REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10248056
Cícero Gama de Souza Júnior1
Ivanilma Pereira de Carvalho2
Diogo da Silva Costa3
Resumo
O ciclo de violência doméstica e familiar se trata de uma séria problemática para a ordem sociojurídica, se manifestando com prejuízos ainda mais severos diante do crime de feminicídio. Durante a vigência da pandemia no Brasil, estudos apontam para a elevação de tais índices. Esta pesquisa teve por objetivo avaliar quais foram os impactos produzidos pela pandemia para o contexto das violências contra a mulher. Se utilizou das metodologias de revisão bibliográfica e análise documental, fundamentando a pesquisa com resultados extraídos de estudos científicos, doutrinas, legislações e dados estatísticos. Se tratou de uma pesquisa quanti-qualitativa, de natureza básica, objetivos exploratórios e descritivos, procedimentos bibliográfico e documental. Os resultados evidenciaram um significativo crescimento de todos os tipos de violências praticadas contra a mulher em razão do gênero, principalmente, as violências física, sexual e psicológica. Os índices de feminicídios também foi impulsionado pelos impactos da pandemia, sendo o fator mais impulsionador, o isolamento social. A conclusão da pesquisa expõe a necessidade de se desenvolver políticas públicas voltadas para uma reeducação social, uma vez que tais tipos de violências possuem bases fincadas nas culturas do machismo e do patriarcado, portanto, tendo raízes históricas e culturais.
Palavras-chave: Brasil; estatística; feminicídio; isolamento; pandemia.
Abstract
The cycle of domestic and family violence is a serious problem for the socio-legal order, manifesting itself with even more severe losses in the face of the crime of feminicide. During the duration of the pandemic in Brazil, studies point to the increase in such indices. This research aimed to evaluate what were the impacts produced by the pandemic for the context of violence against women. We used the methodologies of bibliographic review and documentary analysis, basing the research with results extracted from scientific studies, doctrines, legislations, and statistical data. This was quantitative qualitative research, of a basic nature, exploratory and descriptive objectives, bibliographic and documentary procedures. The results showed a significant growth of all types of violence against women due to gender, especially physical, sexual, and psychological violence. Feminicide indexes were also driven by the impacts of the pandemic, being the most driving factor, social isolation. The conclusion of the research exposes the need to develop public policies aimed at social reeducation, since such types of violence have bases based on the cultures of machismo and patriarchy, therefore, having historical and cultural roots.
Keywords: Brazil; statistics; feminicide; isolation; pandemia.
1. INTRODUÇÃO
A violência doméstica e familiar se trata de uma problemática que apresenta grandes preocupações sociojurídicas no Brasil. Por anos, a violência praticada contra as mulheres por razão de gênero foi silenciada, sendo sonegada quaisquer formas de mecanismos jurídicos em proteção destas vítimas. De acordo com Jesus (2015), a violência doméstica e familiar possui um arcabouço de fatores sócio-históricos, uma vez que sempre existiu na sociedade brasileira, ainda que de forma maquiada.
Tais fatores estão diretamente associados com culturas disruptivas que sempre objetificaram a mulher, colocando-a de forma submissa à um idealismo de poder existente entre os sexos. O sexo masculino sempre foi visto como superior ao feminino, a própria história das sociedades atribui ao homem a condição de supremacia, alocando a mulher com um objeto de submissão. Para Dias (2021), Tais fatores impulsionaram a construção arraigada do machismo e do patriarcado que, ainda que tal concepção se encontre – juridicamente – superada no país, uma vez que a Constituição de 1988 estabeleceu a igualdade entre os gêneros, socialmente, ela ainda se manifesta de forma nociva para as mulheres.
O ciclo de violência doméstica e familiar apresenta uma ampla gama de manifestações cruéis que deprimem todos os direitos e garantias, humanos e fundamentais, das vítimas. Como a forma de manifestação mais violenta, o feminicídio impõe a degradação da dignidade e da vida destas vítimas, sendo ele, na maioria dos casos, uma culminação originada pelo próprio ciclo da violência doméstica e familiar (NUCCI, 2021).
No Brasil, a inércia estatal para se positivar diplomas normativos específicos que abrangessem tais tipos de violências contra as mulheres é um fator que, ainda hoje, impõe prejuízos. Apenas no ano de 2006 – por impulso de sanção internacional – se positivou a Lei n. 11.340 – conhecida por Lei Maria da Penha, a qual passou a abranger todas as formas de violência doméstica e familiar praticada contra a mulher em razão do gênero (BRASIL, 2006). Já o tipo penal do feminicídio, foi criado apenas no ano de 2015, por meio da promulgação da Lei n. 13.104, a qual passou a impor uma pena maior do que a culminada para os casos de homicídio comum (BRASIL, 2015).
Todavia, apesar da elaboração dos diplomas supracitados, a realidade da violência doméstica e familiar, bem como do feminicídio, no Brasil, ainda é preocupante. Com o advento da pandemia do novo corona vírus humano e a necessidade de isolamento social, os índices de violência doméstica e familiar, bem como os números do feminicídio, foram impulsionados. De acordo com um compilado geral de dados estatísticos disponibilizados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 2021, a violência doméstica e familiar aumentou aproximadamente 24% durante a pandemia – a cada minuto, cerca de 8 mulheres apanharam. Por vez, os índices de feminicídios auferidos na pandemia teve um crescimento de 22,2% (FBSP, 2020).
