ACIDENTE OFÍDICO: REVISÃO DE LITERATURA

SNAKEBITE ACCIDENTS IN DIFFERENT SPECIES: A LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202410082022


Ana Maria Santos Eduardo¹*; Breno Lima Moura²*; Felipe Capo Penha³*; João Vitor Oliveira⁴*; Laura Casaretti⁵*; Pedro Enrique Navas Suárez⁶*.


Resumo. Entende-se como acidente ofídico a inoculação de peçonha através das presas de serpentes. Em países tropicais como o Brasil, observa-se uma alta incidência de casos de ofidismo em humanos e animais, tornando, um problema de saúde pública e econômica com especial interesse na criação de bovinos. Existem diversas espécies de serpentes, sendo 76 produtoras de toxinas. Os efeitos causados por essas podem variar, o diagnóstico baseia-se na história clínica, exame físico e sinais clínicos característicos. A abordagem médica para suporte inicial deve ser realizada o mais breve possível, a fim de evitar complicações secundárias e óbito. Com base em ampla revisão de literatura, a abordagem terapêutica nestas situações deve ser adaptada a cada circunstância e necessidade do paciente. Um manejo eficaz é essencial para garantir a boa recuperação do animal acometido.

Palavras-chave: acidente ofídico, animais, serpente, terapêutica

Abstract. Snakebite envenomation refers to the injection of venom through the fangs of snakes. In tropical countries like Brazil, there is a high incidence of snakebite cases in both humans and animals, making it a public health and economic issue, particularly in cattle farming. There are various species of snakes, with 76 being toxin producers. The effects caused by these toxins can vary, and the diagnosis is based on clinical history, physical examination, and characteristic clinical signs. Initial medical support should be provided as soon as possible to avoid secondary complications and death. Based on extensive literature review, therapeutic approaches in these situations should be adapted to each circumstance and patient need. Effective management is essential to ensure the good recovery of the affected animal.

Keywords: Snakebite envenomation, animals, snake, therapeutic

Introdução

As mudanças ambientais causadas pelo homem estão entre as principais causas do aumento do número de acidentes ofídicos, já que a quantidade de habitats naturais fora reduzida, tornando o contato de serpentes com animais domésticos e humanos mais frequente (FUNASA, 2001; Oliveira et al., 2013). Em relação aos casos na medicina veterinária, não há números precisos sobre a ocorrência em animais, consequência da falta de obrigatoriedade da notificação compulsória (Cintra et al., 2014).

Segundo o manual da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA, 2001), os gêneros de serpentes de importância médica no país, são Bothrops (jararacas), Crotalus (cascavéis), Micrurus (corais) e Lachesis (surucucus), sendo as do gênero Bothrops as responsáveis por aproximadamente 90% dos casos relatados (Ribeiro, 2013). A identificação do animal causador do incidente é quesito importante para os médicos já que este conhecimento será ímpar para a designação do soro antiofídico a ser administrado (Pinho & Pereira, 2001). Segundo Monteiro & Gomes (2014), as principais características das serpentes incluem: corpo alongado e coberto por escamas,  respiração pulmonar, ausência de apêndices locomotores e ouvidos externos. As serpentes peçonhentas, com exceção das corais-verdadeiras possuem estrutura denominada fosseta loreal, um orifício encontrado entre os olhos e narinas cuja função é sensorial termorreceptora (Monteiro & Gomes, 2014). Ainda sobre as particularidades das serpentes peçonhentas, existe a dentição proteróglifa, típico das corais-verdadeiras, e a dentição solenóglifa, presente na cascavel, jararaca, urutu e sucururu (FUNASA, 2001).

Em ordem de sensibilidade, as espécies domésticas mais sensíveis à ação da peçonha são os suínos, caninos, ovinos, equinos e bovinos, os felinos são os de maior resistência (Ferreira Junior & Barravieira, 2004).  Dado o significado dos incidentes envolvendo serpentes peçonhentas na medicina veterinária e a busca por informações abrangentes, neste manuscrito realizamos uma revisão de literatura abordando os acidentes ofídicos em diferentes espécies, consolidando o conhecimento disponível até o momento.

