THE USE OF THE NATIONAL BANK OF GENETIC PROFILES IN POLICE INQUIRIES AND THE CONFLICT BETWEEN INDIVIDUAL AND COLLECTIVE INTERESTS
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10201644
Mayara Rodrigues dos Santos*;
Paulo Henrique Almeida Ribeiro*;
Orientador: Prof. Hernando Fernandes da Silva**.
RESUMO: O presente estudo busca investigar se os procedimentos adotados para aplicação do Banco Nacional de Perfis Genéticos no inquérito policial (coleta, armazenamento e tratamento dos dados) violam direitos constitucionais, avaliando a relevância do uso do citado banco de dados para solucionar crimes e punir os responsáveis e concluir se a supremacia do interesse público pode permitir ou não que o mencionado mecanismo investigativo infrinja direitos individuais.
PALAVRAS-CHAVE: banco de dados, coleta de material genético, direitos individuais, Lei de execução penal, direitos fundamentais.
ABSTRACT: The present study seeks to investigate whether the procedures adopted to apply the National Genetic Profiles Bank in the police investigation (collection, storage and processing of data) violate constitutional rights. Assessing the relevance of using the aforementioned database to solve crimes and punish those responsible. And conclude whether or not the supremacy of the public interest can allow the aforementioned investigative mechanism to infringe individual rights.
KEYWORDS: database, collection of genetic material, individual rights, criminal enforcement law, fundamental rights.
1 INTRODUÇÃO
A aplicação do Banco Nacional de Perfis Genéticos nos procedimentos penais, notadamente no inquérito policial, tem sido tema de grandes debates no mundo jurídico, todavia, a discordância impera quando se fala nesse assunto.
De um lado, costuma-se estar aqueles ligados à defesa dos investigados, advogados por excelência, que repudiam a utilização do referido mecanismo de investigação por conta da violação de direitos individuais. De outro, encontram-se os garantidores da ordem, trata-se das autoridades policiais, do parquet e demais agentes que atuam em prol do interesse público e visualizam nessa tecnologia biológica um método eficaz para solucionar delitos e diminuir a criminalidade.
No meio, estão os juristas tentando conciliar os dois extremos por meio do desenvolvimento principiológico e doutrinário, haja vista que os legisladores não elucidaram as normas criadas por eles e os magistrados não solucionaram a questão através do poder jurisprudencial.
Surge uma nova abordagem da matéria, no Direito Penal, quando se relaciona o uso do citado banco de dados com a supremacia do interesse público sobre o particular.
Esclarecemos, desde então, que o propósito deste artigo não será elaborar um conceito de interesse público e de interesse individual, visto que tal conteúdo demandaria uma outra pesquisa, tampouco abordar o conflito que existe entre os citados interesses no contexto do Direito como um todo, na verdade, será realizada uma abordagem específica, voltada para a inquirição criminal levando em conta o texto da Lei de Execuções Penais e a violação de direitos fundamentais.
Vale destacar, ademais, que o presente estudo destrincha todas as fases do emprego dos dados genéticos no inquérito, observando eventuais ofensas às garantias individuais, e assim, ao final da pesquisa, concluir se há ilicitude ou não, além de avaliar se uma possível irregularidade pode ser suprimida pela relevância dada ao interesse público.
Portanto, tendo em mente a importância do tema e a necessidade de aprofundar o debate, trazemos à tona um conjunto de conhecimentos e reflexões em torno do problema da utilização do Banco Nacional de Perfis Genéticos no inquérito policial.
2 A VALORIZAÇÃO DA INDIVIDUALIDADE DO HOMEM
A história do homem enquanto ser integrante do planeta terra é complexa e divide inúmeras teorias cientificas. O princípio histórico da humanidade não foi completamente reconstruído e também divide inúmeras teorias, afinal, há-se grandes ausências de informações que possam colaborar para que se tenha claro o surgimento do homem, bem como teria se dado o início das relações em comunidade.
Todavia, não obstante, o ser humano diante da ciência, se domina como animal social, capaz de constitui como tal, através das relações desenvolvidas em sociedade. Porquanto, sua participação assentada efetivamente na comunidade inserida o torna um membro social.
Outrossim, para o filosofo Aristóteles, o cidadão como é denominado na atualidade, é um animal político (Zoon Politikon), ou seja, capaz de racionalizar com falas, pensamentos, estratégias, mas, principalmente com ser que detém a necessidade de direitos.
No que se refere ao conceito de “homem” citado do dicionário de Ontopsicologia de Antônio Meneghetti, é possível compreender uma visão particular do cientista, que combina elementos biológicos, psicológicos, emocionais, espirituais e históricos.
Os seres humanos teriam segundo seu entendimento a capacidade de tomar decisões, agir e influenciar eventos ao seu redor, permitindo interpretar como natureza basilar ou até mesmo uma essência do ser humano, que estaria incluído sua identidade, seus objetivos e necessidades. Isso permite concluir que os humanos estão inseridos em uma dimensão histórica, ou seja, imersos em um contexto de tempo, espaço, cultura que permitem viver em sociedade.
Porquanto, em síntese análise conceitual, é necessário compreender a importância do homem em primeiro plano, enquanto indivíduo e não a sociedade, afinal, não é possível existir a visão social, sem antes compreender o homem enquanto ser central. No que pese a compreensão que a individualidade existencial, deverá estar em primeiro plano antes mesmo dos aspectos coletivos, permite valorizar a autonomia e autenticidade dos direitos individuais e personalíssimos, conforme a corrente filosófica do existencialismo, que enfatiza a relevante importância da liberdade individual e da capacidade da identidade humana.
Contudo, é de suma importância reconhecer que a relação entre o homem e a sociedade é complexa, mas, dependentes. Em vista disso, embora fulcral para o desenvolvimento humano, manter a individualidade, a sociedade desempenha um papel crucial na vida do homem e está diretamente ligada a este.
Portanto, encontrar um equilíbrio entre a afirmação da individualidade e a participação na sociedade é um desafio importante e necessário. Afinal, o homem como centro, é também dotado de direitos e deveres individuais face ao Estado inserido.
