A VULNERABILIDADE DOS IDOSOS EM SITUAÇÃO DE RUA NO CONTEXTO DA PANDEMIA DE COVID-19

THE VULNERABILITY OF HOMELESS ELDERLY PEOPLE IN THE CONTEXT OF THE COVID-19 PANDEMIC

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7437957


Lincoln Pereira dos Santos1
Raiany Soares Sales2
Luciana Adélia Sottili3


Resumo:

O processo de envelhecimento por si só já acarreta diversas dificuldades para a pessoa idosa, visto isso pode-se imaginar o quão penoso foi vivenciar uma pandemia de caráter mundial em uma situação de extrema vulnerabilidade, que é viver nas ruas. A pessoa idosa naturalmente faz parte de um grupo de risco, caracterizado por diversas dificuldades e comorbidades, por esse motivo e devido a extrema desigualdade social que assola o país, os idosos em situação de rua se viram impotentes diante das medidas de segurança impostas durante a pandemia. Desta forma, o presente artigo possui a premissa de realizar considerações acerca da situação da pessoa idosa e a violência sofrida por este grupo no contexto da pandemia na circunscrição do Município de Porto Velho/RO, com enfoque no período pandêmico da Covid-19, sobretudo quando se tem em perspectiva o processo de envelhecimento e as mazelas trazidas por tal, assim como o estado de constante vulnerabilidade que acomete as pessoas sem moradia designada.

Palavras-chaves: Idosos, Situação de rua, Envelhecimento, Direitos Humanos, Covid-19.

Abstract:

The aging process itself already entails several difficulties for the elderly person, as one can imagine how painful it was to experience a global pandemic in a situation of extreme vulnerability, which is living on the streets. The elderly are naturally part of a risk group, characterized by various difficulties and comorbidities, for this reason and due to the extreme social inequality that plagues the country, the elderly in a street situation found themselves powerless in the face of the security measures imposed during the pandemic. In this way, this article has the premise of making considerations about the situation of the elderly and the violence suffered by this group in the context of the pandemic in the district of the Municipality of Porto Velho / RO, with a focus on the pandemic period of Covid-19, especially when one has in perspective the aging process and the ills brought about by it, as well as the constant state of vulnerability that affects people without designated housing.

Keywords: elderly, homelessness, aging, human rights, Covid-19.

INTRODUÇÃO

A pessoa idosa possui características de maior suscetibilidade a enfermidades, dificuldade de locomoção, maior custo de vida e menor apoio social, tornando o ato de envelhecer por si só um sinônimo de perda das capacidades autônomas. Com isso, é necessária uma observância especial ao tratamento dado àqueles que se encontram em tal fase da vida (VERAS; OLIVEIRA, 2018).

Tendo em vista que o presente trabalho tem como enfoque a população idosa no Município de Porto Velho/RO, faz-se necessário analisar dados coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável por prover e divulgar dados e informações de natureza demográfica, social e econômica sobre o país. Segundo levantamento, no ano de 2010, foram constatados 24.372 indivíduos idosos, de 60 anos ou mais, em território porto-velhense, número que aumentou na última análise realizada e divulgada em 2018, a qual afirma um contingente de aproximadamente 25.121 indivíduos idosos.

Com isso, pode-se afirmar que existe um padrão crescente de aumento da população idosa, possível consequência de uma melhora significativa na qualidade de vida da população idosa, pela promoção à prática de exercícios físicos, boa alimentação, acompanhamento médico e demais atividades disponibilizadas por instituições voltadas para a pessoa idosa.

Contudo, as mazelas da terceira idade se acentuam quando estes não possuem seu direito pleno à moradia, ao passo que, além das dificuldades decorrentes do processo de envelhecimento, essa parcela da população ainda precisa lidar com problemas relacionados ao acesso à alimentação, tratamentos de saúde, má higiene e violência física e emocional, visto que além de pertencerem ao grupo de risco, estão em estado de vulnerabilidade. A situação de rua é resultado de uma extensa trajetória de vida, comumente interligada a fatores como a perda de emprego, dependência química, abandono familiar, entre outros.