Material e métodos

O presente trabalho foi elaborado através de revisão de literatura, com base em artigos retirados de bancos eletrônicos como Google Acadêmico e SciELO, além de endereços eletrônicos governamentais e livros. Foram selecionados, em sua maioria, materiais de caráter médico-veterinário, em inglês e português. A abordagem para coleta de dados foi do tipo qualitativa exploratória. As palavras-chave utilizadas para a pesquisa incluíram: “acidentes com serpentes”, “ofidismo na veterinária”, “tratamento”, “soro antiofídico”. Utilizou-se como critério de inclusão materiais que abordassem o tema acidente ofídico envolvendo pequenos animais, animais de criação como bovinos, ovinos e caprinos, além de estudos contendo os aspectos epidemiológicos, clínicos, patofisiológicos e de manejo veterinário nos acidentes com serpentes.

Revisão de literatura

Serpentes de importância médica e características gerais

Serpentes são répteis pertencentes à classe Reptilia, ordem Squamata, subordem Serpentes. As famílias das serpentes peçonhentas são divididas em Viperidae e Elapidae, e os gêneros mencionados neste material incluem Bothrops, Crotalus, Lachesis e Micrurus (Weiss & Paiva, 2017). A identificação da serpente causadora do acidente é essencial para fins de diagnóstico e terapêutica, permitindo a correta utilização dos soros antiofídicos quando necessário (Ministério da Saúde, 2024).São classificadas serpentes não peçonhentas, aquelas que não possuem presas inoculadoras para introduzir veneno na vítima e as consideradas peçonhentas, as que conseguem inocular seu veneno através de presas, as duas são encontradas no Brasil (FUNASA, 2001). São animais que possuem como características: corpo alongado e revestido por escamas, sem apêndices locomotores e ouvidos externos, médio e tímpano; possuem pulmões para respiração, são ectotérmicos (regulam a temperatura de forma externa), possuem uma diferenciação anatômica dos ossos do crânio permitindo que presas sejam engolidas inteiras, língua bífida que atua no sentido de quimio sensação e não possuem pálpebras móveis (Blanco & Melo, 2014; Ministério da Saúde, 2024).

As serpentes de importância médica são aquelas cujos ataques representam um risco significativo para a saúde (Mota, 2023). Estas, são responsáveis por uma grande parte dos casos de acidentes que afetam animais domésticos e de produção, como bovinos, equinos, suínos (Mota, 2023; Tokarnia & Peixoto, 2006). Relacionado às características de serpentes, existe diferenciação em relação a morfologia do osso maxilar e na dentição em que algumas possuem presas inoculadoras (Ministério da Saúde, 2024). Serpentes não peçonhentas possuem dentição áglifa que não possui presa inoculadora ou opistóglifa em que o osso maxilar sofreu alteração e as presas são maiores, serpentes peçonhentas possuem dentição proteróglifa em que o osso maxilar é reduzido e anodonte, mas com presença de par de presas e glândula de peçonha bem desenvolvida; a dentição solenóglifa também é um tipo de dentição das peçonhentas, têm como características maxilar bem modificado e com presença de um único par de presas alongadas e móveis (Ministério da Saúde, 2024). É importante diferenciar os conceitos peçonha de veneno, frequentemente utilizados como sinônimos, porém, a substância considerada venenosa, é responsável por causar ação tóxica, gerando danos ao organismo quando ingerida, inalada, ou absorvida através da pele, podendo ter origem vegetal, mineral ou animal, já o termo peçonha se dá a substância tóxica originária de uma glândula animal especializada, como no caso das serpentes peçonhentas, em que há injeta na vítima (Cubas, 2014). Outras características presentes em serpentes peçonhentas além da dentição, auxiliam na sua diferenciação, as serpentes peçonhentas possuem presença de fosseta loreal, orifício entre olhos e narinas com função termorreceptora; morfologia caudal que pode incluir guizo, chocalho ou escamas eriçadas; anéis corporais coloridos presente em cobras-corais, entretanto algumas espécies não peçonhentas podem imitar a coloração devendo considerar todas como potencialmente perigosas (Ministério da Saúde, 2024).

