ABANDONO AFETIVO INVERSO DURANTE A PANDEMIA: A RESPONSABILIDADE CIVIL SOB A ÓTICA DO DEVER DO CUIDADO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7947148


Eduarda Sousa Belchio
Rafael Rodrigues Alves


RESUMO

O tema do presente trabalho é o abandono afetivo inverso efetivado quando se perpassou a pandemia de Covid-19 no que se refere a responsabilidade civil no âmbito da ótica do dever do cuidado. O objetivo geral do Trabalho de Curso é analisar o abandono afetivo inverso ao decorrer da pandemia de Covid 19 no que tange a responsabilidade civil sob a ótica do dever do cuidado. Os objetivos específicos foram descrever as noções gerais do abandono afetivo inverso; caracterizar o abandono afetivo inverso perpassando a pandemia causada pelo Covid-19 no âmbito do impacto do distanciamento social no afeto e na visitação de parentes idosos; examinar a responsabilidade civil em decorrência da ausência do dever do cuidado no abandono afetivo inverso na pandemia de Covid-19. A metodologia do trabalho é composta por uma pesquisa descritiva com enfoque de uma pesquisa qualitativa em que foram pesquisados artigos, teses e dissertações que abordavam o tema da pesquisa, os trabalhos encontrados foram agrupados de acordo com suas temáticas e os dados foram descritos ao decorrer do presenta trabalho. Os resultados comprovam compreensões atuais sobre o abandono afetivo inverso, características próprias do abandono afetivo inverso na pandemia no âmbito do impacto do distanciamento social no afeto e na visitação de parentes idosos, a responsabilidade civil devido à ausência do dever do cuidado no abandono afetivo inverso na pandemia. Conclui-se que os trabalhos envolvendo o tema pesquisado carecem de continuarem a ser realizados para acontecerem ações que possibilitem diminuir o índice de abandono afetivo inverso na sociedade.

PALAVRAS CHAVE: Afeto. Covid-19. Pandemia.

ABSTRACT

The theme of the present work is the inverse effective abandonment affected when the Covid-19 pandemic took place in terms of civil liability within the scope of the duty of care. The general objective of the Course Work is to analyze the reverse effective abandonment during the Covid 19 pandemic in terms of civil liability from the perspective of the duty of care. The specific objectives were to describe the general notions of reverse effective abandonment; to characterize the reverse effective abandonment permeating the pandemic caused by Covid-19 within the scope of the impact of social distancing on the affection and visitation of elderly relatives; to examine civil liability as a result of the absence of the duty of care in reverse effective abandonment in the Covid-19 pandemic. The methodology of the work is composed of descriptive research with a focus on qualitative research in which articles, theses, and dissertations that addressed the research theme were researched, the works found were grouped according to their themes, and the data were described during the research. presents work. The results prove current understandings about reverse effective abandonment, characteristics of reverse effective abandonment in the pandemic in terms of the impact of social distancing on affection and visitation of elderly relatives, and civil liability due to the absence of the duty of care in reverse effective abandonment in a pandemic. It is concluded that the works involving the researched theme need to continue to be carried out for actions to take place that make it possible to reduce the rate of inverse effective abandonment in society.

Keyword: Affection. Covid-19. Pandemic.

1. INTRODUÇÃO

É abordado que a sociedade atual enfrenta entraves que carecem de ser diminuídos para podermos viver melhores relacionamentos com as pessoas que possuímos uma convivência. Um desses entraves é o abandono afetivo inverso, sendo, o não comprimento do dever dos pais proporcionarem afeto com seus filhos, já que isso é uma responsabilidade civil, e essa negativa do afeto concretiza-se no instante em que não existe responsabilidade na formação ou cuidado com os filhos (NUNES, 2021).

Outro entrave que enfrentamos atualmente é a pandemia de Covid-19, sendo, uma pandemia ocasionada pelo coronavírus que acarretou o distanciamento entre as pessoas para que a contaminação do vírus não fosse continuada (PRIMO, 2020). No entanto, mesmo enfrentando a pandemia de Covid-19 as pessoas continuaram a enfrentar seus entraves cotidianos, por exemplo, o abandono afetivo inverso.

Com base nas reflexões expostas anteriormente e na leitura de artigos e trabalhos pergunta-se: como o abandono afetivo inverso aconteceu ao transcorrer da pandemia de Covid-19 no que tange a responsabilidade civil sob a ótica do dever do cuidado?