Diante do exposto supracitado, esta pesquisa se debruçou sobre a temática, com o objetivo de verificar, de forma mais aprofundada, quais foram os impactos promovidos pela pandemia sobre o cenário das violências contra as mulheres no Brasil. O problema de pesquisa identificado e predefinido para conduzir a investigação, foi: quais foram os prejuízos sociojurídicos produzidos pelos impactos do isolamento social sobre o contexto das violências praticadas contra as mulheres por razão do gênero?
O objetivo primário da pesquisa foi analisar quais foram os impactos produzidos pelo isolamento social sobre os índices de violência doméstica e familiar, bem como do feminicídio, demonstrando os prejuízos sociojurídicos.
Os objetivos secundário, foram dedicados a: contextualizar a violência doméstica e familiar com fulcro em seus parâmetros sócio-históricos e normativos, demonstrando as lesões aplicadas sobre bens jurídicos e direitos; apresentar o contexto do feminicídio, evidenciando aspectos sócio jurídicos envolvidos; analisar a violência doméstica e familiar, e o feminicídio no contexto da pandemia do novo corona vírus, auferindo os impactos produzidos e demonstrando os fatores impulsionadores; traçar uma breve análise crítica-jurídica sobre os atuais índices de tais crimes no país, dispondo de possíveis medidas mitigadoras.
A pesquisa se justificou socialmente pela necessidade de se produzir eficácia das normas postas no contexto fático, de modo a mitigar as ocorrências de violência doméstica e familiar, bem como do crime de feminicídio, uma vez que tais manifestações ilícitas produz uma série de prejuízos em desfavor das vítimas, muitos, irreversíveis. Academicamente, a pesquisa se justificou pela necessidade de se capacitar os discentes do curso a analisar problemas atuais do seu campo de atuação, produzindo conhecimentos que contribua com toda a comunidade jurídica – acadêmica e profissional.
Se utilizou das metodologias de revisão bibliográfica e análise documental, para fundamentar a pesquisa com estudos científicos, obras doutrinárias, legislações e dados estatísticos pertinentes. Se tratou de uma pesquisa de abordagem quanti qualitativa, de natureza básica, de objetivos exploratórios e descritivos, bem como de procedimentos bibliográfico e documental.
Os estudos científicos foram buscados em bases de dados seguras, tais como o Google Acadêmico e o Scielo, com base nos critérios de seleção, os quais foram: marco temporal de 2017-2022 (com preferência para os anos de 2020-2022); idioma português; pertinência temática. As legislações e dados estatísticos, foram buscados em sites legais e públicos, a exemplo do Planalto, do FBSP e outros.
O desenvolvimento da pesquisa se encontra subdividido em três seções com suas respectivas subseções. A primeira seção é dedicada a apresentar todos os aspectos sociais e normativos da violência doméstica e familiar. Na segunda seção se apresenta todos o contexto do feminicídio, com apontamentos teóricos e normativos necessários. Já na terceira seção, se apresenta a análise de tais crimes durante a pandemia, evidenciando dados estatísticos e traçando um posicionamento crítico-jurídico com sugestões de medidas mitigadoras. Por fim, a conclusão da pesquisa evidencia os resultados mais relevantes, sob o prisma crítico da autora.
2. RESULTADOS E DISCUSSÃO
2.1 A violência doméstica e familiar no Brasil
A violência doméstica e familiar é, atualmente, uma das maiores problemáticas sociojurídicas do país, quiçá, do mundo. Como esta pesquisa se debruça sobre uma delimitação do contexto nacional, cabe aqui discorrer sobre tais parâmetros na sociedade brasileira. Para Jesus (2015), a violência doméstica e familiar sempre existiu, só que, por muitos e extensos anos, fora silenciada, sendo uma forma incutida de se legitimar este tipo de violência.
Por isso, para melhor compreender a abordagem desta pesquisa, é de grande relevância perpassar, ainda que brevemente, pelos aspectos sócio-históricos envolvidos nesta temática, os quais serão apresentados pela próxima subseção, com base na fundamentação científica e doutrinária.
2.2 Breve contexto sócio-histórico nacional
A doutrina pátria traz uma clara vinculação da violência doméstica e familiar com traços históricos e culturais construídos pelas sociedades e presentes também na sociedade brasileira. O machismo e o patriarcado, operantes de forma irrestrita durante longos anos, são apontados como fatores sócio-históricos e culturais que acabaram por objetificar a figura feminina, colocando-a em condição de submissão ao sexo masculino, tendo por base uma relação de poder e de domínio (DIAS, 2021).
Nas palavras de Jesus (2015, p. 7-8), se pode destacar, na íntegra:
Nas sociedades onde a definição do gênero feminino tradicionalmente é referida à esfera familiar e à maternidade, a referência fundamental da construção social do gênero masculino é sua atividade na esfera pública, concentrador dos valores materiais, o que faz dele o provedor e protetor da família. Enquanto atualmente, nessas mesmas sociedades, as mulheres estão maciçamente presentes na força de trabalho e no mundo público, a distribuição social da violência reflete a tradicional divisão dos espaços: o homem é vítima da violência na esfera pública, e a violência contra a mulher é perpetuada no âmbito doméstico, onde o agressor é, mais frequentemente, o próprio parceiro. (grifo nosso)
Com base na interpretação estrita da menção doutrinária preconizada pela doutrina de Jesus (20150, se pode compreender que as mulheres, por anos, foram submissas aos espaços privados do seus lares, atribuindo-lhes as competências para gerir atividades que não se estendiam aos espaços públicos, ainda que, com o passar destes anos, tenha ocorrido uma ruptura com tais parâmetros.