3 A IMPLANTAÇÃO E EVOLUÇÃO DO BANCO NACIONAL DE PERFIS GENÉTICOS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
A Lei 12.654 de 20121 teve como principal propósito a inclusão do uso de dados genéticos no rol de métodos destinados à identificação criminal. Além de que, visando o subsequente armazenamento adequado das referidas informações, suprindo uma necessidade produzida pela própria norma, foi criado o Banco Nacional de Perfis Genéticos onde são depositados todos os materiais genéticos colhidos em território brasileiro.
Também está previsto no mencionado dispositivo legal que os dados contidos nesse repositório são sigilosos, acarretando sanção nas searas cível, penal e administrativa para quem promover a exposição indevida, bem como utilizar ou permitir o uso para fins diversos daqueles previstos na legislação. Ainda segundo a lei, as informações genéticas serão excluídas do banco após exceder o prazo de prescrição do delito praticado pelo titular do DNA.
A LEP, com o advento da Lei 12.6542, passou a contar com o artigo 9-A, este previa que:
9°-A Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA (…) (BRASIL, 2012, p. 1)3.
Portanto, visando o fomento do recém criado banco de dados, o legislador implantou a coleta obrigatória das informações genéticas.
Outrossim, ficou definido que é facultado à autoridade policial, caso inicie o inquérito policial, requerer ao juiz competente permissão para acessar o banco de dados genéticos, logo, nasce aqui a polêmica sobre a constitucionalidade do uso dos referidos dados na fase inquisitiva, pois as informações fornecidas compulsoriamente pelos condenados, passam a ser utilizadas para auxiliar em futuras investigações e passíveis de tornarem-se fundamento para privação de direitos dos mesmos.
Dentre os vários temas abordados pela Lei 13.964 de 20194 , também denominada como “pacote anticrime”, encontra-se mudanças referentes ao uso de dados genéticos na identificação criminal durante o inquérito. A primeira delas é a especificação e indicação mais nítida de quais condenados são passíveis da identificação do perfil genético, deixando de lado o caráter genérico, tendo em mente que o artigo 9-A passou a prever que “o condenado por crime doloso praticado com violência grave contra a pessoa, bem como por crime contra a vida, contra a liberdade sexual ou por crime sexual contra vulnerável, será submetido, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético” (BRASIL, 2019, p. 1)5.
Ao comparar o dispositivo atual com o antigo é possível observar que no novo texto há discriminação e indicação dos crimes abrangidos pela medida proposta, também é notório que foi ampliado o rol de delitos, como por exemplo a incorporação de todos os crimes contra a vida, assim, com a referida alteração, o condenado por aborto ou instigação de suicídio também terá que fornecer seus dados genéticos. Também foi estendido o momento da coleta, podendo ser realizada no ingresso do condenado no estabelecimento prisional ou durante o cumprimento da pena.
Por último e não menos importante, foi acrescentada punição para o condenado que recusar-se ceder sua informação genética para incrementar o banco nacional, portanto, agora é considerada falta grave a recusa do condenado em submeter-se ao citado procedimento de identificação.
4 A OFENSA AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, PRINCÍPIO BASILAR DA CONSTITUIÇÃO
O artigo 5º da Constituição Brasileira6, ao longo de seus incisos, estabelece uma série de direitos fundamentais. Esses direitos individuais e coletivos são essenciais para a proteção das liberdades e garantias do indivíduo e têm o objetivo de assegurar um ambiente onde os princípios democráticos e a justiça prevaleçam.
Ademais, a Constituição não é mais vista como um mero repositório de conselhos para as autoridades públicas, mas, um caráter de normas jurídicas válidas. Nesse sentido colaciona Gustavo José Mendes Tepedino:
(…) A Constituição da República de 1988 instaurou nova ordem jurídica no país, realocou valores, instituiu novos princípios, impondo assim o repensar de todo o ordenamento jurídico. A normativa constitucional, seu conjunto de regras e princípios, passa a incidir diretamente no caso concreto, nas relações intersubjetivas. (TEPEDINO, 2002, p. 2)7
A coleta, o armazenamento e o subsequente uso no inquérito policial dos dados genéticos, estes obtidos através dos procedimentos previstos no artigo 9º-A da Lei de Execução Penal8, violam diversos direitos positivados na Carta Magna, como o direito à privacidade e inviolabilidade corporal, a garantia da não autoincriminação (princípio do nemo tenetur se detegere) e a presunção de inocência.
Busca-se esclarecer que o presente estudo, não fundamenta no absolutismo dos direitos, mas, face a multiplicidade de aspectos ou projeções que tais ausência de direitos podem provocar ao compulsar a coleta de dados genéticos. Porquanto, sendo o direito à privacidade, ao estado de inocência e à não autoincriminação, fundamentos pautados em si mesmos, não é passível afirmar que o seu oferecimento deveria se dar pela obrigatoriedade, mas, pelo limite do direito ferido a outrem.
Ademais, em análise histórica, a dignidade humana surge como princípio fundamental no tratamento de todos os indivíduos, incluindo aqueles que tenham sido condenados por crimes.
Independentemente da natureza cometida, todas as pessoas têm direito a serem tratadas com dignidade e respeito, de acordo com os princípios dos direitos humanos. Permitindo uma conquista ética jurídica proveniente da reação da sociedade contra desumanidade cometidas no totalitarismo, ocorrido na Segunda Guerra Mundial, que não se retroativa na plenitude do alcance e importância destes direitos. Ou seja, não observar o devido processo legal seria um retrocesso, porque nesta fase da lei os direitos humanos e a dignidade humana dominam.
Afinal, se esperamos a evolução de uma sociedade democrática, devemos elevar a seriedade dos direitos individuais e compreender que o utilitarismo, não prevalece sobre a dignidade, afinal somente esta constrói a razão do útil.
Permanecer com linhas de pensamentos de supervalorizar o desejo da maioria, que o quantitativo é a supremacia do que prevalece, estaremos diante do conflito das concepções de direitos fundamentais, como a necessidade fática da dignidade indubitável ao homem, que tem sua grande relevância em todos os âmbitos, sejam sociais ou políticos, como o jurista Miguel Reale, descreve, “é a pessoa, e não o Estado, o valor fonte do ordenamento jurídico” (1990, p. 59)9.