O objetivo geral da pesquisa é analisar o abandono afetivo inverso ao decorrer da pandemia de Covid 19 no que tange a responsabilidade civil sob a ótica do dever do cuidado. Os objetivos específicos foram descrever as noções gerais do abandono afetivo; caracterizar o abandono afetivo inverso perpassando a pandemia causada pelo Covid-19 no âmbito do impacto do distanciamento social no afeto e na visitação de parentes idosos; examinar a responsabilidade civil em decorrência da ausência do dever do cuidado no abandono afetivo inverso na pandemia de Covid-19.

A pesquisa possui uma justificativa. Sua concretização justifica-se, pois, o tema envolvendo abandono afetivo inverso durante a pandemia de Covid-19 referindose a responsabilidade civil no âmbito da ótica do dever do cuidado é um tema que estudantes da área do direito precisam adquirir saberes em prol de que possam conter um suporte teórico que lhes auxiliara ao perpassar da sua carreia profissional quando depararem-se com situações envolvendo o abandono afetivo inverso.

A presente pesquisa é uma pesquisa descritiva com enfoque de uma pesquisa qualitativa. De forma que, a pesquisa descritiva acontece no instante em que o pesquisador realiza a descrição de determinado contexto e estabelece relacionamento com as variáveis (OLIVEIRA JUNIOR, 2017). Já a pesquisa qualitativa consiste em um método que não possui o uso de elementos estatísticos para a efetivação de analisar o problema (OLIVEIRA JUNIOR, 2017).

No que se refere aos procedimentos da pesquisa descritiva com enfoque na pesquisa qualitativa foram pesquisados artigos, dissertações e teses das bases de dados da Scielo e Portal Periódicos da CAPES. Nesse momento, foram pesquisados trabalhos que continham as palavras-chave: abandono afetivo inverso, pandemia de Covid-19, responsabilidade civil sob a ótica do dever do cuidado, distanciamento social no afeto, visitação de parentes idosos e ausência do dever do cuidado.

Após pesquisados os trabalhos ocorreu a análise dos dados por meio da averiguação dos dados que estavam contidos nos trabalhos. Depois, os dados encontrados foram agrupados em grupos, sendo, descrição das noções gerais do abandono afetivo, caracterização do abandono afetivo inverso perpasando a pandemia causada pelo covid-19 no âmbito do impacto do distanciamento social no afeto e a visitação de parentes idosos, responsabilidade civil em decorrência da ausência do dever do cuidado no abandono afetivo inverso na pandemia de Covid-19. Os resultados encontrados em cada grupo foram descritos aos decorrer dessa pesquisa.

2. NOÇÕES GERAIS DO ABANDONO AFETIVO

O abandono afetivo é, em suma, o descumprimento do dever dos pais de concederam afeto para seus filhos, preceituado no artigo 1.634 do Código Civil, que gera responsabilidade civil. Assim, a negativa de afeto se dá quando não há, por exemplo, cuidado, responsabilidade na formação, empenho na aprendizagem e/ou interesse na participação do ente abandonado (NUNES, 2021).

O abandono afetivo de crianças não é uma prática moderna ou em contextos inéditos no âmbito social, pelo contrário, o que mudou foi a própria sociedade e as relações familiares, que passaram a ser pautadas no afeto e na dignidade da família seus entes queridos. Como resultado da avaliação e aceitação dos princípios relativos às relações familiares. A nova situação, portanto, insere o tema a ser discutido aqui também. (SOUZA, 2016).

De forma geral, conforme Sousa (2022) o abandono afetivo é definido como a privação dos filhos da convivência com os pais, seja porque o pai ou a mãe o abandonou , seja porque um dos genitores se compromete a manchar a imagem do outro para que o filho não queira permanecer na vida daquele genitor.Nesse contexto, o abandono afetivo decorre do descumprimento dos deveres de cuidado impostos pela legislação pátria, como, por exemplo, ausência de apoio moral, assistencial e convivência harmoniosa do (a) genitor(a) para com a prole, ocasionando danos à própria personalidade da criança ou do adolescente, que podem perdurar durante toda a vida do indivíduo (HENRIQUES, 2019).

O abandono afetivo pode causar prejuízos emocionais aos filhos, comprometendo até mesmo a formação intelectual e a personalidade da criança. Muitas vezes, o filho negligenciado precisa passar por constantes tratamentos psicológicos para poder suportar abandono afetivo paterno (ÂNGELO, 2005). Por isso, o abandono afetivo é um dano causado à personalidade da criança e do adolescente.