A árdua dura das lutas sócio-históricas traçadas pelas mulheres em busca de direitos e do alcance participativo – de forma igualitária – em espaços públicos e políticos foram marcadas por longos períodos de ausência de prestação positivas do Estado em prol de tais seguridades. Nesse diapasão, a doutrina de Pereira (2021, p. 836), traz a seguinte contribuição teórica, abaixo apresentada:
O movimento feminista foi um grande marco do século XX e deu à mulher um lugar de sujeito e não mais de assujeitada ao pai ou ao marido, permitindo-a apropriar-se do seu desejo, o que provocou uma reviravolta nas relações familiares, culminando, inclusive, na quebra do princípio da indissolubilidade do matrimônio, já que não estaria mais disposta a tudo submeter-se. Essa resignação histórica que sustentava os casamentos encobria, também, a violência doméstica. As mulheres não tinham coragem e nem força social para denunciar as agressões sofridas. Alguns costumes ajudavam a manutenção do sistema patriarcal em que cabia tal abuso, como, “casou, aguenta!”; “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. E, assim, repetia-se e se perpetuava o ciclo da violência doméstica e da dominação de um gênero sobre o outro. (grifo nosso)
A violência doméstica e familiar – historicamente silenciada – conclamou, por anos, mudanças político-jurídicas que pudessem acolher as vítimas deste tipo de violência e mitigar as inocorrências que pudesse ampliar a dor, o sofrimento e a crueldade experimentada por tais mulheres. É, portanto, um tipo de violência cruel, pois decorre de traços meramente machistas, os quais não aceitam o posicionamento feminino como sujeito de direito, mas sim o objetifica e submete ao vínculo emanado de uma sociedade pretérita e patriarcal (MADALENO, 2020).
Todas as conquistas femininas foram sendo despertadas após anos de silêncio e exclusão. Mesmo após o advento da Constituição Federal de 1988 (CF88), e a previsão de igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres, sem quaisquer formas de distinção (art. 5º, caput e inciso I), o legislador infraconstitucional se manteve inerte quanto a positivação de diploma específico que buscasse conter o ciclo histórico da violência doméstica e familiar, vindo ele a ser promulgado apenas 18 após.
Após denúncia da Sra. Maria da Penha Fernandes – brasileira e vítima de violência doméstica e familiar protagonizada por seu ex marido – à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA), o legislador reformador brasileiro acabou promulgando a Lei n. 11.340 de 2006, popularmente conhecida por Lei Maria da Penha, altamente relevante para a temática em comento. Sobre os aspectos normativos da referida Lei, a próxima subseção apresentará a apresentação daqueles mais relevantes.
2.3 Lei n. 11.340 DE 2006: aspectos normativos
Após impulsos sancionatórios de Corte Internacional, o Brasil se viu obrigado a elaborar e promulgar um diploma específico, que visasse proteger as vítimas da violência doméstica e familiar, bem como estabelecer parâmetros para se mitigar as intercorrências desta forma de violência (FERNANDES, 2014). No ano de 2006, foi promulgada a Lei n. 11.340/06 – denominada por Lei Maria da Penha, levando o nome da mulher que lutou para que este avanço fosse possível no ordenamento jurídico brasileiro, após anos de inércia do legislador.
O art. 5º, caput4 e respectivos incisos da Lei Maria da Penha, passou a definir o que, de fato, se configura como violência doméstica e familiar, sendo: a ação ou omissão, praticada contra a mulher, baseada no gênero, que venha lhe causar morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, bem como dano moral ou patrimonial, nos âmbitos da unidade doméstica (inciso I5), da família (inciso II6), em qualquer relação íntima de afeto (inciso III7). O parágrafo único, do referido artigo e diploma legal, aplica tais parâmetros à toda relação conjugal, independente de orientação sexual (BRASIL, 2006).
Como destacado por Lôbo (2017, p. 23), “essa lei, que visa coibir a violência doméstica, capta a realidade da vida, adotando o conceito legal mais amplo de família, de modo a alcançar todos os que convivem no ambiente familiar, não apenas os parentes”. Dias (2021), por sua vez, destaca que para se configurar a violência doméstica e familiar, não se faz necessária a coabitação, uma vez que a própria Lei Maria da Penha traz uma abrangência de contextos (doméstico, família e qualquer relação de afeto).
Complementa os entendimentos retro mencionados, o posicionamento doutrinário de Pereira (2021, p. 837), ao afirmar que “’a violência doméstica, embora praticada no âmbito da vida privada, ganhou visibilidade, passando a ser tratada como uma preocupação não restrita apenas à ordem da intimidade”. Se trata então de uma politização da violência doméstica e familiar, como forma de se publicitar as dores que, por muito tempo, em tese, foram silenciadas (DIAS, 2021).
Quando as formas de violência doméstica e familiar expressos pela Lei, os mesmos se encontram inseridos no art. 7º e respectivos incisos, os quais são: violência física (inciso I); violência psicológica (inciso II); violência sexual (inciso III); Violência patrimonial (IV); violência moral (V); (BRASIL, 2006). Destaca Nucci (2021), que este se trata de um rol exemplificativo e não taxativo, podendo haver outros tipos de manifestações que se enquadrem como violência doméstica e familiar e que sejam abrangidas pela Lei Maria da Penha.
