POLICE APPROACH TO PEOPLE WITH DISABILITIES: CHALLENGES AND SOLUTIONS
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202501311351
Rogerio de Souza Gomes1;
Valdecir de Lima2
Resumo
Este artigo analisa os desafios e as soluções relacionadas à abordagem policial a pessoas com deficiência no Brasil, com foco na ausência de procedimentos operacionais padrão (POP) e na necessidade de capacitação contínua das forças de segurança. A pesquisa aborda conceitos fundamentais de deficiência no contexto policial, discute os princípios dos direitos humanos aplicados ao tema e apresenta o alinhamento da legislação às práticas policiais. A análise evidencia barreiras como a falta de comunicação adaptada, a inexistência de protocolos claros e a carência de treinamentos específicos, com destaque para o contexto do Estado do Paraná. O artigo propõe soluções práticas, como a implementação de treinamentos regulares, o desenvolvimento de protocolos operacionais abrangentes e o uso de tecnologias para promover uma segurança pública mais inclusiva, eficiente e alinhada aos direitos humanos.
Palavras-chave: Inclusão. Abordagem policial. Deficiência. Direitos humanos. Segurança pública.
Abstract
This article analyzes the challenges and solutions related to police approaches to people with disabilities in Brazil, focusing on the absence of standard operating procedures (SOP) and the need for continuous training of security forces. The research addresses fundamental concepts of disability in the police context, discusses the principles of human rights applied to the topic, and presents the alignment of legislation with police practices. The analysis highlights barriers such as the lack of adapted communication, the absence of clear protocols, and insufficient specific training, with particular attention to the context of the State of Paraná. The article proposes practical solutions, such as implementing regular training, developing comprehensive operational protocols, and utilizing technology to promote a more inclusive, efficient, and human rights-aligned public security.
Keywords: Inclusion. Police approach. Disability. Human rights. Public security.
1. INTRODUÇÃO
A abordagem policial a pessoas com deficiência é um tema de crescente relevância no Brasil, em virtude da busca por uma segurança pública mais inclusiva e alinhada aos direitos humanos. De acordo com a própria Constituição Federal, além da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil em 2008, e a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), é dever do Estado garantir que todas as pessoas sejam tratadas com dignidade, igualdade e acessibilidade, especialmente nas interações com instituições públicas, como as forças de segurança. Contudo, desafios práticos, como a ausência de procedimentos operacionais padrão (POP) abrangentes e a falta de capacitação específica, continuam a comprometer a qualidade dessas abordagens.
O problema torna-se ainda mais evidente quando se analisam casos concretos, como as lacunas existentes no Estado do Paraná, que implementou a Nota de Instrução nº 001/2022-PM/3 para o atendimento de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), mas não possui regulamentações semelhantes para outras deficiências. Visto que, a ausência de protocolos claros e a falta de comunicação adaptada nas abordagens policiais não apenas violam direitos, mas também ampliam o risco de conflitos e traumas psicológicos, evidenciando a urgência de soluções.
A relevância desta pesquisa está em identificar e propor caminhos que alinhem as práticas policiais aos marcos legais existentes, promovendo uma interação mais eficiente e humanizada. Este estudo se justifica tanto pela necessidade de preencher lacunas práticas quanto por sua aplicabilidade social, uma vez que a criação de protocolos e treinamentos beneficia não apenas as pessoas com deficiência, mas também toda a sociedade ao fomentar uma cultura de respeito e inclusão.
Assim, este artigo tem como objetivos discutir os fundamentos legais que sustentam a inclusão no contexto policial, analisar os desafios enfrentados pelas forças de segurança na abordagem a pessoas com deficiência e propor soluções práticas, incluindo capacitação e desenvolvimento de protocolos operacionais padrão.
