A VALORIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO INTERCULTURAL NA ESCOLA MUNICIPAL PROFESSOR WALDIR GARCIA EM MANAUS AMAZONAS – BRASIL 

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202410200002


Clemência Gomes Abreu
José Amauri Siqueira da Silva
Suzana Gusmão Lima


RESUMO 

Esta pesquisa analisou a valorização da educação intercultural na Escola Municipal  Professor Waldir Garcia, uma instituição pública de Manaus que atendia um número  significativo de alunos imigrantes e refugiados, principalmente da Venezuela e do  Haiti. Com o objetivo de compreender as práticas educativas dessa escola, foi adotado  um percurso metodológico que incluiu pesquisa bibliográfica, documental e de campo.  Aplicou-se um questionário que abordava a importância da educação intercultural em  relação às necessidades dos alunos imigrantes e refugiados. Os resultados indicaram  que a Escola Waldir Garcia aliou educação, resistência e luta por justiça social,  consolidando-se como uma referência internacional em educação intercultural. A  escola promoveu o acolhimento de alunos estrangeiros e ofereceu uma formação  integral que valorizava e respeitava a diversidade cultural. Esse modelo educacional  estava alinhado com as diretrizes do multiculturalismo e reforçava os princípios  democráticos, tornando-se um exemplo de como a educação pode contribuir para a  inclusão e transformação social. 

Palavras-chave: Educação, Intercultural, Imigração, Cidadania 

RESUMEN 

Esta investigación analizó la valorización de la educación intercultural en la Escuela  Municipal Profesor Waldir Garcia, una institución pública de Manaos que atendía a un  número significativo de estudiantes inmigrantes y refugiados, principalmente de  Venezuela y Haití. Con el objetivo de comprender las prácticas educativas de esta  escuela, se adoptó un enfoque metodológico que incluyó investigación bibliográfica,  documental y de campo. Se aplicó un cuestionario que aborda la importancia de la  educación intercultural en relación con las necesidades de los estudiantes inmigrantes  y refugiados. Los resultados indicaron que la Escuela Waldir Garcia unió educación,  resistencia y lucha por la justicia social, consolidándose como una referencia  internacional en educación intercultural. La escuela promueve la acogida de  estudiantes extranjeros y ofreció una formación integral que valoraba y respetaba la  diversidad cultural. Este modelo educativo estaba alineado con las directrices del  multiculturalismo y reforzaba los principios democráticos, convirtiéndo en un  ejemplo de cómo la educación puede contribuir a la inclusión y transformación social. 

Palabras clave: Educación, Cultura, Inmigración, Ciudadanía

1. INTRODUÇÃO  

A diversidade cultural é uma característica central da sociedade brasileira,  manifestando-se nas artes, religiões e sistemas educacionais. Nesse contexto, a  educação intercultural surge como uma ferramenta essencial para reconhecer e  valorizar essa diversidade, promovendo a inclusão e a equidade social. No entanto, a  implementação desse modelo no sistema educacional brasileiro ainda enfrenta  desafios significativos, uma vez que, historicamente, a educação no Brasil sempre  serviu aos interesses das elites dominantes. Somente no final do século XX, com a  pressão dos movimentos sociais, a diversidade cultural passou a ser incorporada no  campo educacional. 

Na região amazônica, a educação intercultural apresenta grandes desafios,  apesar da vasta diversidade populacional. Em Manaus, cidade com uma composição  sociocultural única devido à presença de muitos imigrantes, a Escola Municipal Waldir  Garcia foi selecionada para a pesquisa por contar com um número relevante de alunos  imigrantes e refugiados. Essa escola, desde 2016, tem implementado práticas  pedagógicas interculturais, buscando integrar diferentes grupos culturais e promover  discussões sobre diversidade e desigualdade no ambiente escolar. 

A pesquisa teve como objetivo principal analisar como a educação intercultural  é aplicada na Escola Waldir Garcia, partindo da hipótese de que sua valorização  contribui para a transformação das práticas pedagógicas e o desenvolvimento de um  currículo focado na promoção da diversidade cultural. Além disso, investigou o  desenvolvimento da educação intercultural no cenário internacional, sua inserção no  Brasil e as práticas específicas adotadas pela escola. 