Precipuamente, precisa-se entender que ao ser humano, são asseverados direitos inerentes à sua natureza, de modo a ser assumido uma dignidade imanente ao homem pela simples razão de sua existência, sua positivação na Constituição, não apenas surge como uma proteção, mas como a garantia máxima efetiva ao homem.
Outrossim, o indivíduo jamais deverá ser utilizado como meio para alcance de um determinado fim, mas sim, pela razão da sua natureza e seu valor intrínseco, que é um fim em si mesmo. Assim, os fins devem emanar do processo do próprio homem, não podendo o Estado usurpar a liberdade e os direitos que cada indivíduo possui.
Neste sentido, a dignidade humana torna-se o fator primordial para a correta compreensão do homem e dos direitos de personalidade, diante disso, começamos a proteger não apenas o direito à vida, mas o direito de viver com dignidade.
Diante do brilhante entendimento de Eroulths Cortiano Júnior “a dignidade da pessoa humana é o centro de sua personalidade e, portanto, merece a maior proteção possível”10 (CORTIANO JÚNIOR, 2000, p. 42).
Isto posto, podemos compreender que a tutela efetiva da dignidade da pessoa humana, ocorrerá, momento em que o ordenamento jurídico positivar de fato a liberdade jurídica e autonomia privada do homem. No que pese, podemos elencar que o próprio Supremo Tribunal Federal afirma a importância da intimidade e da não violação do direito de escolha privada ao homem.
A expressiva prerrogativa de ordem jurídica que consiste em reconhecer, em favor da pessoa, a existência de um espaço indevassável destinado a protegê-la contra indevidas interferências de terceiros na esfera de sua vida privada”11 (BRASIL, STF, 2000).
É de suma importância diante disso, compreender que o ordenamento jurídico tem uma responsabilidade importante em relação aos direitos dos condenados, que conforme elencado anteriormente, detém garantias pelo simples fato de sua existência humana. Embora os encarcerados sejam punidos com privação de alguns direitos, isso não significa que eles devam ser abandonados ou tratados de maneira desumana.
Paralelamente, Anderson Schreiber, ao descrever a origem histórica e jusnaturalista da nomenclatura dos direitos da personalidade, declara que eles seriam absolutos, imprescritíveis, inalienáveis e indisponíveis12 (SCHREIBER, 2013, p. 5). Ainda no mesmo sentido, a doutrina lista que esses direitos seriam inatos, essenciais (vitalícios), inexecutáveis (impropriáveis e impenhoráveis), irrenunciáveis e extrapatrimoniais13 (JABUR, 2000, p.41).
O que a doutrina quer explicar ao chamar os direitos da personalidade de direitos absolutos é que estes são direitos universais que não podem ser contestados, possui efeito erga omnes, diante disso, conclui-se que até mesmo o Estado tem a obrigação de respeitar as referidas prerrogativas. O Estado deve, portanto, assegurar o pleno desenvolvimento da personalidade de todos os indivíduos, quaisquer que sejam as suas circunstâncias.
É estritamente importante compreender, que a generalidade da Lei n° 12.654 de 201214, aprofunda as discussões dogmáticas, que por sua vez ante a evidência alcance de subjetividade que se encerra, desfoca a principal importância de o homem como ser central, submetido a ceder dos seus direitos fundamentais da pessoa humana e à tutela de seus dados pessoais.
Diante disso, a abrangência sem limites por parte da Lei de coleta de material genético em detentos e/ou investigados em quaisquer crimes ou de pessoas condenadas em crimes hediondos, ainda que não deixado vestígios ou até mesmo sem violência ou grave ameaça, infringe gravemente a dignidade da pessoa humana, demostrado uma medida desproporcional e ainda ilógica.
A grande incoerência, face a Lei n° 7.210/8415, que é expressiva em seus dispositivos 40 e 44, assegurando aos presos definitivos ou provisórios, garantindo a intangibilidade física e moral, demostra a grande insegurança jurídica. Afinal a legislação não deve ser pautada em apenas oferecimento dos direitos, mas, seu cumprimento integral.
5 AS INFLUÊNCIAS PUNITIVISTAS E AUTORITÁRIAS POR TRÁS DAS NORMAS QUE REGULAM O BANCO DE DADOS GENÉTICOS
Após análise das leis que regimentam a identificação criminal com dados genéticos, serão apresentadas a diante as teorias jurídico-filosóficas que certamente exerceram influência perante os legisladores que confeccionaram o regramento em torno do Banco Nacional de Perfis Genéticos. São ideias e acontecimentos que levaram a sociedade como um todo a agir de uma forma bélica, buscando o resultado independentemente do meio utilizado.
5.1 O DIREITO PENAL DO INIMIGO.
Após a queda da União Soviética, o lado ocidental do mundo, mais especificamente a OTAN liderada pelos Estados Unidos, ficou sem seu adversário ferrenho e viu a Guerra Fria chegar ao fim. Nesse contexto, em virtude dos atentados de grande repercussão, como por exemplo a destruição das torres gêmeas em 11 de setembro de 2001, observa-se no ocidente, o surgimento de mecanismos para combate do terrorismo.
Assim, para lidar com os referidos grupos violentos do oriente, foram estabelecidas diversas novas normas que relativizavam as garantias essenciais do ser humano, bem como instaurava medidas de estado de exceção, tudo a fim de tornar os agentes extremistas em verdadeiros inimigos da nação, não merecendo sequer ser tratados como pessoa.
Portanto, os principais países do Atlântico Norte e seus subalternos, adotaram em suas respectivas legislações normas jurídico-penais de repressão, ou seja, iniciaram a implantação de um novo sistema normativo no qual já não vigoram princípios de garantia. O notório jurista Günter Jakobs16 tem chamado esse fenômeno de “Direito Penal do Inimigo” e escreveu várias obras em defesa à continuidade desta nova ordem.
