REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10155684
Anália Carolina Santos Duarte
Daniela Alves de Oliveira
Edilene Pereira de Azevedo lizzi
Kelley Naiara Simões Silva Sousa
Lucimar Almeida Costa Souza
Mariza Silveira Neto
Michele Sousa Santana
Valdir Firmino de Souza
Orientador; Me Phábio Rocha da Silva¹
RESUMO
Os objetivos da pesquisa são: compreender a organização educacional Xavante modificada por influência das (re)significações ao longo do tempo; identificar os significados culturais da sociedade Xavante; observar a organização social da comunidade Xavante praticada na convivência e relações de parentesco; analisar a proposta pedagógica das escolas e o ensino da cultura Xavante. A metodologia se deu a partir de relatos de educadores tradicionais Xavante, obtidos mediante entrevistas informais, diário de campo e pesquisa etnográfica os quais revelam que o ensino “copiado” da escola tradicional brasileira não é o mais adequado para a escola indígena. Os professores indígenas, quando formados em um contexto não indígena e, ao exercer a função de professor na sua aldeia tendem a imitar os ensinamentos ocidentais e não indígenas. É importante destacar que os Xavante, no processo de socialização, mantêm seus costumes ancestrais e tradições que são seguidos mediante práticas pedagógicas próprias. Como resultado, confirma-se na percepção Xavante.
Palavras-chave: Pedagogia Xavante. Escola Marãiwatsede. Interculturalidade.
ABSTRACT
The aims of the research are: to understand the Xavante educational organization modified by the influence of the changing of significances over the years; to identify the cultural significances of Xavante society; to observe the social organization of the Xavante community practiced in daily living and kinship relationships; to analyse the pedagogical proposal of the schools and the teaching of Xavante culture. The methodology began with accounts from traditional Xavante educators, obtained by way of informal interviews, field diaries and ethnographic research which reveal that the teaching “copied” from the traditional Brazilian school is not the most adequate for the indigenous school. The indigenous teachers, when trained in a non-indigenous context and, when taking on the function of teacher in their village tend to immitate western teaching as against the indigenous methods. It is important to bring out that the Xavante.
Keywords: Xavante pedagogy. Marãiwatsede School. Intercultural practices.
1. INTRODUÇÃO
A Educação Escolar busca a socialização do conhecimento cientifico adquirido ao longo dos tempos, por meio de um processo de ensino/aprendizagem formal. As escolas são lugares institucionalizados responsáveis pelo desenvolvimento do ensino/aprendizagem. Nesse estudo, optamos por abordar aspectos da cultura xavante no ambiente escolar indígena na Aldeia Indígena de São Marcos1. Nosso intuito é evidenciar como é (re) passado aspectos culturais as crianças xavante na escola.
Os xavante migraram do norte de Goiás, atravessando os Rio Araguaia e Rio das Mortes, adentrando aos cerrados mato-grossenses, ocupando os vales da Serra do Roncador em busca de garantir a sua sobrevivência, fugindo do contato com não índios. Hoje parte desse povo vive na Reserva Indígena de São Marcos, região leste de Mato Grosso, nas proximidades da cidade de Barra do Garças- MT.
A marca histórica desse povo são as constantes migrações pelo cerrado do Centro-Oeste brasileiro, ‘no qual buscaram viver sem o contato com a sociedade envolvente’, no entanto, com a ocupação da região pelo Estado brasileiro, principalmente com a campanha da “Marcha para o Oeste” na década de 1930, faz com que o território indígena seja invadido, gerando sérios conflitos, a partir de diversas lutas e manifestações houve à demarcação das terras indígenas xavante nos anos de 1970. Entende-se que a reprodução física, educacional e cultural dos povos indígenas em seus territórios, em grande parte, está condicionada à demarcação e criação de Terras Indigenas (TI), que considere a territorialidade necessária para assegurar a existencia de um grupo e o modo de vida indígena.
Segundo Giaccaria (1990, p. 93) “Xavante é o nome que os portugueses deram aos componentes de uma tribo indígena que ocupava, nos fins do século XVI, o norte de Goiás. Não se conhece a origem do nome, tão diferente com que a tribo se autodomina: A UWÊ, o que significa pessoa, gente.”