A escolha de Manaus se justifica pela trajetória da autora, que já havia  trabalhado com projetos de intercâmbio cultural entre alunos brasileiros e bolivianos,  e posteriormente observou o crescimento do número de estudantes estrangeiros nas  escolas estaduais de Manaus, intensificado pelo fluxo migratório da Venezuela. Isso  evidenciou a necessidade de adequar o ensino para acolher essa nova demanda. 

Assim, a pesquisa explora como a Escola Waldir Garcia se tornou um exemplo  de implementação da educação intercultural, demonstrando como essa abordagem  pode ser aplicada no contexto da diversidade cultural presente em Manaus.

1.1. OS MÚLTIPLOS MULTICULTURALISMOS 

A partir da Segunda Guerra Mundial, especialmente nos anos 1950, surgiram  novas reflexões sobre a diversidade cultural, desafiando visões tradicionais. Hall  (2003; 2006) explorou as sociedades multiculturais, reconhecendo sua  heterogeneidade. O multiculturalismo é um conceito complexo, envolvendo não só  teorias, mas também política e economia, refletindo na diversidade cultural sem  necessariamente garantir harmonia entre os povos. Mendes (2010) destaca que a  coexistência de culturas não assegura interações significativas, podendo gerar tanto  colaboração quanto conflitos. Hall (2003) vê o multiculturalismo como um processo  dinâmico de gestão da diversidade cultural, não um estado ideal. 

Ao analisar o Quadro 01, observa-se a distinção fundamental entre os termos  “multicultural” e “multiculturalismo” de acordo com o entendimento de Hall (2003). 

 Quadro 1 – A diferença entre multicultural e multiculturalismo  

Multicultural Multiculturalismo 
Descreve as características  sociais e os problemas de  governabilidade apresentados por  qualquer sociedade na qual  diferentes comunidades culturais  convivem e tentam construir uma  vida em comum, ao mesmo tempo  em que retêm algo de sua  identidade “original”.Refere-se às estratégias e políticas adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais.  É usualmente utilizado no  singular, significando a filosofia  específica ou a doutrina que  sustenta as estratégias multiculturais. 

Fonte: Elaborado pela autora (2021) baseado em Hall (2003). 

O texto explora o multiculturalismo a partir das ideias de Hall (2003),  destacando sua complexidade e variações. Ele descreve o multiculturalismo como um  processo dinâmico, com versões conservadoras que buscam assimilação e versões  críticas que ficam em poder e resistência. Hall critica o “multiculturalismo boutique”,  que valoriza a diversidade cultural sem provocar mudanças reais, e adverte sobre a  relação entre multiculturalismo e globalização, destacando resistências locais. Por fim, o texto questiona como esse conceito impacta a educação e a formação dos  estudantes brasileiros, preparando para a discussão que segue. 

1.2. EDUCAÇÃO, CULTURA E DIVERSIDADE 

O texto aborda o multiculturalismo como um conceito moldado por  transformações locais e globais, influenciando a construção da identidade social e a  cultura. Hall (2003; 2006) ressalta que o multiculturalismo permite escolhas  autônomas, enquanto Candau e Moreira (2008) veem-no como crucial para  reconhecer a diversidade cultural e combater a opressão. No Brasil, a educação  reflete a história de migração e colonização, trazendo desafios que, segundo Banks  (2009), precisam ser valorizados para evitar tensões sociais. O multiculturalismo tem  diferentes abordagens, como a assimilacionista, a diferencialista e a intercultural,  sendo esta última a mais eficaz para promover o diálogo e a inclusão na educação. 

Quadro 2 – Indivíduo e inclusão social no contexto do multiculturalismo  

Segregacionismo Interacionismos Inclusivismo 
O indivíduo era afastado  da sociedade. A escola passa a receber pessoas com  deficiência. A educação é um direito de  todos. Essa perspectiva é  defendida pelo  multiculturalismo. 

Fonte: Elaborado pela autora (2021) com base em Anjos, Andrade e Pereira (2019). 

