REVOCATION ACTION IN BANKRUPTCY LAW
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12797507
Autor: Cintia Aparecida Dal Rovere;
Professor Orientador: Manoel de Queiróz Pereira Calças;
Professor Orientador: Emílio Donizete.
Resumo
A ação revocatória no contexto do direito falimentar é um instituto jurídico destinado a proteger os credores contra atos prejudiciais praticados pelo falido antes da decretação da falência. Esse instrumento busca declarar a ineficácia de atos jurídicos que desviaram bens do patrimônio do devedor ou violaram a isonomia entre os credores. A monografia explora os aspectos legais e doutrinários dessa ação, destacando sua importância como ferramenta para assegurar os direitos dos credores na falência.
Keywords: Ação Revocatória. Direito de Falência. Credores. Ineficácia. Isonomia.
1. INTRODUÇÃO
Tema pouco explorado pelos doutrinadores, todavia de grande importância no seara do direito comercial, a ação revocatória no direito de falência é de fato, tema dos mais complexos e dos mais apaixonantes, razão pela qual o escolhemos como objeto de trabalho.
Atualmente, as empresas estão passando por constantes crises onde poucas conseguem realmente apresentar resultados positivos tendo em vista, problemas que vão desde a enorme carga tributária imposta pelo governo brasileiro, os encargos trabalhistas devidos em razão da legislação pátria, custo muito alto para a obtenção de recursos que possam financiar capital de giro e demais investimentos. Situação ainda agravada, em razão da abertura da economia brasileira que fez com que as empresas nacionais passassem a competir com empresas estrangeiras que não enfrentam os problemas acima mencionados, vez que estas empresas em seus países de origem encontram recursos financeiros mais baratos, uma carga tributária menor, mão de obra mais qualificada e com encargos trabalhistas infinitamente menores.
Assim, tendo por fim a superação dessas crises é que se adota a chamada solução de mercado, ou seja, outros empreendedores e investidores dispostos a prover os recursos e adotar as medidas de saneamento administrativo necessários à estabilização da empresa, isso se deve ao fato de terem verificado nela uma oportunidade de obter lucro. Caso não seja possível tal solução, em princípio, o melhor para a economia é mesmo a falência da sociedade empresária.
Com a decretação da falência da empresa surge a necessidade de assegurar os direitos dos credores desta, evitando assim que o falido intencionalmente ou não acabe favorecendo alguns de seus credores em detrimento de outros, ou mesmo pratique qualquer ato que venha prejudicar seus credores.
Sendo assim, para combater esses atos prejudiciais do falido surgiu o instituto da Ação Revocatória de Falência, cujo objetivo é declarar a ineficácia dos atos jurídicos praticados pelo comerciante antes do decreto de sua falência que resultaram em desvio de bens do patrimônio do devedor ou que causaram violação à isonomia dos credores. Nesse diapasão, esses atos serão tidos como ineficazes perante a massa falida.
Destarte, o presente trabalho tem como escopo analisar esta ação em seus diversos aspectos e características peculiares, demonstrando ser esta um poderoso instrumento à disposição dos credores para terem seus direitos assegurados. A pesquisa foi desenvolvida sob o aspecto doutrinário e legal.
2. DISTINÇÃO ENTRE A PAULIANA DO DIREITO COMUM E A REVOCATÓRIA FALENCIAL
Podemos dizer, que a ação revocatória tem origem na ação pauliana prevista no direito romano, tendo como objetivo a declaração da ineficácia dos atos jurídicos praticados pelo comerciante antes do decreto de sua falência, onde estes resultaram em desvio de bens do patrimônio do devedor ou que causaram violação à isonomia dos credores.
A ação revocatória falencial possui características próprias, não tendo relação alguma com as regras de direito civil sobre a nulidade ou anulação dos atos. Embora, o fundamento lógico da ação revocatória falencial seja, de fato, a ação pauliana do direito comum, é preciso desde logo estabelecer suas distinções1.
A ação pauliana ordinária tem por fim a revogação de atos de alienação praticados pelo devedor sobre seus bens, e não a atuação da “par conditio” entre os credores. Desta forma, não existe, fora da falência, uma norma pela qual um credor deva ser pago na mesma proporção que um outro, o que há é o princípio da anterioridade, pelo qual quem chega primeiro tem direito de se satisfazer.
Sustenta Jayme Leonel2 que:
“A revocatória, na falência, se dirige também contra os que, na qualidade de credores, tenham conseguido, durante o período da cessação dos pagamentos, uma satisfação parcial ou total de seus créditos; estes credores, se sucumbirem na experiência da prova liberatória que lhes é concedida, serão obrigados a restituir à massa aquilo que receberam, pondo-se assim em pé de igualdade com os outros”.
Enquanto a pauliana só compete aos credores, cujos títulos sejam anteriores aos atos considerados lesivos; a revocatória falencial compete ao órgão da massa falida, podendo esta ser proposta pelo síndico ou por qualquer credor, como ainda veremos, porém sempre em nome da massa. Assim, a revocatória falencial, beneficia a todos os credores indistintamente, quer os seus créditos sejam anteriores ou posteriores ao ato fraudulento, sendo a revogação sempre pedida em nome da massa.
No direito civil, o pagamento da dívida, feito ao credor prejudicado, que intentou a ação, pelo devedor ou terceiro contratante, cessa o processo revocatório, já que esta é uma medida individual. O mesmo não sucede com a revocatória do processo de falência, como acabamos de ver, pois esta é uma medida de defesa coletiva.
Na pauliana, devem ser citados como réus o devedor insolvente e a pessoa que com ele celebrou a estipulação fraudulenta, ou ainda terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé. Por outro lado, na revocatória peculiar da falência o réu será necessariamente o terceiro adquirente, ou subadiquirente, mas nunca o devedor falido; isto se deve pelo fato do falido perder, em consequência do princípio do desapossamento, o direito de comparecer pessoalmente em juízo. Deste modo, compete ao órgão da massa, representar o falido, ou melhor, a massa, como autora ou ré.
O que caracteriza realmente a ação revocatória do processo de falência, é que ela não visa apenas, como na revocatória ordinária, a obter o ressarcimento do dano, mas ainda visa a restituir as partes ao estado anterior ao ato impugnado, tendo um caráter recuperatório. Além disso, ela possibilita a ineficácia de atos simulados do falido, ao contrário do que ocorre fora da falência, onde esses atos só podem ser declarados através de ação própria.
Não podemos, todavia, deixar de notar, que todas essas características, anteriormente citadas, não afetam propriamente a substância dessas ações, ou seja, ambas continuam a ter como escopo a neutralização dos efeitos dos atos genéricos que o devedor praticar em prejuízo dos direitos de seus credores.
3. REVOCATÓRIA FALENCIAL
3.1 Nulidade, Anulabilidade ou Ineficácia dos Atos
Antes de começarmos nosso estudo, é imprescindível diferenciarmos o que vem a ser os atos jurídicos nulos, anuláveis e ineficazes3.
Ato Jurídico Nulo: é o ato jurídico inválido devido a falta de certos requisitos essenciais, ou quando a lei taxativamente os declara nulos ou lhes nega efeito. Essas nulidades são insanáveis, podem ser alegadas por qualquer interessado, pelo Ministério Público, em ação própria, em defesa, ou mesmo ser pronunciadas pelo juiz ex officio.
Ato Jurídico Anulável: o ato jurídico anulável não é nulo, existem todos os requisitos para a sua validade, porém alguns deles, defeituosamente. Ser válido é ser plena e perfeitamente formado e criado de acordo com a lei. No ato anulável não há falta de elemento, há apenas defeito de um elemento, por vício de erro, dolo, coação. Não houve falta de consentimento, houve vício no consentimento prestado. Apesar de defeituoso não deixa de produzir seus efeitos, até que seja impugnado para se obter a anulação e a invalidade. A anulabilidade insta ação com ampla prova e só se consuma com a sentença final.
Ato Jurídico Ineficaz: o ato jurídico ineficaz existe, tem validade, mas não tem efeitos. Assim, o ato ineficaz é aquele que não tem eficácia plena ou parcial, esta ineficácia pode decorrer da lei ou de sentença, na ação de revogação. A ineficácia independe de anulação ou da nulidade. Entretanto, se houver causa de nulidade ou de anulação, nada impede que sejam pleiteadas juntamente com a ação prevista para obter a ineficácia.
Feitas tais distinções passaremos a analisar o que realmente a ação revocatória falencial objetiva, ou seja, se a nulidade, anulação ou ineficácia dos atos praticados pelo falido em prejuízo de seus credores.
Muitos autores, sustentam que a ação revocatória, objetiva a nulidade do ato praticado em fraude contra credores, e acrescentam que, em certos casos, a obrigação nasce ex delicto, isto é, delituosa, se o terceiro for cúmplice da fraude, seja a título gratuito ou oneroso; já se de boa fé o terceiro, a obrigação nasce ex injusta locupletatione, visando suprimir um ganho injusto.
No entanto, a doutrina dominante, nos ensina que o objetivo da ação revocatória não é a nulidade do ato jurídico, mas sim, o reconhecimento da ineficácia deste ato. Não havendo, de fato, ato nulo, perde ele apenas eficácia perante a massa falida, mas subsiste para os contratantes.
Logo, a chamada teoria da nulidade, foi posta de lado por diversas razões, entre as quais podemos citar4:
a) o negócio jurídico atingido pela ação de nulidade já nasce viciado entre as próprias partes, ao contrário do ato impugnado pela revocatória nasce plenamente válido entre elas;
b) caso o ato seja anulado, por meio de ação de nulidade, não produzirá efeito algum mesmo entre os próprios contratantes, ao passo que, o ato atingido pela revocatória, continua a produzir todos os efeitos entre eles;
c) a ação de nulidade é promovida pelas partes que contrataram o ato nulo, enquanto que a revocatória compete aos credores do falido, ou seja, ao órgão da massa;
d) a ação de nulidade tem por fundamento ora o dolo, ora o erro, ora a violência, ora a incapacidade, já a revocatória tem por fundamento essencial a fraude.
Podemos verificar, que a lei brasileira não mais empregou as expressões “anulação” ou “nulidade”, preferiu utilizar-se dos neologismos “ineficácia” e “revogação”.