Quanto aos sujeitos envolvidos, o próprio caput do art. 5º, da Lei Maria da Penha aponta que a vítima, apenas, será do sexo/gênero feminino – sujeito passivo do ciclo de violência doméstica e familiar, a mulher, vítima deste tipo de relação. Já o sujeito ativo, o ofensor, este pode ser de ambos os sexos/gênero, tanto mulher, quanto homem, assim como possuir quaisquer graus de parentesco ou vinculação afetiva com a vítima – companheiro, ex companheiro, namorado, mão, pai, irmão/ã, etc (DIAS, 2021).
Jesus (2015), destaca que a Lei Maria da Penha dispõe de mecanismos preventivos e repressivos, uma vez que reprime as formas violência denunciadas, bem como estabelece a necessidade da reeducação dos ofensores, de modo a evitar a perpetuação do ciclo. Como meios de inibição e mitigação, o legislador infraconstitucional, trouxe a previsão dos institutos das medidas protetivas de urgência, que obrigam o agressor (art. 22) e em favor da vítima (art. 23). Em suma, tais medidas visam interromper o ciclo de violência doméstica e familiar, evitando a perpetuação das lesões em desfavor das vítimas, bem como evitar que este ciclo possa ser retomado.
Lôbo (2017), destaca que o objetivo do legislador é salvaguardar os bens jurídicos e os direitos, humanos e fundamentais, das vítimas, os quais são violados pelas diversas formas de manifestações da violência doméstica e familiar. Sobre tais violações, a próxima subseção trará breves considerações.
2.4 Bens jurídicos e direitos violados
Quaisquer tipos de manifestações violentas são nocivos aos direitos conferidos aos indivíduos, quer seja no âmbito pessoal, ou coletivo. Não obstante, as manifestações ocorridas no âmbito da violência doméstica e familiar implica em uma série de prejuízos em desfavor de bens jurídicos legalmente protegidos, como de direitos e garantias humanos e fundamentais (JESUS, 2015).
O primeiro direito fundamental violado, para Dias (2021), é a dignidade da pessoa humana, prevista no art. 1º, inciso III, da CF88, como um fundamento do Estado Democrático de Direito. Outros tipos de direitos e bens jurídicos – de amplo valor para o ordenamento jurídico (constitucionalizados) – violados, podem ser destacados como: a integridade física e psíquica (art. 5º, inciso XLIX, CF88); a honra e a moral (inciso art. 5º, inciso X, CF88); a vida, a liberdade e a igualdade (art. 5º, caput, CF88); a saúde e a segurança (art. 6º, caput, CF88); e outros (BRASIL, 1988).
O próprio art. 6º, caput, da Lei Maria da Penha, dispõe, no verbo: “A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos” (BRASIL, 2006). Como destacado por Jesus (2015), dentre todos os prejuízos decorrentes do ciclo de violência doméstica e familiar, o feminicídio, sem sombra de dúvida, se perfaz com a forma mais nociva para toda a ordem sociojurídica. Sobre os aspectos teóricos e normativos atinentes ao feminicídio, a próxima seção e subseções trará considerações relevantes aos resultados desta pesquisa.
2.5 O feminicídio no contexto da violência doméstica
O termo “feminicídio” passou a ser conhecido para especificar o tipo de homicídio praticado contra a mulher por razão de gênero. Quanto a positivação deste tipo penal, o legislador infraconstitucional foi ainda mais inerte, criando-o apenas no ano de 2015. Todavia, o crime já era enquadrado no próprio art. 121, do Código Penal de 1940 (CP40), considerando os parâmetros existentes e anteriores à 2015, como as modalidades simples ou qualificada (BRASIL, 1940).
Jesus (2015), destaca que o feminicídio é a mais cruel forma de manifestação da violência praticada contra a mulher por razão do seu sexo/gênero, uma vez que lhes traz prejuízos irreversíveis, ceifando a sua vida e lhe tirando o direito de continuar a existir, por motivos fúteis e cruéis. Dias (2021), aponta que o crime de feminicídio se trata de uma realidade cada vez mais expressiva no âmbito da violência doméstica e familiar da sociedade brasileira.
Na maioria dos casos, o crime de feminicídio é antecedido por uma série de outras formas de violência doméstica, principalmente, por violências psicológicas, morais e físicas. Nestes casos, há uma perpetuação do ciclo da violência doméstica e familiar, até o ponto mais agravado da disparidade existente na relação entre o homem e a mulher, o que acaba por cominar no feminicídio (DIAS, 2021). Todavia, como destacado por Madaleno (2020), o feminicídio pode se manifestar de forma isolada, sem que haja uma cumulação de violências prévias.
Em ambos os casos acima ilustrados, os resultados produzidos pelo feminicídio acabam por provocar a usurpação cruel do direito de existir, ocasionando a detração do direito à vida – bem jurídico de maior valor no ordenamento brasileiro – e, consequentemente, anulando quaisquer traços de dignidade das vítimas. Sobre tal ponto da temática, a próxima subseção realizará uma breve explanação necessária, de forma fundamentada.