O multiculturalismo é apresentado como uma ferramenta para promover  inclusão social e convivência democrática, fundamentais à educação intercultural.  Morin (2000) destaca que essa abordagem busca construir uma sociedade mais  coesa, capaz de enfrentar desafios relacionados à diversidade e à exclusão social.  Grant (2008) reforça que a educação multicultural deve atender às necessidades de  populações culturalmente diversas, garantindo justiça e igualdade. Na América Latina,  políticas educacionais começaram a reconhecer a diversidade cultural nas décadas  de 1980 e 1990, rompendo com abordagens monoculturais. No Brasil, embora haja  desafios devido à exclusão histórica de povos indígenas e africanos, o  multiculturalismo é essencial para valorizar a pluralidade nos currículos escolares.

1.3. A ESCOLA MULTICULTURALISTA 

O modelo de escola multicultural no Brasil enfrenta grandes desafios devido às  desigualdades entre instituições, agravadas por corrupção e disparidades regionais.  Para que a educação multicultural seja eficaz, é necessário que a escola seja um  espaço de diálogo entre diferentes culturas, reconhecendo a diversidade de  experiências (Pérez Gómez, 2001; Candau, 2008). No entanto, as escolas  frequentemente priorizam a padronização, o que dificulta a inclusão de várias culturas  (Moreira e Candau, 2003). Reformular currículos e práticas pedagógicas é  fundamental para atender grupos marginalizados e promover uma verdadeira  educação multicultural. Embora o Brasil tenha uma rica diversidade cultural, a política  educacional nem sempre favorece essa multiplicidade. 

1.4. A EDUCAÇÃO INTERCULTURAL NO BRASIL  

Neste texto, a interculturalidade na educação brasileira é explorada sob um viés  sócio-histórico, com foco na formação das sociedades latino-americanas, conforme  discutido por pesquisadores como Akkari (2012; 2011), Candau (2008) e Santos  (1999). Martinez (2000) critica a visão predominante, que prioriza interesses  econômicos nos acordos comerciais, destacando a importância das relações  humanas entre os países da América Latina, especialmente os que fazem fronteira  com o Brasil. 

A escola deve promover a inter-relação científico-cultural, frequentemente  negligenciada em acordos macroeconômicos. O texto examina a formação cultural  brasileira, abordando seus contrastes e dilemas, a relação entre educação e cultura  na diversidade e, por fim, a implementação da educação intercultural no sistema  educacional brasileiro. 

1.5. EDUCAR PARA COLONIZAR 

O Brasil, um país com vasto território e grandes desigualdades sociais desde a  colonização, sofreu a imposição de uma educação católica e de um modelo de comportamento dominador, particularmente sob a influência da Companhia de Jesus.  Com a formação de uma sociedade mestiça, as relações de poder se consolidaram  com a elite agrária colonial, resultando em um sistema educacional que priorizava a  cultura branca e promovia o branqueamento da população. 

A educação intercultural no Brasil, embora tenha ganhado força nas discussões  a partir da década de 1990, enfrenta um paradoxo entre a defesa da diversidade  cultural e a busca por um sistema educacional unificado. Movimentos sociais,  especialmente o movimento negro, têm lutado contra a discriminação e por maior  visibilidade e direitos, revelando a herança colonial que ainda perpetua desigualdades. 

Historicamente, a educação no Brasil foi marcada por tentativas de  homogeneização cultural, silenciando as vozes e saberes dos grupos indígenas e  afro-brasileiros. Essa dinâmica, que se intensificou com a Revolução Industrial,  destaca a necessidade de reformas educacionais que promovam e valorizem a  diversidade cultural, integrando-a efetivamente no debate educacional. 

1.6. O MODELO EDUCACIONAL INTERCULTURAL NO BRASIL  

A primeira reforma da educação brasileira voltada para fins interculturais  ocorreu com a promulgação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) em 1997,  que causaram controvérsia na sociedade. Essa iniciativa é importante para entender o  paradoxo de uma sociedade multiétnica que, embora reconheça sua diversidade, não  consegue se reconciliar com ela. Ao contrário de modelos bipolares, como os dos  Estados Unidos e da África do Sul, ou de nacional versus imigrante na Europa, o Brasil  apresenta uma complexidade única (AKKARI, 2015). 