Como consequências do abandono afetivo dos pais com os seus filhos, Pereira (2018) menciona que geralmente essas crianças quando adolescentes realizam o consumo álcool de forma excessiva, são assim uma porta aberta para o consumo de outras drogas, e assim se apresentam perante a sociedade com comportamento agressivo, evidenciando assim ainda mais os danos que a ausência de uma estrutura familiar causa aos seus membros. Em função disso, os pais são responsabilizados civilmente pela ausência na criação dos filhos.

3 ABANDONO AFETIVO INVERSO

O artigo 229 da Constituição Federal, diz que os filhos possuem a obrigação de auxiliar os progenitores durante a velhice, no adoecimento e no momento de escassez (Brasil, 1988). Para os filhos que não exercem seus deveres e acabam abandonando os seus pais, o artigo 98 da Lei 10.741/2003, popularmente conhecida como Estatuto do Idoso, prevê punição: O Artigo 98 determina que quem pratica o ato de abandonar idosos em albergues, em clínicas de saúde, hospitais, casas de saúde, instituições de longa permanência, ou ambientes semelhantes a estes ou que não realizam o auxílio de suas demandas básicas perante a lei ou mandado, será responsabilizado judicialmente cumprindo a pena de detenção de seis meses a três anos mais uma punição (BRASIL, 2003).

Já o artigo 230 da Constituição Federal de 1988 determina que a família possui o dever de auxiliar os idosos, garantindo que este participe ativamente na comunidade, assim como também é dever da família defender a dignidade e o bemestar e assegurando-lhes o direito à vida. Porém, quando isso não acontece, se estabelece o abandono afetivo inverso, que acontece quando os pais são abandonados pelos filhos durante a velhice. Esse tipo de abandono causa dor e humilhação ao idoso, devido à negação de afeto, do convívio familiar ou alimentar, comprometendo dessa forma o idoso sob o ponto de vista material e psicológico (OLIVEIRA, 2018).

Nesse contexto, a palavra “inverso” se relaciona diretamente com “a equação às avessas do binômio da relação paterno-filial, ou seja, os filhos devem cuidar dos pais idosos, assim como, os pais devem cuidar dos filhos na infância (Viegas & Barros, 2016, p.188). Dessa forma, quando o abandono afetivo dos filhos com os pais é concretizado, este é considerado como um grande abandono moral, e os filhos podem ser responsabilizados judicialmente, levando em consideração os artigos terceiro e quarto do Estatuto do Idoso que definem os deveres da prole com seus progenitores.

Há de mencionar que a pandemia causada pelo COVID-19 trouxe graves consequências para os idosos, que ficaram ainda mais abandonados de fato, e o abandono afetivo inverso se alastrou de forma mais evidente.

4. A RESPONSABILIDADE CIVIL EM DECORRÊNCIA DA AUSENCIA DO DEVER DO CUIDADO: ABANDONO AFETIVO INVERSO

Embora não haja disposição específica sobre a responsabilidade civil em relação às relações familiares no ordenamento jurídico atual, é possível perceber que existe a proteção contra qualquer violação à honra, intimidade e dignidade das pessoas nessas relações. O princípio da solidariedade familiar é um fundamento essencial de nosso sistema jurídico, no qual se reconhece que todos os membros da família têm o dever de cuidado, e quando esse dever não é cumprido, há uma violação que deve ser reparada, pois afeta os preceitos de vida digna que são garantidos a todos. O respeito aos direitos fundamentais de cada pessoa é fundamental para manter um convívio saudável na família, mas quando essa relação é rompida e há dano, aquele que causou a ofensa deve repará-la de alguma forma, conforme argumentam Rodrigues e Santos (2019).

No que se refere ao tema do Abandono Afetivo Inverso, é possível aplicar a responsabilidade civil, pois a omissão do filho em relação aos cuidados legais, proteção, atenção e afeto devidos ao seu progenitor configura uma conduta negligente. Mesmo que não haja uma intenção deliberada de abandonar o idoso, este pode exigir uma compensação por parte de seu descendente com base na clara e evidente conduta omissiva representada pelo abandono. É adequado responsabilizar o abandono de idosos maltratados e que muitas vezes passam por necessidades (PUIATI FAGUNDES, 2021).