Segundo Grego (2014), a diversidade de ecossistemas do Brasil é fator que colabora para a existência de variedade de espécies de serpentes, os aspectos como busca por alimentos, controle por temperatura corpórea, parceiros para acasalamento são importantes para determinar locais onde pode-se encontrar serpentes. Devido às intensas atividades agropecuárias e extrativistas, as regiões consideradas com maiores números de acidentes em seres humanos, são as regiões Norte e Nordeste (Ministério da Saúde, 2024). Serpentes do gênero Bothops são responsáveis pela maioria dos números de acidentes ofídicos no país, sua distribuição é bastante vasta neste território (Ministério da Saúde, 2024). Zonas rurais e periferias das cidades são regiões em que as Bothrops podem ser encontradas, tem preferência por ambientes úmidos e que tenha proliferação de roedores, são agressivas e de hábito noturno, seu padrão de cor pode variar, as fêmeas atingem maior comprimento e são responsáveis por acidentes mais graves (Ministério da Saúde, 2024). Devido sua boa adaptabilidade relacionada a mudanças causadas pelo homem, podem ocorrer em todo território nacional (Ministério da Saúde, 2024; FUNASA, 2001; Weiss & Paiva, 2017).

Serpentes do gênero Crotalus são comumente encontradas em campos abertos, áreas secas, arenosas ou até pedregosas, encostas de morros e cerrados, são menos frequentes em regiões úmidas ou litorâneas. Acidentes envolvendo essa espécie geralmente ocorrem no período noturno (Blanco & Melo, 2014). Possui chocalho em ponta de cauda, sua coloração pode variar de castanho claro e cinza claro, com demarcações em branco que delimitam manchas geralmente marrons (Ministério da Saúde, 2024). Assim como as Bothrops, as Crotálicas encontram-se em regiões antigamente florestais modificadas, em que há atividades pecuaristas ou de outros fins produtivos (Ministério da Saúde, 2024). Como defesa tem costume de produzir som através do seu chocalho e agrupam o corpo como modo de recuar, são consideradas pouco agressivas (Ministério da Saúde, 2024).

Conhecida popularmente como surucucu, surucucu-bico-de-jaca e surucutinga, as Lachesis vivem principalmente nas florestas tropicais escuras e úmidas como Mata Atlântica e Amazônia, sendo possível encontrá-las em alguns pontos de matas úmidas da região do Nordeste (Weiss & Paiva, 2017). Podem alcançar 3,5 metros de comprimento, possuem escamas eriçadas em base de cauda, mas no geral suas diferenças morfológicas são muito discretas, são ágeis e tem um bote consideravelmente perigoso (Ministério da Saúde, 2024).

As cobras-corais, pertencentes à família Elapidae possuem essa nomenclatura devido sua coloração (vermelho, laranja, amarela) são animais que podem medir até 1,0 metro, com presença de anéis em preto ou branco e suas características morfológicas gerais incluem cabeça pouco diferenciada do corpo, focinho arredondado, cauda grossa, dentição proteróglifa,  15 escamas dorsais, diferindo de cobras-corais falsas, ambas possuem comportamento defensivo, levantando a cauda quando ameaçadas (Brasil, 2024; FUNASA, 2001). As cobras-corais são encontradas em várias regiões do Brasil, com uma relevância maior em áreas de Cerrado, também podem ser vistas em florestas, pastagens, e outras áreas de vegetação densa (FUNASA, 2001, Weiss & Paiva, 2017).

Fisiopatologia do envenenamento por serpentes          

Peçonhas são classificadas em grupos principais, de acordo com suas ações tóxicas mais importantes, sendo a botrópica responsável por causar principalmente ação necrótica; crotálica, cujo componente principal é uma neurotoxina, elapídica, que causa alterações quase exclusivas no sistema nervoso e laquética, gerando ação semelhante a peçonha botrópica. (Puzzi et al., 2008; Tokarnia & Peixoto, 2006).

Em relação ao veneno botrópico, existem quatro grupos principais de atividades fisiopatológicas. A ação proteolítica do veneno na vítima resulta da ativação de enzimas como proteases, hialuronidases e fosfolipases, além da liberação de mediadores da resposta inflamatória, como bradicinina, prostaglandinas e leucotrienos (Ferreira Junior & Barravieira, 2004). A atividade coagulante ocorre pela ativação do fator X e da protrombina, favorecendo a coagulação do fibrinogênio e sua transformação em fibrina. A atividade vasculotóxica é mediada pelas hemorraginas, enzimas denominadas metaloproteinases, cuja estrutura contém zinco (Ferreira Junior & Barravieira, 2004). Essas enzimas são responsáveis por comprometer a integridade vascular e inibir a agregação plaquetária. A insuficiência renal aguda pode ocorrer diretamente devido à ação do veneno, que danifica os vasos responsáveis pela irrigação dos rins, ou secundariamente ao choque, formação de trombos ou vasoespasmos (Ferreira Junior & Barravieira, 2004; Spinosa et al., 2020).