A educação intercultural no Brasil passou por um longo caminho político e  jurídico, tendo suas discussões iniciadas entre as décadas de 1970 e 1980, com a  emergência dos movimentos afro-brasileiros que lutavam por direitos civis e o  surgimento de estudos sobre estereótipos e discriminação no contexto educacional  (AKKARI, 2006).

Quadro 3 – Reconhecimento da pluralidade cultural nos documentos oficiais  do Brasil  

Documentos Referência à pluralidade cultural 
Constituição da República Federativa do  Brasil de 1988 Art. 215. O Estado garantirá a todos o  pleno exercício dos direitos culturais e  acesso às fontes da cultura nacional, e  apoiará e incentivará a valorização e a  difusão das manifestações culturais. §  1º O Estado protegerá as manifestações  das culturas populares, indígenas e  afrobrasileiras 
Lei de Diretrizes e Bases da Educação  Nacional (LDB) de 1996 (Lei  9.394/96) Art. 26-A. Nos estabelecimentos de  ensino fundamental e de ensino médio,  públicos e privados, torna-se obrigatório  o estudo da história e cultura  afrobrasileira e indígena. (Redação  dada pela Lei nº 11.645, de 2008). 

Fonte: Elaborado pela autora (2021) a partir de Akkari (2015). 

A identidade mestiça do Brasil e a discriminação histórica contra afrobrasileiros  e ameríndios são reconhecidas, mas a aplicação da legislação que promove a  pluralidade cultural nas escolas ainda enfrenta dificuldades. O sistema educacional  reflete interesses locais e internacionais, e entre 2019 e 2020, foi desafiado por  grandes ondas migratórias, especialmente de venezuelanos. Segundo o CONARE e  ACNUR, 93,7% das solicitações de refúgio vieram de venezuelanos, com a maioria  registrada nas regiões norte, especialmente em Roraima e Amazonas, alterando a  demografia de capitais como Boa Vista e Manaus. 

Esse fluxo migratório pressionou o sistema educacional a acolher cerca de  5.880 crianças e adolescentes refugiados, forçando escolas municipais e estaduais a  adaptarem suas práticas pedagógicas. Algumas escolas se destacaram por  implementar métodos inclusivos e interculturais, mas nem todas estão preparadas  para lidar com a diversidade e os desafios de integrar esses novos alunos, refletindo  a necessidade de maior suporte e adaptação do sistema educacional. 

2. METODOLOGIA

2.1. O OBJETO DE ESTUDO 

O interesse pela educação intercultural nasceu da prática docente da  educadora em Cáceres (MT), na fronteira entre Brasil e Bolívia, a partir de 2010,  quando coordenou o projeto “Diversidade cultural: nossa identidade”. Este projeto  visava promover o intercâmbio cultural entre escolas brasileiras e bolivianas,  explorando aspectos linguísticos e socioculturais. 

Em Manaus, desde 2012, como professora de Língua Espanhola no Colégio  Amazonense Dom Pedro II, a educadora continuou a explorar a interculturalidade  através de projetos anuais focados na cultura dos países de língua espanhola. A  presença de alunos imigrantes e refugiados no colégio intensificou essa abordagem,  destacando a importância de integrar as diversas culturas no ambiente escolar. Um  marco significativo foi a realização de uma sala temática sobre a Colômbia, em 2019,  com apoio do consulado colombiano, fortalecendo a conexão entre a escola e a  comunidade imigrante. 

Entretanto, foi na Escola Municipal Prof. Waldir Garcia, em Manaus, que a  educadora encontrou um exemplo contínuo de educação intercultural. A escola se  destacou por incorporar a diversidade cultural de maneira diária e humanitária, sendo  um modelo reconhecido regional e internacionalmente por suas práticas inclusivas  com alunos de diferentes origens. 

A partir dessas experiências, a educadora conclui que a interculturalidade deve  ser parte integrante e constante do cotidiano escolar, e não limitada a eventos  pontuais, promovendo uma valorização contínua da diversidade cultural no ambiente  educacional. 

2.2. MANAUS: A CIDADE MULTICULTURAL DOS TRÓPICOS 

Manaus, capital do Amazonas, tem uma história marcada pela  interculturalidade desde o século XVII, com a chegada dos colonizadores  portugueses. Durante os séculos XVII e XVIII, a região era dominada pela Coroa  Portuguesa, com uma população majoritariamente indígena e poucos colonos, militares e religiosos. A mestiçagem, inicialmente proibida, passou a ser permitida,  gerando o caboclo, uma figura expressiva na população local. 

