ABSOLUTE INCAPACITY IN THE CIVIL CODE OF 2002
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10685522
Lucas Melo Santos1
Resumo
O ordenamento jurídico busca, por meio de determinadas dosimetrias, proteger as pessoas com maior ou menor grau de vulnerabilidade. Para isso, o Código Civil qualifica pessoas que, independentemente de eventual discernimento mental completo subjetivo, devem ser tratadas como absolutamente incapazes, ao contrário de outros ordenamentos jurídicos. O presente trabalho, com isso, busca estudar a figura do absolutamente incapaz no Código Civil e seus reflexos nos negócios jurídicos celebrados, trazendo também o rol de relativamente incapazes, e se aprofundar nas modificações introduzidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência no Art. 3º do Código Civil. Com isso, essa contribuição passará pelo estudo da personalidade jurídica e os sujeitos de direito, atribuindo as devidas diferenças entre capacidade de direito e capacidade de fato, dos absolutamente e relativamente incapazes no Código Civil de 2002, dos menores de 16 (dezesseis) anos como absolutamente incapazes e, por fim, os limites da nulidade do negócio jurídico celebrado pelo absolutamente incapaz.
Palavras-chave: Absolutamente incapaz. Personalidade Jurídica. Sujeitos de direito. Capacidade. Negócio jurídico.
Abstract
The legal system seeks, through certain dosimetries, to protect people with a greater or lesser degree of vulnerability. For this, the Civil Code qualifies people who, regardless of any subjective complete mental discernment, must be treated as absolutely incapable, contrary to other legal systems. The present work, therefore, seeks to study the figure of the absolutely incapable in the Civil Code and its reflections in the legal transactions concluded, also bringing the list of relatively incapable, and to deepen in the modifications introduced by the Statute of the Person with Disabilities in Art. 3 of the Civil Code. With that, this contribution will go through the study of the legal personality and the subjects of law, attributing the due differences between capacity in law and capacity in fact, of the absolutely and relatively incapable in the Civil Code of 2002, of those under 16 (sixteen) years as absolutely incapable and, finally, the limits of nullity of the legal transaction entered into by the absolutely incapable.
Keywords: Absolutely incapable. Legal Personality. Subjects of law. Capacity. Juridic business.
Sumário: Introdução. 1. A Personalidade Jurídica e os Sujeitos de Direito. A Capacidade de Direito e a Capacidade de Fato. 2. Os Absolutamente e Relativamente Incapazes e a Exclusão do Ausente pelo Código Civil de 2002. 3. Os Menores de 16 (dezesseis) anos como Absolutamente Incapazes. 4. Os Limites da Nulidade do Negócio Jurídico Celebrado por Menor de 16 (dezesseis) anos.
INTRODUÇÃO
A norma jurídica busca promover a proteção legal e regular as relações intersubjetivas para assegurar a vida pacífica em sociedade, norteado pelo princípio da igualdade, previsto no Art. 5º da Constituição Federal (direitos e garantias fundamentais).
Todas as pessoas nascidas com vida, conforme dispõe o Art. 2º do Código Civil2, são dotadas de personalidade jurídica, o que lhes confere uma proteção especial do Estado frente as coisas em relação aos direitos existenciais.
Na esfera civil, igualmente por meio da personalidade jurídica, todos os indivíduos podem contrair direitos e obrigações. No entanto, considerado o grau de vulnerabilidade de determinadas pessoas, devido a idade, fatores de saúde, entre outros, o ordenamento jurídico se preocupa em estabelecer limitações a determinadas pessoas. Tais pessoas são consideradas absolutamente ou relativamente incapazes e só podem exercer os atos da vida civil se representadas pelos pais ou representante legal ou se assistidas por estes, a depender do grau de vulnerabilidade.
O grau de vulnerabilidade nem sempre está relacionado à deficiência, podendo também ser por meio de uma classificação etária.