Tanto a etnia xavante como os bororo foram as primeiras a migrarem para essa região mato-grossense acompanhados de uma cultura que predomina até os dias atuais. Os xavante com seu hábito de moradia, artesanato de arco e flecha para caça e pesca, vêm sobressaindo com uma educação tribal e sua própria língua e cultura.
No inicio do ano letivo de 1957 nós achamos em sangradouro com uma primeira classe, formada por uns vinte e cinco filhos de garimpeiros e oito xavantes, que a poucos meses tinham sido contactados: foi um grande choque, tanto para o professor como para os alunos. O problema era como alfabetizar alunos com culturas diferentes, língua totalmente diferente desconhecida que não entendia uma só palavra de português (GIACCARIA, 1990 p.7).
A partir da década de cinquenta do século XX pode se perceber um aperfeiçoamento linguístico dos xavante que falam português, sendo considerados bilíngues.
Bartolomeu Melía, em livro publicado em (1979, p. 21), postula que as etnias indígenas possuem, todas elas, seus próprios sistemas de educação, e que as escolas nas áreas indígenas teriam papel complementar a esses processos. As escolas não deveriam tornar-se, portanto, projetos pensados para substituir a educação indígena. Defendeu também que alfabetização e os estudos escolares posteriores deveriam acontecer na língua indígena. Segundo (LOPES, 2010, p.135).
Para uma educação de qualidade, é importante, firmar um projeto pedagógico comprometido com uma educação que transporá os muros da escola e principalmente que atenda os interesses da comunidade escolar. De acordo com Silva (2005, p.46), “todo ser humano normal possui um potencial biopsíquico para atribuir significados ás coisas diferentes códigos, (verbais e não verbais) que servem para expressar ou simbolizar o mundo.” Nesse sentido, com relação ao papel da escola, os indígenas xavantes de São Marcos consideram que:
a escola é útil principalmente para nosso desenvolvimento… Ele é útil principalmente para ávida… A escola é importante a nossa vida porque nos prepara para o mudo das sociedades [não índia]… A escola significa uma complementação da vida das pessoas, como na leitura e na escrita. A escola aumenta o conhecimento das coisas…(fala dos professores de São Marcos). (MATA, 1999, p, 201 apud LOPES, 2010, p134)
Ressalta-se que na concepção indígena a escola é vista como uma forma de preparação para o contato com o não índio. Para Caplaca (1995, p.10 apud LOPES, 2010, p.135), ao tornar-se um espaço com informações, práticas pedagógicas e reflete sobre o passado e futuro dos indígenas, bem como o conhecimento, os projetos e o lugar desse povo em um mundo globalizado, a escola começa a ter novos objetivos. Acredita-se que a escola indígena deve contribuir para uma formação ‘plena’ do sujeito indígena propiciando subsídios para autoafirmação e apropriação do conhecimento formal.
O fator educacional é uma das tarefas mais importantes e significativas no desenvolvimento sociológico deste grupo, como também “propósito de preservar sua cultura e integra-lo, progressiva e harmoniosamente, à comunhão Nacional” (estatuto do índio, lei 6001, art.1). fatores de ordem antropológica, sociológica e educacional motivam a existência, a estrutura e o sistema educacional de uma Escola Estadual com caráter especifico Indígena. (LOPES, 2010, p. 141)
O desejo de estudar sobre a educação escolar indígena, veio primeiramente, pela ‘curiosidade’ em saber como se dá o processo de alfabetização entre esse povo. Posteriormente foram surgindo novas indagações, quais metodologias e materiais didáticos são utilizados no cotidiano da cultura e educação xavante?. Buscam-se respostas em pesquisas bibliográficas e em entrevistas com professores indígenas da Aldeia de São Marcos. Desta forma, os resultados desse trabalho contribuirão para o maior conhecimento sobre a cultura desse povo indígena.