2.6 A detração cruel dos direitos à vida e à dignidade
Um dos bens jurídicos constitucionalizados e de maior valor para o ordenamento jurídico brasileiro é a vida, sendo o direito de existir – com dignidade – uma garantia humana e fundamental. Sendo positivado pela CF88, em seu art. 5º, caput, o direito à vida é protegido como cláusula pétrea, ou seja, não é passível de sofrer alteração por norma infraconstitucional. Para além disso, a valoração deste bem é reforçada pela própria vedação aplicada pelo Constituinte de 1988 quanto à pena de morte no Brasil, também no âmbito do art. 5º, inciso XVLII, alínea a8 (BRASIL,1988).
Dessarte, o próprio Direito Penal confere proteção expressa ao bem jurídico “vida”, penalizando aqueles que tentem contra este bem – ainda que não ocorra o
resultado –, bem como aqueles que alcançam o resultado, praticando o crime de homicídio – simples ou qualificado (BRASIL, 1940).
Nas palavras de Mendes e Branco (2021, p. 532), se pode compreender que:
A existência humana é o pressuposto elementar de todos os demais direitos e liberdades dispostos na Constituição. Esses direitos têm nos marcos da vida de cada indivíduo os limites máximos de sua extensão concreta. O direito à vida é a premissa dos direitos proclamados pelo constituinte; não faria sentido declarar qualquer outro se, antes, não fosse assegurado o próprio direito de estar vivo para usufruí -lo. O seu peso abstrato, inerente à sua capital relevância, é superior a todo outro interesse. (grifo nosso)
Por vez, a dignidade da pessoa humana se vincula, intimamente, ao direito à vida, uma vez que não basta poder viver, mas se faz necessário que a existência e a vida possuam dignidade. Lenza (2020), destaca que a dignidade humana é alcançada quando todos os demais direitos e garantias, humanos, fundamentais e outros, são preservados, porque eles são pressupostos de manutenção de uma vida e existência digna.
É nesse contexto que o crime de feminicídio implica em prejuízos irreversíveis, tanto ao direito à vida – ceifando-o de forma cruel –, quanto a dignidade da pessoa humana – uma vez que a desconhece em favor da vítima. Pereira (2021), se manifesta de forma incisiva para declarar que o crime de feminicídio é a manifestação mais prejudicial em desfavor de tais direitos e garantias, uma vez que decorre de motivos descompensados e fúteis que, na maioria dos casos, se transforma em um ciclo de violências, de dor e de sofrimento, culminando no feminicídio.
Superados os relevantes apontamentos sobre a manifestação do feminicídio no âmbito da violência doméstica e familiar, bem como seus prejuízos aplicados à vida e à dignidade das vítimas, é relevante para esta pesquisa apresentar pontos normativos atinentes a tipificação deste crime, com fulcro na Lei n. 13.104/15, o que será oportunizado pela próxima subseção.
2.7 Lei n. 13.104 de 2015: aspectos normativos
Anteriormente abrangido como um homicídio simples ou qualificado, o tipo feminicídio foi criado apenas no ano de 2015 – 9 anos após a da Lei Maria da Penha –, por meio da promulgação da Lei n. 13.104/15. De acordo com Pereira (2021), a elaboração deste tipo penal, por mais que existam críticas quanto a sua desnecessidade, foi altamente relevante em aspectos de politização, uma vez que o feminicídio também possui fatores históricos disruptivos, tais como o machismo e o patriarcado.
A referida Lei inseriu no corpo normativo do CP40, no art. 121, § 2º, a qualificadora específica do feminicídio. De 2015 em diante, os homicídios contra a mulher por razão de gênero, passaria a ser enquadrado como feminicídio. Na descrição do tipo, contida no inciso IV, do § 2º, art. 121, do CP40, o legislador destaca que o crime será “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino” (BRASIL, 2015). A doutrina de Gonçalves (2021, p. 236), aponta que “cuida-se, em nosso entendimento, de qualificadora de caráter subjetivo, na medida em que não basta que a vítima seja mulher, sendo necessário, de acordo com o texto legal, que o delito seja motivado pela condição de sexo feminino”.
O próprio legislador reformador traz a conceituação de “condição de sexo feminino”, no § 2º-A, do art. 121, do CP40, que, em seus respectivos incisos, aponta que se enquadra quando decorrer de: violência doméstica e familiar (inciso I); ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher (inciso II); (BRASIL, 2015). O entendimento de Pereira (2021, p. 237), clareia ainda que “para que se tipifique a violência doméstica ou familiar caracterizadora do feminicídio, é inarredável que a agressão tenha como fator determinante o gênero feminino, não bastando que a vítima seja a esposa, a companheira, etc”.
A inovação da Lei n. 13.104/15 não se ateve apenas à criação do tipo penal, alcançando também a pena aplicada aos casos que se enquadrem como feminicídio. Por se trata de uma qualificadora, o legislador vinculou a pena base de 12 a 30 anos de reclusão. Todavia, no § 7º e respectivos incisos, do art. 121, do CP40, o legislador inseriu condições majorantes da pena base aplicada ao crime de feminicídio (12 a 30 anos de reclusão), podendo ela ser aumentada de 1/3 (um terço) até a metade desta, se o crime for praticado: durante a gravidez ou nos três primeiros meses após o parto (inciso I); contra pessoa menor de 14 anos ou maior de 60 anos, portadora de deficiência ou de doenças degenerativas que limitem sua condição ou imponha vulnerabilidade física ou mental (inciso II); na presença física ou virtual de descendente ou ascendente da vítima (inciso III); ou em descumprimento de medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha (inciso IV); (BRASIL, 2015).