O presente trabalho, com isso, se propõe a estudar, preliminarmente, a personalidade jurídica e os sujeitos de direito, bem como a capacidade de direito, diferenciando-a da capacidade de fato. A partir destas noções, como enfoque principal, este artigo busca estabelecer os motivos que originam a absoluta incapacidade e qual é ela atualmente, por meio da investigação do que há de positivado no Código Civil de 2002, do entendimento da doutrina e da jurisprudência a respeito. Além disso, o estudo busca verificar se todos os atos civis praticados pelos absolutamente incapazes do Código Civil de 2002 são nulos ou se há alguma tolerância.
1 A PERSONALIDADE JURÍDICA E OS SUJEITOS DE DIREITO. A CAPACIDADE DE DIREITO E A CAPACIDADE DE FATO.
O direito tem por objeto regular e ordenar a sociedade, a qual é composta por pessoas. Conforme ensina Maria Helana Diniz3, “para a doutrina tradicional ‘pessoa’ é o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direito” e complementa “sujeito de direito é aquele que é sujeito de um dever jurídico, de uma pretensão ou titularidade jurídica, que é poder fazer valer, através de uma ação, o não-cumprimento do dever jurídico”. Os animais podem ser objeto de Direito, mas não sujeitos de Direito, o que significa dizer que apenas a pessoa pode ser sujeito de Direito.
Conforme exposto, sabe-se que toda pessoa tem personalidade. Basta que o ser humano tenha nascido com vida, conforme dispõe o Art. 2º do Código Civil, para que ele tenha personalidade civil e possa, com isso, ser sujeito de Direito.
A personalidade jurídica, conforme ensina Sílvio de Salvo Venosa4, deve ser entendida como a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações, e para Maria Helena Diniz5 como “conceito básico da ordem jurídica, que a estende a todos os homens, consagrando-a na legislação civil e nos direitos constitucionais de vida, liberdade e igualdade”. Toda pessoa possui, portanto, capacidade de direito (jurídica), leia-se, aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações. Tal afirmação, hoje, pode parecer óbvia, mas nem sempre foi assim. Na antiguidade, em Roma, por exemplo, os escravos eram considerados coisas e não sujeitos de direito. Matar um escravo, portanto, equivalia a destruir uma coisa, cenário o qual terminou com a manumissão (manumissio), como ato de alforria do escravo.
Hoje, no entanto, nacionalmente toda pessoa tem personalidade jurídica e, com isso, é considerada sujeito de direito. Para satisfazer suas necessidades sociais, a pessoa precisa assumir direitos e obrigações na esfera civil, sendo, com isso, sujeito ativo e passivo de relações jurídico-econômicas.
Difere-se, entretanto, da capacidade de direito e capacidade de fato. Isso porque, nem toda pessoa com personalidade jurídica (capaz de direito) pode exercer os atos da vida civil de forma isolada, em razão de limitações orgânicas ou psicológicas. As pessoas que podem atuar pessoalmente, possuem, também, capacidade de fato ou de exercício.
Sílvio de Salvo Venosa, a este respeito, leciona que “a capacidade jurídica dá a extensão da personalidade, pois, à medida em que nos aprofundamos nos conceitos, veremos que pode haver capacidade relativa a certos atos da vida civil, enquanto a personalidade é terminologia genérica”6 e, acerca da diferença entre capacidade de direito ou jurídica e capacidade de fato ou exercício, Orlando Gomes7 ensina que:
“A capacidade de fato condiciona-se à capacidade de direito. Não se pode exercer um direito sem ser capaz de adquiri-lo. Uma não se concebe, portanto, sem a outra. Mas a recíproca não é verdadeira. Pode-se ter capacidade de direito, sem capacidade de fato; adquirir o direito e não poder exercê-lo por si. A impossibilidade do exercício é, tecnicamente, incapacidade.”