O Brasil também adotou essa linha bélica na criação de novos dispositivos legais pertencentes à seara criminal, como por exemplo a lei objeto desse estudo, aquela que permitiu a coleta coercitiva de dados genéticos e uso dessas informações em sede de inquérito policial, contrariando direitos individuais em nome da guerra contra os infratores dos preceitos penais, ora inimigos, e proteção do “cidadão de bem”.
Resumidamente, a teoria idealizada por Jakobs17 defende a supressão e relativização das garantias constitucionais, segregando os inimigos do restante da sociedade e diferenciando o cidadão “convencional” do “delinquente”, assim, o Estado passa a dar tratamento desigual e suscita a metodologia do terror. Trata-se, portanto, da aplicação de medidas de contenção em desfavor dos indivíduos, não mais pessoas, que destoam do regramento da convivência social, além da criação de um Direito Penal próprio para punição destes, considerando a aquisição do status de inimigo.
Visando rudimentar sua tese, o professor alemão remete às ideias de filósofos clássicos que já apreciaram tais conjunturas, mesmo que em contextos e gerações diferentes, para desenvolver o conceito de inimigo. Ele aponta que na obra de Kant está expresso categoricamente que, quem não consegue viver e respeitar as regras de um estado comunitário-legal deve ser expelido e não pode ser tratado como pessoa. Também afirma que Hobbes18 , defensor da teoria contratualista, despersonaliza o descumpridor do pacto social e o classifica como réu de alta traição, por este negar os regulamentos existentes, não sendo punido como cidadão, mas como inimigo.
O Banco Nacional de Perfis Genéticos é o mais novo artifício para selecionar os infratores e promover o isolamento deles, pois a partir do momento em que as informações genéticas de uma pessoa ingressam no referido conjunto de dados, existe a presunção que ela cometerá outros delitos futuramente e que não é merecedora de possuir o título de pessoa. Ademais, a transformação do “inimigo” em instrumento de produção de provas contra si próprio e a intervenção coercitiva em seu corpo como fonte de provas é o ápice da relativização de direitos baseada no discurso de diminuir a criminalidade
É inegável as influências do Direito penal do Inimigo sobre a norma que passou a permitir a coleta coercitiva e o uso dos dados genéticos no inquérito policial, principalmente pela relativização de determinadas garantias processuais e pelo amplo adiantamento da punibilidade, entretanto, a teoria de Jakobs19 tem sido alvo de duras críticas pela maioria dos doutrinadores, bem como se mostra inapta para legitimar e convencer a sociedade que é necessária a supressão de direitos individuais para defender um bem maior.
5.2 O UTILITARISMO
O utilitarismo trata-se de um entendimento filosófico, construído e desenvolvido principalmente por Jeremy Bentham e Stuart Mill20, no qual defende que uma ação para ser considerada correta deve promover a felicidade e errada quando promover o oposto da felicidade, logo, é a busca do prazer concomitantemente com a fuga da dor.
No utilitarismo, quando há dois prazeres a serem alcançados e existe conflito entre eles, logo, um atrapalha a obtenção do outro, deve prevalecer aquele ao qual todos, ou a maioria, depois de experimentarem ambos, dão preferência, sem julgamento moral, importando apenas o sentimento contundente de que é esse o prazer mais desejável e que abrange o maior número de indivíduos.
Assim, como no Direito Penal do Inimigo, o interesse público é o foco, mesmo quando há óbices para a satisfação do fim benfeitor à sociedade, em outras palavras, a maior felicidade deve ser protegida em face dos interesses privados. É característica marcante da ética utilitarista o sacrifício daquilo que fornece pouco prazer geral em prol dos prazeres capazes de atingir a comunidade como um todo, ofertando superior contentamento ou amenizando os efeitos da dor.
Portanto, para lograr a felicidade comum que fora determinada através da apuração consoante com as regras de peso e contrapeso, não se discute o caminho a ser seguido, mas sim o resultado esperado, dessa forma, caso necessário, é autorizado agir com agressividade e extrapolar os limites legais para auferir o produto final.
A coleta obrigatória de dados genéticos para incrementar o Banco Nacional de Perfis Genéticos é o auge do utilitarismo, pois não existe a mínima precaução em adquirir os citados dados de forma legal e legítima, o objetivo absoluto é a aquisição e subsequente depósito, não se importando se os trâmites estão ou não ofendendo direitos fundamentais.
5.3 O HOMEM DELINQUENTE DE CESARE LOMBROSO
São inevitáveis as comparações do uso de dados genéticos na seara criminal com as teorias biológicas desenvolvidas pelo criminologista Cesare Lombroso21. Mas talvez a principal semelhança não esteja no uso de métodos científicos/empíricos, mas sim no sistema de punição voltado contra um determinado grupo de pessoas, sobre as quais recai a suspeita de periculosidade, por exibir características físicas delinquentes ou por ser titular de DNA armazenado no banco de dados.
Entende-se como ciência empírica o estudo através de fórmulas experimentais, foi assim que Lombroso conseguiu identificar como seria o “delinquente nato”, por meio de experimentações e pesquisas visando encontrar traços comuns entre os criminosos de sua época, para isso analisava o tamanho do crânio, a assimetria facial, o formato das pálpebras e do nariz, entre outros detalhes fisiológicos. Assim, após detectar que certo indivíduo apresenta tais características, este fica rotulado como eventual criminoso.
Outra marca símil entre os referidos métodos de identificação é a “futurologia”, pois, como já falado anteriormente, os dados genéticos são colhidos não para solucionar um crime pretérito, mas sim para supostamente esclarecer uma situação no futuro, haja vista que o DNA será armazenado com a presunção de que o indivíduo irá reincidir. Lombroso22 quando descreveu as feições do criminoso, também tinha como principal objetivo desvendar a autoria de um delito póstero, logo, os suspeitos de um ilícito futuro se restringiam ao conjunto de pessoas que se enquadravam no perfil delinquente, assim, o pressuposto de inocência é ignorado em ambos mecanismos.