A pesquisa fundamenta-se em documentos oficiais, artigos acadêmicos e cartilhas especializadas, como a Cartilha de Atuação Policial na Proteção dos Direitos Humanos de Pessoas em Situação de Vulnerabilidade (2013). Por meio dessa análise, espera-se contribuir para uma segurança pública mais alinhada aos princípios de direitos humanos e às demandas práticas do cotidiano policial. O foco deste estudo será o alinhamento entre legislação, práticas policiais e as necessidades das pessoas com deficiência, a fim de promover avanços reais e aplicáveis.
2. CONCEITUAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO
2.1. Definição e Tipos de Deficiência
A definição de pessoa com deficiência passou por diversas mudanças ao longo do tempo, refletindo os valores e conceitos de cada época. Termos como “inválidos” e “incapacitados” eram utilizados de forma discriminatória no passado. Com o avanço das discussões sociais e legais, surgiram terminologias mais inclusivas, como “pessoas com necessidades especiais” e, mais recentemente, “pessoas com deficiência”. O termo atual busca reforçar a integração plena dessas pessoas à sociedade, evitando a redução de sua identidade às limitações que apresentam (LIMA, PINTO e PEREIRA, 2011).
Conforme a Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida (SMPED, 2008), a terminologia sobre deficiência acompanha a evolução dos paradigmas sociais e hoje reflete maior sensibilidade e inclusão. O termo correto, “pessoa com deficiência”, reconhece que a pessoa não é especial, excepcional ou deficiente, mas possui uma deficiência.
Essa definição é complementada pelo art. 3° do Decreto nº 3.298/1999, que estabelece que deficiência compreende qualquer comprometimento que afete a integridade da pessoa e gere prejuízos na locomoção, na coordenação de movimentos, na fala, na compreensão de informações, na orientação espacial ou na interação social (SMPED, 2008).
Partindo dessa concepção mais ampla, o Decreto nº 5.296/2004 classifica as pessoas com deficiência em quatro categorias principais: deficiência física, auditiva, visual e mental. Essas categorias apresentam características e desafios específicos que, no contexto policial, demandam abordagens adaptadas para garantir o exercício pleno de seus direitos (BRASIL, 2004).
A deficiência física, conforme a Cartilha de Orientação Policial-Militar para o Atendimento à Pessoa com Deficiência, elaborada pela Polícia Militar de São Paulo (PMSP, s.d.), é definida como qualquer comprometimento da mobilidade ou da coordenação motora geral, causado por lesões neurológicas, neuromusculares ou ortopédicas, além de má-formação congênita ou adquirida. Essa definição é corroborada pelo referido Decreto nº 5.296/2004.
A deficiência auditiva, por sua vez, envolve a perda parcial ou total da audição, com impacto significativo na comunicação (SMPED, 2008). A deficiência visual refere-se à perda ou redução permanente da capacidade visual, sem possibilidade de correção com lentes, tratamentos clínicos ou cirúrgicos (PMSP, s.d.). Adicionalmente, a cartilha também apresenta o conceito de deficiência múltipla, que ocorre quando há a associação de duas ou mais deficiências descritas anteriormente.
Por fim, a deficiência intelectual é definida como um funcionamento intelectual abaixo da média, manifestado antes dos 18 anos, acompanhado de limitações em habilidades adaptativas, como comunicação e saúde. A Declaração de Montreal sobre Deficiência Intelectual reforça que o uso exclusivo do termo “deficiência intelectual” seria mais adequado, para evitar associações equivocadas com transtornos mentais (SESP AP, s.d.). Isso também é evidenciado no procedimento operacional padrão (POP) do Estado do Amapá:
[…] Outros documentos normativos, como o Decreto Federal nº 11.063/2022, não traz diferença entre os termos, ao definir deficiência mental como o funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: comunicação, cuidado pessoal, habilidades sociais, utilização dos recursos da comunidade, saúde e segurança, habilidades acadêmicas, lazer e trabalho. O ideal seria que só se fizesse menção à expressão deficiência intelectual, para afastar vinculações indevidas aos transtornos mentais […] (SESP AP, s.d.).
Como aponta Lima, Pinto e Pereira (2011), é essencial diferenciar deficiência de desvantagem, entendendo que muitas barreiras enfrentadas por essas pessoas são impostas socialmente e podem ser superadas com mecanismos adequados de apoio.