Não se confundem, ainda, os conceitos de capacidade e legitimação. A legitimação são atributos específicos e circunstanciais à prática de determinado ato, que não se confundem com as hipóteses legais genéricas de incapacidade. Uma pessoa pode, portanto, ter plena capacidade civil mas não estar legitimado para praticar determinado ato. Essa é a lição de Sílvio de Salvo Venosa8:
“Não se confunde o conceito de capacidade com o de legitimação. A legitimação consiste em se averiguar se uma pessoa, perante determinada situação jurídica, tem ou não capacidade para estabelecê-la. A legitimação é uma forma específica de capacidade para determinados atos da vida civil. O conceito é emprestado da ciência processual. Está legitimado para agir em determinada situação jurídica quem a lei determinar. Por exemplo, toda pessoa tem capacidade para comprar ou vender. Contudo, o Art. 1.132 do Código Civil estatui: ‘os ascendentes não podem vender aos descendentes, sem que os outros descendentes expressamente consintam’. Desse modo, o pai, que tem a capacidade genérica para praticar, em geral, todos os atos da vida civil, se pretender vender um bem a um filho, tendo outros filhos, não poderá fazê-lo se não conseguir a anuência dos demais filhos. Não estará ele, sem tal anuência, ‘legitimado’ para tal alienação. Num conceito bem aproximado da ciência do processo, legitimação é a pertinência subjetiva de um titular de um direito com relação a determinada relação jurídica. A legitimação é um plus que se agrega à capacidade em determinas situações.”
A capacidade, objeto deste trabalho, confere o limite da personalidade, ou seja, se o indivíduo tiver plena capacidade, tem tanto capacidade de direito como capacidade de fato. Entretanto, se a capacidade for limitada, o individuo possuirá capacidade de direito, como qualquer outro ser humano, mas não capacidade de fato – ao menos não de forma irrestrita, podendo a lei condicionar todos ou alguns atos à representação de outrem para serem exercidos pelo incapaz ou relativamente incapaz.
Nesse sentido, conforme ensina Sílvio de Salvo Venosa9, “quem não é plenamente capaz necessita de outra pessoa, isto é, de outra vontade que substitua ou complete sua própria vontade no campo jurídico”.
A capacidade de fato, como aptidão da pessoa para exercer por si mesma os atos da vida civil, sem necessidade de representação, requer determinadas qualidades psíquicas e temporais à pessoa. A incapacidade, como a impossibilidade de praticar isoladamente os atos da vida civil, pode ser absoluta ou relativa. A incapacidade absoluta impede por completo o sujeito de praticar isoladamente os atos da vida civil, sendo necessária a representação pelos pais ou representação legal, enquanto a incapacidade relativa permite que o sujeito exerça determinados atos civis de forma isolada, em princípio apenas assistidos pelos pais ou representante legal, sendo, portanto, uma incapacidade limitada.
Passa-se, então, a estudar quem são os absolutamente e relativamente incapazes na esfera civil e a alteração introduzida pelo Código Civil de 2002 ao Código Civil de 1916.
2 OS ABSOLUTAMENTE E RELATIVAMENTE INCAPAZES E A EXCLUSÃO DO AUSENTE PELO CÓDIGO CIVIL DE 2002
A incapacidade civil absoluta retira por completo a liberdade da pessoa de exercer isoladamente os atos da vida civil, reputando-se nulo quando praticados, confere será visto adiante.
O Art. 3º do Código Civil estabelece que: “Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos”.
A Lei nº 13.146 de 2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Estatuto da Pessoa com Deficiência), revogou o inciso II, que tratava dos enfermos ou deficientes mentais que não tiverem o necessário discernimento para a prática dos atos civis, bem como o inciso III, que tratava daqueles que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade, do mencionado Art. 3º.
Além disso, a mencionada Lei revogou o inciso I (menores de 16 anos) do Art. 3º, que passou a ser tratado no caput deste.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência modificou os critérios de mensuração da capacidade. Antes, considera-se o grau de discernimento para auferir o grau de capacidade. Absolutamente incapaz como a pessoa que não tinha o devido discernimento, relativamente capaz como a pessoa que tinha o discernimento incompleto e capaz como a pessoa que tinha o discernimento completo. Nestes termos, esclarece Fernando Gaburri10 que:
“Antes da vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a mensuração da capacidade baseava-se em um critério biopsicológico e era graduada de acordo com o nível de discernimento da pessoa. Assim, considerava-se absolutamente incapaz aquela pessoa que não tinha o necessário discernimento; relativamente incapaz aquela cujo discernimento era existente, porém reduzido e insuficiente; e plenamente capaz aquela que atingisse o necessário discernimento para a prática dos atos da vida civil.