O veneno das serpentes do gênero Crotalus pode causar efeitos locais e sistêmicos. As principais ações são neurotóxicas, afetando tanto o sistema nervoso central quanto o periférico. Além disso, possui ações coagulantes, miotóxicas sistêmicas e nefrotóxicas. Essas diferentes ações resultam dos mecanismos de ação das porções da toxina (Jericó et al., 2015; Spinosa et al., 2020). O complexo crotoxina constitui 50% das proteínas da peçonha, sendo composto por uma fração ácida (crotoxina A) e uma fração básica (crotoxina B), que possui atividade hidrolítica (Spinosa et al., 2020). Este complexo é responsável pela ação neurotóxica, impedindo a liberação pré-sináptica de acetilcolina pelas terminações nervosas colinérgicas. A crotoxina também causa efeito miotóxico sobre as fibras tipo I, gerando rabdomiólise e degeneração de organelas celulares (Spinosa et al., 2020).

O acidente elapídico ocorre com menor frequência devido ao comportamento menos agressivo das serpentes, habitat e dentição que dificulta sucesso na inoculação da peçonha, entretanto, o acometimento pode ser considerado grave (Blanco & Melo, 2014; Spinosa et al., 2020). Existe variação na composição dos venenos das espécies de coral, as principais alterações de importância clínica são as neurotóxicas e mionecróticas. Algumas espécies de Micrurus possuem ação anticoagulante (Spinosa et al., 2020). As neurotoxinas são divididas em dois grupos: pré-sinápticas e pós-sinápticas. As pré-sinápticas possuem ação fosfolipásica, impedindo a liberação de acetilcolina na fenda sináptica na junção neuromuscular dos nervos motores (Blanco & Melo, 2014). As pós-sinápticas são proteínas com peso molecular entre 6 e 14 kDa, não possuem ação enzimática e ligam-se competitivamente aos receptores colinérgicos na junção neuromuscular, bloqueando a deflagração do potencial de ação. A insuficiência respiratória devido à paralisia diafragmática pode ocasionar óbito (Blanco & Melo, 2014).

A ação da peçonha laquética estão relacionados a fatores hemorrágicos, através de presença de enzimas como hemorraginas e thrombin-like (TLE), essa age nas moléculas de fibrinogênio transformando em fibrina, causando microcoágulos responsáveis por obstruir o fluxo circulatório em determinados órgãos vitais (Weiss & Paiva, 2017). As hemorraginas são responsáveis por causar lesões vasculares, que acompanhada da incoaguabilidade gera um quadro de sangramento ativo, além disso a ação proteolítica produz lesão tecidual e são os mesmos mecanismos presentes no acidente botrópico, já mencionado anteriormente (Weiss & Paiva, 2017). Fosfolipases nesses casos podem causar tanto ação inflamatória (juntamente a outras enzimas) quanto miotoxicidade, a ação neurotóxica também conta com cininas e fosfolipases, ativando sintomas vagais (Weiss & Paiva, 2017).

Aspectos clínicos do acidente ofídico em animais

Os sinais clínicos e a gravidade do envenenamento podem variar de acordo com fatores como gênero e espécie da cobra, espécie do animal picado, tamanho do animal, tempo até o tratamento, volume inoculado e local da picada (Ferreira Junior & Barravieira, 2004). Em relação ao acidente botrópico, os sinais clínicos apresentados incluem prostração e anorexia, eritema, petéquias, equimoses, bolhas, pústulas, necrose, hemorragia local ou sistêmica (epistaxe e gengivorragia), animais que apresentam hemorragia intensa podem ter o tempo de coagulação elevado, intensificando a gravidade do quadro (Blanco & Melo, 2014). Animais atacados na região da face podem apresentar edema, o que pode levar a dificuldade respiratória (Spinosa et al., 2020). As manifestações clínicas podem ser classificadas em leve: dor e edema leve ou ausente, discreta manifestação hemorrágica ou ausente, presença ou não de distúrbio de coagulação; moderado: dor e edema significativo, que se estende além do local da picada, podendo haver hemorragia locais ou sistêmicas; grave: caracterizado por edema intenso, regiões de isquemia, presença de bolhas e dor intensa (FUNASA, 2001).