A existência do dano é um dos requisitos da responsabilidade civil, pois não é possível discutir a relação de indenização com a conduta sem que haja dano ou lesão. Quando ocorre um prejuízo, seja ele moral ou material, surge a necessidade de reparar esse dano; se não há dano, não há o que falar em responsabilidade civil.

No campo jurídico, o abandono afetivo refere-se à falta de afeto familiar, afeto familiar e cuidado entre os membros da família, principalmente entre pais e filhos, resultando em desamparo mútuo. Devido a essa deficiência nas relações pessoais, o recurso ao judiciário para indenização pecuniária é cada vez mais comum, principalmente quando a vítima é uma pessoa que naturalmente necessita de mais cuidados e possui uma condição física frágil, como crianças pequenas e idosos.

As emoções devem ser devidamente protegidas por operadores legítimos, a busca de compensação nada mais é do que uma tentativa do pária de aliviar a humilhação e a dor, e o não reconhecimento da emoção, como ensina Rizzard (2007, p. 686), acaba impedindo sua plena realização, menospreza os sentimentos da natureza humana. As leis, portanto, não podem passar por algum dos estados pelos quais o homem passa, sem lhe conceder proteção, ou buscar ou restaurar a ordem abalada ou afetada.

O problema jurídico do abandono afetivo inverso diz respeito à responsabilização do filho que abandona emocionalmente seu pai ou mãe idoso. Embora seja inquestionável que os filhos devam prestar auxílio material aos pais, conforme previsto no artigo 230 da Constituição, que estabelece o dever da família, sociedade e Estado de amparar os idosos, é impossível garantir que essas pessoas serão tratadas com respeito e atenção. Mesmo que um filho cumpra suas obrigações financeiras para com seus pais, não se pode exigir que ele mantenha uma convivência saudável baseada em amizade, companheirismo e solidariedade. Por isso, o abandono afetivo é mais prejudicial do que o abandono material, pois a deficiência financeira pode ser suprida por outras fontes, como amigos ou programas do Estado, mas o carinho negado por um filho não pode ser substituído.

A lei estabelece o dever de cuidado que pode ser imposto por meio de sanções penais e civis. Embora não amar não signifique deixar de fornecer o mínimo essencial de atenção e carinho. Quando os filhos eram crianças, os pais os ajudavam a dar os primeiros passos, davam-lhes comida na boca, banho, trocavam suas roupas e ensinavam a falar. Com o tempo, à medida que os pais envelhecem, é o idoso que precisa dessa mesma atenção: ser ouvido com paciência, ajudado com a higiene, apoiado ao caminhar e até ensinado sobre as novidades do mundo atual para que não se sintam excluídos.

A jurista Gisela Maria Fernandes Moraes Hironaka criou a Teoria do Desamor (LIMA, 2023) com base no princípio da afetividade, que defende a possibilidade de indenização para o pai que, apesar de ter cumprido com suas obrigações financeiras em relação ao filho, não o amparou emocionalmente. Essa teoria também pode ser aplicada em casos de abandono afetivo inverso, já que a jurisprudência dos tribunais tem reconhecido cada vez mais a necessidade de proteger juridicamente a afetividade familiar em todas as suas formas.

O afeto como valor jurídico incorpora pressupostos que vão além do amor e das demonstrações de carinho, incluindo o cuidado, a dedicação e a atenção dispensados, reconhecendo em cada pessoa sua dignidade e seus direitos. Consequentemente, situações de abandono afetivo são caracterizadas pelos elementos da responsabilidade civil, ou seja, ação ou omissão, nexo de causalidade e dano.

Para entender o abandono afetivo inverso, é necessário analisar cada caso individualmente, pois nem todos os laços familiares têm o nexo de causalidade necessário. Idosos são indivíduos que precisam de cuidados especiais, pois são mais vulneráveis e precisam de atenção para envelhecer de forma saudável. Se esses cuidados são negados, isso pode levar a danos emocionais e psicológicos, o que estabelece o nexo causal entre o abandono afetivo inverso e esses possíveis danos. Negar esses direitos é uma omissão de cuidados que pode resultar em danos à saúde mental, moral ou física do idoso abandonado.

No Brasil, devido ao aumento da expectativa de vida da população idosa, existe uma mudança significativa na estrutura demográfica, gerando novos debates e uma atenção especial. O Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741 de 2003, define pessoa idosa como aquela com idade igual ou superior a 60 anos e garante vários direitos, incluindo o direito à dignidade e à convivência familiar, que é o foco desta discussão.