Se a incapacidade liga-se à ausência, ou insuficiência, de discernimento, a pessoa com deficiência não pode ser considerada incapaz, quer relativa, quer absolutamente, só pelo fato da deficiência, se isso não lhe retira, ou diminui, o discernimento.”
Assim, pelo ordenamento jurídico brasileiro, apenas os menores de 16 (dezesseis) anos são considerados absolutamente incapazes, sendo que todas as demais hipóteses de incapacidades passam a ser consideradas como relativas, na forma da nova redação do Art. 4º do Código Civil, que assim dispõe:
“Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;
IV – os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial.”
O inciso II, a partir das alterações promovidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, deixa de fazer referência às pessoas com deficiência intelectual, antes tratadas como “excepcionais sem desenvolvimento mental completo”, alterando sua disciplina para o inciso III.
A nova redação do inciso III transferiu as pessoas que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, do antigo rol de absolutamente incapazes para o rol de relativamente incapazes.
Ensina Fernando Gaburri11 que:
“O dispositivo faz exsurgir um ponto de interseção entre a teoria das incapacidades e as pessoas com deficiência. Se uma pessoa com deficiência, eventualmente, por algum fator pessoal, estiver impossibilitada de manifestar sua vontade, temporária ou definitivamente, poderá ser considerada incapaz relativamente. Advirta-se, porém, que a causa incapacitante, nessa hipótese, não é a patologia ou o estado psíquico, mas a impossibilidade de exteriorizar a vontade.
O que determinava a incapacidade relativa, na redação original da norma, era a aferição de discernimento reduzido. Assim, se as pessoas referidas como excepcionais conservassem a plenitude de seu discernimento para a prática dos atos da vida civil, deveriam ser consideradas plenamente capazes.”
A incapacidade relativa situa-se entre aqueles que não podem exercer os atos da vida civil de forma isolada e os que podem (plenamente capazes). Com isso, permite que a pessoa relativamente incapaz pratique alguns atos da vida civil assistida por seu representante legal, na medida em, conforme ensina Fernando Gaburri12, “a impossibilidade de discernimento é menor do que a dos absolutamente incapazes”.
Umbilicalmente relacionados às redações dos Arts. 3º e 4º do Código Civil, está o Art. 6º do Estatuto da Pessoa com Deficiência, cujo caput positiva que “A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa”, o que não altera a noção de deficiência que se tinha, visto que ela nunca foi isoladamente como causa de incapacidade.
Sílvio de Salvo Venosa13 comenta que o novo diploma procura atribuir os mais amplos direitos às pessoas com deficiência, que aprioristicamente, nunca serão consideradas totalmente incapazes, mas relativamente, de acordo com seu grau de deficiência.
No entanto, mais adiante para se contradizer com as revogações introduzidas no Código Civil pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, ao possibilitar que o juiz declare o deficiente como absolutamente incapaz, ao publicar que “a situação, porém, a ser enfrentada pelo juiz no processo de interdição é a mesma: deverá concluir se o sujeito possui limitação mental que o iniba parcialmente para os atos da vida civil. Se a limitação for total, o caso será de incapacidade absoluta”.14
Igualmente, Fábio Ulhoa Coelho15 parece contrariar a limitação do rol de absolutamente incapazes aos menores de 16 (dezesseis) anos, ao afirmar que:
“(…) uma vez requerida a interdição, a perícia médica dirá em qual condição a pessoa deficiente se encontra. Se a deficiência mental frustrou o pleno desenvolvimento das habilidades intelectuais, de modo a não conseguir expressar a vontade, recomenda-se esteja o deficiente sempre acompanhado por alguém de sua confiança nos negócios jurídicos que praticar. É o caso de incapacidade relativa. Mas se o deficiente simplesmente não compreende a organização social, nem mesmo no plano das relações familiares mais próximas, não terá condições mínimas de entender o significado jurídico de seus atos. Para este caso, somente a incapacidade absoluta, será meio eficaz de proteção de interesse.”