Portanto, reitera-se que os dispositivos legais em questão aspiram a obtenção de dados genéticos para solucionar fatos futuros, assim, essa regulamentação visa penalizar um ato vindouro e não o presente dano à vigência da norma. Em outras palavras, a sanção após o cometimento de um delito se converteu em punição pela conduta não realizada, algo típico tanto do Direito Penal do Inimigo quanto das teorias de Lombroso, ação essa mascarada pelo suposto caráter preventivo.
6 O USO DOS DADOS GENÉTICOS NO INQUÉRITO POLICIAL
Em face do cenário atual, são fundamentais a disseminação e democratização do conhecimento científico jurídico, principalmente no cenário do Direito Penal, ademais, sabe-se que a espécie humana necessita de viver em sociedade, conforme depreende Ferdinand Tönnies, em sua obra Gemeinschaft und Gesellschaft23 , publicado em 1887, o qual segundo o entendimento do autor, sociedade compreende- se como uma diversidade de indivíduos que partilham alguns aspectos em comum, como cultura, território a até mesmo um sistema de leis e valores.
Todavia, não obstante, a sociedade é ampla e abstrata, diante disso, há-se a necessidade de manter a ordem e harmonia entre aquele que vivem na coletividade, portanto, nesse diapasão, com fulcro em instituir uma ordem, nasce-se a intervenção do Direito Penal.
Outrossim, com advento do convívio entre humanos, surge-se também os conflitos, instaurado mediante um desentendimento ou incompatibilidade entre indivíduos. Segundo o que se constata Lagastra:
O conflito é um choque de posições divergentes, ou seja, de intenções, condutas diferentes, que aparecem num momento de mudança na vida de uma ou ambas as partes. E, de forma simplista, pode-se dizer que o conflito é o resultado normal das diferenças humanas e da insatisfação de suas necessidades”. (LAGASTRA, 2016, p.228)24
Assim de fato, o conflito se introduz em um contexto de ciclo de ação e reação entre as partes, se não controlada geram resultados negativos, ferindo a ordem pública. Portando, em sua obra “Desearch methods in social relations”, Morton Deutschem25, classifica o processo de choque, como construtivas e destrutivas, o qual este último caracteriza-se pelo enfraquecimento ou destruição das relações sociais pré-existentes, relacionadas à disputa devido à forma como é tratada. A tendência de tais conflitos é expandir-se ou tornar-se mais pronunciada à medida que se desenvolve.
Desta forma, o conflito torna-se “independente da sua causa original”, assume um carácter competitivo e cada lado procura ser o vencedor. Este processo não permite que as partes coexistam entre si.
Por conseguinte, quando, o conflito chega à instância extrema, intensificando o litigio e exacerbando as emoções, bem como gerando resultados como o cometimento de crimes, há-se a necessidade da intervenção do Direito Penal.
Em suma, crime tem o termo de origem latim crimen que significa “ofensa, acusação”. A Lei de introdução ao Código Penal (lei n° 3.914/41), destras:
Art 1º – Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. (BRASIL, 1941)26
Segundo a teoria denominada caminho do crime (iter criminis), o ato perpassa 05 (cinco) fases, divididas entre cogitação, preparação, execução, consumação e exaurimento. Diante disso, atinge-se a necessidade fática da intervenção do Poder de Polícia, através da queixa crime e consequentemente a abertura do inquérito Policial.
Outrossim, é possível afirmar que o inquérito Policial é um importante instrumento de coleta de provas, para o exercício da persecução criminal, com um alcance importantíssimo no seu valor probatório, ainda que durante a fase preliminar do processo penal.
A investigação através do inquérito, durante o novo milénio tem evoluído a um ritmo acelerado, os alcances e métodos utilizados por esse procedimento, principalmente na coleta de material genético, sem oportunizar discutir os resultados ou participar no processo, geram nos envolvidos, em especial interessados (investigados) resultados significativos, o que leva a discutir as questões sobre os limites éticos associados à investigação, especificamente no que diz respeito à proteção da privacidade, dados e intimidade dos cidadãos.
Insta trazer à baila, que o presente estudo não busca diminuir a importância dos métodos utilizados, afinal, seu uso garante a individualização do investigado, permitindo que o poder Estatal de punir, sejam voltados expressamente para busca do autor que violou a tessitura social, através de seus atos ilícito e típico, passível dos sacões penais. Afinal, a qualidade e os meios tecnológicos, em seus procedimentos administrativos, se sobrepõem a burocracia, tornando-se o principal caminho para se aproximar da verdade dos fatos.
Todavia, não obstante, o excesso e a expansão dos alcancem com a coleta de dados genéticos, principalmente na fase pré- processual penal, podem violar gravemente os direitos a dignidade da pessoa humana, e um abuso por parte do Estado, que ficará na posse desse material.
Outrossim, a inovação legislativa, possibilitou que a coleta do material genético dos investigados e/ou mero despacho do juiz, quando entender de carecimento, antes mesmo de qualquer condenação ou oferecimento da denúncia, fossem possíveis, demostrando uma desproporcionalidade, que reflete no inquérito policial, que por sua vez não possui nessa fase a oportunização do contraditório e ampla defesa.
Diante do exposto, crimes que nem mesmo deixam vestígios, poderão desde que por despacho judicial, ter a inclusão dessas informações genéticas nos bancos estatais.
Ainda é importante ressaltar, que conforme legislado pelo Decreto n° 7.950/201327, esses dados poderão ser utilizados não apenas nos atos investigatórios, mas, também na identificação de pessoas desaparecidas. O que leva a um grande perigo, pelo excesso de compartilhamento dessas informações em inúmeros fins.
Diante disso, se forem delimitados os mesmos métodos e as mesmas consequências, para generalizar os atos ilícitos, logo não há necessidade de diferenciar os delitos e suas penas, encerrando as morais e as crenças do homem para com o Estado.
Oras, é consequentemente o maior crime, se não aquele que possa destruir a própria sociedade e os direitos já garantidos e essenciais ao homem, retroagindo a legislação.
O Estado vem extrapolando no seu poder de gerir a sociedade, utilizando dos argumentos coletivos, para não somente violar os princípios fundamentais, como ter sobre ele, dados importantíssimos e personalíssimos.
