REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8144172
Jorge Marcelo Titiry Pinto1
Luís Guilherme Barbosa 2
INTRODUÇÃO
A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) é uma instituição bicentenária e desempenha um papel social importante para a manutenção da ordem pública e garantia dos direitos dos cidadãos, sendo ela vinculada à Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Estado do Rio de Janeiro. No ano de 2019 foi extinta a Secretaria de Segurança pelo então governador eleito, e as polícias Civil e Militar receberam diferentes status: a polícia civil recebeu o status de secretaria de Polícia Civil e a Militar recebeu o status de Secretaria de Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro.
A corporação foi criada e reconhecida em 13 de maio de 1089 com o nome de Divisão Militar da Guarda Real de Polícia, tendo como base o Exército. Desta guarda se originou então, a polícia uniformizada dos moldes militares. Em 1866, o Corpo de Guardas Permanentes passou a ser chamado de Polícia da Corte e, em 1920, recebeu a designação formal de Polícia Militar1.
Com as mudanças na instituição ao longo dos anos e aumento do efetivo da PMERJ, foi criado o Hospital Central da Polícia Militar (HCPM), no bairro do Estácio com 320 leitos e um serviço de emergência de 24h, tendo ainda um hospital semelhante, porém de menor porte em Niterói – Hospital da Polícia Militar de Niterói (HPMNIT) e algumas policlínicas 2.
O modelo assistencial na polícia militar é antigo e não acompanhou o crescimento da tropa causando assim lacunas que não poderiam acontecer quando se trata de acesso à saúde.
A literatura demonstra com muita clareza que os policiais militares costumam relacionar o cotidiano de trabalho a situações de estresse, podendo com isso, apresentar distúrbios relacionados à saúde. Com o adoecimento, surgem consequências negativas no relacionamento familiar e na manutenção desses policiais nos postos de trabalho. Observa-se ainda, que esses profissionais tendem a apresentar alterações negativas, físicas e emocionais, desencadeando elevados níveis de estresse, aumento de acidentes de trabalho, doenças crônicas, como obesidade e aumento no risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares3.
Diante do cenário, vários estudos devem ser conduzidos visando melhorar a qualidade de vida dos policiais militares, bem como, reduzir os riscos à saúde relacionados ao ambiente de trabalho, como determina a Política Nacional de Promoção da Saúde. Outro ponto de extrema relevância é identificar os fatores associados ao comprometimento da qualidade de vida, os quais poderão promover decisões e intervenções que promovam saúde e melhorem a qualidade de vida3. Ressalta-se ainda que, a Atenção Primária à Saúde é a porta de entrada de acesso aos serviços de saúde garantidos na Constituição de 1988.
Com base no exposto, o presente estudo objetivou verificar o acesso a Estratégia de Saúde da Família (ESF) por policiais militares da Diretoria de Recrutamento e Seleção de Praças do Estado do Rio de Janeiro – RJ e seus familiares. Além disso, identificar as clínicas da família próximas as residências dos policiais, saber qual o acesso a saúde que os policiais e seus familiares têm como recurso e se alguma vez sua família ou ele já foi visitado pelo agente de saúde da família da sua área.
METODOLOGIA
O presente trabalho foi conduzido na Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP), lugar este cujo nome é em homenagem aos soldados do Trigésimo Primeiro Corpo de Voluntários da Pátria os quais participaram da guerra. Localizado no bairro de Jardim Sulacap na Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde são formados cerca de 7.000 policiais ao ano, dependendo da demanda do Estado. A Diretoria de Recrutamento e Seleção de Praças (DRSP), tem um efetivo de aproximadamente 170 pessoas entre homens e mulheres com patentes de praças até oficiais.
O estudo contemplou os Policiais Militares do DRSP, residentes no Estado do Rio de Janeiro, sendo escolhidos de forma aleatória, incluindo soldados, cabos, sargentos, subtenentes e oficiais.
Os dados foram coletados através de questionário composto unicamente por perguntas fechadas direcionadas ao propósito da pesquisa. A coleta dos dados foi realizada com a presença do pesquisador para tirar eventuais dúvidas, que poderiam surgir durante o preenchimento, sem tempo pré-estabelecido, sempre durante o horário de expediente normal. Cuidadosamente foi reservado um local sem a circulação de pessoas, a fim de evitar quaisquer interferências, influências, ou mesmo constrangimento durante o processo.
O tempo médio entre leitura e assinatura do Termo de Compromisso Livre e Esclarecido (TCLE) e preenchimento do questionário foi de aproximadamente 20 minutos e foi acompanhado pelo pesquisador.
O questionário abordou questões chaves como: gênero, idade, graduação ou patente, local onde reside, periodicidade de visita de agente de saúde da família, principal local de acesso à saúde em casos de necessidade dos policiais e familiares, conhecimento sobre a estratégia de saúde da família pelos policiais e familiares, frequência de visita a clínica de saúde da família pelos policiais e familiares e segurança em relação a localização das clínicas de saúde da família.