No auge do ciclo da borracha, entre os séculos XIX e início do XX, Manaus se  modernizou e ganhou destaque internacional, embora os benefícios desse progresso  tenham sido restritos à elite, acentuando as desigualdades sociais. Após o declínio da  borracha, a cidade herdou sua arquitetura e atraiu novos imigrantes. A partir de 1960,  com a criação da Zona Franca de Manaus, a cidade passou por outro ciclo de  crescimento demográfico, mas as políticas públicas continuaram excludentes. 

Recentemente, o fluxo migratório de haitianos e venezuelanos, impulsionado  por crises em seus países, modificou a demografia local. Muitos imigrantes se  estabeleceram em bairros como São Geraldo, enfrentando dificuldades para se inserir  no mercado formal devido à falta de qualificação ou à burocracia para validar  diplomas. Muitos dependem do setor informal para sobreviver, contando com apoio  de organizações religiosas, como a Paróquia São Geraldo. A Escola Municipal Prof.  Waldir Garcia também desempenha um papel crucial na inclusão dessas famílias  imigrantes, adaptando-se para acolher as novas demandas. 

2.3. A ESCOLA MUNICIPAL PROFESSOR WALDIR GARCIA 

A Escola Municipal Professor Waldir Garcia, fundada em 1987 no bairro São  Geraldo, oferece ensino fundamental (1º ao 5º ano) e atende cerca de 227 alunos,  incluindo imigrantes do Haiti e Venezuela. Em 2020, ganhou o Prêmio Educador Nota  10 por seus projetos de protagonismo juvenil. Localizada próxima ao Igarapé da  Cachoeira Grande, a escola enfrentou desafios, incluindo uma ameaça de demolição  em 2011 devido a obras do Programa Minha Casa, Minha Vida. Isso causou evasão  escolar e redução de matrículas em 2012. 

Em resposta, a escola adaptou suas metodologias, influenciada por programas  como o Mais Educação e movimentos por educação integral. A partir de 2015, a escola  se engajou nesse movimento, e em 2016, tornou-se de tempo integral, o que resultou  em vários prêmios, incluindo o Itaú-Unicef (2017) e “Plantando Saberes e Sabores”  (2019). Desde 2013, a escola tem melhorado seu IDEB, sendo reconhecida como transformadora. Além disso, a escola valoriza a educação intercultural, refletida em  suas atividades escolares. 

3. DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS 

3.1. RESISTÊNCIA E EDUCAÇÃO  

A Escola Municipal Prof. Waldir Garcia representa a luta por justiça social e  direitos humanos em uma área com uma significativa população de imigrantes e  refugiados. Em 2016, a escola transformou-se em uma instituição de ensino integral,  o que foi essencial para sua sobrevivência, já que enfrentava a ameaça de demolição  devido a obras de aterramento na margem de um afluente do Rio Negro. Essa  mudança não apenas garantiu sua continuidade, mas também reformulou suas  práticas e currículos, destacando sua relevância para as famílias ao seu redor,  especialmente para os refugiados haitianos que se estabeleceram no bairro São  Geraldo, em Manaus. 

A Escola Municipal Prof. Waldir Garcia é a primeira instituição de educação  integral mantida pelo poder público municipal em Manaus, resultado da pressão  exercida pelo movimento social Coletivo Escola Família Amazonas (CEFA) e das  circunstâncias históricas que cercam a escola. Para investigar como a escola se  tornou uma referência transformadora e como sua abordagem de educação  intercultural se desenvolveu, foi conduzida uma pesquisa de campo com o corpo de  servidores, incluindo administrativos e professores. A coleta de dados foi realizada por  meio de um formulário eletrônico, buscando entender a realidade vivida pelos  servidores e o impacto das mudanças implementadas na escola. A escola continua  enfrentando desafios, mas persiste em seu compromisso de oferecer um ensino  público, gratuito e de qualidade para a comunidade. 