Para Nucci (2021), o objetivo do legislador foi ampliar a eficácia social para se contingenciar os índices de feminicídio no país. Todavia, como destacado por Dias (2021), objetivo este que tem sido frustrado pela realidade fática sociojurídica da atual sociedade brasileira, que, mesmo após o advento da Lei do Feminicídio e o endurecimento da sanção aplicável ao crime, os índices deste tipo penal continuam a ter ampla expressividade no país, perseguido e influenciado pelos também altos índices das outras formas de manifestações de violência doméstica e familiar.
Alguns dados estatísticos extraídos de pesquisa públicas e realizadas por órgãos confiáveis, a exemplo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), demonstram que o advento da pandemia do novo corona vírus humano impulsionou os índices de violência doméstica e familiar no país, em todas as suas formas, inclusive, do feminicídio. Sobre tal cenário, a próxima seção e subseções serão dedicadas a analisá-lo e extrair os resultados fáticos e indispensáveis para a conclusão desta pesquisa.
2.8 A incidência da pandemia do corona vírus no brasil
A pandemia do novo corona vírus humano – SARS-Cov-2 – foi decretada no Brasil na data de 11 de março de 2020. Sendo provocada pela disseminação em massa e desenfreada deste novo vírus em todo o mundo, impondo sérios riscos contra a saúde e vida humana, uma vez que se trata de um vírus de rápida disseminação e contaminação, bem como altamente nocivo, podendo agravar para quadros de pneumonia, denominada pela doença da Covid-19.
Como neste período inicial não havia nenhum tipo de vacina e medicação suficiente para deter os prejuízos decorrentes da contaminação, uma vez que se tratava de um vírus desconhecido pelos cientistas, por ser a primeira cepa a infeccionar humanos – anteriormente o corona vírus era infeccioso para os animais – se fez necessário adotar medidas que mitigasse o contato humano, tendo em vista que a contaminação corria de pessoa para pessoa (VIEIRA; GARCIA; MACIEL, 2020). O isolamento social foi uma das formas preventivas adotadas pelos governos mundiais e, inclusive, pelo Governo brasileiro, seguindo as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) (MENEGATTI et al., 2020). O isolamento social teve por objetivo central a retração dos altos índices de contaminação, a redução dos altos índices de mortes em decorrências de complicações geradas pelo vírus (até o mês de maio de 2022, já foram registradas cerca de 6,6 milhões de mortes em todo o mundo e, aproximadamente, 665 mil mortes no Brasil).
Alguns prejuízos também decorreram do próprio isolamento social, alcançando toda a ordem social, econômica, política e jurídica do país. Dentre tais prejuízos, se pode destacar: elevação dos índices de desemprego; retração da economia; aumento do índice de falências empresariais; aumento da taxa nacional de ansiedade e problemas secundário; e outros. Para além disso, alguns estudos indicam que o isolamento social também majorou os índices de violências praticadas no âmbito doméstico e familiar (LOBO, 2020). Considerando o objetivo de estudo esta pesquisa, as próximas subseções irão apresentar as estatísticas que comprovam tal fato.
2.9 Isolamento social e violência doméstica e familiar: análise estatística
O isolamento social, além de trazer alguns benefícios em prol do contingenciamento dos índices de contaminação, evitando o colapso do Sistema Único de Saúde (SUS) e, consequentemente, a majoração do índice de óbitos decorrentes da contaminação no Brasil, promoveu também uma série de mudanças, ora nocivas, para todo o contexto da sociedade brasileira. O estudo de Marques et al. (2020), aponta que o isolamento social majorou o tempo de convivência entre a vítima e seu ofensor, impulsionando assim os índices de violência doméstica e familiar, em todas as suas formas.
Considerando que dentre as formas de violência doméstica e familiar, as violências física, psicológica e sexual, representam – historicamente – os maiores índices auferidos, cabe a esta pesquisa analisar tais formas de violências em razão do gênero no contexto da pandemia do corona vírus. Dados estatísticos do FBSP (2021), destacam que “cerca de 17 milhões de mulheres sofreram violência física, psicológica ou sexual no último ano” (FBSP, 2021, p. 10).
Considerando que no ano de 2020, a população brasileira era estimada em 212,6 milhões, sendo que 51,8% deste total corresponde ao número de mulheres (110,8 milhões) – segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), se pode destacar que em 2020, aproximadamente 8% de toda a população nacional e 16% de toda a população de mulheres passou por violência doméstica e familiar durante a pandemia.
Quanto aos tipos de violências sofridas por estas vítimas, os dados do FBSP (2021), traz as seguintes estimativas: 4,3 milhões de mulheres foram vítimas de violência física; 13 milhões foram vítimas de violência moral; e 3,7 milhões foram vítimas de violência sexual. Na maioria das vezes, a mesma vítima auferiu mais de uma destas formas de violência doméstica e familiar. Além disso, no tocante às ameaças, cerca de 5,9 milhões de mulheres afirmaram que foram vítimas de ameaças de violência física (FBSP, 2021).
Para sintetizar as informações e evidenciar os impactos do isolamento social sobre o impulsionamento dos índices de violência doméstica e familiar no país, é importante trazer a demonstração do Gráfico 1, infra apresentado, extraído da pesquisa do FBSP (2020):
Fonte: Ligue 190
Gráfico 1: Total de denúncias de violência contra a mulher 2018-2020
Fonte: FBSP, 2020, p. 11.
