REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7242891
Victor Ferreira Rodrigues¹
Arthur Bastos Rodrigues²
INTRODUÇÃO:
O Brasil tem visto casos frequentes de abuso policial e, com a nova lei de abuso de autoridade, as ações policiais agora estão sujeitas a penas mais severas. Com isso em mente, é importante avaliar o impacto da mesma e como ela afeta o comportamento das atividades policiais à medida que os casos de abuso de poder continuam ocorrendo.
Parte-se do pressuposto de que, com evolução da legislação brasileira em relação e as mudanças trazidas pela nova Lei (13.869/19) que revogou a antiga lei (4.898/65) que regulamentava os crimes de abuso de autoridade, os policiais devem prestar mais atenção ao seu comportamento e não podem inferir uma obrigação legal de cumprir rigorosamente as atividades policiais.
O objetivo principal do presente trabalho é analisar o conceito de abuso de autoridade, trazendo um lapso histórico da atividade policial a fim de compreender a evolução da lei de abuso de autoridade aplicável à atividade policial. Ademais também é traçado o papel da Policia Militar na segurança pública, definindo limites desta atividade para não estarem sujeitos a nova legislação. O método utilizado foi a pesquisa bibliográfica em que se foi revelada a opinião de vários autores sobre o assunto em questão.
- ABUSO DE AUTORIDADE
Para definirmos o conceito do Abuso de Autoridade, torna-se imprescindível destacar primeiramente sobre o poder de polícia, que como bem descreve Di Pietro (2013, p. 123) é a “atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”.
Em virtude desse poder de polícia conferido ao Estado, seus agentes têm o direito de usar esse poder, que deve ser utilizado de acordo com sua finalidade e o interesse público. Portanto, ao inferir esse poder estatal, utilizando-o de forma abusiva, fora do âmbito da lei e sem utilidade pública, tal ato seria considerado ilegal:
“O uso do poder é prerrogativa da autoridade. Mas o poder há de ser usado normalmente, sem abuso. Usar normalmente do poder é empregá-lo segundo as normas legais, a moral da instituição, a finalidade do ato e as exigências do interesse público. Abusar do poder é empregá-lo fora da lei, sem utilidade pública. O poder é confiado ao administrador público para ser usado em benefício da coletividade administrada, mas usado nos justos limites que o bem-estar social exigir. A utilização desproporcional do poder, o emprego arbitrário da força, da violência contra o administrado constituem formas abusivas do uso do poder estatal, não toleradas pelo Direito e nulificadoras dos atos que as encerram. O uso do poder é lícito; o abuso, sempre ilícito. Daí por que todo ato abusivo é nulo, por excesso ou desvio de poder” (LOPES MEIRELLES, 1995, p. 94)
Diante disso, os poderes da polícia são limitados, pois, se utilizados de forma inadequada, podem levar a abusos, uma vez que não pode violar os direitos fundamentais garantidos pela Constituição da República:
“Do mesmo modo que os direitos individuais são relativos, assim também acontece com o poder de polícia que, longe de ser onipotente, incontrolável, é circunscrito, jamais podendo pôr em perigo a liberdade e a propriedade. Importando, regra geral, o poder de polícia, restrições a direitos individuais, a sua utilização não deve ser excessiva ou desnecessária, para que não se configure o abuso de poder. Não basta que a lei possibilite a ação coercitiva da autoridade para justificação do ato de polícia. É necessário, ainda, que se objetivem condições materiais que solicitem ou recomendem a sua inovação.” (CRETELA JÚNIOR, p. 31-32).
Em suma, abuso de autoridade pode ser entendido como o abuso de poder conferido a agente público no exercício de sua função com o objetivo específico de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo, ou beneficiar terceiro, ainda que por capricho ou gratificação pessoal.
Ao longo da história, houve movimentos autoritários em todo o mundo, como o nazismo na Alemanha, onde as pessoas usaram suas posições de autoridade, ultrapassaram seu poder e cometeram atos desumanos que custaram milhares de vidas. Esses atos são tão cruéis que têm consequências trágicas na vida de milhões. Nesse sentido temos:
“O crime de abuso de autoridade é implantado em decorrência de flagrantes casos em que o detentor do poder extrapola os seus limites, em alguns casos, indo contra a própria sociedade. De todo modo, existem diversas razões e fatores que contribuem para devida preocupação com esse tipo penal, sejam fatores históricos como regimes absolutistas, sejam a proximidade com movimentos filosóficos que à sua forma se opuseram às autoridades (LIMA; MOLOSSI, 2020).”