Portanto, compreender as características de cada tipo de deficiência é essencial para que as forças policiais adaptem suas práticas, promovendo interações mais inclusivas e respeitosas. Essa classificação fornece a base para o desenvolvimento de protocolos e treinamentos específicos, essenciais para garantir a dignidade e os direitos das pessoas com deficiência.
2.2. Direitos Humanos e Inclusão
Compreender os diferentes tipos de deficiência e suas especificidades, conforme discutido anteriormente, é apenas o primeiro passo para uma abordagem inclusiva e respeitosa. A inclusão plena das pessoas com deficiência requer a tradução de princípios de direitos humanos em ações concretas, garantindo acesso igualitário à segurança pública e aos demais serviços essenciais.
A assinatura da Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência representou um marco importante ao consolidar princípios como não discriminação, plena participação, igualdade de oportunidades, acessibilidade e respeito pelas diferenças. Esses princípios buscam superar as barreiras que limitam a participação social de pessoas com deficiência e assegurar a promoção de sua dignidade. No entanto, como apontam Lima, Pinto e Pereira (2011), o maior desafio está na implementação efetiva dessas normas. Para que os direitos humanos avancem no Brasil, é necessário que a legalidade formal seja acompanhada por políticas públicas efetivas, capazes de transformar estruturas sociais ainda marcadas por desigualdades profundas.
Conforme exposto na Cartilha Atuação Policial na Proteção dos Direitos Humanos de Pessoas em Situação de Vulnerabilidade, segundo o Censo Demográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 45,6 milhões de brasileiros apresentam algum tipo de deficiência (SENASP/ MJ, 2013). Esses dados reforçam a necessidade de integrar os direitos das pessoas com deficiência às políticas de segurança pública. Para tanto, é fundamental que os policiais estejam aptos a lidar com as especificidades dessa população, promovendo abordagens inclusivas e alinhadas aos princípios dos direitos humanos.
Apesar dos avanços normativos, como os apresentados pela Lei Brasileira de Inclusão (2015), ainda persistem lacunas na efetividade das políticas públicas. A Cartilha de Atuação Policial na Proteção dos Direitos Humanos (2010) destaca que o sucesso dessas iniciativas depende de medidas preventivas e educativas, que capacitem os agentes a atuar de maneira ética, sensível e inclusiva.
No contexto da segurança pública, destaca-se a importância de capacitar os profissionais para atuarem como promotores da cidadania, conforme enfatizado pela Cartilha de Atuação Policial na Proteção dos Direitos Humanos de Pessoas em Situação de Vulnerabilidade. O documento, elaborado pela SENASP/MJ (2010), ressalta que:
[…] fornecer elementos teórico-práticos para que os profissionais de Segurança Pública possam pautar o exercício de sua atividade no respeito aos direitos e liberdades individuais, conscientizando-se de sua capacidade de promover e proteger os Direitos Humanos de mulheres, crianças, idosos, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, vítimas da criminalidade e abuso do poder, moradores de rua, vítimas do preconceito de raça ou cor e pessoas com deficiência. Caracteriza-se, dessa forma, como uma medida preventiva que objetiva fortalecer o exercício da cidadania e do Estado Democrático de Direito.
Portanto, a inclusão no campo da segurança pública exige mais do que o cumprimento formal de leis. É indispensável que os princípios de direitos humanos sejam incorporados à prática policial diária, promovendo interações que respeitem a dignidade e os direitos das pessoas com deficiência. Essa integração entre legalidade e efetividade é essencial para construir uma segurança pública verdadeiramente inclusiva e democrática.
3. LEGISLAÇÃO E APLICAÇÃO NO SERVIÇO POLICIAL
3.1. Fundamentos Legais e Diretrizes Práticas
A legislação brasileira oferece um arcabouço robusto para assegurar os direitos das pessoas com deficiência e integrá-los aos serviços públicos, incluindo a segurança. A Constituição Federal de 1988 estabelece como objetivo assegurar “[…] o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos […]”. Esse princípio fundamenta a proteção dos direitos humanos no país e reforça a obrigação do Estado em atender de forma inclusiva às pessoas com deficiência.