Ainda que se trate de dados parciais de 2020, há uma clara demonstração de um crescimento significativos dos índices de violência doméstica e familiar. Dados estes que condizem com os apontamentos científicos produzidos pelos estudos de Carvalho (2020) e Ferreira Jr. et al. (2021), os quais apontam para um aumento nos índices de violência doméstica e familiar pelos efeitos pandêmicos provocados pela pandemia.
Menegatti et al. (2020), destaca que tais efeitos pandêmicos também alcançaram os índices de feminicídios no país. Desta forma, é importante para esta pesquisa checar tal informação com o auferimento dos dados estatísticos que comprovam tal afirmativa. O que será feito pela próxima subseção.
2.9.1 Dos índices de feminicídios: análise estatística
Sendo o feminicídio, na maioria dos casos, uma manifestação mais nociva de um ciclo de violências anteriores, desferidas contra a mulher por razão do seu sexo/gênero e, tendo o isolamento social contribuído para a elevação dos índices das demais formas de violência doméstica e familiar no Brasil, é importante avaliar tais impactos sobre o índice de feminicídios.
A mesma pesquisa realizada pelo FBSP (2021, p. 2):
Apenas entre março de 2020, mês que marca o início da pandemia de Covid-19 no país, e dezembro de 2021, último mês com dados disponíveis, foram 2.451 feminicídios e 100.398 casos de estupro e estupro de vulnerável de vítimas do gênero feminino. (grifo nosso)
Cerca de 2.451 mulheres foram vítimas do feminicídio no país, entre os anos de 2020 e 2021, cenário preocupante, com relação aos interesses normativos de contingenciamento. Para uma melhor demonstração dos índices do feminicídio durante a pandemia no Brasil, é importante analisar as informações estatísticas dispostas abaixo, no Gráfico 2:
Gráfico 2: Índices de feminicídios no Brasil 2019-2021 – por semestre (1º / 2º).
Fonte: FBSP, 2021, p. 7.
Com relação ao primeiro semestre 2019-2021, o maior índice foi referente ao ano de 2021 (674 feminicídios), prosseguido pelo índice de 2020 (664 feminicídios) e de 2019 (631 feminicídios) – cenário que demonstra um crescimento gradativo entre os três anos, durante a vigência da pandemia no país 2020-2021. Já com relação aos dados atinentes ao segundo semestre 2019-2020, o maior índice registrado foi anterior a pandemia, em 2019 (697 feminicídios), prosseguido pelo índice de 2020 (687 feminicídios) e de 2021 (645 feminicídios) – cenário que mostra uma baixa retração do crime no segundo semestre, entre os anos de 2019-2021.
O compilado dos dados gerais do FBSP (2020), demonstra que o maior aumento do feminicídio durante a pandemia foi registrado nos meses de março e abril de 2020 (início da pandemia no Brasil), sendo este de 22,2% com relação ao ano de 2019. Todavia, o próprio órgão chama atenção para as subnotificações dos casos, justamente, pela dificuldade das vítimas em denunciarem, uma vez que o ofensor – durante o isolamento social – exerceu um maior controle e domínio sobre a liberdade delas (FBSP, 2020).
Fato este que pode evidenciar que a problemática dos prejuízos decorrentes da violência doméstica e familiar pode ter tido uma expressividade ainda maior durante a pandemia no Brasil. O estudo de Lobo (2020), chama atenção para uma pandemia arraigada pela incomunicabilidade da dor, justificada pelo isolamento social e maio controle exercido pelo ofensor sobre as vítimas. De acordo com ela:
A condição precária, para retomar a filósofa Judith Butler (2015), revela que as mulheres – durante a pandemia da COVID-19 – estão ainda mais expostas de forma diferenciada às violações, à violência e à morte. Precisamos criar condições efetivas para que as mulheres, mesmo que estejam ocupando duas zonas de morte, encontrem alguma voz possível. É sobre essa pandemia de violência doméstica, um surto longevo, cabe dizer, cuja responsabilidade é de todos nós, que também devemos nos preocupar e buscar soluções (LOBO, 2020, p. 25). (grifo nosso)
Como esta pesquisa foi voltada a analisar um problema social fático, persistente no bojo da sociedade nacional e com raízes históricas, é importante que, além de avaliar os dados teóricos e estatísticos, se busque produzir uma visão prática, voltada ao alcance de medidas que possam reverter tais condições hodiernas. Na próxima subseção, se exporá uma breve análise crítica, para dispor de sugestões de medidas que possam contingenciar os índices de violência doméstica e familiar no Brasil.
2.9.2 Breve posicionamento crítico-jurídico: possíveis medidas contingenciadoras
Como visto, as violências auferidas pelas mulheres por razão do sexo/gênero se manifestam dentro de uma trajetória sócio-histórica arraigada pela inércia do Estado brasileira que, de forma tardia, dispôs de diplomas normativos específicos. Todavia, toda norma posta deve alcançar eficácia social, produzindo resultados práticos que possam ser auferidos mediante a análise das estatísticas reais, fato este que não se materializa diante da análise do contingenciamento dos crimes praticados no âmbito da violência doméstica e familiar. Como dito por Dias (2021) e confirmado pelos dados estatísticos, a violência doméstica e familiar é uma das maiores problemáticas atuais.