O juiz, ao pronunciar sua sentença na revocatória, não anula o ato, apenas o declara ineficaz em relação à massa. Desta forma, essa sentença só produzirá efeito em relação à massa e não ao falido, permanecendo o ato jurídico válido entre as partes.
Sampaio de Lacerda5 acrescenta que:
“Ação revocatória não atinge os atos do falido posteriores à falência, pois estes são atos nulos de pleno direito, desde que tenham referência, direta ou indireta, aos bens, interesses e obrigações compreendidos na falência, independentemente de prova de prejuízo”.
Destarte, a revocatória falencial, como dissemos anteriormente, não visa apenas obter o ressarcimento do dano, mas ainda restituir as partes ao estado anterior ao ato impugnado, possuindo assim um caráter recuperatório.
3.2 Atos Sucessivos à Decretação Judicial da Falência
A sentença declaratória de falência apenas indica o estado de fato de falência, reconhecendo, desta forma, um fato a ela anterior. Seus efeitos, não se limitam apenas ao futuro, atingem também ao passado.
Os atos praticados pelo falido, sucessivos à sentença declaratória de falência são considerados atos nulos de pleno direito, e estes são os definidos no art. 40 do Decreto-lei nº 7661/45, que dispõe in verbis:
“Art. 40 – Desde o momento da abertura da falência, ou da decretação do seqüestro, o devedor perde o direito de administrar os seus bens e deles dispor.
§1º – Não pode o devedor, desde aquele momento, praticar qualquer ato que se refira, direta ou indiretamente, aos bens, interesses, direitos e obrigações compreendidos na falência, sob pena de nulidade, que o juiz pronunciará de ofício independentemente de prova de prejuízo”.
Em relação a esses atos sucessivos, previstos no mencionado art., serão nulos de pleno direito, desde que tenham referência, direta ou indireta, aos bens, interesses e obrigações compreendidos na falência. Essa nulidade poderá ser declarada “ex officio” pelo juiz, independente de prova de prejuízo ou por provocação do síndico, ou ainda a requerimento de qualquer credor, ou do Ministério Público6. Essa nulidade não depende de ação, o juiz decide incidentalmente por decisão interlocutória.
A sentença declaratória de falência não faz com que o falido perca a propriedade dos bens, apenas determina seu desapossamento.
Jayme Leonel7, em sua brilhante obra, nos ensina que:
“Entende-se por desapossamento a impossibilidade em que fica o falido, a partir da sentença declaratória, de concluir atos de disposição ou mesmo de simples administração, oponíveis a seus credores. A gestação dos bens devolve-se à massa, representada pelo síndico ou liquidatário”.
Esta atitude visa, unicamente, a proteção dos credores do falido, colocando-os a partir daquele momento, a salvo dos efeitos dos atos que o falido vier a praticar, preservando assim suas garantias.
Logo, essa nulidade de que trata o art. 40, é todavia, relativa à massa. Assim, com o encerramento da falência, conseqüente à reabilitação ou ao cumprimento da concordata preventiva, desaparece a razão que a determinou.
Após essa análise, passaremos a traçar um breve paralelo entre esses atos sucessivos à declaração de falência, que como dito, são nulos de pleno direito e a fraude à execução, prevista em nosso Código Civil no art. 593.
Para começarmos é necessário termos uma noção do que seja fraude à execução. Esta fraude é cometida no curso do processo de execução, desta forma se torna mais evidente o intuito do devedor em lesar seus credores, em tal situação a disposição dos bens vem constituir verdadeiro atentado contra o eficaz desenvolvimento da função jurisdicional já em curso, porque lhe subtrai o objeto sobre o qual a execução deverá recair. Não há necessidade de ação para anular ou desconstituir o ato fraudulento. A lei o considera ineficaz perante o exequente8.
Podemos observar que, tanto a nulidade do art. 40 do Decreto-lei nº 7661/45 quanto a fraude à execução do Código Civil, visam preservar as garantias dos credores considerando os atos praticados pelo falido ou devedor, após a declaração de falência ou instauração de ação de execução, sem efeitos, como se não tivessem havidos perante à massa e aos credores da execução. Todavia, esses atos sucessivos, na declaração de falência são considerados nulos de pleno direito, já na fraude à execução são ineficazes. Há porém, outra peculiaridade entre esses institutos, é que ambos não necessitam de ação própria para serem reconhecidos nulos ou ineficazes, são decididos pelo juiz incidentalmente, por decisão interlocutória, podendo até ser decretada ex officio pelo juiz.
Desta forma, a nulidade a qual nos referimos, possui o mesmo escopo da fraude à execução, apenas diferindo no tocante aos atos praticados, onde são considerados, respectivamente, nulos e ineficazes.
Passaremos agora a tratar dos efeitos da sentença declaratória de falência em relação aos atos praticados pelo falido anteriores a esta.
Como observamos, a sentença declaratória de falência atinge também ao passado, quando recusa efeitos a certos atos praticados pelo falido em época que a lei presume de desequilíbrio econômico. Isso se deve, ao fato de que esse estado de colapso patrimonial decorre necessariamente, de um período de incubação, onde o devedor procura através de vários atos, evitar o marasmo9.
Em razão disso, como já exposto anteriormente, tendo em vista a ineficácia desses atos prejudiciais praticados pelo falido e a preservação da igualdade entre os credores, é que nosso ordenamento pátrio criou o instituto da Ação Revocatória.
A declaração de ineficácia pressupõe que o ato jurídico tenha sido praticado antes da decretação da falência ou da decretação do seqüestro, caso este tenha sido preliminarmente concedido.
Por outro lado, o § 2º do art. 40 já mencionado, consagra uma exceção que dispõe, in verbis:
“§ 2º – Se, entretanto, antes da publicação da sentença declaratória da falência ou do despacho de seqüestro, o devedor tiver pago no vencimento título a ordem por ele aceito ou contra ele sacado, será válido o pagamento, se o portador não conhecia a falência ou o seqüestro, e se, conforme a lei cambial, não puder mais exercer utilmente os seus direitos contra os coobrigados”.
Além dessa exceção acima aludida, a falência não afetará os bens impenhoráveis, bem como, a administração dos bens próprios e particulares da mulher e dos filhos do falido, os quais não poderão ser arrecadados.
Para concluirmos, não podemos deixar de observar, que as garantias pessoais ou reais prestadas por terceiros à obrigação do falido são absolutamente válidas.
3.3 Termo Legal e Período Suspeito
A falência é um estado de fato, consistente em tese, na insolvência, que pode ser caracterizada ora pela impontualidade no pagamento de obrigação líquida e certa, ora pela ocorrência de fatos que revelam a situação patrimonial desesperadora do devedor. Como já vimos, a sentença judicial não cria, apenas declara o estado de falência, razão pela qual é chamada de sentença declaratória10.
É natural que, o devedor sentindo aproximar-se o dia em que pela falência será desapossado de seus bens e privado da administração deles, tente por meios diversos, evitá-la ou mesmo adiá-la. Contudo, em virtude do desespero acaba realizando operações ruinosas, agravando ainda mais sua situação. E normalmente acaba cedendo à pressão dos credores mais exigentes, reembolsando-os de preferências, mesmo com perdas concede-lhes garantias especiais, em troca de dilações. Muitas vezes, o devedor acaba ocultando ou desviando parte do ativo em proveito próprio.
Logo, tendo em vista proteger os credores desses atos praticados pelo devedor antes da falência, que nossa lei tratou da ineficácia de tais atos.
Em decorrência disso, surgiu as expressões “termo legal” e “período suspeito”, tendo como finalidade, delimitar qual seria o período anterior a ser atingido pelos efeitos da sentença declaratória de falência.
Muitos autores, tomam a expressão “termo legal” como sinônimo de “período suspeito”, porém ao nosso ver erroneamente, pois estas são distintas.
O termo legal é fixado pela sentença declaratória de falência, conforme dispõe o art. 14 § único, III do Decreto-lei nº 7661/45, in verbis:
“Parágrafo único: A sentença que declarar a falência:
III – Fixará, se possível, o termo legal da falência, designando a data em que se tenha caracterizado esse estado, sem poder retrotraí-lo por mais de sessenta dias, contados do primeiro protesto, por falta de pagamento, ou do despacho ao requerimento inicial da falência (arts. 8º e 12), ou da distribuição do pedido de concordata preventiva”.
De acordo com o ordenamento pátrio, termo legal é o período que vai da sentença declaratória de falência até o momento em que, primeiro, se tenha objetivado qualquer dos fatos característicos do estado de falência, ou seja, a data em que esse estado se tenha caracterizado. Entretanto, o juiz não pode retrotraí-la por mais de 60 dias, contados daquele em que foi interposto o primeiro protesto por falta de pagamento, se não houver protesto, a fixação será de até 60 dias da data do despacho que defere o requerimento inicial da falência, ou no caso de concordata preventiva até 60 dias da distribuição do pedido da mesma11.
Leciona Rubens Requião12 que:
“Se o juiz, todavia, não puder de imediato fixar o prazo ou pretender retificá-lo, em face de novos elementos colhidos no processo, deverá fazê-lo até a apresentação do relatório do síndico. O juiz, pode, portanto, após a fixação do termo legal, alterá-lo, retificando-o”.
Todavia, pode acontecer de um credor estar com um título vencido e acabar levando a protesto muito tempo depois, neste caso o termo legal fixado pelo juiz, segundo a regra legal, não coincidirá absolutamente com a data em que, por atos inequívocos, se positivara o estado de falência. Esse estado, neste exemplo, preexiste ao termo legal.
Pois bem, é aí que reside a diferença entre o “termo legal” e o “período suspeito”. O período suspeito, muitas vezes, se estende além do termo legal. Nesse sentido, os dois coexistem simultaneamente, aliás é o que se verifica na prática.
Logo, o período mencionado no exemplo dado é que receberá o nome de período suspeito. Diz-se suspeito, porque gera a desconfiança em relação aos atos praticados pelo devedor quando seu estado de falência não declarada já havia se manifestado13.
Quanto ao período suspeito, comenta Sampaio de Lacerda14 que:
“Seu conceito é essencialmente cronológico e compreende dois casos enumerados na lei (art. 52, nº IV e V): a de atos praticados pelo devedor, a título gratuito desde dois anos antes da declaração de falência, salvo os referentes a objetos de valor inferior a Cr$ 1,00 e os de renúncia à herança ou legado feito no mesmo prazo”.