No que se refere à acessibilidade e inclusão, a Lei nº 10.098/2000 estabelece normas gerais para a promoção da acessibilidade, enquanto o Decreto nº 3.298/1999 regulamenta a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolidando normas de proteção. Já o Decreto nº 5.296/2004 detalha os critérios de acessibilidade em serviços públicos e a prioridade de atendimento às pessoas com deficiência. Esses dispositivos legais formam a base para que as forças de segurança adaptem suas práticas, assegurando que todas as pessoas, independentemente de suas condições, sejam tratadas de maneira digna e igualitária.
No contexto policial, o poder de polícia é exercido com a finalidade de proteger o bem-estar coletivo, sendo um mecanismo que limita direitos individuais quando esses se mostram contrários ao interesse público. Contudo, esse exercício deve ser fundamentado em elementos concretos, como explica a Cartilha da SENASP/MJ (2010):
A existência de fundada suspeita é o pressuposto inicial para que o policial realize a abordagem. A fundada suspeita resulta da análise da existência de elementos concretos e sensíveis que indiquem a necessidade da abordagem. Não tem como direcionador simplesmente a desconfiança ou perspicácia do agente público. Assim, o policial deve nortear sua conduta por dados concretos.
Esses princípios tornam-se ainda mais relevantes nas interações com pessoas com deficiência, uma vez que o desconhecimento das suas especificidades pode levar a abordagens inadequadas, violando direitos fundamentais. Portanto, é indispensável que o exercício do poder de polícia esteja alinhado aos princípios de acessibilidade, igualdade e respeito às diferenças, garantindo que as abordagens sejam conduzidas de forma ética, sensível e inclusiva (SENASP/MJ, 2010). Essa adaptação das práticas policiais não apenas cumpre os mandatos legais, mas também promove uma segurança pública mais justa e acessível para todos.
3.2. Alinhamento Legal ao Serviço Policial
O alinhamento das práticas policiais às normativas legais é fundamental para assegurar um atendimento eficiente e inclusivo às pessoas com deficiência. A Nota de Instrução nº 001/2022-PM/3, da Polícia Militar do Paraná (PMPR), é um exemplo desse esforço, ao estabelecer procedimentos específicos para o atendimento a pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Conforme descrito no documento:
[…] a presente nota tem por finalidade estabelecer procedimentos gerais iniciais, PM e BM, no caso de atendimento ou abordagem em que pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) estejam presentes, sempre buscando preservar as integridades física e psicológica de todos os envolvidos na cena.
Entre os objetivos da nota, destaca-se a sensibilização do público interno ao tema e a capacitação dos militares estaduais para lidar adequadamente com pessoas identificadas com TEA e seus acompanhantes durante ocorrências. Além disso, o documento ressalta a importância de alinhar os procedimentos operacionais à bibliografia disponível, minimizando incidentes indesejados.
No Estado do Amapá, o procedimento operacional padrão (POP) reforça que
[…] todos os agentes de segurança pública […] devem considerar que podem abordar ou prestar atendimento a pessoa com deficiência que, por tal condição, não tem condições de atender aos comandos da equipe e, ainda, devem ter suas características levadas em consideração na interação humana (SESP AP, s.d.).
Adicionalmente, a Cartilha da SENASP/MJ (2013) enfatiza que a polícia deve estar preparada para atender a todas as situações, incluindo aquelas que envolvem pessoas com deficiência:
A polícia deve estar preparada para executar um serviço de excelência à sociedade e isso inclui preparar-se para atuar em quaisquer situações, estando envolvidas ou não pessoas com deficiência.