O artigo 3º do Estatuto estabelece que é obrigação da família, da comunidade e do Poder Público garantir ao idoso, com prioridade, a realização de todos os seus direitos, permitindo uma vida tranquila e um envelhecimento saudável, com acesso a toda a assistência material e imaterial necessária. O abandono afetivo, por sua vez, ocorre quando os filhos não fornecem essa assistência, seja ela material ou imaterial.

Ao avaliar casos de abandono afetivo, é necessário levar em conta não apenas o momento do abandono, mas também o contexto geral da relação e como cada pessoa foi tratada no passado. Fatores culturais, sociológicos e psicológicos devem ser considerados para compreender as razões por trás das ações de cada um. Não é automático que o abandono em si resulte em responsabilização legal. É essencial contar com a avaliação de profissionais da área de psicologia e assistência social, que podem fornecer informações importantes para uma abordagem humana e justa do caso. De fato, o novo Código de Processo Civil prevê a mediação e conciliação nessas questões de família, exigindo que o juiz disponha de auxílio de profissionais de outras áreas para ajudar na resolução consensual das disputas.

Ao se tratar da responsabilidade civil no abandono afetivo, é essencial considerar os princípios fundamentais do Direito de Família, que estão intimamente ligados a questões como a dignidade humana, a personalidade, as experiências traumáticas vividas no âmbito familiar, as relações entre os indivíduos vulneráveis, como as crianças e os idosos, e os membros da família. Quando ocorre o abandono afetivo, é necessário reparar os danos causados aos indivíduos vulneráveis que sofrem com essa situação. Embora o pagamento de indenização pecuniária não seja a única forma de reparação necessária para a omissão no cumprimento dos deveres de cuidado e amparo, é uma tentativa pedagógica de se reparar a falta de cumprimento desses deveres paterno-filiais, pois o cuidado é um dever e deve ser reparado quando não é cumprido.

Uma norma mais específica, como previsto nos Projetos de Lei nº 4.294 e 4.562, pode ser considerada um avanço para a aplicação adequada do instituto do abandono afetivo, eliminando qualquer ambiguidade ou incerteza. No entanto, há uma preocupação em relação à possibilidade de uma demanda excessiva e infundada por parte daqueles que buscam a utilização deste instituto, o que pode resultar em uma “indústria do dano moral” no Direito de Família. Por essa razão, é importante que o instituto seja aplicado com cautela em cada caso individual e que a reparação dos danos morais não se limite à indenização financeira. Considerando que o afeto, um sentimento pessoal que não pode ser valorizado monetariamente, é o principal elemento dessas relações, é essencial incentivar o convívio entre a vítima e o réu, mesmo após a reparação por meio de indenização, para evitar que esse dano continue a afetar a relação entre eles.

4.1 CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO ABANDONO AFETIVO INVERSO INTENSIFICADO PELA PANDEMIA

Após o surgimento da pandemia COVID-19, o Congresso Nacional promulgou a Lei nº13.979, em 06 de fevereiro de 2020, para estabelecer formas de lidar com a emergência de saúde pública decorrente da doença. Uma dessas formas é o isolamento social, que implica no distanciamento das pessoas de seus relacionamentos para impedir a propagação do vírus e minimizar seus efeitos nocivos. Nesse sentido, várias normas federais, estaduais e municipais foram criadas para identificar grupos de risco e impor restrições a eles, incluindo o isolamento social, a fim de protegê-los. Entre esses grupos de risco estão os indivíduos com 60 anos de idade ou mais, que são definidos como idosos pelo Estatuto do Idoso.

A vida da população brasileira foi severamente afetada pela pandemia da COVID-19, especialmente na área da saúde. Os idosos, que são considerados um grupo vulnerável, foram ainda mais afetados, já que quando infectados pelo vírus, apresentam maior risco de complicações em relação às pessoas mais jovens. De acordo com Bezerra, Lima e Dantas (2020, p. 3), apesar da média de idade dos infectados ser de 49 anos, a letalidade é maior entre pessoas com 60 anos ou mais ou que possuem doenças pré-existentes. A letalidade entre os idosos de 60 a 69 anos é de 3,6%, o que é maior do que a letalidade geral da população, que é de 2,8%. Nos idosos entre 70 e 79 anos, a letalidade é de 8%, e nos idosos com 80 anos ou mais, a letalidade é de 14,8%. No Brasil, até 20 de abril de 2020, foram registrados 2.575 óbitos por COVID-19, o que representa uma letalidade de 6,3%. Dos óbitos confirmados, 72,5% eram de pessoas com mais de 60 anos.