Vale ressaltar, que com o advento do Estatuto da Pessoa Idosa, Lei n° 10.741 de 1° de outubro de 2003, uma série de princípios e diretrizes dispondo sobre a proteção integral inerente às pessoas com mais de 60 anos foi estipulada, assegurando direitos legalmente pertencentes à essa população. Outros problemas relacionados ao abandono, discriminação, negligência, violência física e psicológica, bem como atos de crueldade e opressão contra os idosos passaram a ser criminalizados e passíveis de punição (BRASIL, 2003).

Recentemente, além do processo de envelhecimento e das constantes dificuldades já enfrentadas pela população idosa em estado de vulnerabilidade e situação de rua, a população foi assolada por uma pandemia de caráter mundial, que resultou em um longo período de isolamento social.

A pandemia de Covid-19 também conhecida como síndrome respiratória aguda grave se espalhou rapidamente em diversos países, se tornando uma preocupação de caráter global, responsável por uma das maiores taxas de mortalidade já registradas. Diante desse cenário, diversos países adotaram o isolamento social, em uma tentativa de diminuir os números de contaminação, visto que o vírus é de fácil propagação e já havia causado impactos significativos em todo o sistema de saúde.

As consequências do isolamento social recaíram arduamente sobre a população idosa, considerando o fato de pertencerem a um grupo de risco, naturalmente acometidos por diversas limitações físicas, passaram a enfrentar desafios ainda maiores, visto que a população se viu isolada do convívio social, fazendo com que o uso da tecnologia se tornasse indispensável como meio de comunicação, entretanto, um meio extremamente desafiador para idosos que não possuem destreza para lidar com aparelhos eletrônicos, visto que muitos sequer possuem acesso aos referidos equipamentos.

Diante do exposto, o presente artigo busca realizar considerações acerca da situação da pessoa idosa e a violência sofrida por este grupo no contexto da pandemia. De forma a compreender melhor o tema, optou-se pela metodologia de revisão bibliográfica, partindo de artigos e pesquisas disponibilizados publicamente.

1 A PESSOA EM SITUAÇÃO DE RUA

Inicialmente, faz-se necessário esclarecer o conceito de pessoas em situação de rua, bem como elucidar os motivos pelos quais muitas pessoas se veem diante dessa situação. É de entendimento geral que pessoas em situação de rua são aquelas que não possuem residência fixa e utilizam-se das ruas para pernoitar, entretanto existe um conceito jurídico acerca do entendimento de pessoas em situação de rua, conforme disposto no texto do artigo 1° parágrafo único do Decreto Federal n° 7.053, de 23 de dezembro de 2009, essas pessoas são caracterizadas como:

[…] grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória. (BRASIL, 2009)

A maior parte da população que se encontra em situação de rua é composta, por trabalhadores informais. Dentre essas atividades, destacam-se a de catador de materiais recicláveis, flanelinha, trabalhos na construção civil, limpeza e carregador.

Outro fator desafiador que acomete a população em situação de rua diz respeito a alimentação, saúde e higiene. No que tange à alimentação, é possível afirmar que a maioria das pessoas em situação de rua conseguem fazer ao menos uma refeição ao dia (PORTO VELHO, 2021)

No que concerne às questões de higiene pessoal e as necessidades fisiológicas do corpo humano, as pessoas em situação de rua utilizam-se de albergues ou abrigos, estabelecimentos comerciais e em casos extremos, a rua.

De acordo com o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP, 2015), um dos principais motivos que levam esses indivíduos a viverem nas ruas é o alcoolismo, uso de substâncias ilícitas, conflitos familiares e perda de emprego. Ademais, mesmo com o medo da violência urbana, muitos indivíduos em situação de rua relataram optar por pernoitar nas ruas em razão de possuírem uma maior liberdade para fazer o uso de álcool e drogas, visto que são substâncias proibidas nos albergues.

Pode-se dizer que viver nas ruas é um problema de cunho social, diretamente ligada a uma série de vulnerabilidades, visto isso pode-se destacar como um dos fatores responsáveis pela caracterização da situação de rua o uso abusivo e compulsivo de substâncias psicoativas.

Dentre os maiores causadores relacionados à condição de viver na rua, a dependência química é configurada como a principal, sendo caracterizada pelo uso abusivo e compulsivo de substâncias psicoativas como crack, álcool e cocaína, motivando o abandono familiar e decorrente expulsão do domicílio anteriormente utilizado como moradia. Além disso, outros motivos como conflitos e rompimento de vínculos familiares, desemprego, perda de entes queridos e, inclusive, a própria preferência individual são condicionais para o estado de moradia na rua (PAULINO et. al, 2013, p. 134).