Ao final da coleta os dados foram tabulados e submetidos ao software Epi Info versão 7.2 para aplicação de estatística descritiva.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Inicialmente foi feita uma estimativa de entrevistar, através do questionário, 170 policiais militares lotados no CFAP, porém com as movimentações no efetivo das unidades administrativas para as operações com o intuito de reforçar a segurança nas ruas, só foi possível aplicar o questionário em 115 policiais militares.
Com relação ao gênero foi observado pela pesquisa um quantitativo menor de policiais mulheres. Foi observado que dos 115 pesquisados 85,21% são do gênero masculino e 14,78% do gênero feminino. Esse quadro reflete a real situação nas fileiras da Polícia Militar atualmente, uma vez que ao abrir processo seletivo para novos profissionais às vagas para homens são bem maiores. Esses dados refletem o que a literatura já apontava na década de 2010, onde as polícias militares brasileiras possuíam aproximadamente 12% do efetivo feminino. Em contrapartida, outras corporações apresentavam participações femininas mais expressivas, como no Corpo de Bombeiros, com 15%, e na Polícia Civil, com aproximadamente 33% de seu efetivo4. É importante ressaltar que as mulheres vêm conquistando seu espaço nas fileiras militares e provando que são capazes de exercer a atividade no mesmo padrão que os homens e que essas vagas estão amparadas por lei segundo as normas gerais relativas a concurso público decretada pelo congresso nacional que diz no Artigo 74 dos atos contra o concurso público.
Ao ser analisado o quantitativo de Policiais Militares por idade no âmbito da unidade escolhida, observa-se uma maior frequência na faixa etária entre 30 a 39 anos de idade com um percentual de 47,83%, aparecendo na sequência a faixa de 40 a 49 anos de idade com uma participação de 36,52%. Levando em conta a média de permanência no serviço ativo da corporação, o policial vai para a reserva remunerada (aposentadoria) com aproximadamente 50 anos de idade ou 30 anos de serviço ativo, encerrando sua carreira, podendo acumular tempo de trabalho fora da corporação ou forças armadas antes do seu ingresso, passando a condição de aposentado.
Em relação a patente, foi observado no cenário da pesquisa, um percentual de aproximadamente 80,87% de praças, composto por 46,09% de soldados e 29,57% de sargentos. O grupo de oficiais foi bem mais reduzido, com um percentual de 4,34% oficiais. Totalizando 115 policiais militares entrevistados.
Dos policiais militares entrevistados, observou-se que a maioria estão com seus locais de moradia concentrados na Região da Zona Oeste 45,22%, Zona Norte 20,87% e Baixada Fluminense com 20,87%.
De acordo com os policiais entrevistados, observa-se um número bem expressivo, aproximadamente, 70,46% de policiais e familiares que nunca foram visitados pelos agentes de saúde de sua região. Considerando que o acesso a saúde na atenção básica preconiza que a visita do ACs significa uma importante estratégia do Programa Saúde da Família estreitando o vínculo do profissional de saúde com as famílias do seu território de atuação. É sabido que atenção básica aparece como de porta de entrada para o acesso à saúde de toda população e incluindo assim os profissionais da PMERJ em locais próximos as unidades Militares ou moradia dos agentes de segurança. O Programa Saúde da Família no Brasil foi criado em 1994 pelo Ministério da Saúde (MS), com o propósito de ampliar os resultados alcançados pelo Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), criado na década anterior5, embora o movimento da medicina comunitária tenha chegado ao Brasil na década de 1970, ganhando maior reforço após a Conferência de Alma-Ata e veio para ir de encontro ao modelo tradicional focado na doença e nos hospitais, passando a ser centrado nas ações de proteção e promoção da saúde do indivíduo e da família englobando adultos e crianças de forma integral e continuada.
O número de ACs por equipe de saúde da família é estimado tendo como base nos critérios populacionais, demográficos, epidemiológicos e socioeconômicos6 e cumprindo uma carga horária de 40 horas semanais, sendo este um elo entre o usuário e o serviço de saúde da família (PORTARIA Nº 2.436, DE 21 DE SETEMBRO DE 2017 (PNAB).
A Saúde da Família é uma política para reorganização da atenção básica pelo SUS, os resultados obtidos nos demonstram que é necessária uma implementação estratégica na área programática de atuação da PNAB, visando a ampliação do vínculo entre os moradores da região e os serviços de saúde fornecidos.