Cabe ainda ressaltar que este trabalho tem como objetivo verificar a percepção dos professores xavante em relação ao estudo da cultura xavante na escola indígena da aldeia de São Marcos, abrangendo os seguintes itens: a) identificar se os professores da aldeia trabalham a valorização da cultura xavante na escola de São Marcos; b) verificar como é trabalhada a valorização da cultura indígena em sala de aula com os alunos; c) observar como as crianças xavante têm sido orientadas dentro da escola; d) detectar se há algum conteúdo disciplinar que trabalhe as questões culturais em sala de aula com os alunos, assim dando a devida importância a diversidade cultural, em especial a indígena.
2. METODOLOGIA
Este trabalho foi realizado por meio de uma pesquisa qualitativa, bibliográfica, para tanto, foram realizadas entrevistas com professores indígenas na aldeia de São Marcos no município de Barra do Garças – MT. As entrevistas realizaram-se no mês de abril de 2014 e foram gravadas utilizando um gravador portátil. Para a realização das entrevistas, os indígenas declararam estar ciente de participarem como voluntários da pesquisa.
Os dados foram transcritos conforme os professores falaram. Na sequencia, foram analisados e discutidos com base na literatura existente.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para realização desta pesquisa participaram seis professores2 indígenas, todos do sexo masculino. A idade dos participantes variou entre trinta e oito a sessenta anos de idade. Vale evidenciar que alguns desses professores nasceram em outras aldeias indígenas a exemplo no município de Campinapolis MT. Dos seis professores participantes, três possuem graduação em Pedagogia e um deles é especialista em Educação de Jovens e Adultos. Outros dois entrevistados um é graduado em Ciências Matemáticas e da Natureza e com Especialização em Educação Escolar, e o outro é graduado em Letras e Especialista em Series iniciais. Por ultimo, ressaltamos que apenas um dos entrevistados possui apenas Magistério, quando questionados sobre há quanto tempo atuam na educação, houve uma variação entre onze e vinte e três anos ministrando aula nas escolas indígenas, dois com onze anos, um com quinze, outro com dezoito anos, nesse mesmo quadro há um com vinte e três anos de profissão como docente nas escolas indígenas.
Observa-se entre os indígenas uma preocupação do contato com o não índio, na própria vulgarização do conhecimento e a relação com a cultura Xavante. “É … nós fazemos com muita luta né, entrar em contato também com o não índio … fazer uma aculturação apresentação de uma … valorização de nossa cultura”. (Tomé, 46 anos, nascido na aldeia São Marcos, entrevistado em 2014)
Alguns indígenas percebem que as dificuldades no processo de ensino e aprendizagem são vencidas com o ‘estudo’, conforme podemos observar a seguir:
Antes a gente enfrentava uma dificuldade… muito maior, como estamos acostumados aprender muitas coisas através do ensinamento… que a gente estuda e aprende muita coisa … para ter um desenvolvimento. Hoje não é muita … coisa não para a gente dizer uma dificuldade de fazer nosso conteúdo de trabalho. (Tomé, 46 anos, nascido na aldeia São Marcos, entrevistado em 2014)
Segundo o indígena Cristóvão Tserero’osi Tsõrõpré, (Licenciado em Filosofia pela UCDB, não possui especialização, 15 anos atuando como professor.)
A cultura xavante tem … o seu próprio sistema de educação, acompanhamento em todo processo de formação, e a escola veio quebrar os ritmos já existente e nos preocupamos em nos … relacionar sem prejudicar um ao outro, pois a escola deve vir fortalecer a cultura que é praticada ainda hoje. É muito lamentável que a educação escolar não indígena … tem-se esforçado a trazer conteúdos para … o seu dia a dia enquanto leis acabam deseducando nossos alunos porque defendem muito para … causar muitos danos que a escola não ensinou a eles. (Cristóvão Tserero’osi Tsõrõpré, 38 anos, nascido na aldeia São Marcos, entrevistado no dia 28/06/14).
Ressalta-se que na mentalidade xavante, a escola é importante, pois os próprios indígenas, reconhecem que não vivem mais isolados, sem contatos com não índios. Hoje o xavante tem novas exigências, que são provocadas devido ao contato com a sociedade envolvente.