No Brasil não foi diferente, pois entre 1964 e 1985 enfrentamos um período de ditadura militar, momento histórico marcado pelo exagero militar. Sobre a temática destaca-se que:
“A lei anterior, editada na época da ditadura militar, carecia de reforma integral, adaptando-se aos tempos atuais. Nesse perfil, é extremamente relevante destacar que os tipos penais da lei 4.898/65 eram muito mais abertos e não taxativos do que o cenário ofertado pela lei 13.869/19. Para se certificar disso, basta a leitura do art. 3º, a, da lei anterior: constitui abuso de autoridade qualquer atentado à liberdade locomoção. Seria perfeitamente amoldável a esse tipo penal toda e qualquer prisão preventiva decretada sem justa causa ou até mesmo uma condução coercitiva fora das hipóteses legais.” (Nucci, 2019)
Portanto, tornou-se necessário incluir uma norma em nosso ordenamento jurídico que definisse essas atitudes como um crime de fato. Assim, em 1965, entrou em vigor a Lei nº 4.898, que tinha por finalidade punir e limitar os excessos dos agentes públicos. Tal norma foi publicada em um momento conturbado para o país, trazendo definições importantes como o que é o conceito de abuso de poder, quem pode ser sujeito ativo e o que é autoridade. Segundo Santana (2016, p. 01) a criação dessa lei é garantir que ninguém, nenhum cidadão, venha ser vítima de abuso de autoridade e, caso seja vítima, garante-lhe o direito de levar ao conhecimento de autoridade competente para defender seus direitos. Entende-se que:
“Na verdade, a Lei de Abuso de autoridade, não é novidade no Brasil. No ano de 1965, foi regida pela Lei 4898 que tratava do mesmo tema, apesar de que, na aplicabilidade dessa lei, durante 54 anos, foi considerada pela sociedade, como uma lei solta, branda, vazia, não punitiva e não taxativa, além disso era tão destinada ao Poder Executivo. A nova Lei 13.869/2019, […] expandiu o texto da lei anterior, abarcando os poderes: Legislativo, Executivo, Judiciário e inclusive o Ministério Público e as forças de segurança, ou seja, atinge diretamente todos os agentes públicos do Brasil.” (ALVES; ANGELO, 2020).
No entanto, com o passar dos anos a sociedade mudou e a lei tornou-se ineficaz. Além de não serem devidamente aplicadas, as leis nelas estabelecidas são muito abertas e pouco efetivas na prática, ressaltando a necessidade de sua reedição. Portanto, novas leis sobre o tema foram necessárias, porém, não foi nada fácil reformular tal norma. Foi objeto de muita controvérsia e debate até chegar ao seu modelo final:
“A nova Lei de Abuso de Autoridade, sancionada no início de setembro (Lei 13.869), é resultado de dois anos de debates no Congresso Nacional. Esse tempo não foi suficiente para dispersar as polêmicas em torno do tema. O texto enviado pelo Congresso ao presidente Jair Bolsonaro foi amplamente vetado, mas parte significativa das supressões acabaram sendo derrubadas pelos parlamentares em meio a disputas acaloradas. Das 53 condutas definidas pela lei como abusos de autoridade, 23 haviam sido vetadas pelo presidente. Dessas 23, porém, 15 acabaram restauradas ao texto, com a derrubada dos vetos.” (AGÊNCIA SENADO, 2019).
A nova lei de abuso de poder é mais explícita sobre o que seria considerado crime, com maiores limites aos poderes dos funcionários públicos, mais pessoas poderiam ser punidas e de forma mais severa.
- HISTÓRICO DA ATIVIDADE POLICIAL
Os primeiros modelos policiais criados no Brasil foram a Intendência Geral de Polícia (1808) e a Guarda Real de Polícia (1809):
“A guarda real era uma força de tempo integral, organizada em moldes militares e subordinada ao Ministério da guerra e a intendência de polícia pagava seus uniformes e salários, tinham como função atribuição de patrulha para reprimir o contrabando, manter a ordem, capturar e prender escravos, desordeiros, criminosos […]. (MUNIZ, 2001:192)”
Com a guerra no Paraguai, a força policial passou a servir nas unidades de infantaria do exército e atuou na defesa do país. Sob a aproximação dos dois, a polícia militar adotou o modelo militar e a estrutura organizacional do exército, tornando-se muito semelhante a eles, e atuou como força auxiliar do exército. Segundo Mezzomo (2005, p. 31), observa-se que sempre tiveram grande proximidade com o próprio Exército, com destaque para a adoção do modelo militar, a estrutura organizacional, e empregadas como Forças Auxiliares do Exército regular.