Ocorre que além da constante luta pela sobrevivência nas ruas, esses indivíduos também precisam lidar com a discriminação e a marginalização que lhes são atribuídas pela sociedade que, em sua maioria, imputa ao indivíduo em situação de rua a responsabilidade pelo estado no qual se encontra, de forma a exigir que ele encontre sozinho uma forma de sair da referida situação. Sentimentos como nojo e medo são comuns quando se direciona o olhar para uma pessoa em situação de rua, pois com a falta de acesso a hábitos básicos de higiene essas pessoas passam a exalar um odor desagradável.

Diante de tantas dificuldades, rodeados de violência e discriminação, faz-se necessário analisar as formas pelas quais se possa garantir aos indivíduos em situação de rua o acesso a serviços de natureza essencial, bem como promover a igualdade diante da inércia do poder público perante essa situação, uma vez que a própria Constituição Federal, em seu artigo 203, dispõe que a assistência social é uma garantia a ser prestada a quem precisar:

A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. (BRASIL, 1988)

Elucidada essa questão, passa-se a expor a situação de vulnerabilidade na qual as pessoas idosas que estão em situação de rua se encontram e qual a melhor forma de modificar o cenário no qual estão inseridos.

2 A POPULAÇÃO IDOSA E OS DESAFIOS DECORRENTES DA SITUAÇÃO DE RUA

A população idosa vem crescendo rapidamente, uma vez que que ao longo dos anos houve um menor número de nascimentos e uma considerável mudança na qualidade de vida do brasileiro, entretanto, essa melhora na qualidade de vida não se aplica a toda população idosa, visto que parte dessa população se encontra em situação de rua, questão essa pouco conhecida e debatida no meio acadêmico.

Além de enfrentar o processo natural de envelhecimento, caracterizado por mudanças físicas e por diversas comorbidades, pessoas idosas também enfrentam problemas sociais e estruturais, em alguns casos agravados pela situação de rua, pois esses indivíduos estão expostos a violência, criminalidade, falta de acesso ao sistema de saúde e serviços sociais, resultando em uma menor expectativa de vida para essa parcela da população.

Dentre os inúmeros desafios enfrentados pela população idosa, destaca-se a exclusão social. Embora pouco conhecido, existe um termo chamado ageismo4, que nada mais é do que a discriminação contra as pessoas mais velhas caracterizado pela falta de paciência, piadas maldosas, desrespeito, práticas que acabam marginalizando e excluindo uma parte importante da população.

Diante desse cenário, pode-se observar que a pessoa idosa sofre com a constante discriminação decorrente de sua idade avançada, de acordo com relatório publicado em 2019 pela Organização das Nações Unidas (ONU, on-line): “estima-se que uma em cada duas pessoas no mundo tenha atitudes discriminatórias que pioram a saúde física e mental de pessoas idosas e reduzem sua qualidade de vida”.

Pode-se dizer que é um compromisso ético promover a isonomia e a justiça social, fazendo com que o acesso aos bens e serviços relacionados a programas e políticas sociais sejam assegurados, visando garantir os direitos humanos básicos e a inserção dessa população na sociedade. Visto isso, o artigo 3º do Estatuto da Pessoa Idosa traz o seguinte posicionamento:

4 Neologismo da língua inglesa (ageism).

Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 2003)

Nesse viés, o serviço especializado de abordagem social da Secretária Municipal de Assistência Social e da Família (SEMASF) da cidade de Porto Velho/RO levantou dados acerca da população que se encontra em situação de rua no ano de 2021, através do Censo Rua que foi realizado durante a pandemia de Covid-19, em um período em que medidas sanitárias como o distanciamento social e o uso de máscaras estava em vigor.

As referidas medidas sanitárias adotadas como tentativa de frear a taxa de contaminação de Covid-19 impactaram significativamente a vida das pessoas mais vulneráveis, visto que muitas pessoas sequer tinham a opção de ficar em casa, em quarentena, respeitando o isolamento social. Em diversas situações, famílias numerosas precisaram coabitar em um mesmo cômodo por não terem outra opção (SOTTILI, MAGALHÃES, 2022).