Na atual conjuntura a educação tradicional indígena não preenche todos os requisitos necessários para garantir a sobrevivência dos indivíduos da própria comunidade. Nessas condições é necessário uma intervenção externa, que complete e ajude a educação tradicional. Daí se torna bem claro a contradição de colocar numa escola indígena um professor ou professora que não conheçam a fundo a cultura dos próprios alunos.
A educação escolar indígena … é … é ministrada na língua materna enquanto nas cidades nas suas línguas. Os professores indígenas são parentes de muitos alunos que deve se preocupam … com a disfunção e não visar muitas vezes à relação humana de seus alunos. A importância da Educação Escolar tem ficado claro depois que alguns professores se qualificaram se licenciaram para ensinar com mais responsabilidade mostrando o que se pretende através dela. E nós chegamos que essa importância deve ser … mantida para fortalecer a cultura pelo … conhecimento, aprimorar as praticas cultural através do conhecimento adquirido e mudar a mentalidade de que nenhuma sozinha é importante desde que caminhem juntas dentro do espaço educativo. (Cristóvão Tserero’osi Tsõrõpré, 38 anos, nascido na aldeia São Marcos, entrevistado no dia 28/06/14).
Segundo o entrevistado a educação indígena deve ser primeiro oficializada em sua língua materna, para que os alunos conheçam sua própria origem, isso faz com que fortalece e amadurece seu conhecimento, e sua cultura.
4. A CULTURA DOS XAVANTE
A educação xavante primeiramente é ministrada na língua, e cultura própria ficando com uma responsabilidade tribal de passar seus costumes educacional, e cultural para os jovens, crianças e adolescentes. Segundo Rezende (2001, p. 45).
Os xavante são um grupo indígena que habita o leste do estado brasileiro do Mato Grosso, mais precisamente nas reservas indígenas de Areões, Marechal Rondon, Parabubure, Pimentel Barbosa, São Marcos, Áreas Indígenas Areões I, Areões II, Maraiwatsede, Sangradouro/Volta Grande, Terras Indígenas Chão Preto, Ubawawe, bem como o Noroeste de Goiás, nas Colônias Indígenas Carretão I e Carretão II. Espalhados pela região da Serra do Roncador e do Vale do Araguaia, os Xavante já dominaram grande parte da região Centro-Oeste brasileira. Originários de Goiás migraram para o Mato Grosso no século XIX fugindo dos aldeamentos de colonização no interior do estado.
A migração durou alguns anos e, após atravessarem o Rio Araguaia, entraram em conflitos com os índios Karajá que ocupavam a região da Ilha do Bananal. Posteriormente, brigas internas causaram a divisão da etnia em várias aldeias, que se espalharam e povoaram o vale do Rio das Mortes, iniciando os primeiros contatos com o não índio.
4.1 SOBRE OS XAVANTE
Os Xavante são um ‘povo forte e orgulhoso’, tendo a reputação de serem muito agressivos e guerreiros. A primeira tentativa de pacificar os Xavante ocorreu no século XIX, quando o governador da província de Goiás arrebanhou muitos Xavante naquela área e os instalou num grupo de aldeias oficiais com outros grupos tribais e não indígenas. Eles não se conformaram com a perspectiva de ficarem ali por muito tempo, e eventualmente fugiram de volta para a selva. Eles permaneceram relativamente inacessíveis até à década de 1940 e 1950. Até fins dos anos 1950, todas as facções Xavante, que tinham migrado para o estado de Mato Grosso, tinham sido pacificadas – o último dos grandes grupos tribais no Brasil a iniciar contato regular com o mundo de fora.