Os direitos inerentes ao cidadão devem ser igualmente repartidos e iguais a todos seus membros. Todavia, entre homens reunidos e separados pelo Poder, observa-se claramente a tendência contínua de manter os interesses do Estado, seu poder e domínio social. Diante disso há-se a necessidade de impedir os abusos, que somente é possível com leis eficazes e que possuem de fato propósito social.
Deleitado na história, observa-se que os ordenamentos jurídicos, foram criados por homens, que não foram na maioria mais que ditadores dos interesses Estatais, e nunca criações de homens que declinam nos estudos de impacto, da natureza do ser humano, que tenha sob foco os estudos e a preservação dos direitos coletivos, sem ferir os individuais. Cessare Beccari, com seu brilhante título, já dizia: “O legislador deve ser um arquiteto hábil, que saiba ao mesmo tempo empregar todas as forças que podem contribuir para consolidar o edifício e enfraquecer todas as que possam arruiná-la28”. (BECCARI, CESARE, 2015, p. 72).
Ainda que estabelecido parâmetros de acesso pelos profissionais, que tenham em sua posse os materiais genéticos, outro ponto que merece observar, é a potencial análise genética de criminosos para levar ao estabelecimento de um mecanismo formal de discriminação baseado nas suas características genéticas. A partir do momento em que o Estado adquire a informação genética de um criminoso, esta informação pode ser estudada com o objetivo de traçar o perfil genético de um criminoso e tentar identificar esse perfil como um potencial ameaça à sociedade.
Amplia-se ainda, observado que o material genético não possui dados apenas individuais, mas, capazes de traçar a descendência e ascendentes das gerações daquele indivíduo submetido a coleta.
Tais fatores, são sim visionários, uma vez que conforme mencionado anteriormente, há-se o uso dessa coleta para outros fins. Logo a delimitação e compreensibilidade da Lei n° 12.654/201229, deverá ser reanalisada e compreendida de fato seu víeis.
Não obstante, deve-se ter claro que de uma causa histórica a uma causa genética é responsabilidade da insegurança pública, e não a limitação num dado genético. Não permitindo libertar aqueles que são verdadeiramente responsáveis pelas desigualdades socioeconômicas que existem na nossa sociedade, essas desigualdades são culturalmente determinadas e têm efeito nas nossas ações. A utilização de bancos de genes deve ser considerada com extremo cuidado, a fim de evitar que os bancos de genes possam ser a causa de comportamento discriminatório, retroagindo os feitos sociais. Levando uma análise aprofundada do que já dizia Beccari:
(…)Não é senão depois de terem vegado por muito tempo no meio dos erros funestos, depois de terem expostos mil vezes a própria liberdade e a própria existência, que, cansados de sofrer, reduzidos aos últimos extremos, os homens se determinam a remediar os males que os afligem. (BECCARI, CESARE, 2015, p. 07).
De fato, é importante, mencionar os grandes feitos, resultantes desse avanço das investigações, principalmente em crimes violentos, que deixam vestígios, luz sobre os casos antigos e nunca solucionados. Permitindo uma celeridade e total eficácia na identificação do autor do crime. Outro ponto de suma importância, declina- se na possibilidade de inocentar indivíduos investigados, que de fato não possuem ligação com o delito em questão. Todos esses pontos merecem seus reconhecimentos pelas mudanças e alcances pelas tecnologias investigatórias.
O ponto crucial, do presente estudo, desrespeita a análise principiológica dos direitos individuais, os limites dos acessos pelo Estado, o compartilhamento e armazenamento dos materiais genéticos e a sua utilização em crimes que não deixam vestígios, e o real proposito da sua coleta seja na fase inquisitória, processual ou já no cumprimento da pena. Uma reflexão face as grandes mudanças revolucionárias que alcançaram também o Direito Penal brasileiro.
7 O DEVER ESTATAL DE PROTEÇÃO DOS DADOS SENSÍVEIS
Insta trazer à baila, que dados ou informações pessoais, são todos aquele correlacionados aos indivíduos, podendo ser este identificável ou não, independentemente do suporte em que se encontra seus devidos registros, contendo imagens, vídeos, sons ou até mesmo escrita.
Dito isso, ainda que plausível a grande evolução nos campos tecnológicos, principalmente no que se refere às áreas medicas-biológicas, com seus grandes estudos pelo aprofundamento das genéticas, a evolução da engenharia genética, coloca em risco a ética e a justiça, pelas suas interferências face aos direitos individuais.
Destarte, os genes contidos no corpo humano, como estrutura do DNA, contêm e permitem todas as informações genéticas do ser humano submetido a coleta e suas gerações. Diante do exposto, os dados genéticos não somente devem ser tratados como parte do ser humano geneticamente, mas, também considerados estritamente sensíveis, uma vez que transparece informações personalíssimas do seu detentor e gerações, demostrando a importância da limitação do seu acesso, em casos específicos e pontuais.
Em análise acerca da Carta dos Direitos Humanos Fundamentais da União Europeia, a proteção aos dados sensíveis não desenvolveu apenas para questões existenciais, ideologias, religiões ou convicções políticas, mas, principalmente para proteção das informações pessoais do indivíduo. Permitindo o entendimento amplo e atualizado do direito à privacidade em um mundo interconectado e digital, que expõem não apenas dados identificadores, mas, dados sensíveis e materiais. Porquanto, a evolução do homem como centro, não fragmenta a fundamentação do direito à privacidade, mas, amplia a dignidade do ser humano.
8 UMA ANÁLISE E UMA REFLEXÃO
A priori, diante do presente estudo, é possível compreender a importância do conceito de identidade, a ser analisado conforme relatado pelo jurista Adriano De Cupis e complementado pela perspectiva dinâmica apresentada por Choeri30 , possibilitando concluir como as pessoas se distinguem e se relacionam na sociedade. A identidade é uma construção complexa que envolve diferentes elementos, tanto estáticos quanto dinâmicos, que juntos compõem a singularidade de cada indivíduo.
Não menos importante, trata-se da identidade subjetiva que o indivíduo possui de si mesmo, que ao ser submetido a coleta compulsória, configura um potencial meio constrangedor e diminuição do indivíduo enquanto ser dotado de direitos. Que tem seu material genético extraído, ainda que não ligado ao crime ao qual está sendo acusado.
