A UTILIZAÇÃO DE TERMOS GENÉRICOS E A PROTEÇÃO DE MARCAS NO CONTEXTO DA CONCORRÊNCIA DESLEAL

THE USE OF GENERIC TERMS AND BRAND PROTECTION IN THE CONTEXT OF UNFAIR COMPETITION

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202410312044


Eduarda Mourad Baldavira


RESUMO

Este artigo aborda a utilização de termos genéricos e sua relação com a proteção de marcas no contexto da concorrência desleal. A Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996) estabelece que sinais formados exclusivamente por termos genéricos não podem ser registrados como marcas, visando garantir a livre concorrência. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforça essa limitação, reconhecendo que a proteção não se aplica a marcas que contêm termos genéricos. O estudo enfatiza a necessidade de equilibrar inovação e proteção de marcas, além de ressaltar a importância da educação dos consumidores para evitar confusões no mercado.

Palavras-chave: Termos genéricos. Proteção de marcas. Concorrência desleal. Propriedade intelectual.

ABSTRACT

This article addresses the use of generic terms and their relationship with trademark protection in the context of unfair competition. The Industrial Property Law (Law No. 9,279/1996) establishes that signs composed exclusively of generic terms cannot be registered as trademarks, aiming to ensure free competition. The jurisprudence of the Superior Court of Justice (STJ) reinforces this limitation, recognizing that protection does not apply to trademarks that contain generic terms. The study emphasizes the need to balance innovation and trademark protection, as well as highlighting the importance of consumer education to avoid confusion in the market.

Keywords: Generic terms. Trademark protection. Unfair competition. Intellectual property.

INTRODUÇÃO

A proteção de marcas é um componente essencial do direito comercial moderno, atuando como um pilar da concorrência leal. Em um mercado globalizado, onde as informações circulam rapidamente e a diversidade de produtos e serviços é vasta, a capacidade de identificar a origem de bens e serviços torna-se crucial. As marcas não apenas servem como um sinal distintivo, mas também são capazes de construir uma reputação, demonstrar qualidade e estabelecer confiança junto ao consumidor. 

No Brasil, a proteção das marcas é regulamentada pela Lei de Propriedade Industrial – Lei nº 9.279/1996 (“LPI”), que estabelece os requisitos para o registro e proteção de marcas, além de definir práticas de concorrência desleal. A concorrência desleal, conforme previsto nos artigos da referida lei, abrange práticas que visam obter vantagens competitivas de maneira ilícita ou enganosa. O uso indevido de termos genéricos pode gerar confusão ao consumidor, levando ao desgaste da identidade da marca e, consequentemente, da confiança do público. Isso resulta em impactos negativos nas vendas e na reputação de marcas estabelecidas, enquanto concorrentes desonestos podem se beneficiar indevidamente.

Além disso, a evolução das tecnologias de comunicação e a ascensão do comércio eletrônico acentuaram esses desafios. Com o aumento da concorrência e a facilidade de acesso à informação, o comportamento do consumidor está em constante mudança. Nesse cenário, práticas de concorrência desleal tornam-se mais sutis e difíceis de identificar, exigindo que as empresas adotem estratégias de proteção cada vez mais robustas. A legislação, como o Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/1990 (“CDC”), desempenha um papel crucial na proteção do consumidor contra práticas enganosas decorrentes da utilização de termos genéricos.

Este artigo tem como objetivo investigar a relação entre a utilização de termos genéricos e a proteção de marcas, analisando como essa dinâmica impacta a concorrência leal. Serão discutidas as implicações legais e econômicas, incluindo a análise de casos judiciais relevantes que ilustram a luta contra a concorrência desleal. 

Por fim, o artigo buscará contribuir para a compreensão das complexidades que envolvem a interação entre marcas e termos genéricos, propondo reflexões sobre como promover a confiança do consumidor e a integridade do mercado, fundamentais para um mercado saudável.