De acordo com o Censo Rua 2021, o desemprego foi um dos principais fatores para que essas pessoas acabassem em situação de rua. Conforme consta na referida pesquisa, estima-se que cerca de 442 pessoas, muitas em idade ativa, se encontram em situação de rua no Município de Porto Velho:

Dados coletados indicam que a maioria absoluta das pessoas em situação de rua na cidade de Porto Velho estão em idade considerada como ativa, definida como a população entre 16 e 65 anos. Esse fato aponta para problemas relacionados à população economicamente ativa e situações de trabalho e de desemprego […] (PORTO VELHO, 2021, p. 11)

No gráfico a seguir, elaborado pelo Censo Rua 2021, pode-se observar a quantidade de pessoas que se encontram em situação de rua no Município de Porto Velho, de acordo com sua respectiva faixa etária.

Gráfico 1 – Quantidade de pessoas em situação de rua por grupo etário:

Fonte: Porto Velho (2021, p. 11)

Uma das principais características que definem o indivíduo em situação de rua é a fragilização e a perda dos vínculos familiares, afetivos e sociais, ademais, a população idosa quando exposta à realidade de se viver nas ruas, passa a questionar sua própria existência, tudo que já viveu, tudo que conquistou e todas as suas perdas, algo que afeta diretamente a saúde mental desses indivíduos.

Um dos desafios enfrentados pela população idosa em situação de rua é a violência, que vem se tornando cada vez mais frequente. Diante desse cenário, fazse necessário conceituar quais os tipos de violência cometidos contra a referida população.

3 IDOSOS, VIOLÊNCIA E COVID-19

Como supracitado, os idosos, por configurarem grupo de risco, possuem uma maior suscetibilidade a adquirirem doenças, fator que culminou em uma alta taxa de mortalidade da Covid-19 dentro desta faixa etária. Porém, delimitar a velhice como um fator negativo e discriminatório quando no tratamento de pessoas idosas é considerado um generalismo prejudicial, como discorrem Silva et al. (2021, p, 11):

Estereotipar o idoso como indivíduo frágil e dependente pode causar problemas em todas as gerações, pois os mais jovens interiorizam essa imagem e a projetarão para si em seu envelhecimento. Não é apenas a idade que tornam os indivíduos mais vulneráveis ao covid-19, existem outros fatores como a presença de doenças crônicas e comorbidades.

Logo, percebe-se a necessidade de apontar, além das mazelas provenientes do envelhecimento, os fatores externos que culminam em um descaso para com tal grupo social, como o ageismo e atos de violência contra a pessoa idosa.

3.1 A vulnerabilidade das pessoas idosas

De acordo com o Ministério da Saúde, durante o surto de Covid-19, o maior número de óbitos registrados até junho de 2020 no Brasil corresponde à população pertencente a faixa etária acima dos 60 anos, contabilizando cerca de 53.223 óbitos.

É sabido que todos os indivíduos, de diferentes faixas etárias enfrentaram dificuldades decorrentes do isolamento social, mas nada se compara as dificuldades suportadas pela população idosa durante esse período em razão de seu pertencimento ao grupo de risco, uma vez que a população idosa possui maior suscetibilidade a contrair a Covid-19 e desenvolver os quadros mais graves da doença, inclusive levando a óbito.

Vale ressaltar que a necessidade de distanciamento do convívio com a comunidade e a mudança abrupta de rotina é tolerada de forma distinta pelos grupos de idosos, visto que aqueles que possuem companhia de familiares, cônjuges ou amigos, conseguiram lidar melhor com esse período de isolamento, ao passo que o grupo de idosos que não possuem companhia, e em muitos casos vivem sozinhos ou em Institutos de Longa Permanência para Idosos (ILP), acabam por não ter um contato frequente com seus familiares, amigos ou com a sociedade de forma geral, sofrendo o isolamento de forma mais intensa.