A característica mais marcante da sociedade Xavante pode ser a sua feição dualista, a divisão da tribo inteira em dois clãs – âwawẽ e po’reza’õno. Permite-se o casamento somente entre membros de clãs opostos. Algumas outras características distintas da cultura Xavante incluem os longos e complexos ritos de iniciação para meninos, culminando na cerimônia de perfuração da orelha na qual pequenos paus são inseridos no lóbulo das orelhas dos iniciados. Estes paus são usados e em tamanhos progressivamente maiores, durante o resto das vidas deles. Os Xavante são famosos também pelas suas corridas de troncos de árvore, onde os dois clãs competem numa espécie de corrida de revezamento, carregando por alguns quilômetros troncos de buriti que pesam até 80 quilogramas. As mulheres tecem um tipo de cesta incrivelmente forte, a qual elas usam para carregar os nenês recém-nascidos. A ampla alça da cesta passa pela testa da mulher, enquanto a cesta fica deitada nas costas dela, deixando livre assim, as mãos para outros trabalhos. (REZENDE, 2001)
4.2 TRADIÇÕES E RITUAIS
A tradição desse povo permanece viva, e praticam a cerimônia de Perfuração da Orelha. Acontece a cada cinco anos quando os meninos que ficaram reclusos na casa dos solteiros completam seu aprendizado dos princípios da tradição. Ritual de furo de orelha acontece na passagem da adolescência para a vida adulta. Todo menino Xavante, de 10 a 18 anos, passa por um período de reclusão de cinco anos, onde o jovem permanece sem contato com a tribo. Nesse período o jovem fica todo o tempo em uma casa, chamada Hö, onde tem contato apenas com os padrinhos. Ele só deixa a casa para rituais e para atividades fora da aldeia, como caça e pesca. Após os cinco anos acontece na aldeia uma festa, chamada Danhono, onde a orelha dos jovens é furada com um osso de onça parda. Após o ritual os jovens passam a ser considerados adultos e voltam ao convívio social com a tribo. Os xavantes são uma tribo indígena brasileira que sofre muita dizimação, mas graças a Deus muito nenéns estão nascendo e a tribo Xavante finalmente crescendo novamente. Xavante Povo de língua da família Jê. Sua língua é o aqüem do tronco linguístico macro-jê e tinham como atividade predominante, até a segunda metade do século XX, a caça, a pesca e a coleta de frutos e palmeiras. A língua Xavante contém 13 consoantes e 13 vogais – das quais quatro são nasais. Termos de honra e carinho são usados com referência a outros, como os parentes por afinidade e os netos. Muitos destes relacionamentos chaves são atualmente refletidos na gramática da língua. Por exemplo, ao falar diretamente ao genro, um homem usará a forma gramática indireta (terceira pessoa) em vez das formas da segunda pessoa.
Na comunidade Xavante o homem é o encarregado de providenciar a madeira apropriada para a construção da casa. A mulher se ocupa em recolher a palha, que normalmente é extraída da palmeira do Babaçu, que será usada como cobertura. A palha de Buriti usada pelos os homens para amarrar todos os troncos, na construção do esqueleto da casa. Em um Rí, vivem cerca de três ou quarto famílias. Isto porque, quando há um casamento, o marido vai morar na casa da esposa, aumentando a família. Quando já não há mais espaço, ou quando a casa já esta velha demais, é preciso construir uma outra casa ou refazer a mesma. A construção da nova casa se fará atrás da casa antiga. Dentro do Rí, é a mulher que exerce o papel principal. Além de cozinharem, cuidarem da roça, trabalharem com o artesanato, são elas que exercem maior influência nas decisões de dentro da casa. Apesar de não participarem diretamente do Warã, as mulheres escutam tudo o que é discutido e depois, em casa, dão palpite sobre todas as decisões tomadas. Dentro de um Rí, as mulheres mais jovens se encarregam de preparar a comida para todos. O homem tem a função de caçar e pescar e a mulher de cozinhar e fazer a roça. As meninas sempre vivem na mesma casa, enquanto os meninos vão para o Hö e depois de casados vão para casa da esposa.