Data venia, ao nosso ver, além dos casos citados, estão também incluídos no período suspeito os atos praticados com a intenção de prejudicar credores, provando-se a fraude do devedor e do terceiro com que ele contratar, pois tais atos podem ter sido praticados fora do termo legal e nem por isso evitam sua revogação.
4. ATOS INEFICAZES E ATOS REVOGÁVEIS
4.1 Atos Ineficazes
Os atos praticados pelo comerciante no termo legal da falência ou no período suspeito são ineficazes em relação a massa falida, mesmo que o outro contratante tivesse ou não conhecimento do estado econômico do devedor, e este tivesse, ou não, a intenção de fraudar os credores.
A ineficácia do ato é objetiva, decorre da simples circunstância do ato ter sido praticado no período legal, ou seja, resulta exclusivamente da sua incidência na hipótese prevista na lei. Não há que se indagar da intenção das partes, desta forma, por uma ficção legal, a fraude nesses casos será presumida.
Os atos ineficazes estão previstos no art. 52 do Decreto-lei nº 7661/45, muitos deles justificam o pedido de falência do devedor com fundamento no art. 2º da lei, que também afasta, quase sempre, a necessidade da prova da intenção de prejudicar15.
“Art. 52 – Não produzem efeitos relativamente à massa, tenha ou não o contratante conhecimento do estado econômico do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores:
I – O pagamento de dívidas não vencidas realizado pelo devedor dentro do termo legal da falência, por qualquer meio extintivo do direito de crédito, ainda que pelo desconto do próprio título.
II – O pagamento de dívidas vencidas e exigíveis realizado dentro do termo legal da falência, por qualquer forma que não seja a prevista pelo contrato.
III – A constituição de direito real de garantia, inclusive a retenção, dentro do termo legal da falência, tratando-se de dívida contraída antes desse termo; se os bens dados em hipoteca forem objeto de outras posteriores, a massa receberá a parte que devia caber ao credor da hipoteca revogada.
IV – A prática de atos a título gratuito, salvo os referentes a objetos de valor inferior a Cr$ 1.000, desde dois anos antes da declaração da falência.
V – A renúncia a herança ou a legado, até dois anos antes da declaração da falência.
VI – A restituição antecipada do dote ou a sua entrega antes do prazo estipulado no contrato antenupcial.
VII – As inscrições de direitos reais, as transcrições de transferência de propriedade entre vivos, por título oneroso ou gratuito, ou a averbação relativa a imóveis, realizadas após a decretação do seqüestro ou a declaração da falência, a menos que tenha havido prenotação anterior; a falta de inscrição do ônus real dá ao credor o direito de concorrer à massa como quirografário, e a falta da transcrição dá ao adquirente ação para haver o preço até onde bastar o que se apurar na venda do imóvel.
VIII – A venda, ou transferência de estabelecimento comercial ou industrial, feita sem o consentimento expresso ou pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo restado ao falido bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se, dentro de trinta dias, nenhuma oposição fizeram os credores à venda ou transferência que lhes foi notificada; essa notificação será feita judicialmente ou pelo oficial do registro de títulos e documentos”.
O art. 52, acima transcrito, é taxativo quanto às suas hipóteses.
Passaremos agora a estudar cada uma dessas hipóteses.
4.1.1 Pagamento de dívidas não vencidas
O inciso I do art. 52, tem como ineficaz em relação à massa falida, o pagamento feito pelo falido, por qualquer meio extintivo da obrigação, ainda que pelo desconto do próprio título, de dívidas não vencidas, dentro do termo legal da falência.
Verificamos então, que neste caso exigem-se alguns elementos essenciais: que haja pelo falido pagamento de dívida vencida; esta ter sido feita dentro do termo legal; e que seja qualquer o meio ou forma de pagamento. Desta forma, exclui-se do campo de incidência todo ato em que não ocorra um desses elementos.
O pagamento de dívidas não vencidas é pagamento feito por antecipação, constituindo assim, liberalidade em favor de um credor, evitando que o mesmo fique subordinado à falência, ainda mais quando essa já se denunciava, ou seja, haverá assim, violação do princípio da igualdade dos credores, não importando a intenção16.
As expressões “pagamento” e “dívida” devem ser entendidos no sentido geral. A primeira refere-se a qualquer modo de extinção da obrigação, e a segunda, diz respeito não só a obrigação de pagamento de uma soma em dinheiro, mas a toda a obrigação de dar coisas fungíveis e mesmo indeterminadas. Idêntica é a situação que ocorre, de acordo com a lei, com o desconto de títulos.17
Segundo Sampaio de Lacerda18, temos que:
“Dividas não vencidas a que se refere a lei são aquelas que não podem ser exigidas judicialmente, ou melhor, as desprovidas de ação no momento, quer sejam quirografárias, quer sejam privilegiadas”.
Nesse diapasão, são suscetíveis de ineficácia, tanto as dívidas quirografárias, como as privilegiadas, uma vez que a lei não faz, a respeito, nenhuma distinção. Além do que, ambas ocasionam desigualdades entre os credores, já que pode ocorrer que vários credores tenham como garantia um mesmo bem, e neste caso o pagamento feito a um desses pode acarretar prejuízos aos demais.
Incluem-se ainda, de acordo com a lei, os pagamentos feitos com descontos ou abatimentos, pois embora possa constituir uma vantagem para o patrimônio do falido, nem sempre traz a correspondente compensação para a massa dos credores, já que no rateio podem eles receber quantias com percentagens inferiores ao desconto obtido pelo credor antecipadamente pago, quebrando, outrossim, a igualdade que deve predominar entre eles.
4.1.2 Pagamento de dívidas vencidas
O inciso II do art. 52, prescreve que são ineficazes os pagamentos de dívidas vencidas e exigíveis realizados pelo devedor, dentro do termo legal, por qualquer meio que não seja em dinheiro ou na coisa devida pelo contrato, ou em efeitos comerciais, vale dizer, que não seja feito na forma convencionada no contrato.
Devemos observar que, em relação às dividas vencidas e exigíveis não há como se atacar a atitude do devedor efetuando o pagamento respectivo, desde que cumpra assim uma obrigação assumida e que obedeça à forma prevista no contrato. Não importa a forma pelo qual este pagamento seja realizado, isto é, em dinheiro, efeitos comerciais, em mercadorias, em remessas em conta corrente, ou em qualquer outra modalidade, se atender a forma prevista no contrato, como prescreve a lei19.
Poderá estar sujeito à revocabilidade o pagamento de dívidas vencidas feito pelo devedor que, ciente da existência de outros débitos vencidos a pagar, líquida uns, deixando de liquidar outros. Logo, essa preferência dispensada ao credor beneficiado efetivamente o coloca em posição privilegiada perante aos demais credores, ficando, destarte, derrogado o princípio geral da mais perfeita igualdade entre os credores20.
Não poderá se admitir como válidos os pagamentos feitos de modo anormal, tais como a dação em pagamento ou a cessão do crédito ou mesmo em mercadorias quando neste caso não estiver convencionado, tendo- se em vista, o princípio de direito segundo o qual as obrigações se resolvem em conformidade com a convenção das partes.
Em qualquer desses casos, é imprescindível acentuar que, o termo legal é o fator decisivo da ineficácia. Fora deste termo, o ato só poderá ser declarado ineficaz caso se prove a fraude de ambos os contratantes, nos termos do art. 53 do Decreto-lei nº 7661/45.
Há, todavia, na lei, a consagração da validade de um pagamento, se, antes da publicação da sentença declaratória de falência ou do despacho de seqüestro, o devedor tiver realizado no vencimento de título à ordem por ele aceito ou contra ele sacado, caso o portador não tenha conhecimento da falência ou do seqüestro e se, de acordo com a lei cambial, não puder mais exercer utilmente os seus direitos contra os coobrigados (art. 40, § 2º do Decreto-lei nº 7661/45)21.
4.1.3 Constituição de direito real de garantia
A lei declara ineficaz, em relação à massa falida, nos termos do inciso III, do art. 52, a constituição de direito real de garantia, inclusive a retenção, dentro do termo legal da falência, tratando-se de dívida contraída antes desse termo; se os bens dados em hipoteca forem objeto de outras posteriores, a massa receberá a parte que devia caber ao credor da hipoteca revogada.
Com esse dispositivo a lei impede que o credor obtenha do devedor, nas vésperas da falência, dentro de seu termo legal, vantagens para garantir dívida contraída antes desse termo. Logo, as antigas dívidas quirografárias não poderão ter seu pagamento assegurado, à última hora, pela constituição de garantia de direito real de garantia.22 Visou a lei mais uma vez resguardar o princípio da par condicio creditorum, que a lei pretende que seja fielmente mantido. Incluí-se também neste caso, a retenção constituída pelo devedor dentro do termo legal da falência, para dívidas contraídas antes desse termo, tenha ou não o credor conhecimento do estado econômico do devedor, seja ou não intenção de fraudar os seus credores.
Verificamos então, que dois são os requisitos para que não possam produzir efeitos relativamente à massa: a data em que se originou a dívida, que deve ser anterior ao termo legal; e a data em que foi constituída a garantia, se dentro do termo legal. Daí por que se a hipoteca foi validamente constituída, ou porque nasceu com a dívida, no próprio, período suspeito da falência, ou porque, mesmo garantindo dívida anterior, fora celebrado antes desse período, a inscrição pode ser realizada em qualquer tempo antes da declaração da quebra, ainda no seu termo legal.
Nesse diapasão, se dentro do termo legal, o devedor contrair um empréstimo e, no mesmo ato, garantir esse empréstimo com uma hipoteca ou anticrese, esse ato não será ineficaz, tendo em vista, que a lei não impede que o devedor lute até o fim, na tentativa de salvar-se dos tentáculos da insolvência.
Quanto a garantia dada em reforço, esta não será válida, se o reforço for efetuado dentro do termo legal da falência, e referir-se a de garantia real anteriormente constituída. Se a garantia real anterior e legitimamente constituída se demonstra insuficiente, o credor poderia ser tentado a obter do devedor um reforço da garantia real. Desta forma, se tal ocorresse dentro do termo legal da falência, o direito real de garantia, constituído como reforço, seria ineficaz. Todavia esse ato não afeta a garantia anterior legalmente concedida23.