A vulnerabilidade das pessoas idosas foi evidenciada de forma significativa durante o isolamento social. Natalia Kanem, diretora executiva do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), organismo da ONU responsável por questões populacionais, disse em entrevista que:

A pandemia destacou as vulnerabilidades das pessoas idosas, especialmente daquelas mais vulneráveis, que muitas vezes enfrentam discriminação e barreiras sobrepostas – são pobres, vivem com deficiências, são mulheres que vivem sozinhas ou pertencem a grupos minoritários. (ONU, 2021, on-line)

Pessoas idosas em situações comuns já sofrem com questões relacionadas a preconceito e discriminação, fato agravado pela pandemia do Covid-19, ao passo que estas passaram a ser menosprezadas e discriminadas de forma ainda mais explícita. Gelton Pinto Coelho Filho, economista e coordenador geral do projeto Canto de Rua Emergencial, da Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte em entrevista concedida a Meireles e Scarmigliat afirma que ‘bastou dizer que o vírus tinha maior letalidade entre as pessoas de mais idade para virar ‘uma doença de velhos’ (MEIRELES; SCARMIGLIAT, 2020, on-line).

Tais discriminações podem acarretar sérios danos na saúde e bem-estar da pessoa idosa. Diante deste panorama, com hospitais e profissionais sobrecarregados, a população idosa se viu obrigada a se manter isolada sem contato social, dependendo da ajuda de terceiros para poder manter algum tipo de comunicação com seus familiares visto que as pessoas idosas, em sua maioria, não possuem destreza para lidar com equipamentos eletrônicos, equipamentos esses que se tornaram indispensáveis como meio de comunicação.

Parte da população idosa recebeu ajuda de familiares para lidar com o isolamento social, entretanto, essa parcela da população que se encontrava em situação de rua se viu isolada diante das políticas impostas pelo Estado por recomendação do Ministério da Saúde, como os atos de lavar as mãos, utilizar álcool em gel, máscaras e outros itens de difícil acesso para as pessoas que vivem em situação de rua. Sobre a exposição constante dos idosos às mazelas de se morar na rua, Flávio Chaimowicz em entrevista concedida a Meireles e Scarmigliat afirma:

[…] os idosos em situação de rua estão intensamente expostos aos problemas vividos pelas populações de baixa renda. Sem moradia, questões relacionadas à nutrição, segurança, assistência em saúde e seguridade social são agravadas pelos desafios do envelhecimento, que incluem múltiplas doenças, a redução da massa muscular e óssea, bem como da capacidade respiratória e cardiovascular (MEIRELES; SCARMIGLIAT, 2020, on-line).

O Governo Federal manifestou preocupação pelas pessoas que se encontravam em situação de rua no contexto da pandemia de Covid-19, ao editar a Portaria nº 69, de 14 de maio de 2020. A referida portaria traz em seu texto a nota técnica de n° 13, reconhecendo o quão preocupante é viver em situação de rua diante de tantos riscos:

2.8.1 Diante da pandemia, são ainda mais preocupantes as condições de vida das pessoas em situação de rua. Nesse contexto, medidas e procedimentos previstos em cada localidade para a proteção deste público devem buscar mitigar riscos de exposição à infecção pelo novo coronavírus […] (BRASIL, 2020b).

Muitos idosos em situação de rua procuram ajuda em último caso, pela ampla burocracia envolvida nos processos de obtenção de auxílio e tratamento médico público. Considerando que muitas pessoas podem não conseguir se reestabelecer economicamente após o término da pandemia de Covid-19, há a probabilidade de que mais pessoas sejam condicionadas à situação de rua.

3.2 A violência contra a pessoa idosa

Como todo indivíduo, pessoas idosas gozam de direitos fundamentais inerentes a pessoa humana, o que inclui a preservação de sua saúde e integridade física. De acordo com a cartilha “Violência Contra a Pessoa Idosa: Vamos falar sobre isso?”, foram elencados alguns fatores que contribuem como causa para a violência destinada às pessoas idosas:

[…] Desvalorização e falta de respeito pela pessoa idosa;
Desconhecimento da lei e dos direitos dos cidadãos mais velhos;
Equivocada convicção de que o patrimônio das pessoas idosas pertence automaticamente também aos seus familiares;
Ideia incorreta de que os familiares e as instituições têm legitimidade para decidir em nome das pessoas idosas;
Sensação de segurança para cometer violência, relacionada a certeza de que a pessoa idosa não poderá sair de casa ou ter contato com terceiros (BRASIL, 2020a, p. 34).