Em 1889, o Brasil se tornou uma república e rompeu com o império centralizado, com os estados membros buscando maior autonomia, começando a ser conquistados pela constituição de 1891. Para garantir essa autonomia, os estados passaram a segurar a defesa do país dos excessos do poder central, e a partir desse momento a polícia passou a ser a organização militar do país.
Com a proclamação da República, passou a ser utilizado por forças policiais que já possuíam traços do exército e utilizaram como inspiração e exemplo, a palavra militar. Com o passar do tempo, as características militares específicas do grupo policial foram se acentuando.
Os governantes passaram então a investir na ampliação dessas forças públicas, tornando-as mais hierárquicas e disciplinadas, fortalecendo-as e profissionalizando-as cada vez mais ao longo dos anos. Reconhecendo a necessidade das recém-formadas forças públicas, os governantes investem na sua expansão, um modelo adotado para a formação policial nesse momento é o modelo da polícia francesa (BICUDO, 1994, p. 38-39)
Diante do exposto, é marcante o momento da ditadura militar no Brasil, caracterizado pela tortura e desaparecimento de muitas pessoas, com restrições e violações de direitos fundamentais, e a polícia como forma de máquina de repressão no Estado. Por causa dessa história violenta da polícia e da sociedade, formou-se entre eles um abismo que ainda hoje é compreensível.
Segundo Mesquita Neto (1999, p. 135-136), existem três explicações para a violência policial baseadas em pesquisas, principalmente nas ciências sociais:
Em uma primeira abordagem sobre o tema é destacado a explicação estrutural no qual enfatiza as causas da violência policial, geralmente de natureza social, econômica, cultural, psicológica e/ou política. Este tipo de explicação dirige a atenção para características da sociedade por exemplo, desigualdades sociais e particularmente econômicas, e políticas, culturas, personalidades e atitudes autoritárias, cuja presença está positivamente associada à presença da violência policial;
Na segunda abordagem é explicitado a explicação funcional que enfatiza as “funções” da violência policial, geralmente do ponto de vista da preservação, mas possivelmente do ponto de vista da mudança de estruturas sociais, econômicas, culturais, psicológicas e/ou políticas. Este tipo de explicação dirige a atenção para problemas e crises em determinados sistemas — por exemplo, sistema social e/ou político, ou mais especificamente sistema de segurança pública —, em relação aos quais a violência policial seria um sintoma e uma resposta;
Ademais na terceira abordagem surge a explicação processual que enfatiza as “razões” ou “motivações” da violência policial, do ponto de vista das organizações policiais e/ou dos agentes policiais, geralmente de natureza instrumental mas possivelmente de natureza expressiva. Dentro deste tipo de explicação cabem as explicações segundo as quais a violência policial é praticada em benefício dos próprios policiais — e, portanto, sugerem a autonomia das organizações e dos agentes policiais —, tanto quanto as explicações segundo as quais a violência policial é praticada em benefício de um determinado grupo ou classe social ou mesmo de uma determinada sociedade ou Estado — e, portanto, sugerem o controle das organizações e dos agentes policiais por outros atores.
Diante disso, é preciso integrar os direitos humanos às atividades policiais para que a história da violência policial mude e o público não veja mais a polícia como uma forma de repressão. Ressalta-se também que o papel da Policia Militar é muito importante, pois quando há problemas ou perigos para a segurança pública, os mesmos devem ser acionados para soluciona-los.
Com a promulgação da Constituição Federal em 1988, o Brasil tornou-se uma democracia baseada em valores humanos, sendo signatário de tratados internacionais de direitos humanos para prevenir possíveis abusos. Portanto, essa mudança comportamental na atividade policial foi levada em consideração. No entanto, esta não é uma tarefa fácil, pois é uma instituição fechada, tradicional e hierarquizada. Para fazer a diferença, a polícia tem que mudar a forma como pensa sobre os direitos humanos. Para muitos policiais, o mesmo dificulta seu trabalho porque “só defendem criminosos” :
“A polícia não está apenas obrigada a exercer sua limitada autoridade em conformidade com a Constituição e, por meios legais, aplicar suas restrições: também está obrigada a observar que outros não infrinjam as liberdades garantidas constitucionalmente. Essas exigências introduzem na função policial a dimensão única que torna o policiamento neste país um ofício seríssimo. (GOLDSTEIN, 2003, p. 28 – 29)”
No entanto, essa nova relação entre polícia e direitos humanos deve ser vista como um benefício para a sociedade, pois infringir a lei e violar direitos não é uma prática policial efetiva. Quando as normas são violadas, os papéis são distorcidos e a atividade policial passa a estar ligada ao crime e não à redução dele. Diante disso, a polícia deve cumprir suas funções e cumprir rigorosamente seus deveres estatutários, para que a sociedade possa admirar a polícia. Nesse sentido, a polícia deve ser vista como promotora de direitos, não supressora de direitos.