Nesse sentido, não pode o credor pedir reforço da garantia se, desde o começo, o valor dos bens era inferior à dívida. Assim, a insuficiência deve ser superveniente para concedê-lo. O reforço deve reputar- se válido se tiver sido previsto anteriormente no contrato e se for exigido de acordo com os preceitos da lei.
Jayme Leonel24 enumera os princípios que justificam o pedido de reforço, mesmo em face da insolvência do devedor:
“a) Que o reforço tenha sido previsto no contrato;
b) que a garantia anterior se tenha tornado INSUFICIENTE, pouco importando a causa dessa insuficiência;
c) que a insuficiência seja SUPERVENIENTE, isto é, tenha ocorrido após a constituição da garantia;
d) a hipoteca, ou outra garantia real, constituída dentro do termo legal, mas em cumprimento de promessa feita por ocasião de constituir-se a dívida contraída antes do termo”.
Para que tenha validade a garantia real prevista no item “d”, acima aludido, é necessário que a promessa conste de escritura pública, ou escrito particular, registrado no registro de títulos, ou autenticado por tabelião, de modo a excluir-se a possibilidade de ser apresentado um documento antedatado.
Caso, dentro do termo legal da falência, o devedor constituir hipoteca, em garantia de dívida anterior, e, em seguida, constituir segunda hipoteca, dentro do termo legal, para garantia de dívida contraída no mesmo ato, não produzirá aquela primeira hipoteca efeitos contra a massa, ficando esta sub-rogada nos direitos hipotecários do primeiro credor25.
Não podemos deixar de observar que, poderá um terceiro agindo como interveniente, oferecer, mesmo dentro do termo legal da falência, garantia real para assegurar o pagamento de um débito do devedor, sendo este dotado de plena validade, já que em nada enfraquecerá o patrimônio do devedor.
Por fim, temos que analisar o art. 823 do Código Civil, que declara nulas, em benefício da massa, as hipotecas celebradas em garantia de débitos anteriores, nos quarenta dias precedentes à declaração da quebra ou à instauração do concurso de credores. O preceito civil se refere à nulidade, enquanto que a Lei de Falências se refere apenas à perda da efeitos, todavia o art. 823 faz alusão à nulidade, mas essa em benefício da massa. Nota-se então, que o Código Civil apenas usou inadequadamente a expressão “são nulas”,
pois no caso não há nulidade plena, mas somente ineficácia do ato em relação à massa falida. Em que pese ao prazo de quarenta dias aludido no art. 823, do Código Civil, este há de se ajustar ao termo legal da falência, cuja lei lhe é posterior26.
4.1.4 Prática de atos a título gratuito
A lei fulmina de ineficácia, em relação à massa falida, nos temos do inciso IV do art. 52, a prática de atos a título gratuito, desde dois anos antes da declaração da falência, salvo os referentes a objetos de valor inferior a Cr$ 1.000,00. A lei, nesta hipótese, não utiliza o prazo do termo legal da falência, fixando assim o período suspeito em dois anos.
O termo “prática”, usado no texto legal, não deve ser tomado no sentido de uso, hábito ou freqüência, mas sim no de execução de atos daquela natureza. Nesse sentido, atos a título gratuito são aqueles pelos quais alguém confere a terceiros direitos patrimoniais sem receber a contraprestação correspondente ou sem ter para isso obrigação legal. Assim, a razão determinante da ineficácia desses atos é o injusto enriquecimento do terceiro beneficiado27.
Estão incluídos neste dispositivo não só as doações, a renuncia à herança, a restituição do dote, como também a renúncia à prescrição consumada.
Observa Sampaio de Lacerda28 que:
“Incluem-se ainda os chamados negotia mixta cum donatione, isto é, aqueles atos gratuitos que participam de contratos onerosos, como, por exemplo, a permuta de objetos de grande valor por outro de menor valor, com o propósito de uma das partes enriquecer-se com a diferença. Constituem-se liberalidades disfarçadas e que precisam ser esclarecidas suficientemente em cada caso concreto”.
A lei, todavia, abre exceções, entre as quais os atos que digam respeito a objetos de valor inferior a Cr$ 1.000,00, quantia que perdeu a relevância em razão da inflação e desvalorização da moeda brasileira. Todavia, excluem-se as pensões alimentícias prestadas decorrentes da relação de parentesco, a caução, ou hipoteca legal inscrita pelo marido em garantia da restituição do dote, já que são atos executados em obediência à lei29.
Serão válidos também, os atos que não trouxerem nenhuma diminuição do patrimônio do falido, os que forem praticados no interesse do próprio comércio, como as gratificações a empregados, os presentes a clientes ou fregueses, e ainda, todo e qualquer ato gratuito que tenha sido praticado há mais de dois anos da declaração judicial da falência.
Por fim, no caso do ato ter sido praticado ao tempo em que o devedor não exercia o comércio, este tornar-se-á irrevogável.
Além deste inciso acima aludido, encontram-se no mesmo caso, como ineficazes os atos enumerados nos incisos V e VI do art. 52 que prescreve, in verbis:
“V – A renúncia a herança ou a legado, até dois anos antes da declaração da falência.
VI – A restituição antecipada do dote ou a sua entrega antes do prazo estipulado no contrato antenupcial”.
Esses atos são igualmente considerados a título gratuito e, por esta razão, se ocorridas as hipóteses previstas na lei, são ineficazes em relação à massa, independentemente da prova da fraude do devedor.
A restituição antecipada do dote também perdeu a importância pela falta de utilização.
A renúncia à sucessão, legado ou usufruto, importa em alienação a título gratuito, já que quem renuncia abre mão de um direito sem auferir nenhuma vantagem. A restituição antecipada do dote, ou sua entrega antes do prazo, equivalem a uma verdadeira doação, que, como afirmamos acima, perdeu a relevância30.
4.1.5 Inscrição de direitos reais
São também considerados ineficazes perante a massa o disposto no inciso VII, do Art. 52, que declara, in verbis:
“VII – As inscrições de direitos reais, as transcrições de transferência de propriedade entre vivos, por título oneroso ou gratuito, ou a averbação relativa a imóveis, realizadas após a decretação do seqüestro ou a declaração da falência, a menos que tenha havido prenotação anterior; a falta de inscrição do ônus real dá ao credor o direito de concorrer à massa como quirografário, e a falta da transcrição dá ao adquirente ação para haver o preço até onde bastar o que se apurar na venda do imóvel”.
Nesse sentido, deve ser providenciada prontamente qualquer inscrição de ônus reais, pois com a decretação do seqüestro ou a declaração da falência, o credor terá, caso não tenha realizado, sua situação modificada na falência, sem qualquer privilégio, figurando apenas como mero quirografário. O mesmo ocorre no caso das transcrições de transferência de propriedade entre vivos, por título oneroso ou gratuito, onde caso não seja providenciada prontamente, o interessado ficará restrito à ação para haver o preço até onde bastar o que se apurar com a venda do imóvel ou, se preferir, a habilitar-se como quirografário na falência31.
Porém, sobrevindo a falência ou a insolvência do alienante, entre a prenotação do título e a sua transcrição, por atraso do oficial ou dúvida julgada improcedente, far-se-á, não obstante, a transcrição exigida, que retroage, nesse caso, à data da prenotação. Se ao tempo da transcrição o imóvel ainda não tiver sido pago, o adquirente, logo que for notificado da falência ou tenha conhecimento da insolvência do alienante, depositará o preço em juízo.
Devemos esclarecer que pouco importa a data dos títulos, seja ela mesmo bem anterior à declaração de falência, pois se não for providenciada a transcrição, a inscrição ou a averbação antes da declaração da falência ou da decretação do seqüestro, serão eles ineficazes em relação à massa.
Todavia, a respeito da regra deste art. 52, inciso VII, surge uma questão de direito muito importante e que tem sido alvo de grande controvérsia, a qual seja se este dispositivo teria sido ou não revogado pelo art. 215 da Lei de Registros Públicos, que dispõe, in verbis:
“Art. 215 – São nulos os registros efetuados após sentença de abertura de falência, ou do termo legal nela fixado, salvo se a apresentação tiver sido fita anteriormente”.
Em princípio, já é possível notar a contradição, ao menos aparente, presente diante desses dois dispositivos legais; assim, em que pese o art. 215 da Lei de Registros Públicos declarar como nulo o registro, o dispositivo falimentar considera-o como ineficaz.
Destarte, é evidente que essa contradição não pode ser admitida, pois acabaria colocando em risco nosso sistema de Direito Positivo. Logo, é indispensável que exista uma harmonia entre os textos, para que se possa chegar em uma unidade de entendimento.
Tendo em vista, ser o art. 215 da Lei de Registros Públicos norma procedimental, de natureza meramente instrumental, destinada à autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, certamente não poderia de forma alguma contrariar dispositivo assecuratório de direito, mudando a natureza deste. Ao contrário, quanto ao dispositivo falimentar, este é considerado como norma de Direito material já que estatui imperativamente uma restrição ao direito das partes32.
Nesse diapasão, o dispositivo instrumental do art. 215, não poderia extrapolar, agravando excessivamente a situação jurídica do registro, transformando-o de ineficaz em nulo. Isso se deve ao fato de que a lei instrumental apenas atua como acessória da lei material, complementando-a.
Acrescenta Waldírio Bulgarelli33 que:
“Exemplifique-se com a idéia de que, por si mesma, a lei instrumental não teria por que declarar nulo o registro nas condições que especifica, não fosse a existência da Lei Falimentar e o dispositivo restritivo do art. 52, VII. Se a Lei Falimentar entendeu suficiente a ineficácia, ao dispositivo regulamentar-instrumental não caberia agravá-la, substituindo a ineficácia pela nulidade”.
Assim, o entendimento que chegamos é de que a Lei de Registros Públicos utilizou da expressão nulo querendo referir-se a não produção de efeitos.
Como já foi possível observar, o art. 52 citado enumera várias hipóteses legais referidas umas ao termo legal e outras à data da sentença de decretação da falência, assim sendo, o art. 215 referiu-se de forma genérica às hipóteses contidas no art. 52, abrangendo-as todas, em seu enunciado conjunto da data da sentença e do termo legal, para tanto o fez através da partícula OU, utilizando como elemento literal auxiliar do interprete34.