Dentre os tipos de violência contra a pessoa idosa além da violência física, existem casos em que ocorrem violência psicológica, negligência, violência institucional, abuso financeiro, violência patrimonial, violência sexual e a discriminatória, atos reprimidos legalmente pelo disposto no Estatuto da Pessoa Idosa, em seu artigo 4°:

Art. 4º Nenhuma pessoa idosa será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.
§ 1º É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos da pessoa idosa (BRASIL, 2003) (grifo nosso).

No contexto da pandemia de Covid-19 e do isolamento social, uma das formas de violência contra a pessoa idosa evidenciadas foram em sua maior parte agressões físicas, acontecendo dentro das suas respectivas residências, no seio de sua família, cometidas por pessoas próximas. Nesse contexto, vale destacar o artigo 99 do Estatuto da Pessoa Idosa, que dispõe:

Art. 99. Expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, da pessoa idosa, submetendo-a a condições desumanas ou degradantes ou privando-a de alimentos e cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado:
Pena – detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) ano e multa.
§ 1o Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
§ 2o Se resulta a morte:
Pena – reclusão de 4 (quatro) a 12 (doze) anos. (BRASIL, 2003)

Conforme levantamento apontado por Moraes et al (2020), houve um aumento de 267% nas denúncias registradas no “Disque 100” no período de março/2020 a abril/2020 e de 567% no período de abril/2020 a maio/2020

Entretanto, a violência contra a pessoa idosa que se encontra em situação de rua tende a ser mais grave, visto que diante da situação de vulnerabilidade social que se encontram, chegam a sofrer ambos os tipos de violência que geram consequências emocionais, físicas e psicológicas.

Segundo dados apresentados pelo Censo Rua 2021 (PORTO VELHO, 2021), cerca de 50% dos entrevistados em situação de rua, sofreram algum tipo de violência, seja essa provocada por outra pessoa também em situação de rua, violência policial, violência institucional ou violência por parte de transeuntes.

A extrema vulnerabilidade das pessoas em situação de rua as coloca ainda mais em evidência quando o quesito é violência, mesmo que, a violência tenha sido a 6ª maior preocupação relatada na pesquisa do Censo Rua, é fato concreto que essa população sofre estigmas dos mais variados, acompanhados da invisibilidade que acompanha a sua situação.

4 AS AÇÕES VOLTADAS À PESSOA IDOSA

O acesso à assistência social é um direito constitucional, regulamentado pelo artigo 230 da Constituição Federal de 1988, dispondo que: “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito a vida” (BRASIL, 1988).

Como uma forma de garantir esse referido direito, em dezembro de 1993 foi instituída a Lei nº 8.742, conhecida como Lei Orgânica da Assistência Social, que em seu artigo 23 define quais diretrizes, princípios e serviços socioassistenciais para atendimento assistencial:

Art. 23. Entendem-se por serviços socioassistenciais as atividades continuadas que visem à melhoria de vida da população e cujas ações, voltadas para as necessidades básicas, observem os objetivos, princípios e diretrizes estabelecidos nesta Lei.
§ 1o O regulamento instituirá os serviços socioassistenciais.
§ 2o Na organização dos serviços da assistência social serão criados programas de amparo, entre outros:
– às crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social, em cumprimento ao disposto no art. 227 da Constituição Federal e na Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);
Às pessoas que vivem em situação de rua (BRASIL, 2003) (grifo nosso).

Visando amparar a população que vive em situação de rua, foram criados os Centros de Referências Especializados para População em Situação de Rua, popularmente conhecidos como “Centro POP” através do decreto nº 7.053/2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua. Comumente, a construção dos denominados Centros POP ocorre em Municípios que possuam mais de 250 mil habitantes. O Brasil, possui cerca de 175 Centros POP, o que é pouco se consideradas as 213.371 pessoas que atualmente se encontram em situação de rua no país (LÜDER, 2022).