Essas iniciativas refletem um avanço importante na tentativa de alinhar as práticas policiais aos princípios legais, mas também destacam a necessidade de treinamentos contínuos e protocolos específicos. No contexto deste artigo, que busca analisar os desafios e propor soluções para abordagens inclusivas, fica evidente que o desenvolvimento de protocolos específicos e a capacitação contínua são indispensáveis. O sucesso desse alinhamento depende de um esforço conjunto entre legislação e prática operacional, promovendo uma segurança pública mais inclusiva e eficaz.
4. DESAFIOS E PROPOSTAS DE SOLUÇÃO
4.1. Diagnóstico dos Desafios no Contexto Policial
A inclusão de pessoas com deficiência no contexto da segurança pública apresenta desafios significativos, tanto no que diz respeito à preparação dos profissionais quanto à adequação das práticas operacionais. Conforme a Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida (SMPED, 2008), o preconceito e a discriminação ainda são barreiras importantes a serem superadas, frequentemente alimentadas pelo desconhecimento sobre as peculiaridades e necessidades das pessoas com deficiência. A cartilha enfatiza que “essas chamadas barreiras atitudinais somente serão derrubadas com a maior participação das pessoas com deficiência em todas as dimensões da sociedade” (SMPED, 2008).
No âmbito das abordagens policiais, um dos principais desafios é a falta de capacitação adequada para lidar com pessoas com deficiência de forma inclusiva e respeitosa. Como destaca a Cartilha da SENASP/MJ (2013), é imprescindível que os agentes estejam preparados para atuar em quaisquer situações, “estando envolvidas ou não pessoas com deficiência”, garantindo assim um serviço de excelência (SENASP/MJ, 2013). Entretanto, muitas vezes, a ausência de protocolos claros e o despreparo na comunicação com pessoas com deficiência resultam em interações inadequadas que comprometem a segurança e a dignidade dos envolvidos.
Além disso, fatores relacionados à acessibilidade e à integração também se mostram desafiadores. Não basta que um ambiente esteja fisicamente preparado ou equipado para atender pessoas com deficiência; é essencial que exista suporte adequado e comunicação efetiva para garantir a inclusão plena. A ausência de uma estrutura de apoio humano e comunicacional pode agravar a exclusão, dificultando a implementação de abordagens realmente inclusivas no contexto policial.
4.2. Propostas de Solução: Capacitação e Protocolos Operacionais
Para enfrentar os desafios identificados, é essencial investir na capacitação contínua dos profissionais de segurança pública e no desenvolvimento de protocolos específicos que promovam abordagens inclusivas. A cartilha de Orientação PolíciaMilitar para o atendimento à Pessoa com Deficiência (PMSP, s.d.) tem como objetivo fornecer aos policiais militares “orientações de como melhor atender as pessoas com deficiência, dentro da competência e missão da Polícia Militar, com dicas de relacionamento para melhorar a comunicação, independente de suas limitações”.
Entre as soluções práticas, sugere-se a implementação de programas de treinamento voltados para o conhecimento das peculiaridades e necessidades das pessoas com deficiência. Conforme a PMSP (s.d.), “faz-se necessário conhecer as peculiaridades e necessidades da pessoa com deficiência”, o que contribui para reduzir preconceitos e promover um atendimento mais respeitoso e eficaz (PMSP, s.d.).
Exemplos práticos de iniciativas já implementadas reforçam a importância dessas medidas. A Nota de Instrução nº 001/2022-PM/3, da Polícia Militar do Paraná, é um exemplo relevante de protocolo operacional que estabelece procedimentos claros para o atendimento de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A implementação dessa nota busca minimizar incidentes e melhorar a interação entre os policiais e a população atendida, alinhando as práticas operacionais aos princípios de inclusão e direitos humanos. Além disso, a SMPED (2008) reforça a importância de fornecer orientações práticas para melhorar a comunicação com base nas limitações específicas de cada indivíduo.
Outro ponto importante é o uso da tecnologia como ferramenta de inclusão. O acesso à informação e a recursos tecnológicos pode facilitar a comunicação e aumentar a autonomia das pessoas com deficiência. A SMPED (2008) destaca que “A oportunidade de utilização de tecnologias da informação tem papel fundamental no processo de inclusão”, sugerindo a adoção de soluções que garantam acessibilidade digital e apoio às necessidades individuais (SMPED, 2008).