Desta forma, sendo ambas as hipóteses abrangidas pelo art. 215, ou seja, tanto a sentença de decretação da falência quanto o termo legal, mister se faz, para saber quando utilizar uma ou outra, ajustá-la ao rol do art. 52 da Lei de Falências.
Observa Waldírio Bulgarelli35 que:
“Se ambas as hipóteses foram referidas pelo art. 215 (não se pode admitir que a data da sentença de quebra seja ociosa, nem que seja a principal só por ser mencionada anteriormente à do termo legal), para se saber quando se invocar uma ou outra, basta ajustá-las ao rol do art. 52 da Lei Falimentar: assim, quando se tratar de constituição de direito real de garantia – o que implica em registro – para verificar da sua ineficácia, há de se indagar se foi feito dentro do termo legal da falência, e se positivo, então incidirá no disposto no art. 215, na hipótese, ‘termo legal da falência’. Já se se tratar de transferência de propriedade, prevista no inc. VII do art. 52, então incidirá na data da declaração da falência”.
Nessa linha de pensamento, tem sido pacífico o entendimento, tanto por parte da doutrina quanto da jurisprudência, de que o registro é valido se feito antes da decretação do seqüestro ou da declaração da falência, mesmo que tenha ocorrido dentro do termo legal.
Destarte, não houve revogação nem alteração do art. 52 da Lei de Falências devendo, portanto, o art. 215 da Lei de Registros Públicos ser interpretado em harmonia com aquele, ficando assim inalterado os dispositivos do primeiro, inclusive seu inciso VII.
Acerca desse entendimento, vejamos interessante jurisprudência, in verbis:
“AÇÃO REVOCATÓRIA. LEI DE FALÊNCIAS (ART. 52, VII). LEI DE REGISTRIS PÚBLICOS (ART. 215). O art. 52, VII, da Lei Falimentar não foi revogado pelo art. 215 da Lei de Registros Públicos. Interpretação do último dispositivo de forma a compatibilizá-lo com o sistema de nulidades do Código Civil e de ineficácia de atos do pedido relativamente à massa. Recurso conhecido e provido (STJ, 3ª T.; Rec. Esp. nº 295-SP, DJU, 05.02.89, p/ 454, seção I, ementa)”.
4.1.6 Venda ou transferência de estabelecimentos comerciais
O inciso VIII do Art. 52 dispõe que, in verbis:
“VIII – A venda, ou transferência de estabelecimento comercial ou industrial, feita sem o consentimento expresso ou pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo restado ao falido bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se, dentro de trinta dias, nenhuma oposição fizeram os credores à venda ou transferência que lhes foi notificada; essa notificação será feita judicialmente ou pelo oficial do registro de títulos e documentos”.
O estabelecimento comercial constitui um conjunto de elementos materiais e imateriais através dos quais o comerciante explora determinada atividade comercial. Pode haver por parte do comerciante a exploração de diversos estabelecimentos, onde todos constituirão o patrimônio do comerciante, servindo assim como garantia a todos os seus credores. O estabelecimento comercial não tem personalidade jurídica, ajustando-se desta forma ao conceito de universalidade de fato, consequentemente não possui débitos próprios nem é capaz de assumir obrigações e adquirir direitos36.
O comerciante pode naturalmente vender seu estabelecimento, todavia o que se veda é que com tal atitude acabe desfalcando seu patrimônio. Destarte, será ineficaz perante à massa, a venda ou transferência do estabelecimento comercial, se não restarem ao falido bens suficientes para solver seu passivo, salvo se todos seus credores, ao tempo existentes, consentiram ou receberam o que lhes era devido ou mesmo, se dentro de trinta dias, nenhuma oposição fizeram em relação à venda ou transferência que lhes foi notificada judicialmente ou pelo oficial do registro de títulos e documentos, presumindo-se assim a concordância tácita por parte dos credores. Essa notificação é pessoal37.
Não podemos esquecer que a simples venda de componentes do estabelecimento comercial, desde que não o inutilize como instrumento de atividade do comerciante, ou não enfraqueça de tal forma seu patrimônio que o passivo ultrapasse o ativo, não incidirá na vedação legal.
4.2 Atos Revogáveis
Em que pese a doutrina majoritária utilizar a expressão “atos revogáveis” entendemos que há uma impropriedade quanto a este termo, tendo em vista que estamos diante de ineficácia e não de revogação, como já exposto anteriormente.
Temos assim, outros casos de atos ineficazes cuja ação revocatória será proposta com base no art. 53 do Decreto-lei nº 7661/45 que dispõe, in verbis:
“Art. 53 – São também revogáveis, relativamente à massa, os atos praticados com a intenção de prejudicar credores, provando-se a fraude do devedor e do terceiro que com ele contratar”.
Destarte, a ação revocatória irá objetivar o reconhecimento da ineficácia subjetiva do ato praticado, sendo assim, para que os atos sejam considerados ineficazes mister se faz a coexistência de dois elementos que lhe são essenciais: o objetivo – eventus damni, ou seja, o prejuízo sofrido pelos credores; e o subjetivo – consilium fraudis, isto é, a intenção de prejudicar que consiste na fraude do devedor e do terceiro que com ele contratou.
Com isso, é possível verificar claramente o que difere essa ineficácia subjetiva da ineficácia objetiva tratada anteriormente (art. 52), tendo em vista que nesta é indiferente a fraude.
Neste diapasão, a ação revocatória com fundamento no art. 53 possui grande afinidade com a ação pauliana do direito civil. Nessa linha de pensamento, muitos doutrinadores sustentam serem estas ações idênticas, data venia, como já demonstrado anteriormente, muitas diferenças existem entre elas.
Há o intuito de fraudar, quando o devedor conhecendo o estado crítico de seus negócios, ou seja, sabe que é insolvável e, acaba aumentando a sua insolvabilidade à medida que pratica, que consuma os atos idealizados, lesando, consequentemente os direitos de seus credores. Desta forma, basta para caracterizar a fraude o prejuízo conscientemente causado aos credores.38
A prova do prejuízo decorre da própria sentença declaratória de falência, não podendo se admitir que o terceiro pretenda provar a suficiência do ativo para evitar as conseqüências da ação revocatória, assim, enquanto perdurar a falência não se pode conhecer, exatamente, a extensão do passivo do devedor39.
Ineficazes são, portanto, todos os atos jurídicos praticados com o concurso de vontade do devedor, que tenham por efeito uma efetiva diminuição de seu patrimônio, provada a fraude de ambos os contraentes. Logo, a fraude deverá ser provada, pois dessa prova decorre o tratamento que será dispensado aos contraentes, em que pese, todavia, bastar para tanto presunções graves, certas e concludentes; não ficando o juiz adstrito às regras de direito quanto a essa prova.
A má-fé por parte do terceiro que com o devedor contratou é caracterizada pelo conhecimento que este terceiro tinha da intenção do devedor em prejudicar seus credores e no seu acumpliciamento com este, para aquele fim. O terceiro que tiver motivos para conhecer o estado de insolvência do devedor, não poderá alegar que o ignorava.
Destarte, se ficar provada a fraude dos contraentes do ato impugnado, o terceiro será obrigado a restituir a coisa desviada do patrimônio do devedor comum, com o acréscimo dos frutos, incluídos os que, por culpa sua, deixar de perceber, desde o momento em que se constituir de má-fé, ou seja, desde a data em que o ato fraudulento foi praticado. Entretanto, quanto aos terceiros de boa-fé ficará resguardado o direito a propor ação de perdas e danos a todo o tempo contra o falido40.
Não se deve considerar fraudulento e ineficaz, o ato praticado pelo devedor no interesse e com o consentimento de todos os credores. No caso do devedor que procede a venda do seu ativo, embora, a preço ruinoso, e paga integralmente a todos os credores então existentes, não caberá aos credores sucessivos pleitear a ineficácia desses atos, tendo em vista a inexistência deles àquele tempo, não figurando assim como vítimas da fraude. Todavia, se com o produto da venda só forem pagos alguns credores, ou mesmo, se forem pagos todos, contudo, parcialmente, este ato poderá ser julgado fraudulento e considerado ineficaz, salvo se tal ato tenha sido realizado com a anuência de todos os credores e o devedor não tenha desviado parte do produto em fins estranhos ao seu destino41.
Quanto aos atos gratuitos, também será necessária a prova da fraude, a menos que estes atos tenham sido realizados no período de dois anos anteriores à declaração da falência, pois neste caso independe a ineficácia do ato da comprovação da fraude, como já foi visto anteriormente no Art. 52 do Decreto-lei nº 7661/45.
5. EFEITOS DA AÇÃO REVOCATÓRIA
A ação revocatória traz, como conseqüência, a restituição à massa dos bens em espécie com todos os acessórios, não sendo isso possível, dar-se-á a indenização, conforme dispõe o art. 54 do Decreto-lei nº 7661/45, in verbis:
“Art. 54 – Os bens devem ser restituídos à massa em espécie, com todos os acessórios, e, não sendo possível, dar-se-á a indenização.
§ 1º – A massa restituirá o que tiver sido prestado pelo contraente, salvo se do contrato ou ato não auferir vantagem, caso em que o contraente será admitido como credor quirografário.
§ 2º – No caso de restituição, o credor reassumirá o seu anterior estado de direito e participará dos rateios, se quirografário.
§ 3º – Fica salva aos terceiros de boa-fé a ação de perdas e danos, a todo tempo, contra o falido”.
Devemos entender, que o art. acima aludido, refere-se a restauração do estado jurídico anterior ao ato. Isso pode ser obtido, tanto com a volta à massa falida das coisas ou valores que saíram do patrimônio do devedor, como com o simples restabelecimento da situação anterior, caso a natureza do ato, não permita qualquer restituição, como ocorre em face de ineficácia de remissões de dívidas, de garantias reais ou pessoais42.
A restituição deverá ser feita com todos os acessórios, ou seja, frutos, produtos, rendimentos e as benfeitorias. Só caberá indenização quando for impossível efetuar-se a restituição, essa indenização consistirá em uma quantia em dinheiro equivalente ao exato valor dos bens que deveriam ser restituídos, também caberá indenização se a impossibilidade for resultante de deterioração do bem ou de perda dele por caso fortuito, todavia se provado o dolo que caracterizou o ato43.