Fernando Gaburri16 também discorda das posições dos respeitáveis doutrinadores:
“Embora a interpretação dada por Silvio de Salvo Venosa e Fábio Ulhoa Coelho seja respeitável, não parece encontrar guarida no novo cenário legislativo, contrariando a letra dos arts. 3º e 4º do Código Civil, nas hipóteses em que discorrem sobre a incapacidade absoluta da pessoa com deficiência.”
No mais, como se vê, o Código Civil de 2002 excluiu os ausentes, declarados por ato do juiz, ou seja, aquela pessoa cuja habitação não se sabe qual é ou cuja existência desconhece, além dos que deixam os bens desamparados, do rol de absolutamente incapazes. Silvio de Salvo Venosa ensina que “essa supressão é de rigor técnico, pois o ausente, se vivo estiver alhures, ali terá plena capacidade” 17 e, mais adiante, que “como o ausente, ao retornar, retoma e reassume todos os seus interesses, tecnicamente não se pode falar em incapacidade por ausência”.18
A finalidade de atribuir ao ausente, lembrando, não simplesmente aquela pessoa que não está presente, mas aquela assim declarada pode decisão judicial transitada em julgado, a incapacidade absoluta, era proteger seus bens. O vigente Código Civil suprimiu tal incapacidade absoluta e passou a tratar dos ausentes, de forma autônoma, nos Arts. 22 a 39, subdivididos em três fases: curadoria dos bens do ausente, sucessão provisória e sucessão definitiva.
Posto isso, passa-se a estudar os menores de 16 (dezesseis) anos na figura de absolutamente incapazes e as alterações introduzidas pela Lei nº 13.146 de 2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Estatuto da Pessoa com Deficiência) que revogou os incisos do Art. 3º do Código Civil.
3 OS MENORES DE 16 (DEZESSEIS) ANOS COMO ABSOLUTAMENTE INCAPAZES
A incapacidade plena, pelo que codifica o Código Civil de 2002, após as alterações introduzidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, perdura até os 16 (dezesseis) anos. Sílvio de Salvo Venosa19 ensina que:
“A incapacidade plena, como no estatuo anterior, perdura até os 16 anos. O direito pré-codificado baseava-se na puberdade, para fixar os limites da incapacidade absoluta: 12 anos para a mulher e 14 anos para o homem. Atualmente, apenas por apego à História podemos nos referir a menores púberes e impúberes, quer eles sejam absoluta ou relativamente incapazes.”
Ao estabelecer a idade de 16 (dezesseis) anos como marco temporal o legislador não considerou apenas as aptidões genéticas, mas também o desenvolvimento intelectual e social, requisitos indispensáveis para que o cidadão exerça com responsabilidade os atos da vida civil. Evidente que o desenvolvimento intelectual e social varia de pessoa para pessoa, mas o ordenamento jurídico e jurisdicional não suportaria individualizar as pessoas com o propósito de se verificar qual possui e qual não possui o desenvolvimento necessário para não ser mais considerada absolutamente incapaz, daí necessidade de se estabelecer um marco temporal universal.
O modelo seguido pelo Brasil não é adotado em outros países, como no Código Civil argentino, por exemplo, que estabelece, em seu art. 127, que os menores de 14 (quatorze) anos são considerados absolutamente incapazes. O Código alemão, igualmente diferente do Brasil, em seu Art. 104, considera plenamente incapaz o menor com menos de 7 (sete) anos e, conforme ensina Sílvio de Salvo Venosa20, “acima dessa idade outorga certa parcela de direito ao infante que até os 21 anos precisa do consentimento de seus representantes”. O ordenamento jurídico francês, por outro lado, não distingue os absolutamente e os relativamente incapazes, deixando tal ponderação a critério do magistrado. Por fim, o Código italiano fixa a idade de 18 (dezoito) anos como regra geral da capacidade civil, apresentando certas restrições aos atos civis, as quais extinguem-se como plena capacidade auferida a partir dos 21 (vinte e um) anos.