Com essas mudanças e adaptações da sociedade, os policiais procuram cada vez mais estar mais próximos da sociedade para que possam trabalhar com ela. Um exemplo disso é o policiamento comunitário, onde há maior cooperação entre a população e a polícia. Nesse modelo, a polícia busca estar mais próxima da comunidade, compreendendo as dificuldades e os problemas enfrentados pela mesma. Por sua vez, as comunidades devem reunir-se com a polícia local para expressar suas opiniões sobre o trabalho policial e ajudá-las a resolver os problemas existentes.
- POLICIA MILITAR
O artigo 144 caput e os parágrafos 5° e 6° da Constituição Federal estabelece a competência do órgão segurança pública, bem como o papel e funções da Policia Militar a fim de manter a ordem pública, Segurança de pessoas e bens, vejamos o que diz devido artigo:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I – Polícia federal;
II – Polícia rodoviária federal;
III – Polícia ferroviária federal;
IV – Polícias civis;
V – Polícias militares e corpos de bombeiros militares. (BRASIL, 1988).
§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
§ 6º As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército subordinam-se, juntamente com as polícias civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 104, de 2019).
Em suma, entende-se que a polícia tem um longo histórico de repressão, em parte pelo seu uso como meio de violência na história do Brasil; e em parte pela própria instituição, fruto dessa história, construída em disciplina, muitas vezes inferida do uso da força e violações dos direitos humanos. Ainda há casos de abuso policial, mas muito se avançou nesse tipo de comportamento agressivo. Hoje, as pessoas buscam uma polícia mais cidadã e focada em construir boas relações com a sociedade, além de respeitar os direitos humanos.
Ainda há um longo caminho a percorrer do ideal, porém, com esses pequenos avanços, seja por meio de regras mais rígidas para punir quem comete esses abusos ou por meio de uma maior conscientização entre os policiais, a relação entre a polícia e a sociedade está melhorando aos poucos.
- A NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE APLICÁVEL NA ATIVIDADE POLICIAL
Com o advindo da nova Lei de Abuso de Autoridade, que revoga expressamente a antiga Lei 4.898/65, também foram alterados os estatutos da Ordem dos Advogados do Brasil, o Código Penal, a Lei de Prisão Temporária e a Lei de Interceptação Telefônica.
Segundo a lei antiga, abuso de poder era definido como qualquer violação de direitos civis, e qualquer funcionário público que cometesse abuso de poder durante seu mandato, cargo ou era sujeito ativo. A pena máxima prevista é de seis meses de detenção, com possibilidade de multa, suspensão ou inabilitação de qualquer cargo público por três anos. Vejamos o art 3° da revogada lei 4.898/65:
Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
a) à liberdade de locomoção;
b) à inviolabilidade do domicílio;
c) ao sigilo da correspondência;
d) à liberdade de consciência e de crença;
e) ao livre exercício do culto religioso;
f) à liberdade de associação;
g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;
h) ao direito de reunião;
i) à incolumidade física do indivíduo;
j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.
g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa;
h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;
i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade.
Com as alterações ocorridas, ficou mais clara a definição do que constitui abuso de poder. As novas regras estabelecem que um agente só será condenado se tiver o objetivo específico de prejudicar outra pessoa ou terceiro, o que é crucial para determinar os motivos da conduta punitiva. Vejamos o artigo 1° da Lei 13.869/19:
Art. 1º Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído.
§ 1º As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.
§ 2º A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade.
Em relação à atividade policial, algumas mudanças importantes podem ser observadas, como a proibição da exibição de imagens de presos (artigo 13, Lei 13.869/19), a produção de provas obtidas ilegalmente (artigo 25, Lei 13.869/19), a proibição de os policiais não se identificarem ou se identificarem falsamente (artigo 16, Lei 13.869/19), inovar artificiosamente a fim de se eximir da responsabilidade (artigo 16, Lei 13.869/19), privar o preso de entrevista com o seu advogado (artigo 20, Lei 13.869/19), manter em confinamento pessoas do mesmo sexo (artigo 21, Lei 13.869/19).