Por fim, o desenvolvimento de protocolos operacionais padrão (POP) é fundamental para assegurar a padronização de procedimentos inclusivos. Exemplos como a Nota de Instrução nº 001/2022-PM/3, da Polícia Militar do Paraná, demonstram como diretrizes específicas podem contribuir para reduzir incidentes e promover um atendimento mais humanizado. A nota enfatiza que o objetivo é “minimizar a possibilidade de incidentes indesejados durante os atendimentos e abordagens”, alinhando as práticas policiais às bibliografias disponíveis (PMPR, 2022).
Essas iniciativas reforçam que a inclusão no contexto policial requer um esforço contínuo, envolvendo capacitação, uso de tecnologias e diretrizes específicas. Apenas por meio dessa integração será possível construir uma segurança pública mais eficiente, humanizada e alinhada aos princípios de acessibilidade e direitos humanos.
5. METODOLOGIA
Este estudo utilizou uma abordagem qualitativa, fundamentada em pesquisa documental e revisão bibliográfica. Os critérios para a análise documental incluíram a relevância dos materiais para o tema central, sua aplicabilidade prática no contexto da segurança pública e seu alinhamento com os princípios de inclusão e direitos humanos. Foram priorizados documentos normativos e operacionais, como o Decreto nº 3.298/1999, a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015) e a Nota de Instrução nº 001/2022-PM/3, além de cartilhas como a Cartilha de Atuação Policial na Proteção dos Direitos Humanos de Pessoas em Situação de Vulnerabilidade (2013).
A análise qualitativa foi realizada com base em categorias previamente estabelecidas, como acessibilidade, protocolos operacionais e capacitação. Esses critérios foram utilizados para identificar lacunas, destacando pontos de convergência e divergência entre as diretrizes normativas e as práticas observadas no cotidiano da PMPR. A escolha dos documentos foi justificada pela sua relevância prática no atendimento de grupos vulneráveis, especialmente no contexto regional do Paraná.
Para identificar as lacunas existentes, os documentos foram analisados à luz das práticas operacionais observadas na atuação da Polícia Militar do Paraná (PMPR). O cruzamento entre os desafios práticos e as diretrizes normativas revelou inconsistências, como a ausência de protocolos específicos e a falta de treinamentos regulares. Essa abordagem permitiu uma avaliação aprofundada das barreiras e possibilitou a formulação de soluções alinhadas às demandas locais.
A revisão bibliográfica complementou essa análise, explorando conceitos como acessibilidade, direitos humanos e práticas inclusivas na segurança pública. A experiência prática do autor, como integrante da PMPR, forneceu uma base interpretativa valiosa para conectar os resultados teóricos às necessidades do cotidiano policial. Essa perspectiva contribuiu para a formulação de propostas aplicáveis, como a criação de protocolos operacionais padrão (POP) e a ampliação de programas de capacitação.
6. RESULTADOS E DISCUSSÕES
A pesquisa revelou avanços relevantes no arcabouço normativo voltado para a inclusão de pessoas com deficiência, mas destacou desafios significativos na aplicação prática desses princípios, especialmente no contexto policial do Estado do Paraná. Um dos principais problemas constatados é a falta de capacitação específica dos profissionais de segurança pública para lidar com as peculiaridades e necessidades dessa população. Essa lacuna compromete a capacidade dos agentes em promover abordagens inclusivas, afetando a qualidade do atendimento e a garantia dos direitos fundamentais das pessoas com deficiência.
Outro ponto crítico identificado foi a ausência de protocolos operacionais padrão (POP) claros e abrangentes. A inexistência de diretrizes padronizadas dificulta a uniformidade nas práticas policiais em situações que envolvem pessoas com deficiência, gerando inconsistências nos procedimentos e abordagens que nem sempre respeitam a diversidade das necessidades dessa população. Essa constatação reforça a urgência de implementar protocolos que considerem as limitações específicas e ofereçam orientações práticas, promovendo uma atuação mais alinhada aos princípios de inclusão.