Conforme ensinamentos de Jayme Leonel44, a ineficácia do ato fraudulento se subordina à diversas regras:
a) As vantagens produzidas refletem-se em favor de toda a massa, uma vez que, na falência, a revocatória visa a proteção coletiva.
b) O ato é tido como ineficaz conforme a necessidade, em face disso, pode o terceiro evitar sua ineficácia, oferecendo à massa o valor do prejuízo dos credores. Se os credores no rateio, em conseqüência da ineficácia, tiverem o pagamento integral de seus créditos, o escopo da ação terá sido alcançado. Todavia, somente poderá ser verificado este resultado à medida em que se puder conhecer a extensão do passivo do devedor.
c) Após o pagamento integral dos credores, se, porventura, for verificado excesso, este voltará em proveito do terceiro contra quem foi admitida a ineficácia. Isto se deve ao fato, de que permanece íntegros os efeitos do ato praticado entre o terceiro e o falido.
d) O encerramento da falência torna sem objeto a ineficácia do ato.
e) A concordata suspensiva da falência acarreta o sobrestamento da ação revocatória, ou o exercício, até que ela seja cumprida. Se reaberta a falência, em razão da revogação da concordata, a massa readquire o direito à
ação, salvo se já decorrido o prazo preclusivo, que é de um ano a contar da data da publicação da realização do ativo e pagamento do passivo, neste caso a ação não poderá ser proposta por se encontrar extinta. Todavia, se a concordata tiver sido concedida dentro do prazo anteriormente dito, e mais tarde for reaberta a falência, embora se trate de prazo preclusivo, caberá à massa a restituição do lapso de tempo restante para completar o ano, tendo em vista a impossibilidade absoluta de agir em que ela se encontrava em decorrência da concordata.
Realizada a restituição, cabe a massa devolver ao contraente o que por ele tiver sido prestado, salvo se do contrato ou ato ela não tenha auferido vantagens, hipótese em que o terceiro será admitido como quirografário. Essa obrigação tem por objetivo evitar o enriquecimento sem causa. O terceiro só adquire o direito a reaver a contraprestação depois que tornar efetiva a restituição da prestação recebida. Considera-se que a massa obteve vantagem sempre que o terceiro provar que sua prestação a beneficiou45.
Se a ineficácia for obtida contra o adquirente a titulo gratuito, como é evidente, este nada tem a receber, não podendo entrar na falência. Se o ato ineficaz for um pagamento ou qualquer caso de restituição, o credor reassumirá seu estado anterior de direito, participando dos dividendos se quirografário. Assim, o crédito volta a ter o lugar, a qualidade e o valor que tinha antes, se possível com os antigos títulos e as antigas garantias, restabelecendo desta forma a obrigação primitiva, ficando sem efeito a quitação dada46.
A responsabilidade do terceiro varia conforme a sua boa ou má-fé. Provando-se a má-fé do terceiro, sua responsabilidade se considera agravada, devendo restituir a coisa, em espécie, com todos os seus acessórios, incluindo-se nestes não só os frutos, produtos e rendimentos colhidos e percebidos, como também os percepiendos, ou seja, os que deviam ser e não foram colhidos, além dos pendentes ao tempo do ato. O ressarcimento abrangerá também, os prejuízos eventualmente ocasionados pela falta da coisa no patrimônio de onde foi retirada, inclusive o lucro cessante47.
Todavia, o terceiro terá direito às despesas de produção e custeio, bem como à indenização pelas benfeitorias necessárias, não sendo possível quanto a estas, o direito de retenção.
Essas conseqüências são mais do que justas, tendo em vista que o terceiro de má-fé detém o que se sabe não ter direito de possuir, gozando de bem alheio. Nesse diapasão, quando forçado a restituir o alheio, não pode reclamar senão as despesas que o proprietário necessariamente, faria para conservação da coisa. Quanto as benfeitorias úteis e voluptuárias, que o terceiro não pode levantar, serviram para compensar o dono durante o tempo em que esteve, injustamente, privado do seu bem. Além disso, deve também arcar com o pagamento dos honorários do advogado da parte contrária48.
Quanto ao terceiro de boa-fé, sendo o ato a título gratuito, este será obrigado a restituir somente aquilo que aumentou seu patrimônio em decorrência da doação, devendo a coisa ser restituída em espécie e somente quando não for possível é que se dará indenização. Se o ato for a título oneroso, o terceiro de boa-fé restituirá a coisa em espécie, também quando for possível, com os frutos percebidos depois da propositura da ação, bem como dos pendentes ao tempo da aquisição. Contudo, não responde pelas perdas e deteriorações por caso fortuito ou mesmo por negligência, desde que não ocorra após a propositura da ação49.
Por fim, o terceiro de boa-fé, poderá propor ação de perdas e danos a todo o tempo contra o falido, já ao devedor de má-fé não caberá igual direito.
6. PROCESSO
A ação revocatória correrá perante o juízo universal da falência, e seu rito será ordinário.
A ineficácia do ato também pode ser alegada como defesa em ação ou execução, perdendo assim, a massa o direito de propor a ação revocatória, tendo em vista a impossibilidade da existência de duas ações cujos fundamentos fossem o mesmo. Todavia, essas ações também serão processadas no juízo universal da falência.
6.1 Partes Processuais
O sujeito ativo legítimo para propor a ação é o síndico, a quem compete a administração da massa falida e a defesa de seus interesses, agindo assim em nome desta. O síndico, todavia, tem assegurado esse direito, somente seu, até trinta dias seguintes à data da publicação do aviso aos credores de que será iniciada a realização do ativo e o pagamento do passivo.
Decorrido o prazo de trinta dias e, tendo o síndico permanecido inerte, a ação poderá ser proposta por qualquer credor habilitado. Destarte, nos primeiros trinta dias o direito é exclusivo do síndico, após o decurso desse prazo o direito se torna concorrente entre o síndico e os credores. Tal ação deverá ser proposta até um ano após a publicação do aviso anteriormente mencionado.
Acrescenta Sampaio de Lacerda50 que:
“Mas fora de dúvida que a lei atual agiu melhor, por isso que permite aos credores uma direta fiscalização, podendo, decorridos os trinta dias, agir para pleitear a revogação de um ato diante do descuido do síndico. Isso não quer dizer, porém, que decorridos os trinta dias não possa mais o síndico propor ele próprio tais ações. A fixação daquele prazo pela lei visa tão somente a determinar o momento em que os credores poderão propor a ação, legitimando-os a tal, caso o síndico não o tenha feito. Não há, portanto, receio por tumultos processuais, pois naqueles trinta dias o síndico tem tempo bastante para investigar a situação do falido e de obter elementos para propositura da ação”.
Caso a ação tenha sido proposta por algum dos credores, convém que tal seja comunicada nos autos da falência assim que proposta, a fim de que qualquer credor possa ter conhecimento dela. Devemos lembrar que, não importa quem seja o autor ou o réu, tratando-se de ação revocatória de falência, a competência é do juízo da falência.
Em que pese a ação tenha sido proposta por algum dos credores, nada impede que o síndico venha a intervir como assistente, se entender, é claro, que a pretensão do credor é razoável. Além disso, proposta a ação por qualquer credor, obrigatoriamente, deverá o síndico dela ter ciência.
Quanto ao Ministério Público, este não tem legitimidade processual para promover a ação, já que não é parte no processo falimentar. O falido, igualmente, não é parte na ação revocatória, nem como autor nem como réu, tendo em vista que contra o falido essa ação não tem nenhuma razão de ser51. O que pode ocorrer, na verdade, é a intervenção do falido como assistente no processo.
A legitimidade passiva, ou seja, contra quem a ação poderá ser proposta, se encontra elencada no art. 55, parágrafo único do Decreto-lei nº 7661/45 que dispõe, in verbis:
“Parágrafo único – A ação pode ser proposta:
I – Contra todos os que figuraram no ato, ou que, por efeito dele, foram pagos, garantidos ou beneficiados.
II – Contra os herdeiros ou legatários das pessoas acima indicadas.
III – Contra terceiros adquirentes”.
Nesse diapasão, a ação poderá ser proposta contra todos que participaram do ato ou que por ele foram beneficiados, contra seus herdeiros ou legatários. Além desses, poderá também ser proposta contra terceiros adquirentes, se ao praticar o ato sabiam da intenção do falido de prejudicar seus credores, ou mesmo, se o direito derivou de ato arrolado no art. 52, desta mesma lei.
6.2 Prazo para a Propositura da Ação
A ação revocatória somente poderá ser proposta até um ano a contar da data da publicação do aviso em que o síndico declara que iniciará a realização do ativo e o pagamento do passivo (art. 114 do Decreto-lei nº 7661/45).
Questão de grande controvérsia surgiu em relação à este prazo de um ano, se seria um prazo de decadência ou de prescrição. Isto ocorreu devido a antiga redação da lei que dispunha que poderiam ser revogados todos e quaisquer atos, enquanto não prescritos, ou seja, enquanto a ação para anulá-los não estivesse prescrita. Além disso, estabelecia o prazo de um ano para propor a revocatória a partir da eleição do liquidante.
Muitos juristas sustentavam que o aludido prazo era de prescrição e não de decadência, já que ele se interrompia e se suspendia segundo regras do direito comum, como era possível verificar através da suspensão da prescrição no caso da formação da concordata terminativa, pois se o referido prazo fosse de decadência não haveria a suspensão.
Todavia, com a atual redação da lei foi afastada essa controvérsia, pois o art. 56, § 1º do Decreto-lei nº 7661/45 dispõe, in verbis:
“Art. 56 – A ação revocatória correrá perante o juiz da falência e terá curso ordinário.
§ 1º – A ação somente poderá ser proposta até um ano, a contar da data da publicação do aviso a que se refere o art. 114 e seu parágrafo”.
Torna-se, portanto, indiscutível de que se trata de prazo decadencial, sendo contínuo e insuscetível de ser interrompido como o da prescrição. Assim, não é a ação que desaparece com o decurso desse prazo, mas sim o direito de propô-la. E o perecimento imediato do direito é o que caracteriza a decadência, ao contrário da prescrição, que extingue a ação e só por via imediata faz desaparecer o direito.