Em relação ao isolamento social imposto aos idosos durante a pandemia, é importante ressaltar que isso não deve ser utilizado como justificativa para a exclusão da responsabilidade dos filhos em relação aos cuidados com seus pais idosos. É preciso lembrar que o isolamento excessivo pode levar ao abandono afetivo inverso, e que existem outras formas de manter a presença e cuidado com essas pessoas vulneráveis, além do contato físico. As normas criadas para proteger os idosos durante a pandemia não devem ser usadas para justificar o abandono afetivo inverso. Os filhos não podem invocar as regras de isolamento social como uma forma de excluir sua responsabilidade de proteger, acolher e cuidar de seus pais idosos.

Durante a pandemia da Covid-19, a falta de contato com familiares e amigos foi um dos impactos mais significativos na vida dos idosos. O distanciamento social necessário para evitar a propagação do vírus teve um efeito negativo na saúde mental e no bem-estar dos idosos. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) realizou uma pesquisa que revelou que o isolamento em casa enfraqueceu as redes de apoio social dos idosos, envelheceu suas rotinas diárias e agravou o medo do contágio devido à solidão e ao sentimento de abandono. Além disso, os idosos que vivem em Instituições de Longa Permanência (ILPI) foram particularmente afetados pelo isolamento social, que fragilizou as relações familiares e resultou em casos de abandono afetivo inverso, onde os filhos não cumpriram com o dever de cuidado para com seus pais idosos.

Durante uma situação de emergência de saúde, como a pandemia da Covid- 19, é importante que a Constituição Federal de 1988 sirva como parâmetro para estabelecer restrições de direitos, e que seus valores e princípios sejam seguidos para orientar as decisões políticas que visam superar a crise sanitária. Nesse sentido, os filhos maiores devem demonstrar solidariedade intergeracional e proteger seus pais idosos, especialmente aqueles que vivem em Instituições de Longa Permanência (ILPI). As medidas sanitárias adotadas durante a pandemia não devem servir como uma forma de se eximir da responsabilidade de cuidar dos pais idosos.

De acordo com a perita das Nações Unidas em direitos das pessoas idosas, Rosa Kornfeld-Matte, a exclusão social dos idosos é agravada pelas medidas de distanciamento social, como a proibição de visitas em casas de repouso, e o distanciamento social não deve se tornar uma forma de exclusão social. Embora o isolamento social seja necessário para a proteção coletiva, é preciso considerar a vulnerabilidade dos idosos que moram em Instituições de Longa Permanência (ILPIs) e manter o convívio familiar, respeitando as medidas sanitárias. É possível manter o cuidado e o afeto através de outros meios.

A restrição total do direito de visitação pode afetar significativamente a saúde e o bem-estar do idoso, que pode se sentir excluído sem o convívio familiar. Portanto, essa medida deve ser analisada uma a uma para evitar violações da integridade psíquica do idoso residente.

É essencial que a Constituição Federal de 1988, seus princípios e valores, sejam utilizados como parâmetros para estabelecer medidas restritivas durante a crise pandêmica. Ademais, é importante destacar que o cuidado e afeto durante a pandemia não devem ser proibidos, mas sim ressaltados, visto que a Constituição estabelece aos filhos maiores o dever de cuidar de seus pais idosos durante toda a vida. A pandemia da Covid-19 evidenciou a urgência de proteger grupos sociais vulneráveis, levando em conta sua situação já precária. Portanto, as medidas de distanciamento social devem ser elaboradas com consideração às assimetrias existentes nas relações jurídicas, protegendo não apenas a saúde da coletividade, mas também a vida com dignidade das pessoas residentes em Instituições de Longa Permanência (ILPI).

5. CONCLUSÃO

O objetivo geral do Trabalho de curso analisar abandono afetivo inverso ao decorrer da pandemia de Covid 19 no que tange a responsabilidade civil sob a ótica do dever do cuidado. Os objetivos específicos foram descrever as noções gerais do abandono afetivo; caracterizar o abandono afetivo inverso perpasando a pandemia causada pelo covid-19 no âmbito do impacto do distanciamento social no afeto e visitação de parentes idosos; examinar a responsabilidade civil em decorrência da ausência do dever do cuidado no abandono afetivo inverso na pandemia de covid-19.