É facto que a utilização do DNA na perícia forense, é um grande avanço, que permite a Autoridade Policial e a Autoridade decisória, dados precisos, se comparados com as técnicas antigas de identificação. A possibilidade de comparação entre os vestígios coletados no local do crime, e os perfis genéticos catalogados no banco de dados, potencializa os trabalhos investigativos. Portanto, pode-se concluir ser uma grande ferramenta e um autêntico meio de prova e não apenas uma simples identificação de quem cometeu o crime.
Contudo, as vantagens apresentadas pelas evoluções investigativas, não podem ser suficientes para justificar a sua aplicação, quando esta apresenta riscos de violação dos Direitos Humanos.
É inegável que a falta de limitação pelo legislador na Lei 12.654/201231, pode provocar inúmeros malefícios, há depender dos meios utilizados, do tratamento e a importância conferida a quem detém essas informações. Diante disso, não se pode excluir que esse banco de dados, podem motivar a criação de mecanismo de políticas de exclusão, colaborar com a discriminação e preconceito, além de impulsionar teorias deterministas.
Diante da análise histórica, é possível observar um renascimento do positivismo da ciência do século XIX, e a escuridão das correntes lombrosianas, revestidas pela ideia da evolução da ciência e suas tecnologias. Que ampliam o fundado receio que as informações coletadas, estimulem a busca de causas genéticas para a criminalidade.
Não se trata apenas de dados individuais, que é constituída através de códigos genéticos, que acompanha o ser humano até sua morte, reduzida apenas em patrimônio de DNA, mas, uma somatória de fatores que envolvem ambiente, cultura, local, educacional, comunidade, sociedade e espiritual, que não foram observados pela Lei 12.654/201232, com limitações e controle desses dados genéticos. Evitando assim os malefícios já citados anteriormente.
Oras, a utilização de perfis genéticos na elucidação de crimes, se iniciou em 1984, pelo pesquisador britânico Alec Jeffrey, que acreditava que havia regiões não codificadas do DNA (conhecido como DNA lixo), afirmando a impossibilidade daquele material fornecer informações para tradução dos aminoácidos, logo, não sendo capaz permitir as características morfológicas, que todavia, atualmente pelo avanço da ciência são totalmente questionáveis. Logo a falha do legislador na ausência do uso e armazenamento desses dados, poderá trazer grandes prejuízos futuramente, principalmente os problemas operacionais, que já são alvo de grandes discussões.
Apesar dos bancos de DNA terem potencial para reduzir a criminalidade, não há dúvida de que a sua utilização aumenta o desejo biológico de que o mundo seja como é. Isto se deve às atrocidades eugênicas cometidas durante a Segunda Guerra Mundial.
O presente estudo, faz análise a grande lacuna do regimento jurídico propiciado pela Lei n° 12.654/201233, que não detrás as conformidades do procedimento de coleta, como se dará o armazenamento, as consequências da manipulação, a eliminação das informações, não sendo claros e objetivos, conforme Silva (SILVA, 2014, p.3)34 , mesmo descreve, demostrando a falta de limitação da intervenção corporal destinados para a correta coleta de amostras biológicas. Não distinguindo as formas de tratamento entre a extração do DNA do indivíduo e aquele colhido no local do crime.
Insta trazer à baila, que a normatização fora insuficiente, não distinguindo as tipificações penais que seriam submetidas a coleta do material genéticos, permitindo exaurir o entendimento que todo ato ilícito, até aqueles que não deixam vestígios ou de menor potencial ofensivo, ocorram por mera anuência do juiz. Frustrando as características do sistema do Estado Democrático de Direito, e aplicando métodos inquisitivos.
Ainda que a sensação de segurança em pleno século moderno transpareça ser impossível completamente, essa se potencializa pelo clamor social, que exigem respostas eficazes do governo, que por sua vez procura aumentar sua capacidade tecnológica para demostrar seu controle, ainda que isso implique na violação dos direitos fundamentais e individuais.
E conforme surge novos métodos voltados para a identificação e resolução dos crimes, emergem novos receios face ao uso que são e poderão ser feitos com esses dados, pois a tradicional proteção que é dado ao homem e seu corpo, sua integridade física, sua privacidade, sua intimidade, são conflituosas com as novas leis e os avanços apresentados pelo Estado.
9 A INDEVIDA ALEGAÇÃO DE DEFESA DO INTERESSE COLETIVO PARA JUSTIFICAR A VIOLAÇÃO DE DIREITOS INDIVIDUAIS
O principal argumento adotado para legitimar o uso dos dados genéticos em sede de inquérito policial, frente a flagrante violação de direitos individuais, é a supremacia do interesse público em face do interesse privado, todavia, toda ofensa a algum direito individual deve preencher diversos requisitos legais e ostentar caráter de exceção, não bastando apenas meras ilações e deduções.
As garantias individuais e sua respectiva proteção também integram a defesa do interesse público, haja vista que a harmonia entre os interesses deve existir e que a privação de direitos acarreta prejuízos para a comunidade inteira, como por exemplo, o devido processo legal e o respeito ao estado de inocência são premissas legítimas tanto do indivíduo como da sociedade, logo, a profanação dos referidos princípios gera danos a ambos.
Na realidade, os direitos violados pelo uso dos dados genéticos obtidos coercitivamente são direitos positivados e inerentes ao ser humano que o indivíduo pode acionar a fim de se resguardar dos excessos do Poder Público, não dispões somente de perfil meramente particular, sendo explícita a eficácia vertical, onde cada ação do Estado deve ter os direitos fundamentais como parâmetro e alicerce.
Isto posto, ao contrário do que prega os defensores do banco de dados genéticos, a essência do Estado Democrático de Direito passa imperiosamente pela sujeição do interesse público aos direitos individuais. Tal submissão deve ser acatada, pois as garantias fundamentais estão previstas na Carta Magna com status de cláusulas pétreas e não são triviais interesses privados, restando dessa forma, proibida toda violação aos direitos fundamentais com justificativa no interesse público.