Conforme consta na Portaria de n° 381, de 12 de dezembro de 2006, Municípios que possuem mais de 300 mil habitantes receberão recursos destinados a instituições de acolhimento às pessoas em situação de rua, conforme estipula seu artigo 7°:

Art. 7 Serão transferidos aos Municípios com mais de 300 mil habitantes, que possuam população em situação de rua, conforme levantamento realizado pelo MDS em 2004 e 2005, novos recursos destinados ao co-financiamento do Piso de Alta Complexidade II, para financiar a rede de acolhida temporária destinada à população em situação de rua, na perspectiva de potencializar e diversificar a rede de serviços da proteção social especial de alta complexidade, bem como atender ao disposto no art. 23 da Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (BRASIL, 2006).

Em síntese, essas instituições funcionam em horário comercial e oferecem serviços como banho, refeições, local para lavagem de roupas/cobertores, banheiros, também ajudam a emitir documentação e dispõem de atendimento psicossocial. Existem muitos indivíduos, inclusive idosos que necessitam de um maior acolhimento, necessitam de um local para permanecer por um período maior.

O Decreto Federal nº 7053/2009, que ensejou a criação do Centro Pop estabelece como objetivo um acesso amplo aos serviços e políticas públicas, simplificado e seguro aos serviços e programas assistenciais,

Art. 7o São objetivos da Política Nacional para a População em Situação de Rua:
I – Assegurar o acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e programas que integram as políticas públicas de saúde, educação, previdência, assistência social, moradia, segurança, cultura, esporte, lazer, trabalho e renda;

II – Garantir a formação e capacitação permanente de profissionais e gestores para atuação no desenvolvimento de políticas públicas intersetoriais, transversais e intergovernamentais direcionadas às pessoas em situação de rua;

III – instituir a contagem oficial da população em situação de rua;

IV – Produzir, sistematizar e disseminar dados e indicadores sociais, econômicos e culturais sobre a rede existente de cobertura de serviços públicos à população em situação de rua;

V – Desenvolver ações educativas permanentes que contribuam para a formação de cultura de respeito, ética e solidariedade entre a população em situação de rua e os demais grupos sociais, de modo a resguardar a observância aos direitos humanos;

VI – Incentivar a pesquisa, produção e divulgação de conhecimentos sobre a população em situação de rua, contemplando a diversidade humana em toda a sua amplitude étnico-racial, sexual, de gênero e geracional, nas diversas áreas do conhecimento;

VII – implantar centros de defesa dos direitos humanos para a população em situação de rua;

VIII – incentivar a criação, divulgação e disponibilização de canais de comunicação para o recebimento de denúncias de violência contra a população em situação de rua, bem como de sugestões para o aperfeiçoamento e melhoria das políticas públicas voltadas para este segmento;

IX – Proporcionar o acesso das pessoas em situação de rua aos benefícios previdenciários e assistenciais e aos programas de transferência de renda, na forma da legislação específica;

X – Criar meios de articulação entre o Sistema Único de Assistência Social e o Sistema Único de Saúde para qualificar a oferta de serviços;

XI – adotar padrão básico de qualidade, segurança e conforto na estruturação e reestruturação dos serviços de acolhimento temporários, de acordo com o disposto no art. 8o;

XII – implementar centros de referência especializados para atendimento da população em situação de rua, no âmbito da proteção social especial do Sistema Único de Assistência Social;

XIII – implementar ações de segurança alimentar e nutricional suficientes para proporcionar acesso permanente à alimentação pela população em situação de rua à alimentação, com qualidade; e

XIV – disponibilizar programas de qualificação profissional para as pessoas em situação de rua, com o objetivo de propiciar o seu acesso ao mercado de trabalho. (BRASIL, 2009)

No Município de Porto Velho foi inaugurado um Centro POP no ano de 2021, o local é voltado para o desenvolvimento de ações de solidariedade, comunicação, funcionando especificamente como um centro de apoio para pessoas que vivem em situação de rua. De acordo com a reportagem emitida pela Prefeitura de Porto Velho, o novo local tem como objetivo oferecer serviços de natureza socioassistenciais, com o intuito de ajudar as pessoas em situação de rua a recuperar sua cidadania, autoestima, planejamento de vida, ofertando meios para que esses indivíduos saiam de sua atual situação. Conforme reportagem, Claudi Rocha, titular da SEMASF explica em entrevista a Pedro Bentes que:

O último Censo de Rua mostrou que temos hoje uma demanda cada vez maior. Gente que vai parar nas ruas por inúmeros motivos. Por isso, o município enfrenta esse desafio logo no início para tentarmos, o quanto antes, minimizar esse fenômeno. (BENTES, 2022, on-line)

O Centro POP atenderá a população que se encontra em situação de rua até ocorrer a entrega definitiva da instalação de um novo local para o indivíduo, com todos os serviços prestados pelo Município para a população em situação de rua.