Os sintomas clínicos do acidente crotálico ocorrem sistematicamente (Blanco & Melo, 2014). O animal pode apresentar inquietação por dor, ataxia e fasciculações; dependendo da gravidade: apatia, decúbito, sedação, flacidez da musculatura da face, ptose palpebral, ptose mandibular, midríase responsiva à luz, oftalmoplegia, disfagia e dificuldade de fonação, decorrentes da ação neurotóxica do veneno (Blanco & Melo, 2014; Jericó et al., 2015). Sialorreia, vômito e diarreia podem ocorrer na fase aguda (Jericó et al., 2023). A vítima pode apresentar taquicardia, taquipneia, hipotermia ou hipertermia, além de paralisia respiratória em casos mais graves (Jericó et al., 2023).

A ação das neurotoxinas no acidente elapídico, tanto pré como pós-sinápticas, levam à paralisia aguda do tipo miastênica, que progride no sentido crânio-caudal, resultando em ptose palpebral, dificuldade de deglutição, flacidez e paralisia dos músculos da face, orofaríngeos, intercostais e do diafragma, culminando em dificuldade respiratória (Blanco & Melo, 2014; Spinosa et al., 2020).

Os sintomas e manifestações clínicas nos acidentes laquéticos podem se assemelhar aos dos acidentes botrópico, com presença de edema e algia, o paciente pode apresentar hipotensão, bradicardia, diarreia e vômito, insuficiência renal aguda, necrose tecidual e até óbito (Weiss & Paiva 2017). O acometimento é classificado de moderado a grave pela quantidade de injeta que ocorre (FUNASA, 2001; Weiss & Paiva, 2017).

Abordagem terapêutica no acidente ofídico                 

As intervenções relacionadas aos primeiros socorros desempenham um papel crucial na minimização dos danos à vítima, com foco na redução dos efeitos da intoxicação e na prevenção de complicações secundárias (Miranda, 2003). A busca imediata por médico veterinário para instauração da terapêutica precoce pode atingir melhor resposta no tratamento (Jericó et al., 2023; Spinosa et al. 2020). Geralmente, não é possível identificar a serpente causadora do incidente, portanto, a administração do soro polivalente antibotrópico-crotálico (SABC) é instituído de modo eficaz, já que tem capacidade de neutralizar ambas as peçonhas (Ferreira Junior & Barravieira, 2004; Spinosa et al., 2020).

A abordagem terapêutica instituída no acidente botrópico, consiste em administração da soroterapia com antibotrópico-crotálico (SABC) ou soroterapia antibotrópica (SAB), quando possível identificação da serpente (Jericó et al., 2015). Independente do porte do animal, a quantidade de SABC a ser aplicada é de 50mL, de forma lenta e diluída em solução fisiológica ou glicosado a 5% pela via intravenosa (Spinosa et al., 2020).  As vias intramuscular ou subcutânea podem ser utilizadas quando há impossibilidade da utilização da endovenosa, mas é importante destacar que nessas situações é contraindicado a diluição do soro em glicosado (Ferreira Junior & Barravieira, 2004; Jericó et al., 2023). Cuidados complementares consistem em controle de dor através de analgésicos adequados para cada tipo de espécie; antibioticoterapia é indicada em decorrência das lesões locais e necrose tecidual que a toxina botrópica gera, ocasionando infecção secundária (Spinosa et al., 2020); áreas de necrose devem ser devidamente tratadas com soluções antissépticas e pomadas que auxiliam a cicatrização (Ferreira Junior & Barravieira, 2004). É de suma importância preservar a função renal do paciente e prevenir a insuficiência renal aguda (IRA), o monitoramento deve ser de 24h a 72h em ambiente tranquilo (Ferreira Junior & Barravieira, 2004; Spinosa et al., 2020); em casos de oligúria, o paciente pode receber manitol a 20% e, ou, diurético de alça como a furosemida (Spinosa et al., 2020). Demais intervenções devem ser realizadas com cautela, devido fatores hemorrágicos presentes na toxina bortrópica (Ferreira Junior & Barravieira, 2004).