10 CONCLUSÃO
A conclusão que se chega ao final do presente artigo é que se faz necessário o respeito aos preceitos constitucionais para a manutenção da democracia, evitando qualquer flerte com atos autoritários, assim, a defesa dos direitos fundamentais deve prevalecer sempre em face das políticas públicas de segurança, mesmo que a intenção de tais ações seja beneficiar a sociedade por caminhos sinuosos.
A coleta coercitiva, o arquivamento e o uso dos dados genéticos no inquérito policial viola inúmeros direitos, principalmente aqueles inerentes ao princípio da dignidade. Além disso, inicia a segregação da sociedade, rotulando condenados como indivíduos suscetíveis ao cometimento de crimes no futuro e os isolando do resto da população, não dando oportunidade à ressocialização.
Nesse formato de regramento não há uma prevenção positiva para diminuir a criminalidade, mas sim a demonização de um determinado grupo de indivíduos que anteriormente contrariam a lei, mas que por isso não perdem a condição de ser humano. Ainda, usa-se a defesa da coletividade para transgredir direitos, porém, restou cristalino que é vedada a restrição a um direito fundamental com fundamento no interesse público.
Os legisladores, ao colocarem em vigência as normas estudadas nesta obra, buscam alcançar resultados supostamente efetivos contra a violência sem a cautela de não infringir a Constituição, não avaliando se os métodos podem gerar grandes prejuízos, em suma, os fins justificando os meios.
A asserção citada acima, esta atribuída a Maquiavel (apesar de ele nunca ter proferido os mencionados dizeres), resume bem as ideias utilitaristas e a intenção da alteração feita na LEP, pois é notória a permissão dada ao Estado para praticar ofensas às garantias individuais visando firmar-se no controle social e conquistar a população com devaneios de combate à violência.
Portanto, conclui-se que as regras que instauraram a obrigatoriedade do fornecimento de dados genéticos, bem como punição em caso de recusa, e a utilização das referidas informações no inquérito, são inconstitucionais e atentam contra a dignidade do cidadão, além de que a relevância dada ao interesse público não pode ser justificativa para tal ilicitude.
1 BRASIL. Lei nº 12.654 de 2012. Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 dez. 1976. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12654.htm . Acesso em 20 out. 2023
2 Idem.
3 Idem.
4 BRASIL. Lei nº13.964 de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal.. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 dez. 1976. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019- 2022/2019/lei/l13964.htm . Acesso em 20 out. 2023
5 Idem.
6 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 2016. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf>. Acesso em: 20 out. 2023.
7 https://www.mprj.mp.br/documents/20184/2507838/Gustavo_Tepedino.pdf
8 BRASIL. Lei nº 12.654 de 2012. Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 dez. 1976. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12654.htm . Acesso em 20 out. 2023
9 REALE, Miguel. Nova fase do direito moderno. São Paulo: Saraiva, 2010. xii, 239 p. ISBN 9788502007949.
10 https://periodicos.unipe.br/index.php/direitoedesenvolvimento/article/download/204/186/
11 https://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo185.htm
12 SCHREIBER, Anderson. Direitos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2014. p. 100.
13 JABUR, Gilberto Hadad. Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre direitos da personalidade. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000. ISBN: 8520319289.
14 BRASIL. Lei nº 12.654 de 2012. Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 dez. 1976. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12654.htm . Acesso em 20 out. 2023
15 BRASIL. Lei nº 7.210/84. Institui a Lei de Execução Penal. . Diário Oficial da União, Brasília, DF, lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm . Acesso em 20 out. 2023
16 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: noções e críticas. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015.
17 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: noções e críticas. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015.
18 BARBOSA, Sara. Teorias Contratualistas. In: Jusbrasil. 2016.
19 MILL, O utilitarismo. Iluminuras, 2020. ISBN 6555190078, 9786555190076.
20 Idem
21 LOMBROSO, Cesare. O homem delinquente. Editora Edijur, 2020.
22 Idem.
23 https://books.google.co.ao/books?id=uKQkBgAAQBAJ
24 LAGASTRA, Valéria Ferioli. Conflito, autocomposição e heterocomposição. In BACELLAR, Roberto Portugal. LAGASTRA, Valéria Ferioli. (coord.).Conciliação e mediação ensino em construção. 1ª ed. 2016. IPAM/ENFAM
25 https://books.google.com.br/books/about/Research_Methods_in_Social_Relations.html?id=bOIkAQ AAIAAJ&redir_esc=y
26 BRASIL. DECRETO-LEI Nº 3.914, DE 9 DE DEZEMBRO DE 1941. Brasília, DF: Senado Federal, 21941. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3914.htm . Acesso em : 20 out. 2023.
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28 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. São Paulo: Edipro, 2017. Tradução de: Paulo M. Oliveira.
29 BRASIL. Lei nº 12.654 de 2012. Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 dez. 1976. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12654.htm . Acesso em 20 out. 2023
30 https://www.estantevirtual.com.br/livros/adriano-de-cupis/os-direitos-da-personalidade/2865521766
31 BRASIL. Lei nº 12.654 de 2012. Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 dez. 1976. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12654.htm. Acesso em 20 out. 2023
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33 BRASIL. Lei nº 12.654 de 2012. Lei de Execução Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 dez. 1976. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12654.htm . Acesso em 20 out. 2023
34 SILVA, Emílio de Oliveira e. Identificação genética para fins criminais: análise dos aspectos processuais do banco de dados de perfil genético implementado pela lei n. 12.654/2012. Belo Horizonte: Del Rey, 2014.
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*Acadêmicos do curso de Bacharel em Direito da Instituição de Ensino Superior Una da rede Ânima Educação. E-mail: mayara.estudos2023@gmail.com/pharluz@gmail.comdos
**Procurador Geral do Município de Pará de Minas. Professor Universitário. Mestre em Educação. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Especialista em Direito Administrativo. Especialista em Gerenciamento de Micro e Pequena Empresa. Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Especialista em Advocacia no Direito Digital e Proteção de Dados. Bacharel em Direito. Graduado em História. E-mail: hernando.advocacia@hotmail.com.