3.2. A COLETA DE DADOS  

3.2.1. Coleta de Dados sobre Educação Intercultural 

Os dados foram coletados durante o 1º semestre de 2021, por meio da  aplicação de formulários online desenvolvidos no Google Forms, enviados via link aos  contatos de WhatsApp do público-alvo da pesquisa. Essa metodologia foi adotada em decorrência da pandemia do novo coronavírus, que resultou no fechamento das  escolas durante o ano de 2020 e parte de 2021. 

3.2.2. Período da Coleta 

Data de Disponibilização do Formulário: 16/04 a 07/05/2021
Público-Alvo: Professores, gestora e corpo administrativo da Escola  Municipal Professor Waldir Garcia. 

3.2.3. Variáveis Analisadas 

O instrumento de coleta de dados contemplou diversas variáveis relevantes  para a pesquisa, incluindo: 

Tempo de serviço na escola: A maioria do corpo docente possui  experiência significativa, com muitos professores trabalhando na escola há 8  anos ou mais. Esse tempo de serviço pode indicar uma maior familiaridade  com as dinâmicas da escola e com os alunos, favorecendo práticas  pedagógicas mais efetivas e uma melhor compreensão das necessidades dos  estudantes. 

Titulação docente: Com 57% dos entrevistados possuindo pós graduação e 43% apenas graduação, os resultados mostram um quadro  docente bem qualificado. Essa titulação pode impactar positivamente na  implementação de metodologias inovadoras e na promoção da educação  intercultural. 

Grau de conhecimento sobre a educação intercultural: A pesquisa  revelou que 71% dos participantes concordam plenamente que a educação  intercultural é relevante para o Brasil. Isso demonstra uma conscientização  crescente sobre a importância de uma abordagem educacional inclusiva e  sensível às diversidades culturais presentes na escola. 

Grau de conhecimento sobre a teoria do multiculturalismo: Os  resultados indicaram que 70% dos entrevistados consideram bom o que sabem  sobre o multiculturalismo. Essa percepção positiva é essencial para o  desenvolvimento de práticas pedagógicas que reconheçam e valorizem as  diversas culturas dos alunos. 

Conhecimento sobre a legislação brasileira em relação à educação  intercultural: 86% dos participantes afirmaram conhecer a legislação relacionada à educação intercultural. Esse conhecimento é fundamental para  que os educadores possam integrar as diretrizes legais em suas práticas e  garantir o direito à educação de todos os alunos. 

Participação docente em capacitações sobre diversidade cultural:  Todos os entrevistados relataram participação frequente em capacitações  sobre diversidade cultural. Essa formação contínua é crucial para que os  professores se sintam preparados para lidar com as especificidades de um  ambiente escolar multicultural. 

Participação da Secretaria de Educação em promover a educação  intercultural na escola: Embora 42,9% dos participantes afirmam que a  SEMED-AM oferece formação, 28,6% consideram que essa promoção ocorre  raramente. Essa discrepância sugere a necessidade de um aumento na oferta  de capacitações para apoiar melhor os educadores em suas práticas. 

Parcerias da escola com instituições e/ou organizações para  fortalecer ações de educação intercultural: Os dados mostraram que 86% dos entrevistados afirmam que parcerias sempre ocorrem. Essa colaboração  pode enriquecer o ambiente escolar, trazendo novas perspectivas e recursos  para o ensino. 

Relação da comunidade escolar com alunos imigrantes e/ou  refugiados: A percepção positiva em relação ao acolhimento de alunos  imigrantes e refugiados indica um ambiente inclusivo, o que é fundamental para  a construção de uma comunidade escolar solidária. 

Relações interpessoais e acolhimento dos estudantes na escola: Os  dados mostraram que os servidores valorizam as relações interpessoais,  indicando que a interação entre alunos e educadores é um aspecto prioritário  para o bem-estar e o desenvolvimento dos estudantes. 

Desenvolvimento de práticas pedagógicas voltadas à promoção da  educação intercultural: 71% dos entrevistados relatam que atividades  voltadas à diversidade cultural sempre ocorrem. Essa frequência sugere um  compromisso com a promoção de uma educação que respeita e valoriza as  diferenças culturais. 

Aplicação dos recursos para melhoria da infraestrutura escolar: A  pesquisa destacou uma demanda significativa por melhorias na infraestrutura, o que indica a necessidade de investimento em recursos físicos e materiais que  suportem as práticas pedagógicas. 