Com isso, pode-se afirmar, conforme explicado nas noções introdutórias deste trabalho, que o menor de 16 (dezesseis) anos possuem apenas a capacidade de direto e não a capacidade de fato, não podendo exercer, de forma isolada, os atos da vida civil, senão quando representados por pai, mão ou tutor, o que deve ser relativizado a determinados casos, como se verá no tópico posterior.
O Art. 166, inciso I, do Código Civil dispõe que o negócio jurídico é nulo quando celebrado por pessoa absolutamente incapaz. Importante mencionar, todavia, que a incapacidade absoluta não exclui a responsabilidade patrimonial do menor, tendo em vista que, nos termos do Art. 928 do Código Civil “o incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes”, desde que, conforme preceitua seu parágrafo único, não prive do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependam.
É preciso destacar, porém, que na III Jornada de Direito Civil, realizada em novembro de 2004 no Superior Tribunal de Justiça, foi aprovado o Enunciado 138, que registra que “a vontade dos absolutamente incapazes, na hipótese do inciso I do Art. 3º [atualmente disposto no caput do mencionado artigo] é juridicamente relevante na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde que demonstrem discernimento bastante para tanto”.
Para que exerçam atividades laborais, os menores de 16 (dezesseis) anos também estão proibidos, salvo como aprendizes para aqueles que tiverem 14 (quatorze) anos completos.
Cumpre neste momento, no entanto, destacar que o preceituado no Art. 166, inciso I, do Código Civil, deve ser relativizado a determinadas circunstâncias cotidianas. É dizer que, nem todo negócio jurídico celebrado por absolutamente incapaz deve ser declarado nulo, o que será aprofundado adiante.
4 OS LIMITES DA NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO CELEBRADO POR MENOR DE 16 (DEZESSEIS) ANOS
Tendo em vista que, conforme disciplina do Art. 166, inciso I, do Código Civil, os negócios jurídicos celebrados por menores de 16 (dezesseis) anos são nulos, a pergunta que se coloca é se todos os atos civis praticados por menor de 16 (dezesseis) anos, mesmo aqueles que envolvem pequena monta, como a compra de bala, devem ser declarados nulos. Para tanto, há de se verificar como se comporta a jurisprudência.
O tema é pouco tratado na jurisprudência, principalmente por envolver valores de pequena monta e não prejudicar as partes envolvidas, pelo menos em sua maioria, de modo que dificilmente o responsável pelo mercado se prejudicará pela venda de bala ao menor a ponto de ter de se socorrer das vias judiciais para declarar o negócio jurídico nulo, a título exemplificativo.
Por isso, o tema será trabalhado por caso análogo que envolve, igualmente, absolutamente incapaz.
No caso em apreço21, a parte Apelante esclarece ter ajuizado ação buscando anular negócio jurídico celebrado pelo companheiro por ser interditado e incapaz de gerir sua pessoa e seus bens.
No Acórdão, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais reconheceu o interditado como absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil, no entanto, ressaltou ser necessário, para que fosse declarado nulo o negócio jurídico, que à época da realização encontra-se o agente com discernimento mental comprometido, sendo necessário a comprovação do mal que ocasionou a interdição ao tempo da ocorrência do ato que se pretendia anular. Desta feita, concluiu o relator que “inexistente prova de que o interditado mantivesse o transtorno temporário que originou a interdição, comprovada a boa-fé da adquirente e o pagamento do valor pactuado, impõe-se a conservação do ato jurídico”.
Da mesma forma, os negócios jurídicos cotidianos de pequena relevância patrimonial, celebrados de boa-fé entre o menor de 16 (dezesseis) anos e outrem, que não importem em prejuízo entre as partes, como é o caso de transporte, compra de alimentos, entre outros, não devem ser anulados, apesar da literalidade do Art. 166, inciso I, do Código Civil. Isso porque, na forma do entendimento análogo do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, além dos absolutamente incapazes e a outra parte estarem de boa-fé, os adimplementos mútuos ocorrem, na medida em que, no exemplo da compra da bala, o produto é entregue pelo vendedor e o pagamento é feito pelo menor. Com isso, não há qualquer prejuízo entre as partes, devendo subsistir o negócio jurídico celerado por absolutamente incapaz.