Os resultados comprovam historicidade e compreensões atuais sobre o abandono afetivo inverso, importância do princípio da afetividade, características significativas do abandono afetivo inverso, a pandemia causada pelo Covid19 elacionando-se com o abandono afetivo inverso e visitação de parentes idosos, responsabilidade civil em decorrência da ausência do dever do cuidado no abandono afetivo inverso e consequências jurídicas do abandono afetivo inverso intensificado pela pandemia

Contudo, é preciso que no ambiente acadêmico sejam efetivados pesquisas que contenham como tema o abandono afetivo inverso ao perpassar da pandemia da Covid-19 no âmbito da responsabilidade civil sob a ótica do dever do cuidado, pois, é um tema com grandes contribuições reflexivas que pode servir como base para ações que colaborem com a diminuição do abandono afetivo inverso em prol de uma sociedade que contenha maior harmonia nos relacionamentos familiares.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANGELO, E. M. A. A responsabilidade civil dos pais por abandono afetivo dos filhos e o princípio da dignidade da pessoa humana. Intertem@ s, v. 10, n. 10, p. 1677- 1281, 2005.

ALMEIDA, S.S. Abandono afetivo inverso. Monografia apresentada ao Curso de Direito- Universidade Evangélica de Goiás, Anápolis, 2021.

ARAÚJO, R. F. S.; MOUCHEREK, M. C. Abandono afetivo na infância e os danos psicológicos: Uma revisão integrativa da literatura . Research, Society and Development, v. 11, n. 15, ed. 2022.

CARVALHO, A.C.M. Responsabilidade civil pelo abandono afetivo inverso. Monografia apresentada ao Curso de Direito- Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2018.

DIAS, M. B. Manual de direito das famílias. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 22. ed. São Paulo: Saraiva. p. 516, V. 5, 2007.

GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo curso de direito civil, 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2021. Disponível em: https://www.saraiva.com.br/novocursodedireitocivil-1-parte-geral-9428486/p. Acesso em: 25 set 2022.

GONÇALVES, Q.J. Abandono afetivo: sua consequência civil e psicológica. Monografia para conclusão do curso de Bacharelado em Direito- Centro universitário UNIRB – Alagoinhas, Alagoinhas, 2021.

GRISARD, W. F. Famílias reconstituídas: Breve introdução ao seu estudo. In:

Direito de família e psicanálise: Rumo a uma nova epistemologia. Rio de Janeiro: Imago, 2003.

HAMMERSCHMIDT, A.; SANTANA, K. S. Saúde do idoso em tempos de pandemia Covid-19. Cogitare enfermagem, v. 25, 2020.

HENRIQUES, B.F. Abandono afetivo: da responsabilização civil pelo dano existencial. Monografia para conclusão do curso de Bacharelado em Direito- Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2019.

LÔBO, P. Quais os limites e a extensão da tese de repercussão geral do STF sobre socioafetividade e multiparentalidade? IBDFAM, Belo Horizonte, v. 22 p. 11-27, 2017.

LOMEU, L. S. Afeto, abandono, responsabilidade e limite: diálogos sobre ponderação. Revista IOB de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese, v. 11, p. 105-117, 2010.

LIMA, E. I. Teoria do desamor: responsabilidade civil por abandono afetivo sob o amparo do princípio da afetividade. 2015. Disponível em:

<https://jus.com.br/artigos/53138/teoria-do-desamor-responsabilidade-civil-por- abandono-afetivo-sob-o-amparo-do-principio-da-afetividade>. Acesso em 22 mar. 2023.

LIMA, L. R.; MOTA, K. A. G. Abandono Afetivo Inverso: Possibilidade de Reparação Civil a Luz da Legislação Brasileira. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-de-familia/abandono-afetivo- inversopossibilidade-de-reparacao-civil-a-luz-da-legislacao-brasileira/. Acesso em: 22 mar. 2023.

LUZ, L. S. P. Responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva no direito do trabalho. Disponível em: <http://www.oab- sc.org.br/artigos/responsabilidade-civil-subjetiva-eobjetiva-no-direito-do- trabalho/445>. Acesso: 22 mar. 2023.

NUNES, E. C. O abandono afetivo e a vulnerabilidade de LGBTQIAP+. Monografia para conclusão do curso de Bacharelado em Direito- Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2021.

