dominada por fabricantes e operadores multinacionais, introduziu no país um padrão de boas práticas que define o “como”: a Global Wind Organisation (GLOBAL WIND ORGANISATION [GWO], 2025).
A GWO é uma organização criada pelos principais fabricantes de turbinas e proprietários de parques eólicos com o objetivo de padronizar um treinamento de segurança básico (Basic Safety Training – BST) que fosse reconhecido em qualquer país. No Brasil, o padrão GWO não substitui a obrigatoriedade legal das NRs, mas atua como um complemento essencial, sendo uma exigência de fato do mercado para qualquer técnico que atue no setor.
4.3.1 GWO Trabalho em Altura (Working at Heights) e a NR-35
A NR-35 (BRASIL, 2025) exige que o empregador forneça um treinamento de 8 horas e garanta um plano de resgate. O módulo GWO Working at Heights, por sua vez, é um treinamento intensivo de dois dias focado quase inteiramente em técnicas de resgate e auto-resgate em um aerogerador (GWO, 2025). Enquanto a NR-35 define a obrigação de ter um plano, o GWO ensina como executá-lo em cenários complexos, como um resgate da nacelle, do hub ou da escada vertical, utilizando equipamentos de descida especializados. Ele transforma a exigência legal da NR-35 em uma proficiência prática.
4.3.2 GWO Prevenção de Incêndio (Fire Awareness) e a NR-10
A NR-10 (BRASIL, 2019) foca na prevenção de falhas elétricas que causam incêndios. O módulo GWO Fire Awareness foca na resposta imediata ao princípio de incêndio (GWO, 2025). Ele treina o técnico a identificar as classes de fogo (especialmente elétrico) e a usar os extintores corretos em um ambiente confinado e de alto risco como a nacelle, onde uma evacuação rápida nem sempre é possível e uma ação inicial pode ser decisiva.
4.3.3 GWO Primeiros Socorros (First Aid) e a NR-33/NR-35
Tanto a NR-33 (BRASIL, 2022) quanto a NR-35 (BRASIL, 2025) exigem que a empresa disponibilize meios para primeiros socorros e resgate. O módulo GWO First Aid é um treinamento robusto focado nos traumatismos mais prováveis em uma turbina (quedas, esmagamentos, choques elétricos) e, crucialmente, adaptado ao cenário de local remoto (GWO, 2025), onde a ajuda médica especializada pode levar horas para chegar.
4.3.4 GWO BTT (Basic Technical Training) e a NR-10/NR-12
Além do pacote de segurança (BST), a GWO oferece o Treinamento Técnico Básico (BTT), com módulos de Elétrica, Mecânica e Hidráulica (GWO, 2025). Estes módulos complementam diretamente a NR-10 (BRASIL, 2019) e a NR-12 (BRASIL, 2023). Enquanto as NRs estabelecem os princípios de segurança (como o bloqueio LOTO), o BTT da GWO ensina os fundamentos técnicos de como os sistemas da turbina funcionam, permitindo que o técnico aplique os procedimentos de segurança (como os da NR-12) com uma compreensão plena da máquina que está intervindo.
Em síntese, o marco regulatório brasileiro funciona em duas camadas: o cumprimento legal obrigatório ditado pelas NRs e a proficiência prática padronizada exigida pelo mercado, representada pela GWO. Para um técnico ser considerado plenamente qualificado e seguro para trabalhar em um parque eólico no Brasil, ele deve atender a ambas as exigências.
5 DISCUSSÃO
A análise confrontada dos dados apresentados neste artigo — o panorama de acidentes globais e o marco regulatório brasileiro — permite inferir uma correlação direta e robusta. A estrutura de segurança do trabalho no Brasil, consolidada nas Normas Regulamentadoras, não é genérica; ela responde especificamente a cada um dos riscos catastróficos documentados internacionalmente na indústria eólica. Esta seção discute como essa estrutura legal aborda os problemas, onde residem suas maiores forças e quais são as lacunas práticas identificadas.
Conforme documentado na Seção 3, os incêndios em nacelles são um risco de alta severidade, frequentemente ligados a falhas elétricas. A Seção 4 demonstrou que a NR-10 (BRASIL, 2019) ataca essa problemática em duas frentes cruciais: na prevenção da causa-raiz, ao exigir procedimentos rigorosos de desenergização e bloqueio (LOTO) que evitam curtos-circuitos durante manutenções; e na proteção da consequência, ao obrigar o uso de vestimentas resistentes ao arco elétrico. Discute-se, portanto, que o cumprimento da NR-10 é a principal barreira técnica para evitar a perda total do ativo e proteger a integridade do trabalhador.
Da mesma forma, as falhas catastróficas de pás e os colapsos estruturais, que representam um risco imenso, estão diretamente ligados à integridade mecânica do equipamento. O marco regulatório brasileiro aborda isso ao classificar o aerogerador como uma máquina sob a égide da NR-12 (BRASIL, 2023). A norma exige que os sistemas de segurança, como proteções intertravadas e paradas de emergência, sejam funcionais, impedindo movimentos inesperados (como o giro do rotor ou do yaw) durante a manutenção. A persistência global desses acidentes, como apontado pelos dados da SAS, sugere que o desafio não reside na existência da norma, mas na complexidade da manutenção preditiva e na fiscalização rigorosa do seu cumprimento.