Reconhecendo os apontamentos doutrinários, a exemplo dos que foram ilustrados nas palavras de Jesus (2015), se pode perceber que este é um problema de origem histórica e cercado por questões conceptivas que são construídas com base em culturas machistas e patriarcais. Desta forma, cabe um posicionamento mais enfático do Estado na promoção de políticas públicas que sejam capazes de promover a educação social quanto a relação de gênero.
O próprio art. 3º, § 1º, da Lei Maria da Penha, traz a seguinte concepção normativa:
§ 1º O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 2006).
Claramente, a primeira intenção do legislador reformador é favorecer a prevenção, por meio da reeducação social, de modo a desconstruir quaisquer traços culturais e históricos que se manifestem na sociedade contemporânea como disruptivos dos preceitos que visam alcançar a igualdade entre os indivíduos, bem como a preservação dos direitos e garantias a eles facultados de forma indistinta (MELLO, 2020). No ano de 2021, a Lei nº 14.188 criou o Programa Sinal Vermelho, dispondo de um reconhecimento de denúncia feito por um sinal de X nas mãos das mulheres, obrigando que os estabelecimentos que percebessem pudessem prestar ajuda e socorro (BRASIL, 2021).
Não cabe a esta pesquisa o propósito de invalidar quaisquer tipos de políticas públicas que sejam necessárias para punir os ofensores e presta socorro às vítimas. Mas, também não obsta que esta pesquisa enfatize a necessidade de se impulsionar as políticas públicas preventivas, de modo a reduzir os índices de tal violência, uma vez que a repressão vem após os prejuízos auferidos pelas vítimas, enquanto a prevenção evita que tais prejuízos ocorra. Como já era destacado pela concepção clássica de Cesare Beccaria (2017), melhor é prevenir a ocorrência do crime do que repreendê-lo, porque a prevenção evita os prejuízos, enquanto a repressão não é capaz de revertê-los.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todo o levantamento realizado por esta pesquisa foi suficiente para produzir resultados importantes para a sua conclusão, os quais alcançaram os objetivos predefinidos e responderam ao problema norteador do estudo. Cabe aqui afirma que muitos forma os prejuízos produzidos pelos impactos do isolamento social no Brasil em desfavor das vítimas das formas de violência doméstica e familiar, inclusive, do feminicídio.
Os dados estatísticos levantados por esta pesquisa comprovaram ao posicionamento doutrinário e científico, que afirmavam um impulsionamento dos índices das formas de violência doméstica e familiar, incluindo, o próprio feminicídio. Tal impulsionamento foi provocado pela ampliação do tempo de convivência entre a vítima e seu ofensor, em razão da necessidade de isolamento social para contingenciar a contaminação pelo novo corona vírus.
Houve, portanto, uma tentativa de contingenciar os prejuízos decorrentes da contaminação, mas, se elevou os prejuízos internos ao contexto da convivência doméstica e familiar. Fato este que oportunizou o aumento da dor e do sofrimento das vítimas de violência doméstica e familiar no Brasil. A elevação dos índices de feminicídios, por sua vez, ampliam os prejuízos irreversíveis em desfavor da dignidade e vida das vítimas, lhes tirando o direito de continuarem a existir. Mesmo com as normas postas e em vigência, considerando a agravante da pena culminada ao crime de feminicídio, ab eficácia social não tem sido produzida, pois não há a minoração das ocorrências. O que comprova a necessidade de o Estado focar em políticas reeducativas, considerando que as manifestações violentas contra a mulher por razão de gênero decorrem de uma construção sócio-histórica arraigada pelo machismo e pelo patriarcado.
Esta pesquisa se limitou ao objeto de estudo e ao contexto delimitado, sendo importante sugerir que outras pesquisas sejam realizadas para analisar outros pontos pertinentes a tal temática. Por exemplo, verificar Projetos de Lei (PL’s) que tramitem no Congresso Nacional e que visem o desenvolvimento de trabalhos reeducativos e preventivos.
4 Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
5I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
6II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
7III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação (BRASIL, 2006).
8 XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX (BRASIL, 1988).
4 Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
5I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
6II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
7III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação (BRASIL, 2006).
8 XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX (BRASIL, 1988).
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Versa sobre o Código Penal brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 21 nov. 2023.
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BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Versa sobre a Lei Maria da Penha. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 20 nov. 2023.
BRASIL. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Versa sobre a tipificação do feminicídio. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/lei/l13104.htm>. Acesso em: 23 nov. 2023.
BRASIL. Lei nº 14.188, de 28 de julho de 2021. Versa sobre a criação do Programa de Cooperação Sinal Vermelho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14188.htm>. Acesso em: 23 nov. 2022.
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DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 14. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm, 2021.
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FBSP (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA) / DATAFOLHA. Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil 3ª edição – 2021. Disponível em: <https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/06/relatorio-visivel-e invisivel-3ed-2021-v3.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2023.
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1Aluno de Direito da Faculdade Ages de senhor do Bonfim-BA. (2019-2023) E-mail: cgjunior@tjba.jus.br
2Aluno de Direito da Faculdade Ages de senhor do Bonfim-BA (2019-2023). E-mail: ivanilmapc@gmail.com
3Orientador, professor especialista do curso de Direito da Faculdade Ages de Senhor do Bomfim-BA – Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal. Email: diogo.s.costa@ages.edu.br