Ao que se refere a concordata terminativa, esta suspende, até que ela seja cumprida, o exercício da revocatória. Com efeito, a formação da concordata, dissolve a massa creditória e, portanto, esta não chegou nem a adquirir o direito correspondente à ação revocatória. Mesmo porque, a ação revocatória tem por fundamento a falência, não haveria explicação o prosseguimento da ação, nem a propositura de uma ação com fundamento revocatório. Se reaberta a falência haverá o prosseguimento da ação52.
Nesse diapasão é a Jurisprudência, in verbis:
“EMENTA: ‘Falência. Ação Revocatória. Prazo. Termo inicial. Segundo os arts. 56, § 1º e 114 e seu parágrafo, é de um ano o prazo de decadência, contado da data da publicação do aviso. Mas o termo inicial desse prazo não fica ao exclusivo arbítrio do síndico. Não lhe cabe proceder a seu talante. Vencidas as etapas que antecedem ao aviso, se o síndico, apesar de instado pelo juiz, não realiza a publicação, é de se ter por verificado a decadência, quando, como no caso presente, publicado o aviso vários anos após. Hipótese de negligência e não-obediência ao cronograma falimentar. Recurso conhecido e provido, para pronunciar- se a decadência’ (RSTJ 75/219)”.
6.3 Compensação e Reconvenção
A lei anterior, Decreto nº 5746/29, previa expressamente em seu art. 60, § 1º que o devedor não poderia opor compensação nem reconvenção. A lei atual não consagrou esse dispositivo, todavia, isso não quer dizer que essa regra não prevaleça atualmente.
Em virtude dessa regra, é claro que a compensação ou a reconvenção não podem ser opostas nem mesmo na fase executória da sentença proferida na ação53.
Nesse sentido, caso fosse permitida a compensação se tornaria praticamente impossível a restituição, ou a restauração do anterior estado de direito, assim, a ação não poderia realizar o seu único objetivo.
Jayme Leonel54, em seus ensinamentos, nos cita o seguinte exemplo:
“Veja-se, p. ex., o caso da revogação de um pagamento, a qual determina, como corolário lógico, o restabelecimento do crédito que antes existia.
Admitida a compensação, chegaríamos a este absurdo: – o pagamento, que foi revogado, iria tornar-se eficaz por efeito da compensação”.
Além disso, quando a massa falida ingressa em juízo para pedir a revogação de determinado ato do falido, ela o faz na qualidade de terceiro, vindicando direitos que lhe são próprios e que lhe pertencem como entidade à parte do falido. Destarte, a ineficácia é pronunciada, não no interesse do falido, mas no interesse da massa, ou seja, o débito do terceiro que surge com a sentença é em favor da massa. Já o crédito do terceiro que ressurge com a sentença se entende contra o falido. Logo, esse crédito e aquele débito não poderão ser compensados, pois, em relação a eles, não existe reciprocidade de obrigações do mesmo credor para com o mesmo devedor55.
A compensação admitida pelo Decreto-lei nº 7661/45, em seu art. 46, refere-se a dívidas vencidas na data da declaração da falência, contudo a dívida do terceiro em relação à massa, resultante da sentença que declarou ineficaz o ato fraudulento, não é considerada de forma alguma vencida ao tempo da sentença declaratória de falência56.
A reconvenção, como dito inicialmente, também é vedada pelas mesmas razões já expostas quanto a compensação, pois caso contrário impediria a realização dos fins da revocatória.
6.4 Atos Derivados de Sentença Executória
O art. 58 do Decreto-lei nº 7761/45 dispõe, in verbis:
“Art. 58 – A revogação do ato pode ser decretada, embora para celebração dele houvesse precedido sentença executória, ou fosse conseqüência de transação ou de medida assecuratória para garantia da dívida ou seu pagamento. Revogado o ato, ficará rescindida a sentença que o motivou”.
Não constitui obstáculo à declaração de ineficácia do ato, ter este sido precedido de sentença ou de transação ou de medida de apreensão cautelar ou executiva.
A sentença judicial, que autorizou o ato, podia ser o fruto de uma renúncia de direito por parte do devedor ou mesmo de conluio entre as partes litigantes para prejudicar credores.
No caso de fraude, se houve processo simulado antes da quebra em que o falido não se defendeu para, simuladamente desviar bens, e o juiz da causa não percebeu a simulação, porque não havia quem argüísse, pode-se declarar o ato ineficaz, independentemente da sentença anterior. Claro é que daí resulta um misto de ação revocatória e rescisória de sentença. Assim, ineficaz o ato, ficará rescindida a sentença que o motivou.
Por fim, não podemos deixar de observar os ensinamentos de Silva Pacheco57 que acrescenta:
“A parte final do art. 58 do Decreto-lei nº 7661, de 1945, tem de ser interpretada também em conexão com o art. 129 do CPC. Quando as circunstâncias da causa convencerem de que autor e réu se serviram do processo para realizar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá decisão que obste a estes objetivos. Pergunta-se: se o juiz não percebeu a simulação e deu sentença que, transitando em julgado, foi executada, de modo a reduzir ou desviar bens do falido, há impedimento em revogar estes atos fraudulentos? Acobertando-os, há sentença judicial. Mas nem por isso tais atos fraudulentos, praticados com a intenção de prejudicar credores, podem deixar de ser revogados, desde que se prove a fraude do devedor e do terceiro (art. 53 da LF e art. 483 do CPC)”.
6.5 Recurso Admissível
O recurso admissível contra a sentença que julga a ação revocatória é o de apelação, a qual será recebida no efeito devolutivo nos casos do art. 52, e em ambos os efeitos nas hipóteses previstas do art. 53 ambos da lei falimentar (Decreto-lei nº 7661/45), conforme prescreve o art. 56 § 2º da mesma lei.
O prazo para a interposição da apelação é de 15 dias, contados a partir da intimação da sentença, segue desta forma a regra do Código de Processo Civil.
6.6 Seqüestro
O síndico, com fundamento no art. 56 § 3º do Decreto-lei nº 7661/45, pode requerer o seqüestro dos bens desviados do patrimônio do falido e que estejam na posse de terceiros. O juiz não poderá conceder a medida ex officio, sendo assim esta deverá ser pedida. É uma medida cautelar requerida por simples petição nos autos da ação revocatória, sendo que esta não será interrompida.
Em que pese à ação poder ser proposta tanto pelo síndico como pelos credores após o prazo de trinta dias, e sendo a medida preventiva, terá legitimidade para pedi-la aquele que propôs a ação principal. Logo, pode pedir o seqüestro tanto o síndico como qualquer credor que houver interposto a ação revocatória58.
Pode também ser requerida como medida preparatória, sendo cabível também a antecipação da tutela desde que presentes os pressupostos do art. 273 do Código de Processo Civil.
O seqüestro seguirá as regras do Código de Processo Civil. O juiz da falência será o competente para conhecer da medida, caso a causa estiver na superior instância poderá, nos casos urgentes, ser o seqüestro determinado pelo relator.
A medida, uma vez concedida, só terá eficácia enquanto pendente a ação principal, pode, contudo, ser modificada ou revogada. Assim, transitando em julgado a decisão do processo principal, cessará de pleno direito a eficácia do seqüestro, do mesmo modo, se encerrado o processo principal por qualquer causa, a medida também perderá sua eficácia a partir do momento da cessação59.
Cabe agravo de instrumento contra a decisão que deferir ou indeferir a liminar do seqüestro ou a tutela antecipada. Nestes casos, se o juiz não reformar a decisão os autos sobem ao Tribunal.
7. AÇÃO REVOCATÓRIA PREVISTA NA LEI DAS SOCIEDADES POR AÇÕES
Há ainda outra hipótese em que caberá ação revocatória, em se tratando de falência das Sociedades Anônimas, prevista no art. 45 § 8º da Lei nº 9.457/97, que dispõe, in verbis:
“Art. 45 § 8º – Se, quando ocorrer a falência, já se houver efetuado, à conta do capital social, o reembolso dos ex-acionistas, estes não tiverem sido substituídos, e a massa não bastar para o pagamento dos créditos mais antigos, caberá ação revocatória para restituição do reembolso pago com redução do capital social, até a concorrência do que remanescer dessa parte do passivo. A restituição será havida, na mesma proporção de todos os acionistas cujas ações tenham sido reembolsadas”.
O direito de recesso será exercido pelo acionista dissidente de determinadas deliberações da assembleia geral , tendo em vista sua convicção pessoal em aceitar ou não as alterações de seus direitos patrimoniais ou mesmo da própria estrutura da companhia, exigindo assim o reembolso do capital investido.
Nesse diapasão, o reembolso é uma operação através da qual, nos casos previstos em lei, a companhia é obrigada a pagar aos acionistas dissidentes o valor de suas ações utilizando para isso recursos contabilizados sob a rubrica de “lucros ou reservas” ou sob a de “capital social”, conforme lhe aprouver. Assim, o reembolso representa uma transmissão forçada, irrecorrível e definitiva das ações para a mesma companhia que a emitiu. O fundamento do reembolso é a proteção aos acionistas minoritários, ou seja, não controladores60.
Sendo o reembolso feito à conta do capital social, acarretará na redução dos recursos estáveis da companhia, expondo a maior risco os credores. Todavia, a companhia poderá substituir o acionista desligado, reingressando assim recursos em montante equivalente aos do reembolso, e consequentemente superando o aumento do risco61.
Caso não seja verificada a substituição e sobrevindo a falência, não bastando a massa para o pagamento dos créditos mais antigos, caberá ação revocatória para que seja feita a restituição do reembolso, tendo em vista o interesse dos credores anteriores, ou seja, daqueles cujos créditos foram constituídos antes da publicação da ata da assembleia geral que reduziu o capital social62.
Com isso, se visa obedecer ao princípio pelo qual os acionistas não podem ser reembolsados do valor de suas ações antes do pagamento integral dos credores da sociedade63.
8. AÇÃO REVOCATÓRIA NA CONCORDATA
A concordata é um instituto do direito comercial que tem a natureza de ato processual, isto é, uma ação judicial movida pelo devedor, comerciante regularmente inscrito na Junta Comercial, que se encontra em estado de insolvência e apresenta melhor forma de pagamento ao juiz para os seus credores quirografários.
Ela pode ser preventiva, quando é requerida com o objetivo de evitar a falência, ou suspensiva, quando objetiva extinguir a falência.