Os Xavante costumam se dirigir a alguém fazendo referência a sua geração e clã, ou apenas por “irmão mais novo” ou “irmão mais velho”. Dentro do Rí, não há diferença entre pai e mãe, todos os homens da casa são pais e todas as mulheres são mães. Eles acreditam que todos os homens mais velhos da tribo têm o mesmo valor para o ensinamento das crianças, até a criança ficar adulta. Os adultos mais velhos são chamados de Imamã. Após anos de dominação, teve início a luta pela demarcação das reservas. Na década de 1970, os principais caciques xavantes se uniram à Funai e a indigenistas para retomar o território ocupado pelas fazendas que se instalaram na região. Foi um processo tenso, repleto de incidentes entre índios e fazendeiros. Hoje os Xavante reconquistaram parte de seu território. As aldeias, somando cerca de 10.000 habitantes, estão localizadas dentro de reservas demarcada, como a de Pimentel Barbosa, com 328mil hectares de extensão. (REZENDE, 2001 )
5. A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO INDÍGENA
A primeira iniciativa de educação escolar aconteceu em Sangradouro, se deu nos inícios do ano de 1957, logo nos primeiros dias da chegada dos Xavante, formando uma primeira classe, sendo composta por uns vinte e cinco filhos de fazendeiros e oito Xavante. Foi um grande impacto, tanto para o professor quanto para os alunos. O problema era como alfabetizar alunos com culturas diferentes, língua completamente desconhecida e que não entendiam uma só palavra em português. A solução foi começar a descobrir as palavras, por meio de gestos e mímicas, o professor aprendia às palavra Xavante e os alunos as portuguesas. Segundo a crônica da casa, ao término do primeiro ano, já se tinha uma cartilha bilíngue, que posteriormente fora-se aprimorando e aperfeiçoando com ajuda dos próprios índios como de outros estudiosos. (DA MATA apud LOPES, 2010).
A Cartilha Xavante I atual, foi publicada em 1979, e a cartilha II, em 1980. Contemporaneamente foram elaborados outros subsídios didáticos e o primeiro livro de leitura, O MEU MUNDO, com o respectivo livro de exercícios, publicados em 1983.
Os salesianos, perceberam que não era suficiente só conhecer a língua, para poder atuar eficazmente na escola, era necessário também conhecer a cultura Xavante. Com muita observação e paciência, aos poucos iam-se interagindo, e os salesianos aprendendo a se inteirar a cultura Xavante. Tanto é verdade que com dados recolhidos foram publicados dois livros: Xavante – Povo Autêntico, Jerônimo Xavante Conta, e Jerônimo Xavante Sonha, publicados entre 1971 e 1977. A alfabetização em língua materna e em português não foi logo aceita tanto pelas autoridades escolares, como pelos mesmos índios. Só sendo aceita oficialmente, ao término do ano de 1977.
No dia 26 de agosto de 1974, pelo Decreto nº 2.179, é criada oficialmente pelo governo, a escola estadual de Sangradouro, com o regimento de caráter peculiar para a clientela Indígena e o seu processo cultural. Na cultura Xavante a escolarização ocupa um espaço entre as crianças, no qual entre erros e acertos tenta-se estabelecer processos nos quais, a educação formal possa caminhar lado a lado com a educação tradicional, respeitando e preservando o “mundo” da criança, e principalmente valorizando a sua existência. Sua língua tem como características ser fortes e marcantes. Sua língua materna é chamada de aquém, a’uwen ou akwén, ainda é mantida e transmitida para as novas gerações. Atualmente, também usam a escola para essa vital retransmissão, visto que a escola é um grande meio de socializar. Além da língua materna, quando junto dos não índios (para interlocução e comunicação), muitos dos Xavante (exceto mulheres, parte dos idosos e maioria das crianças) falam e entendem bem o português.
6. A EDUCAÇÃO ESCOLAR EM SÃO MARCOS
No Brasil, a formalização legal do direito das crianças à educação infantil em instituições públicas ocorre a partir da constituição federal de 1988. É inquestionável que a obrigatoriedade das crianças terem o direito à educação é uma conquista, pois assegura direitos para todas as crianças de zero a seis anos de idade de frequentar uma instituição de educação na esfera pública, fora da esfera privada da família.
No entanto, ainda há muito a reivindicar em relação à educação das crianças. Um dos mais graves problemas é a falta de instituições educativas infantis que, como as demais etapas da educação escola pública, devem atender, de forma geral, as crianças oriundas das classes populares ou de menor poder aquisitivo. Na cultura Xavante a escolarização ocupa um espaço entre as crianças, no qual entre erros e acertos tenta-se estabelecer processos nos quais, a educação formal possa caminhar lado a lado com a educação tradicional, respeitando e preservando o “mundo” da criança, e principalmente valorizando a sua existência.