Os números anteriores refletem a real situação do acesso do Policial na Estratégia Saúde da Família e verificou-se que ao ser perguntado qual o seu primeiro acesso a saúde no momento da necessidade 33,04% preferem recorrer a rede privada (plano de saúde) e 30,43% preferem recorrer ao Hospital da Polícia Militar com recurso para resolver problemas de saúde e em último lugar aparece clínica particular com 4,35% de adesão a esse modelo de assistência. O olhar mais cuidaso a saúde de policiais militares e seus familiares se faz necessário devido ao fato de o adoecimento físico e mental suscetibilizar os policiais a adotarem atitudes não planejadas durante ações de crises e situações caóticas, as quais podem gerar a falta de eficácia no desempenho da profissão, expondo a população e os próprios policiais a perigos em potencial7. Nesse cenário, a saúde dos policiais militares está inclusa nos temas de grande relevância elencados pela Política Nacional de Promoção da Saúde, exigindo o estímulo a práticas saudáveis que favoreçam as condições de saúde dessa população8, além de acesso facilitado aos serviços de saúde. Uma corporação mais saudável é fundamental para que os policiais entendam as demandas sociais que direcionam as necessidades de segurança pública9 e representam, atualmente, um grande desafio ao trabalho da polícia.
Outro dado importante que foi levantado é o fato de que 60% dos pesquisados nunca utilizaram o serviço da Clínica de Saúde da Família, porém este fato pode ser explicado pela falta de segurança em relação à localização das clínicas, uma vez que o policial e os seus familiares não se sentem seguros; os dados são claros quando mostram que 40% dos entrevistados afirmaram que depende do local de instalação da clínica pelo fato de sua profissão ser de nível de periculosidade intensa e eminente, sendo que muitas vezes não se identificam como agente da lei para não sofrerem represália por parte do poder paralelo da localidade, fato esse que acontece até mesmo por disputa de facções. Ou seja, o morador da facção “A” não pode frequentar a clínica na área da facção “B” e vice-versa.
Foi evidenciado também na presente pesquisa que do total da amostra a grande maioria 74,78% dos entrevistados não conhecem o que é Estratégia de Saúde da Família e que apenas 25,22% conhecem o modelo.
As questões de segurança aparecem na pesquisa como sendo um fator impeditivo para o acesso do policial e sua família a saúde da família, como pode ser observado (figura 1), a clínica de Saúde da Família e ao fundo uma comunidade que está bem próximo a clínica. Esse dado reforça o resultado obtido no presente estudo, em que 40,86% dos entrevistados afirmaram que dependia da localidade para utilização do serviço de saúde, por questões de segurança do policial e seus familiares.
Figura 1: Clínica de Saúde da Família em área de Risco
CONCLUSÃO
O acesso a saúde da família precisa ser mais divulgado no âmbito da Polícia Militar, pois muitos dos pesquisados não sabiam do que se tratava a política e desconhecia a finalidade das clínicas de saúde da família. Além disso, houve questionamentos quanto à condição de segurança para uso. De acordo com os resultados obtidos se faz necessário um estudo aprofundado para ação dentro do aquartelamento promovendo assim um maior entendimento do assunto por parte da corporação.
REFERÊNCIAS
1MAPA, Memória da Administração Pública Brasileira. [acesso em julho de 2023]. Disponível em: http://mapa.an.gov.br/index.php/menu-de-categorias-2/307-corpo-de-guardas-municipais-permanentes-da-corte.
2MINAYO, M.C.S., SOUZA, ER., CONSTANTINO, P. Missão prevenir e proteger: condições de vida, trabalho e saúde dos policiais militares do Rio de Janeiro [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2008. 328 p. ISBN 978-85-7541-339-5.
3ARROYO, T. R., BORGES, M. A., LOURENÇÃO, L. G. (2019). Saúde e qualidade de vida de policiais militares. Revista Brasileira Em Promoção Da Saúde, 32. https://doi.org/10.5020/18061230.2019.7738.
4MOURÃO, B., LEMGRUBER, J., MUSUMECI, L., & RAMOS, S. (2016). Polícia, justiça e drogas: Como anda nossa democracia Rio de Janeiro, RJ: CESeC. 2016
5AGUIAR, Z.N. SUS – Sistema Único de Saúde: antecedentes, percurso, perspectivas e desafios. São Paulo: Martinari. 2015.
6DUARTE, D. O. PEREIRA. Atenção Primária à Saúde: Manual para Coordenadores Municipais. Diego de Oliveira Pereira Duarte. 2018.
7GUIMARÃES, LAM, MAYER VM, BUENO HPV, MINARI MRT, MARTINS LF. Síndrome de Burnout e qualidade de vida de policiais militares e civis. Revista Sul-Americana de Psicologia. 2014.
8MINISTÉRIO DA SAÚDE (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Promoção da Saúde: revisão da Portaria MS/GM nº 687, de 30 de março de 2006. Brasília, DF. 2014.
9OLIVEIRA, L.C.N, QUEMELO, P.R.V. Qualidade de vida de policiais militares. Arq Ciên Saúde. 2014.EUDO
1Discente do curso de Mestrado em Saúde da Família na Universidade Estácio de Sá, UNESA, Centro – RJ
2Docente do curso de Mestrado em saúde da Família na Universidade Estácio de Sá, UNESA, Centro – RJ