OLIVEIRA JÚNIOR, C.G. Abandono afetivo inverso: responsabilidade civil e a senexão. Monografia apresentada ao Curso de Direito- Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2020.

OLIVEIRA JÚNIOR, E. L. Pesquisa científica na graduação: um estudo das vertentes temáticas e metodológicas dos TCC’s. 2017. 25 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Contábeis) – Faculdade de Ciências Integradas do Pontal, Universidade Federal de Uberlândia, Ituiutaba, 2017.

OLIVEIRA, R.B. Responsabilidade civil no abandono afetivo inverso. Monografia apresentada ao Curso de Direito- Universidade do Sul de Santa Catarina, Braço do Norte, 2018.

OLIVEIRA, V. V. et al. Impactos do isolamento social na saúde mental de idosos durante a pandemia pela Covid-19 / Impacts of social isolation on the mental health of the elderly during the pandemic by Covid-19. Brazilian Journal of Health

Review, v. 4, n. 1, 2021. Disponível em: https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BJHR/article/view/25339. Acesso em: 31 mar. 2023.

OLIVEN, L. R. A. Alienação Parental: a família em litígio. Dissertação de Mestrado- Universidade Veiga de Almeida, Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade, Rio de Janeiro, 2010.

PEREIRA, C. M. S. Instituições de Direito Civil– Volume V – Direito de Família. Ed. 20, Revista e atualizada. Rio de Janeiro: Grupo Editorial Nacional e Editora Forense, 2012.

PEREIRA JUNIOR, A. J.; DE OLIVEIRA NETO, J.W. (In) viabilidade do princípio da afetividade. Universitas Jus, v. 27, n. 2, 2016.

PEREIRA, M. D et al. The COVID-19 pandemic, social isolation, consequences on mental health and coping strategies: an integrative review. Research, Society and Development, v. 9, n. 7, 2020. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/4548. Acesso em: 31 mar. 2023.

PEREIRA, P. A. Responsabilidade civil por abandono afetivo. Monografia apresentada ao Curso de Direito- Centro Universitário Toledo, Araçatuba, 2018.

PEREIRA, R. C.; SILVA, C. M. Nem só de pão vive o homem. Brasília: Sociedade e Estado, v. 21, n. 3, p. 667-680, 2006.

PUIATTI FAGUNDES, A. M. Abandono Afetivo Inverso em Tempos de Pandemia. Trabalho de Conclusão de Curso(Graduação) Universidade Federal do Pampa, 2021. 43 pp.

RAMÍREZ, J. O. et al. Consecuencias de la pandemia COVID – 19 en la Salud Mental asociadas al aislamiento social. SciELO Preprints, p.1–21, 2020.

REPUBLICANO, N. B. A. A possibilidade de responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo inverso. Monografia apresentada ao Curso de Direito- Universidade Federal de Santa Catarina, 2018.

RIZZARDO, A. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2009. 963 p.

ROSSOT, R. B. O afeto nas relações familiares e a faceta substancial do princípio da convivência familiar. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. 9. ed. Belo Horizonte: IBDFam, 2009.

SANTOS, S. S. et al. Social isolation: a look health elderly mental during the COVID-19 pandemic. Research, Society and Development, v. 9, n. 7, 2020. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/4244. Acesso em: 31 mar. 2023.

SARAIVA, F. SIMÕES, M.R., FIRMINO, H. Avaliação psicológica dos comportamentos de condução de pessoas mais velhas. Saúde Mental das Pessoas mais Velhas, 2016, p. 183- 200. Disponível em: https://eg.uc.pt/bitstream/10316/47534/1/Capitulo-lidel.pdf. Acesso em: 31 mar. 2023.

SHRIRA, A. et al. COVID-19-Related Loneliness and Psychiatric Symptoms Among Older Adults: The Buffering Role of Subjective Age. Am J GeriatrPsychiatry, v. 28, n. 11, p. 1200-1204, 2020.

STROEBE, M., SCHUT, H., STROEBE, W. Health outcomes of bereavement. Lancet, v. 370, n. 9603, 2007. Disponível em:< https://doi.org/10.1016/S0140 – 6736(07)61816 – 9>. Acesso em 23 mar. 2023.

SILVA, S. B. Abandono afetivo: uma crítica aos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional. Monografia para conclusão do curso de Bacharelado em Direito- Faculdade de Direito de Alagoas, Alagoas, 2020.