Grau de valorização da educação intercultural no ambiente escolar66,7% dos entrevistados acreditam que o currículo atende e valoriza a  diversidade cultural. Essa valorização é crucial para o desenvolvimento de um  currículo que reflita a pluralidade da sociedade. 

Práticas de Autoridade Compartilhada 

A Escola Professor Waldir Garcia tem trabalhado com base no conceito de  autoridade compartilhada, conforme descrito por Santos (1997). Esse conceito reflete  a criação curricular cotidiana e práticas de diálogo que têm sido desenvolvidas,  especialmente desde 2016, quando a escola passou a operar em jornada integral e a  adotar um conceito de educação integral. 

Dentre as práticas pedagógicas destacadas, estão o apoio de tutores e as  assembleias, que envolvem todos os alunos nas tomadas de decisões. Esses  momentos são fundamentais para a escuta e a conversação, possibilitando decisões  compartilhadas. 

As práticas pedagógicas na Escola Municipal Professor Waldir Garcia buscam  valorizar a diversidade cultural, promovendo um ambiente escolar inclusivo e  democrático. A participação ativa de educadores, colaboradores e instituições  parceiras é fundamental para o sucesso dessas iniciativas. 

4. CONCLUSÃO 

A pesquisa qualitativa realizada na Escola Municipal Waldir Garcia revelou a  importância da implementação e valorização da educação intercultural na instituição.  O aprofundamento no conceito de interculturalidade demonstrou sua relevância no  contexto educacional, especialmente quando associado ao multiculturalismo que  promove direitos humanos e justiça social. Essa abordagem reconhece que a  educação está intimamente ligada a dimensões sociais, culturais, econômicas e  políticas, sendo moldada pelas demandas de cada época. 

No Brasil, a implementação da educação intercultural ainda enfrenta  obstáculos, decorrentes da história de desigualdades do país. Contudo, a Escola  Waldir Garcia destaca-se por suas práticas pedagógicas inclusivas, que dão  visibilidade e acolhimento a alunos imigrantes e refugiados, como os haitianos e venezuelanos. A instituição promove uma abordagem de ensino horizontal, quebrando  com práticas etnocêntricas e monoculturais, e construindo um ambiente propício ao  diálogo e à inclusão cultural. 

A transformação para o modelo de tempo integral, a partir de 2016, ampliou as  oportunidades para um desenvolvimento mais completo dos alunos, abrangendo os  aspectos intelectual, físico, emocional e sociocultural. Mesmo diante das dificuldades  impostas pela pandemia de COVID-19, a escola adaptou-se rapidamente às  ferramentas digitais, mantendo o envolvimento com a comunidade escolar e  assegurando a continuidade das práticas interculturais. 

A Escola Municipal Waldir Garcia se tornou um exemplo inspirador de como  promover a educação intercultural, comprometida com o acolhimento e respeito à  diversidade. Sua relação com a comunidade é pautada por um modelo humanitário, e  a gestão escolar trabalha para garantir que a instituição continue atuando como um  espaço de formação de cidadãos críticos e socialmente conscientes. 

No entanto, para que esse modelo seja ampliado e fortalecido, é essencial que  a Secretaria Municipal de Educação invista em formação continuada para os  profissionais da escola, desenvolva parcerias com universidades e melhore as  condições salariais dos docentes e gestores. Além disso, o fortalecimento do  Conselho Escolar, melhorias na infraestrutura e acompanhamento adequado dos  recursos destinados à instituição são passos fundamentais. 

A gestão escolar deve continuar fomentando práticas que acolham e respeitem  as vozes dos estudantes imigrantes e refugiados. O corpo docente também deve  investir na produção de materiais pedagógicos que reflitam a diversidade cultural da  comunidade escolar e que abordam temas como culturas africanas, indígenas e  imigração. Além disso, é crucial promover o protagonismo dos estudantes imigrantes  e desenvolver atividades que combatam preconceitos e discriminações. 

Com essas ações, será possível consolidar ainda mais a educação intercultural  na Escola Municipal Waldir Garcia, garantindo que ela permaneça um exemplo de  inclusão e valorização da diversidade cultural, além de um motor de transformação  social. 

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