Assim como no acidente botrópico, é necessário internação do paciente e a terapia instituída no acidente crotálico consiste em realização de soroterapia com soro anticrotálico (SAC) ou bivalente, antibotrópico-crotálico (Jericó et al., 2023). Fluidoterapia com solução Ringer Lactato ou NaCl a 0,9% associado ao bicarbonato a 8,5 na dose de 2 a 4 mEq/Kg (miliequivalente por quilogramas), auxiliando na hidratação e na estabilização do Ph da urina com o intuito de diminuir a deposição tubular da mioglobina., além de contribuir na reversão da acidose metabólica e insuficiência renal aguda (Jericó et al., 2015; Spinosa et al., 2020). Em situações em que o paciente estiver em anorexia, dificuldade ou incapacidade na deglutição decorrente da fácies miastênicas, é indicado o suporte de nutrição parenteral ou enteral e ainda relacionada a paralisia facial, é indicado instilar colírio lubrificante nos globos oculares a fim de evitar ressecamento e úlceras (Jericó et al., 2023). Quando não há produção de urina mesmo com suporte de fluidoterapia, pode-se utilizar o manitol a 20% e ainda se persistir, furosemida (Jericó et al., 2023; Spinosa et al., 2020). Controle de dor decorrente a mialgia causada pela toxina crotálica é indicado para promover conforto ao paciente, importante realizar troca de decúbito periodicamente para evitar escaras, já que o estado mental do paciente pode estar reduzido ou pode apresentar paralisação dos músculos (Jericó et al., 2023).

Os casos de acidente laquético também são tratados com soro laquético ou soro antibotrópico laquético em dose suficiente para neutralizar até 400 mg de peçonha, situações de manifestações colinérgicas graves, devem ser tratadas de forma sintomática e com a administração de sulfato de atropina (Spinosa et al., 2020). No  acidente elapídico, o ideal é realizar soroterapia com soro específico (antielapídico) porém sua obtenção é dificultosa na Medicina Veterinária (Spinosa et al., 2020). Tratamento suporte é realizado com neostigmina, podendo administrar atropina anteriormente a fim de evitar os efeitos colaterais como bradicardia (FUNASA, 2001; Spinosa et al., 2020).

A soroterapia no geral, pode causar reações durantes ou após sua administração causando sintomas como urticária, prurido, tremores, dispneia, tosse e náuseas, nesses casos é necessário suspender imediatamente a transfusão (Jericó et al., 2023). As reações podem ser prevenidas através de administração de corticosteroides e antagonistas H1 e H2, em situações de insuficiência respiratória é necessário realizar a intubação do paciente, a fim de manter oxigenação, também pode-se realizar broncodilatadores (Jericó et al., 2023).

Considerações finais

Acidente ofídico na Medicina Veterinária é comum, causando danos sistêmicos graves e às vezes irreversíveis para o paciente acometido, o que demonstra a importância de uma abordagem rápida e eficiente para sucesso no tratamento. Além disso, a capacitação dos profissionais veterinários e a conscientização dos proprietários de animais são essenciais para minimizar os danos dos acidentes. O conhecimento aprofundado sobre a fisiopatologia da ação das peçonhas contribui significativamente para a melhora nos índices de sobrevivência e qualidade de vida dos animais afetados. Continuar investindo em pesquisas e no aprimoramento das técnicas terapêuticas é crucial para enfrentar os desafios associados aos acidentes ofídicos na prática veterinária.

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Weiss, M. B. & Paiva, J. W. S. (2017). Acidentes com Animais Peçonhentos. (1 ed.). Thieme Brasil Publicações, Rio de Janeiro, Brasil.


¹Discentes do curso de graduação em Medicina Veterinária, Centro Universitário das Américas – FAM, Campus Mooca – SP Brasil. E-mail: annasantose1@gmail.com
iD Orcid 0009-0004-6570-8728
²Discentes do curso de graduação em Medicina Veterinária, Centro Universitário das Américas – FAM, Campus Mooca – SP Brasil. E-mail: brenobarca@hotmail.com
iD Orcid 0009-0008-3293-0137
³Discentes do curso de graduação em Medicina Veterinária, Centro Universitário das Américas – FAM, Campus Mooca – SP Brasil. E-mail: felipecapopenha@gmail.com
iD Orcid 0009-0002-0601-4254
⁴Discentes do curso de graduação em Medicina Veterinária, Centro Universitário das Américas – FAM, Campus Mooca – SP Brasil. E-mail: jovoliveira36@gmail.com
iD Orcid 0009-0005-2246-0467
⁵Discentes do curso de graduação em Medicina Veterinária, Centro Universitário das Américas – FAM, Campus Mooca – SP Brasil. E-mail: lauracasaretti@gmail.com
iD Orcid 0009-0001-12750170
⁶Professor Orientador Mestre PhD do curso de Medicina Veterinária do Centro Universitário das Américas FAM. E-mail: pedroenasu@gmail.com
*Autor para correspondência