O acesso às residências também é restringido, tornando-se crime entrar sem ordem judicial ou fora das condições estabelecidas por lei (artigo 22, Lei 13.869/19). Essas restrições, que os funcionários públicos devem observar em sua atuação, têm sido muito criticadas pois tornam os movimentos dos policiais mais restritos, o que muitas das vezes acaba causando um sentimento de “medo” em prol de alguma punição posterior.
De acordo com a nova legislação, os agentes de segurança devem ter cuidado ao divulgar suas ações. Anteriormente, os nomes e fotos dos detidos ou presos eram publicados como forma de mostrar os infratores à sociedade. A partir de agora, com a nova legislação, tal divulgação é proibida, pois pode ser considerada constrangedora e vexatória, e os agentes serão punidos por tal ato.
É importante frisar que, na Lei nº 4.898/1965 de forma diversa ao previsto no art. 1º da Lei nº 13.869/2019 a referência era apenas aos agentes públicos no exercício das suas funções, não trazendo a condição daquele agente público que pratica ato de abuso de autoridade a pretexto de exercê-las. Ou seja, na primeira situação, o agente público está realmente no exercício da função, por exemplo, o policial que está num plantão numa delegacia. Já na segunda, esse mesmo policial coagiria alguém a pretexto de ser policial e abusaria dessa autoridade (COSTA; FONTES; HOFFMANN, 2021).
Um ponto que precisa ficar acentuado é que o legislador selecionou alvos preferenciais para sofrer a aplicação dos tipos penais abertos, como policiais, delegados, juízes e membros do Ministério Público, ao criminalizar condutas como: decretar condução coercitiva manifestamente descabida; requisitar instauração de procedimento investigatório à falta de qualquer indício da prática de crime e decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais (COSTA; FONTES; HOFFMANN, 2021).
As mudanças trazidas pela nova lei são vitais para nossa sociedade, pois tenta coibir abusos por parte de funcionários públicos. Algumas partes são motivo de críticas, mas as novas regras agregam muito para que haja menos abusos, principalmente envolvendo policiais, fazendo com que a população tenha maior proteção e respaldo legal contra essas atitudes.
Assim, cabe às autoridades, principalmente aos Policiais Militares, adequarem-se à nova realidade que vivemos. Esses servidores públicos estavam sujeitos a uma lei do período dos anos sessenta, ao qual flexibilizava as ações das atividades policiais. Com o advento da nova legislação, cabe o comando da instituição, por meio de instruções, reciclagens e inclusão na grade de cursos de formação trabalhar a nova norma para que o Policial não possa ser, por desconhecimento da nova lei, penalizado em detrimento da nova lei (FREITAS, 2019).
- CONSIDERAÇÕES FINAIS:
O objetivo deste estudo bibliográfico foi explorar inicialmente como os abusos policiais serão punidos pela nova Lei 13.869/19. Analisou-se que o Estado possui poderes de polícia que lhe são conferidos, podendo restringir os indivíduos em prol do coletivo. Com isso, os agentes que trabalham para ele têm o direito de usar desse poder, porém, o que acontece é que o mesmo é usado de forma inadequada, pois muitos desses agentes usam de seus cargos para abusar do poder que lhes é atribuído.
Quando esse poder é inferido, leva ao abuso de autoridade, que acontece sempre que um servidor público está em seu cargo e usa sua posição para prejudicar alguém ou se beneficiar, por capricho ou para gratificação pessoal. A polícia tem um papel ostensivo como órgão responsável pela segurança e ordem pública, com histórico de intimidar a sociedade, inferir o uso da força ou exceder de suas funções.
Assim, apesar das críticas e do debate acalorado, a nova lei de abuso de autoridade mostrou-se extremamente importante para coibir, ou pelo menos tentar coibir, os excessos policiais, já que a antiga lei era menos rígida e não aplicada adequadamente.
Com as alterações proferidas pela nova legislação, os policiais tenderam a ter mais cuidado na forma como se comportavam no exercício de suas funções, a fim de não infringir as normas e preceitos por ela estabelecidas, pois a nova lei encontra-se de uma forma mais clara e severa em relação aos abusos de autoridade que poderiam ser cometidos pelos devidos agentes.
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