Concedida a concordata deverão ser observados seus efeitos, entre os quais o que refere-se a possibilidade da propositura da ação revocatória nos casos previstos no art. 149 do Decreto-lei nº 7661/45, que dispõe, in verbis:
“Art. 149 – Enquanto a concordata não for por sentença julgada cumprida (art. 155), o devedor não pode, sem prévia autorização do juiz, ouvido o representante do Ministério Público, alienar ou onerar seus bens imóveis ou outros sujeitos a cláusulas da concordata; outrossim, sem o consentimento expresso de todos os credores admitidos e sujeitos aos efeitos da concordata, não lhe é permitido vender ou transferir o seu estabelecimento.
Parágrafo único. Os atos praticados pelo concordatário com violação deste artigo são ineficazes relativamente à massa, no caso de rescisão da concordata”.
Destarte, com a concessão da concordata o concordatário não perde a administração de seus bens, ficando sujeito a fiscalização de um comissário. Todavia, o concordatário não pode alienar nem onerar seus imóveis sem prévia autorização do juiz, como também não pode alienar ou transferir o seu estabelecimento comercial sem o expresso consentimento de todos os credores admitidos e sujeitos aos efeitos da concordata.
Se o concordatário violar estas proibições e vier a ser rescindida a concordata e consequentemente decretada a falência, estes atos praticados poderão ser declarados ineficazes perante a massa falida através da ação revocatória.
CONCLUSÃO
1. Diante o exposto nesse trabalho, observamos que a ação revocatória tem origem na ação pauliana prevista no direito romano, cujo objetivo é a declaração da ineficácia dos atos jurídicos praticados pelo comerciante antes do decreto de sua falência, onde estes resultaram em desvio de bens do patrimônio do devedor ou que causaram violação à isonomia dos credores.
Todavia, a ação revocatória possui características próprias, não possuindo relação alguma com as regras de direito civil sobre nulidade ou anulação dos atos.
O que realmente caracteriza a ação revocatória do processo de falência, é que esta não visa apenas, como na revocatória ordinária, a obter o ressarcimento do dano, mas ainda a restituir as partes ao estado anterior ao ato impugnado, tendo um caráter recuperatório.
2. Verificamos que o objetivo da ação revocatória não é a nulidade do ato jurídico, mas sim, o reconhecimento da ineficácia deste ato. Não há, de fato, ato nulo, há apenas a perda da eficácia perante a massa falida, entretanto, este continua subsistindo em relação aos contratantes.
Foi possível observar, que tanto a nulidade do art. 40 do Decreto-lei nº 7661/45 quanto a fraude à execução do Código Civil, visam preservar as garantias dos credores contra atos prejudiciais praticados pelo falido ou devedor, todavia, estas diferem no tocante a esses atos sucessivos, sendo considerados na declaração de falência nulos de pleno direito, já na fraude à execução são ineficazes.
Como restou evidente, as expressões “termo legal” e “período suspeito” surgiram com a finalidade de delimitar qual seria o período anterior a ser atingido pelos efeitos da sentença declaratória de falência, não havendo dúvida, ao nosso ver, quanto a distinção existente entre ambas.
3. O art. 52 do Decreto-lei nº 7661/45 contempla as hipóteses de ineficácia objetiva dos atos praticados no decorrer do termo legal da falência ou do período suspeito, logo, não há que se indagar da intenção das partes em fraudar os credores, sendo a fraude nesses casos presumida.
Ao analisarmos o art. 52, VII do Decreto-lei nº 7661/45, que trata da ineficácia das inscrições de direitos reais, nos deparamos diante de uma controvérsia ao compará-lo com o art. 215 da Lei de Registros Públicas que declara como nulos tais registros, todavia, entendemos que este deve ser interpretado em harmonia com aquele, não havendo assim, revogação alguma do art. 52 da Lei Falimentar permanecendo este inalterado, inclusive seu inciso VII.
Além da ineficácia objetiva o Decreto-lei nº 7661/45 contempla em seu art. 53 outros casos de atos ineficazes, contudo a ação revocatória neste dispositivo irá objetivar a ineficácia subjetiva do ato praticado com a intenção de prejudicar credores, provando-se a fraude do devedor e do terceiro que com ele contratou.
4. Fica evidente, que é através da ação revocatória que conseguiremos obter a restauração do estado jurídico anterior ao ato. Importa dizer, tendo como conseqüência tal restauração esta dar-se-á através da restituição à massa dos bens em espécie com todos os acessórios, e somente quando esta não for possível é que caberá indenização.
Nessa seara, o terceiro só adquire o direito a reaver a contraprestação após tornar efetiva a restituição da prestação recebida.
Destarte, poderá o terceiro de boa-fé propor ação de perdas e danos a qualquer tempo contra o falido. Por outro lado, ao devedor de má-fé não caberá igual direito.
5. Caso a ineficácia do ato tenha sido alegada como defesa em ação ou execução, perderá a massa o direito de propor a ação revocatória, isso ocorre devido a impossibilidade de existência de duas ações com fundamentos idênticos.
Por sua vez, não importa quem seja o autor (síndico ou credores) ou o réu, tratando-se de ação revocatória de falência o juízo competente será sempre o da falência. Além disso, torna-se indiscutível que o prazo para a propositura da ação revocatória (art. 56, § 1º do Decreto-lei nº 7661/45) é decadencial, sendo contínuo e insuscetível de ser interrompido, desaparecendo com o decurso desse prazo o direito de propô-la.
Quanto a compensação e a reconvenção, fica claro a impossibilidade de serem opostas, pois caso contrário impediriam a realização dos fins da revocatória, além do que não existe reciprocidade de obrigações do mesmo credor para com o mesmo devedor.
6. Conforme analisamos, a ação revocatória também está prevista na Lei das Sociedades por Ações, sendo um poderoso instituto através do qual será pleiteada a restituição do reembolso do capital efetuado ao acionista dissidente, tendo em vista o interesse dos credores constituídos antes da publicação da ata da assembléia geral que reduziu o capital social.
Nesta esteira, entendemos que o grande objetivo da aplicação desse instituto é evitar que os acionistas possam ser reembolsados do valor de suas ações antes do pagamento integral dos credores da sociedade.
7. Por fim, foi possível observar que a ação revocatória também poderá ser utilizada nos casos em que, ocorrendo a rescisão da concordata e consequentemente decretada a falência, for constatado a prática de atos pelo concordatário que acabaram por violar as proibições previstas no art. 149 do Decreto-lei nº 7661/45, podendo assim tais atos serem declarados como ineficazes perante a massa falida.
Concluímos, pois, que a ação revocatória é um instituto de extrema importância posto à disposição dos credores, através do qual terão a possibilidade de combater os atos prejudiciais praticados pelo falido, tornando tais ineficazes e consequentemente, conseguirão assim obter a garantia de seus direitos.
¹Rubens Requião, Curso de direito falimentar, p. 192.
²Jayme Leonel, Da ação revocatória do direito de falência, p.11.
³Silva Pacheco, Processo de falência e concordata, p. 339 e 340.
4Jayme Leonel, Da ação revocatória do direito de falência, p.18.
5J.C. Sampaio de Lacerda, Manual de direito falimentar, p. 149.
6Ibid., p. 34 e 35.
7Jayme Leonel, Da ação revocatória do direito de falência, p. 34.
8Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, vol. II, p. 100.
9Jayme Leonel, Da ação revocatória do direito de falência, p. 145.
10Jayme Leonel, Da ação revocatória do direito de falência, p. 40.
11Ibid., p. 42.
12Rubens Requião, Curso de direito falimentar, p.112 e 113.
13Ibid., mesma página.
14J.C. Sampaio de Lacerda, Manual de direito falimentar, p. 93.
15Trajano de Miranda Valverde, Comentários à lei de falências, p. 378.
16J. C. Sampaio de Lacerda, Manual de direito falimentar, p. 150.
17Ibid., mesma página.
18Ibid., mesma página.
19Ibid., p. 151.
20Jayme Leonel, Da ação revocatória do direito de falência, p. 59.
21J. C. Sampaio de Lacerda, Manual de direito falimentar, p. 152.
22Rubens Requião, Curso de direito falimentar, p. 197.
23Rubens Requião, Curso de direito falimentar, p. 197.
24Jayme Leonel, Da ação revocatória do direito de falência, p. 67.
25Ibid., p.70.
26Rubens Requião, Curso de direito falimentar, p. 198.
27Jayme Leonel, Da ação revocatória do direito de falência, p. 74.
28J. C. Sampaio de Lacerda, Manual de direito falimentar, p. 159.
29Ibid., mesma página.
30Jayme Leonel, Da ação revocatória do direito de falência, p.77.
31Ibid., p. 155.
32Waldírio Bulgarelli, Problemas de direito empresarial moderno, p. 80.
33Ibid., p. 81.
34Ibid., p. 82.
35Ibid., mesma página.
36J. C. Sampaio de Lacerda, Manual de direito falimentar, p. 156.
37Ibid., mesma página.
38Jayme Leonel, Da ação revocatória do direito de falência, p. 97.
39J. C. Sampaio de Lacerda, Manual de direito falimentar, p. 157.
40Jayme Leonel, Da ação revocatória do direito de falência, p. 109.
41J. C. Sampaio de Lacerda, Manual de direito falimentar, p. 158.
42J. C. Sampaio de Lacerda, Manual de direito falimentar, p. 158 e 159.
43Ibid., p. 159.
44Jayme Leonel, Da ação revocatória do direito da falência, p.124 e 125.
45Ibid., p. 127.
46Ibid., p. 128.
47Jayme Leonel, Da ação revocatória do direito da falência, p. 134.
48Ibid., mesma página.
49Ibid., p. 135.
50J. C. Sampaio de Lacerda, Manual de direito falimentar, p.161.
51Rubens Requião, Curso de direito falimentar, p. 205.
52Jayme Leonel, Da ação revocatória do direito da falência, p. 125.
53Ibid., p. 136.
54Ibid., p. 138.
55Ibid., p. 141.
56Ibid., mesma página.
57Silva Pacheco, Processo de falência e concordata, p. 358.
58Ibid., p. 355.
59Ibid., mesma página.
60Modesto Carvalhosa, Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, p. 332.
61Fábio Ulhoa Coelho, Curso de direito comercial, v. 3, p. 277.
62Modesto Carvalhosa, Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, p. 343.
63Ibid., mesma página.
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