Na sociedade Xavante, a educação conduz o individuo a subordinar-se aos desígnios da coletividade, a torna-se parte indivisível dela. Busca moldar um ser social completo, segundo o ideário grupal. Não se pretende aqui idealizar a educação-e, por extensão, a sociedade indígena-como detentora de um sistema educativo absolutamente homogêneo e igualitário, isento de diferenciações. Há uma heterogeneidade inegável entre detentores de aptidões pessoais, conhecimentos especiais habilidades especificas, prerrogativas sociais e politicas; mas o essencial é que este conjunto de diferenciações não repousa sobre posições forjadas em desigualdades estruturais (MENEZES, 1984, p. 228).
O Xavante tem um sistema educativo próprio, abrange todo o arco da vida. O sistema educativo não esta limitado a lugar determinado, mas se desenrola no dia-a-dia, tendo momentos fortes nas varias celebrações das diferentes iniciações. (GIACARIA, 1990)
A escola passa a possuir novos objetivos, tornando-se um espaço de articulação de informações praticas pedagógicas e reflexões próprias dos índios sobre seu passado e seu futuro, sobre seus conhecimentos, seus projetos e a definição de seu lugar em um mundo globalizado (CAPACLA, 1995)
As primeiras atividades escolares em São Marcos foram informais, relegadas a um plano secundário, como apêndice dos trabalhos nas roças. A didática era muito pessoal, de acordo com as habilidades do professor… além da construção da aldeia e da Missão, outros fatores concorreram para relegar inicialmente as instruções escolares segundo ou terceiro plano. No inicio essa escolarização tinha como principal objetivo ensinar o Xavante a falar a Língua Portuguesa, mas com o passar dos anos surgiu a necessidade de se formalizar a escola. Pode-se dizer que a implantação da escola formal São Marcos passou pro cinco estágios: Primeiras Letras, Escola Oficial I e IV series, Escola Oficial V a VIII série e Escola Oficial Magistério e agora por ultimo, Ensino Médio. Nesse tempo, algumas cartilhas foram construídas, buscando-se facilitar o processo de aprendizagem da Língua Portuguesa. A tarefa de elaboração de cartilhas prosseguiu, e nos anos seguintes contou com a participação de alguns jovens que se destacaram como informantes.
A Escola Indígena Estadual “D. Filippo Rinaldi” na Aldeia Indígena São Marcos – MT, Criação Decreto. Nº 2.179 de 26/08/1974 – Autorização: Resolução 001-A de 22/01/1982 – Reconhecimento: Resolução 309/02 do CEE/MT – Barra do Garças – MT. Os professores preparados para assumir a pré-escola foram: Cosme W’aoré e Lourenço Wa’aué. Nascia assim a Pré-escolar, Resolução de 197 de 1º de julho de 1986. Para facilitar o trabalho foi criada a figura do monitor Xavante de sala de aula, os primeiros monitores que passariam anos trabalhando na alfabetização e produção de material escolar, e somente em 1978, foram contratados como professores pela SEDUC: Raimundo Urébété Ai’rero e Cosme Wa’õré, Jonas Tsirui’a e Boa ventura Tsireme. O fator educacional é uma das tarefas mais importantes e significativas no desenvolvimento sociológico deste grupo, como também “propósito de preservar sua cultura e integra-lo, progressiva e harmoniosamente, à comunhão Nacional” (Estatuto do Índio, Lei 6001, art. 1º). Em 1987, aconteceu a 1º turma de formandos do ensino fundamental no dia 20/12; e em 1989, a conclusão de curso da 2º turma de 8ª serie, eram 13 alunos. O ano de 1991 traz a 3ª turma de formandos, 24 alunos, dentre estes 6 eram mulheres.
No inicio da década de 90 a política escolar saiu do âmbito da FUNAI para o Ministério da Educação e Cultura (MEC), que criou o Comitê de Educação Escolar Indígena. Em 1992, iniciou-se uma sólida reflexão sobre a escola indígena, tendo em vista a nova educação e as exigências da aculturação, durante os anos de 1994 a 1996, ocorreu a primeira experiência de Ensino médio Profissionalizante Magistério para os Xavante, este curso implantado na aldeia São Marcos atendeu os alunos das comunidades e de outras oito aldeias, todas na reserva São Marcos. Hoje as escolas são equipadas com TV, Vídeo Cassete, DVD’s, e laboratório de informática.