Ademais, no campo dos planos do negócio jurídico (existência, validade e eficácia), pelo fato de haver vontade entre as partes, o negócio jurídico é existente. O Código Civil, no entanto, ao proibir o livre exercício dos atos da vida civil pelo incapaz, presume que eles não tenham vontade livre e consciente.
Deste modo, o ordenamento jurídico deve tolerar alguns negócios jurídicos celebrados por absolutamente incapazes, ainda que não representados, para não se tornar um impeditivo das atividades comerciais cotidianas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todas as pessoas nascidas com vida são dotadas de personalidade jurídica e merecem a proteção do Estado, a depender do grau de vulnerabilidade em que estão expostas. Considerado o grau de vulnerabilidade, determinadas pessoas apenas podem contrair direitos e obrigações por meio de outras, sejam os pais ou representantes legais. Essas pessoas são conceituadas como absolutamente ou relativamente incapazes.
Dito isso, o presente trabalho se propôs, inicialmente, a estudar a personalidade jurídica e os sujeitos de direito, sendo a primeira como a aptidão de contrair direitos e obrigações na esfera civil e a segunda como sinônimo de pessoa. A partir desta conceituação, fora diferenciada a capacidade de direito, entendida como aquela aptidão para contrair direitos e obrigações, que todas as pessoas nascidas com vida possuem, e a capacidade de fato, entendida como aquela possibilidade de o sujeito exercer os atos da vida civil sem estar representado ou assistido.
Ademais, como visto, pelo Código Civil, a partir das alterações promovidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, apenas os menores de 16 (dezesseis) anos são considerados absolutamente incapazes.
O Código Civil de 2002 excluiu do rol de absolutamente incapazes o ausente (não simplesmente aquela pessoa que não está presente, mas aquela assim declarada pode decisão judicial transitada em julgado). A finalidade era proteger seus bens, mas o vigente Código suprimiu tal incapacidade e passou a tratar dos ausentes, de forma autônoma, nos Arts. 22 a 39, subdivididos em três fases: curadoria dos bens do ausente, sucessão provisória e sucessão definitiva.
Acerca dos menores de 16 (dezesseis) anos como absolutamente incapazes, o legislador não considerou apenas as aptidões genéticas, mas também o desenvolvimento intelectual e social, requisitos indispensáveis para que o cidadão exerça com responsabilidade os atos da vida civil. Com isso, pode-se afirmar que o menor de 16 (dezesseis) anos possuem apenas a capacidade de direto e não a capacidade de fato, não podendo exercer, de forma isolada, os atos da vida civil.
Entretanto, como parte final desta contribuição acadêmica, fora defendido que determinados negócios jurídicos celebrados pelos menores de 16 (dezesseis) anos não devem ser declarados nulos. Isso porque, além dos absolutamente incapazes e a outra parte estarem de boa-fé na celebração do negócio jurídico, os adimplementos mútuos ocorrem. Dessa forma, não há qualquer prejuízo entre as partes, devendo subsistir o negócio jurídico celerado por absolutamente incapaz.
2Art. 2º-A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
3DINIZ, Maria Helena – Curso de direito civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil – 26ª Ed. reformulada – São Paulo: Saraiva, 2009. P. 115.
4VENOSA, Sílvio de Salvo Venosa – Direito civil: parte geral – 14. Ed. – São Paulo: Atlas, 2014. P. 128
5DINIZ, Maria Helena – Curso de direito civil brasileiro, volume 1: teoria geral do direito civil – 26ª Ed. reformulada – São Paulo: Saraiva, 2009. P. 116.
6VENOSA, Sílvio de Salvo Venosa – Direito civil: parte geral – 14. Ed. – São Paulo: Atlas, 2014. P. 128/129.
7GOMES, Orlando. Código Civil – Projeto Orlando Gomes. Rio de Janeiro: Forense, 1985. P. 172.
8VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 1ª Ed – São Paulo: Atlas, 2001. P. 139. A referência é ao CC-16. Confira o Art. 496 do CC-02.