Como solução, o estudo destaca a necessidade de investir em treinamentos contínuos para os agentes de segurança pública, com foco no conhecimento das necessidades das pessoas com deficiência e na melhoria da comunicação adaptada. A adoção de práticas baseadas na empatia e no respeito às diferenças é fundamental para reduzir barreiras atitudinais e promover interações mais inclusivas e eficazes. Adicionalmente, a integração de tecnologias no contexto policial foi apontada como uma ferramenta relevante para facilitar a inclusão. Recursos tecnológicos podem ampliar o acesso à informação, melhorar a comunicação e contribuir para a autonomia das pessoas com deficiência, ao mesmo tempo em que auxiliam os agentes na execução de suas atividades.
Por fim, s resultados deste estudo evidenciam que as lacunas apontadas na introdução, como a ausência de protocolos operacionais padrão (POP) claros e a falta de capacitação específica, podem ser preenchidas por meio de propostas viáveis e alinhadas aos marcos normativos existentes. A adoção de treinamentos regulares e a padronização de procedimentos são medidas práticas que endereçam os desafios apresentados, fortalecendo a conexão entre teoria e prática no contexto da segurança pública no Paraná.
7. CONCLUSÃO
Este estudo alcançou os objetivos propostos ao identificar os principais desafios relacionados à abordagem policial a pessoas com deficiência no Estado do Paraná e propor soluções práticas para promover um atendimento mais inclusivo e eficiente. A análise evidenciou que, embora o estado tenha avançado em iniciativas como a Nota de Instrução nº 001/2022-PM/3, voltada ao atendimento de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), ainda existem lacunas significativas na capacitação dos agentes de segurança e na criação de protocolos abrangentes para atender outras deficiências.
A pesquisa revelou que a ausência de procedimentos operacionais padrão (POP) específicos compromete a uniformidade das práticas policiais e pode gerar abordagens inadequadas, violando os direitos fundamentais das pessoas com deficiência. Além disso, a falta de treinamentos regulares e de uma cultura organizacional sensível às questões de inclusão reforça a necessidade de esforços contínuos no estado para alinhar as práticas policiais aos princípios de acessibilidade e direitos humanos.
As contribuições deste estudo destacam que o Paraná possui potencial para se tornar uma referência nacional no atendimento a pessoas com deficiência, desde que amplie suas iniciativas voltadas à capacitação dos profissionais, ao desenvolvimento de protocolos claros e ao uso de tecnologias inclusivas. A adoção de tais medidas pode não apenas minimizar incidentes durante as abordagens, mas também fortalecer a confiança entre a comunidade e as forças de segurança, promovendo uma segurança pública mais humanizada.
Como limitação, a pesquisa baseou-se em análise documental e revisão bibliográfica, o que restringe a análise de dados empíricos. Sugere-se, para estudos futuros, a realização de pesquisas de campo no Paraná, incluindo entrevistas com agentes de segurança e pessoas com deficiência, para validar as propostas e aprofundar a compreensão sobre a aplicação prática das iniciativas já implementadas.
Conclui-se que o Estado do Paraná tem avançado em questões relacionadas à inclusão no contexto policial, mas a efetivação de uma abordagem inclusiva e respeitosa requer a ampliação de políticas públicas, o fortalecimento de treinamentos e a consolidação de diretrizes operacionais que promovam a dignidade, a acessibilidade e os direitos humanos de forma plena. Esses esforços são indispensáveis para transformar a segurança pública paranaense em um modelo de cidadania e inclusão.
REFERÊNCIAS
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1Policial Militar do Estado do Paraná, e-mail: rogerio.gomes@pm.pr.gov.br
2Discente do curso MBA em Gestão de Pessoas e Recursos Humanos da Faculdade Focus (CENES – Pós Graduações-afiliada). Policial Militar do Estado do Paraná, e-mail: valdecir.lima@pm.pr.gov.br