Atualmente existem diversas ações voltadas ao bem-estar da população idosa no Município de Porto Velho de forma a criar uma rede de apoio para a pessoa idosa e demais pessoas que se encontram em situação de rua.

CONCLUSÃO

Ao transcorrer deste trabalho pode-se observar que a pessoa idosa se encontra em um estado de vulnerabilidade em todos os aspectos. Atrelada a essa vulnerabilidade e os constantes desafios enfrentados por essa parcela da população, identifica-se a necessidade de se direcionar um olhar mais atencioso a esses indivíduos.

O preconceito e o completo descaso destinado a essa parcela da população estão longe de serem superados. É nítido que as pessoas em situação de rua sofreram consideravelmente com as medidas de segurança impostas em decorrência da pandemia de Covid-19, visto que sequer possuíam um local para morar e cumprir o período de quarentena, estando em situação de rua o distanciamento social se tornou completamente ineficaz. Sem acesso aos materiais necessários como máscaras, álcool em gel, produtos de higiene essas pessoas se tornaram alvos fáceis para a propagação desse vírus.

Devido à idade avançada em conjunto com a situação de rua, os idosos se tornaram um alvo fácil para a contaminação pela Covid-19. A falta de acesso a serviços e necessidades básicas tornaram impossível para essa parcela da população aderir as medidas sanitárias como forma de proteger a si mesmos, visto que não possuem sequer um local para morar, impossibilitando uma constante higiene pessoa partindo do pressuposto de que muitos sequer possuíam itens como máscaras.

Existem diversos motivos pelos quais um indivíduo é levado a viver em situação de rua, dentre as quais o que prevalece é o desamparo e desafeto familiar, as enfermidades e a perda de emprego. Expostos ao perigo e vivendo em condições desumanas, essa parcela da população passa a ser descriminada e marginalizada pela sociedade em geral. Ocorre que idosos em situação de rua são predispostos a desenvolver doenças emocionais, visto que no estado em que se encontram, tendo que enfrentar questões diretamente ligadas à autoestima, autonomia, independência, e se vendo obrigados a depender de instituições assistenciais para realizar necessidades básicas como sua higiene pessoal, buscar diariamente uma forma de conseguir acesso a alimentação para que possam se manter vivos por mais um dia.

É fato que diversas organizações não governamentais e as instituições de assistência social possuem um papel de extrema importância quando o assunto é melhorar a qualidade de vida dessas pessoas, buscando formas de retirá-las da rua, contudo, cabe ao Estado garantir proteção a vida e a saúde da pessoa idosa, com a ajuda de políticas sociais que permitam oferecer a esses indivíduos um processo de envelhecimento digno, visto que na maioria dos casos essas pessoas mal conseguem suprir suas necessidades básicas como o acesso à alimentação.

É importante lembrar que antes de se pensar em formular projetos sociais que visam a inclusão das pessoas idosas ao convívio social e demais atividades, é necessário compreender quais são os desafios enfrentados diariamente por essas pessoas, visto que existem diversas questões que ensejaram cada pessoa a recorrer as ruas como forma de moradia.

É crucial salientar o fato de que as pessoas idosas e as pessoas idosas em situação de rua são iguais em direitos, possuem as mesmas garantias fundamentais e merecem receber um tratamento respeitoso por parte da sociedade. Dessa forma, as políticas públicas podem ser compreendidas dentro da esfera das relações sociais, que ainda são marcadas pelo preconceito, violência e discriminação contra os referidos grupos sociais.

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  1. Acadêmico do curso de Direito no Centro Universitário São Lucas, Porto Velho-RO. Email: lincoln.atendimento@gmail.com
  2. Acadêmico do curso de Direito no Centro Universitário São Lucas, Porto Velho-RO. Email: raaianysales@gmail.com
  3. Professora Orientadora, Docente no Centro Universitário São Lucas, Porto Velho-RO. Email: luciana.sottili@saolucas.edu.br