9VENOSA, Sílvio de Salvo Venosa – Direito civil: parte geral – 14. Ed. – São Paulo: Atlas, 2014. P. 39.
10GABURRI Fernando, O Novo Sistema de Capacidade e seus Reflexos no Direito Civil. Revista de Direito e Política Volume 26 – Ano XVII – Disponível em: https://ampid.org.br/site2020/wp-content/uploads/2020/12/O-novo-sistema-de-capacidade-e-seus-reflexos-no-direito-civil-Fernando-Gaburri.pdf. Acesso em 27/06/2023. P. 89.
11GABURRI Fernando, O Novo Sistema de Capacidade e seus Reflexos no Direito Civil. Revista de Direito e Política Volume 26 – Ano XVII – Disponível em: https://ampid.org.br/site2020/wp-content/uploads/2020/12/O-novo-sistema-de-capacidade-e-seus-reflexos-no-direito-civil-Fernando-Gaburri.pdf. Acesso em 27/06/2023. P. 89.
12GABURRI Fernando, O Novo Sistema de Capacidade e seus Reflexos no Direito Civil. Revista de Direito e Política Volume 26 – Ano XVII – Disponível em: https://ampid.org.br/site2020/wp-content/uploads/2020/12/O-novo-sistema-de-capacidade-e-seus-reflexos-no-direito-civil-Fernando-Gaburri.pdf. Acesso em 27/06/2023. P. 90.
13VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 16ª Ed. São Paulo: Atlas, 2016, v. 1. P. 149.
14VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 16ª Ed. São Paulo: Atlas, 2016, v. 1. P. 153-154.
15COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. 8ª Ed. São Paulo: RT, 2016. V. 1. P. 186.
16GABURRI Fernando, O Novo Sistema de Capacidade e seus Reflexos no Direito Civil. Revista de Direito e Política Volume 26 – Ano XVII – Disponível em: https://ampid.org.br/site2020/wp-content/uploads/2020/12/O-novo-sistema-de-capacidade-e-seus-reflexos-no-direito-civil-Fernando-Gaburri.pdf. Acesso em 27/06/2023. P. 93
17VENOSA, Sílvio de Salvo Venosa – Direito civil: parte geral – 14. Ed. – São Paulo: Atlas, 2014. P. 146.21
18VENOSA, Sílvio de Salvo Venosa – Direito civil: parte geral – 14. Ed. – São Paulo: Atlas, 2014. P. 146.
19VENOSA, Sílvio de Salvo Venosa – Direito civil: parte geral – 14. Ed. – São Paulo: Atlas, 2014. P. 146/147.
20VENOSA, Sílvio de Salvo Venosa – Direito civil: parte geral – 14. Ed. – São Paulo: Atlas, 2014. P. 147.
21EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO – INTERDITADO – ANUÊNCIA TÁCITA DA CURADORA – BOA-FÉ – PAGAMENTO DOS VALORES ACORDADOS – CONSERVAÇÃO DOS ATOS JURÍDICOS. 1 – O negócio jurídico praticado por incapaz deve ser anulado quando comprovado que, à época da sua realização, encontrava-se o agente com o discernimento mental comprometido. 2 – A incapacidade da pessoa resulta da moléstia mental e não da sentença que a interdita, sendo necessário que se prove o mal que ocasionou a interdição ao tempo da ocorrência do ato que se pretende anular. 3 – Inexistente prova de que o interditado mantivesse o transtorno temporário que originou a interdição, comprovada a boa fé da adquirente e o pagamento do valor pactuado, impõe-se a conservação do ato jurídico ao qual a curadora do interditado tacitamente anuiu.
(TJ-MG – AC: 10043140030552001 Areado, Relator: Manoel dos Reis Morais, Data de Julgamento: 18/04/2017, Câmaras Cíveis / 10ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 28/04/2017)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 1ª Ed – São Paulo: Atlas, 2001.
VENOSA, Sílvio de Salvo Venosa – Direito civil: parte geral – 14. Ed. – São Paulo: Atlas, 2014.
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1Mestrando em Direito Civil pela PUC-SP e graduado também pela PUC-SP (2020). E-mail: lucas.meloss@outlook.com