Para saber melhor sobre a cultura e a educação na Aldeia São Marcos foram feitas entrevistas com seis professores e moradores da aldeia, nesse sentido vale ressaltar a importância das entrevistas e todas foram feitas as mesmas perguntas apenas a primeira está as perguntas e as repostas, as outras estão apenas as resposta e os dados dos entrevistados. Segue abaixo os dados obtidos dos professores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vários autores afirmam que as crianças estando em contato uma com as outras, vivem continuamente, num processo de aprendizagem e trocas. Esse fator ocorre momentaneamente com as Crianças Xavante, a aprendizagem se manifesta uma com as outras nos espaços em comum. Corsaro, (1997), define esses espaços como momentos de produção cultural onde partilham na relação com seus pares, sejam conhecimentos processados pelos adultos e transferidos para as crianças, ou conhecimento que elas mesmas produzem e se interagem umas com as outras.
A relação entre o indígena Xavante e o não indígena no município de Barra do Garças MT, é de interdependência e ainda marcada por conflitos. Essa interdependência move a relação entre os dois povos. O preconceito historicamente construído contra o indígena se reforça diante dos conflitos ocorridos nas últimas décadas entre esses dois povos e se exterioriza em forma de discriminação racial, tornando-os “distantes” em sua relação cotidiana. Entende-se que se perceber diferente ao “outro” é atitude natural do ser humano, o que, no entanto, não justifica o desrespeito à cultura desse “outro”. Parece difícil para muitas pessoas compreenderem que os seres humanos possuem as mesmas constituições biológicas, apesar das diferenças fenotípicas e, portanto, sentimentos e capacidades semelhantes. Talvez, por sentimentos de orgulho e egoísmo, o ser humano tenha tanta dificuldade em aceitar o “outro” e tais sentimentos acabam culminando em atitudes etnocêntricas, de preconceito e de discriminação. Talvez, ainda, por medo do “diferente”, da perda de domínio, da competição com o “desconhecido”, utiliza-se a discriminação como arma contra o “outro”.
Este trabalho mostrou que as escolas das aldeias só oferecem a primeira fase do Ensino Fundamental. Parte destes alunos, que encontram oportunidade, mudam para cidade para dar sequência na segunda fase do Ensino Fundamental na expectativa de adquirirem conhecimentos e conhecer a cultura do não indígena e, na esperança de conquistar melhoria de vida e poder exercer profissões, além de defender os interesses de seu povo. Adentram, assim, num “universo” de certa forma diferente e um tanto hostil para eles. O índice de evasão e repetência entre esses alunos é muito grande, chegando, conforme mostrado, no ano de 2002 à cerca de 60% na sua soma. Esses alunos se concentram nas 5ª e 6ª séries do Ensino Fundamental e não conseguem avançar para o Ensino Médio. Alunos que na sua maioria, moram em casas de estudantes e não possuem apoio pedagógico diferenciado por parte da escola e do setor educacional da FUNAI para que possam desenvolver com êxito suas atividades escolares cotidianas.
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1 A Aldeia de São Marcos está localizada na Terra Indígena (TI) – Reserva de São Marcos – município de Barra do Garças – MT.
2 Entrevistado 1 – Eu atuo na educação há onze anos.
Entrevistado 2 – Eu atuo na educação há doze anos .
Entrevistado 3 – Eu atuo na educação há dezoito anos.
Entrevistado 4 – Eu atuo na educação há dezoito anos.
Entrevistado 5 – Eu atuo na educação há vinte e três anos.
Entrevistado 6 – Eu atuo na educação há quinze anos.
1 Acadêmico do curso de Licenciatura Plena em História nas Faculdades Unidas do Vale do Araguaia – Univar.
² Orientador, Professor das Faculdades Unidas do Vale do Araguaia – Univar, Mestre em História (PUC/GO), Especialista em Educação para Diversidade e Cidadania (UFG), Especialista no Ensino de História (FIV/IVE), Licenciado em História (Fesb/Univar).