O ponto de maior fricção e, paradoxalmente, de maior sinergia, reside nos riscos de trabalho humano: altura e espaço confinado. O presente estudo demonstrou que a NR-35 (BRASIL, 2025) e a NR-33 (BRASIL, 2022) são legalmente robustas, exigindo Análise de Risco (AR), Permissão de Trabalho (PT) e, crucialmente, um plano de resgate autônomo. No entanto, a discussão aponta que a exigência legal de um plano de resgate não garante a proficiência para executá-lo. Um resgate em um aerogerador é uma operação técnica extrema. É exatamente nesta lacuna entre a “lei” e a “prática” que a indústria se autorregulou, adotando o padrão GWO (GLOBAL WIND ORGANISATION, 2025) como complemento indispensável. Discute-se que, na prática do setor eólico, a NR-35 sozinha é insuficiente, e a certificação GWO se tornou uma necessidade de mercado para transformar a obrigação legal em uma capacidade real de salvar vidas.
Por fim, é imperativo discutir a limitação central deste e de qualquer estudo similar no Brasil: a fonte dos dados de acidentes. A utilização de um banco de dados internacional (SAS) foi necessária pela notória ausência de um sistema público e centralizado de notificação de incidentes e acidentes específicos para o setor eólico no Brasil. Embora os dados da SAS sejam excelentes para ilustrar os riscos universais, eles não capturam as especificidades do cenário nacional (como fatores climáticos tropicais ou os desafios logísticos em rodovias brasileiras, como discutido na Seção 3). Esta lacuna de dados é um obstáculo crítico para a segurança do setor, pois impede a análise estatística de tendências e a mensuração da real eficácia das NRs. A criação de tal banco de dados nacional é, portanto, a recomendação mais urgente que emerge desta discussão.
6 CONCLUSÃO
Este artigo demonstrou que os acidentes em parques eólicos, como falhas estruturais, incêndios em nacelles e rupturas de pás, seguem um padrão global previsível, inerente aos riscos da própria tecnologia. A análise do marco regulatório brasileiro revelou que o país possui uma estrutura de segurança robusta, cujo desafio principal não é a ausência de normas, mas a garantia de sua aplicação rigorosa.
Conclui-se que a sinergia entre as principais normas aplicáveis — NR-10 (Eletricidade), NR-12 (Segurança em Máquinas e Equipamentos), NR-35 (Altura) e NR-33 (Espaços Confinados) — forma um arcabouço legal abrangente. Este sistema normativo nacional mostra-se alinhado às melhores práticas e aos padrões de segurança internacionais, como os da Global Wind Organisation (GWO), que frequentemente atuam de forma complementar à legislação.
Portanto, o estrito cumprimento destes pilares regulatórios é a ferramenta fundamental para mitigar os riscos documentados internacionalmente e assegurar o crescimento sustentável e seguro do setor eólico no Brasil.
7 REFERÊNCIAS
ABEEólica dialoga para avaliar impactos da Covid-19. (2020). Canal Energia. https://abeeolica.org.br/wp-content/uploads/2022/04/PT_Boletim-Anual-de-Geracao-2019-1.pdf
SILVA, C. R. et al. Geração de energia elétrica utilizando placas com pastilhas de Peltier. In: CONGRESSO TÉCNICO CIENTÍFICO DA ENGENHARIA E DA AGRONOMIA, 2., 2015, Fortaleza. Anais… Fortaleza: CONTECC, 2015.
OLIVEIRA, F. de; ALVES, S. M. Riscos Ocupacionais na Indústria de Energia Eólica: Uma Revisão de Literatura. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, v. 40, n. 132, p. 227-237, jul./dez. 2015.
SCOTLAND AGAINST SPIN. Turbine Accident Statistics. 2025. Disponível em: https://scotlandagainstspin.org/turbine-accident-statistics/. Acesso em: 06 out. 2025.
GLOBAL WIND ENERGY COUNCIL. Global Wind Report 2025. Brussels: GWEC, 2025. Disponível em: https://www.gwec.net/reports/globalwindreport/. Acesso em: 07 out. 2025.
BRASIL. Ministério do Trabalho e Previdência. Portaria MTP nº 4.218, de 20 de dezembro de 2022. Altera a Norma Regulamentadora nº 35 – Trabalho em Altura. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 240, p. 222, 22 dez. 2022.
BRASIL. Ministério da Economia. Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. Portaria SEPRT nº 915, de 30 de julho de 2019. Altera a Norma Regulamentadora nº 10 (NR-10). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 146, p. 15, 31 jul. 2019.
BRASIL. Ministério do Trabalho e Previdência. Portaria MTP nº 1.690, de 15 de junho de 2022. Altera a Norma Regulamentadora nº 33 – Segurança e Saúde no Trabalho em Espaços Confinados. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 114, p. 147, 16 jun. 2022.
BRASIL. Ministério do Trabalho e Previdência. Portaria MTP nº 4.383, de 27 de dezembro de 2023. Altera a Norma Regulamentadora nº 12 – Segurança no Trabalho em Máquinas e Equipamentos. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, n. 247, p. 238, 28 dez. 2023.
GLOBAL WIND ORGANISATION. GWO Standards: Basic Safety Training (BST). Copenhagen: GWO, 2025. Disponível em:https://www.globalwindsafety.org/standards/basic-safety-training-standard . Acesso em: 15 out. 2025.
¹ Estudante de Graduação 10º período Engenharia Elétrica da FIMCA
² Engenheiro Especialista