MARCAS

As marcas desempenham um papel crucial na economia moderna, atuando como um sinal distintivo que identifica a origem de produtos e serviços. De acordo com a LPI, a marca é “todo sinal distintivo visualmente perceptível que identifique e distingue produtos e serviços de outros idênticos ou semelhantes”. Tal definição destaca a importância da singularidade que uma marca deve ter para ser registrada e protegida legalmente.

As marcas podem assumir várias formas, incluindo logotipos, nomes, frases, símbolos e até sons. A função primordial das marcas é facilitar a identificação e a diferenciação dos produtos ou serviços oferecidos por uma empresa em relação aos seus concorrentes. Esse reconhecimento é de suma importância, pois permite que os consumidores façam escolhas informadas, baseadas em suas experiências anteriores e na reputação da marca.

Além de sua função identificadora, as marcas também têm um papel fundamental na comunicação de qualidade e valor. A reputação de uma marca pode influenciar as decisões de compra dos consumidores, que muitas vezes associam marcas conhecidas a produtos de alta qualidade. Isso é particularmente relevante em mercados saturados, onde a concorrência é intensa e as opções são variadas. 

A proteção legal das marcas, conforme estabelecido na LPI, oferece aos titulares direitos exclusivos sobre o uso da marca em sua classe de produtos ou serviços. O registro de uma marca garante ao seu titular o direito de impedir terceiros de utilizarem marcas idênticas ou semelhantes, que possam causar confusão no mercado. O artigo 129 da LPI proíbe o uso de marcas que possam induzir o consumidor a erro quanto à origem do produto ou serviço.

Além disso, a legislação brasileira prevê mecanismos para a proteção de marcas notoriamente conhecidas. O artigo 125 da LPI protege marcas que gozam de fama em razão de seu reconhecimento pelo público, independentemente do registro formal em todas as classes de produtos. Isso é fundamental para evitar que concorrentes se apropriem da reputação de marcas já estabelecidas.

Por fim, a função das marcas vai além da simples identificação; elas são um ativo intangível valioso que pode influenciar diretamente o valor de mercado de uma empresa. A gestão eficaz das marcas, portanto, é vital para a estratégia empresarial, já que uma marca forte pode gerar lealdade do consumidor e, consequentemente, aumento nas vendas.

TERMOS GENÉRICOS

Os termos genéricos referem-se a palavras ou expressões que descrevem categorias amplas de produtos ou serviços. Exemplos clássicos incluem termos como “computador”, “automóvel” e “café”. Esses termos são considerados de domínio público, pois são utilizados para designar produtos ou serviços de uma determinada categoria, e, por essa razão, não podem ser registrados como marcas.

De acordo com a LPI, especificamente no artigo 124, inciso VI, não se considera marca, para fins de registro, o “sinal que designar, em seu todo ou em parte, gênero de produto ou serviço”. Isso significa que qualquer termo que seja meramente descritivo ou que indique a categoria de um produto não pode ser protegido como marca. Essa regra visa evitar a monopolização de termos essenciais para a concorrência e garantir que todos os concorrentes possam usar termos comuns para descrever seus produtos.

A importância dessa distinção está diretamente relacionada à função que os termos genéricos desempenham no mercado. Eles permitem que os consumidores compreendam facilmente as características dos produtos e serviços oferecidos. Se uma empresa pudesse registrar um termo genérico, teria o poder de impedir concorrentes de utilizarem esse termo, o que prejudicaria a transparência e a concorrência no mercado.

A utilização indevida de termos genéricos pode prejudicar o valor de marcas estabelecidas, pois quando associadas a produtos de baixa qualidade, podem ter sua reputação prejudicada. A prática de usar termos genéricos de forma enganosa pode ser considerada concorrência desleal, conforme descrito na LPI, que protege as marcas registradas contra usos que possam induzir o consumidor a erro quanto à origem do produto.

Além disso, o uso de termos genéricos pode estar sujeito a disputas legais. Em diversas jurisdições, tribunais têm decidido em favor de marcas que demonstraram que o uso de um termo genérico por um concorrente resultou em confusão no mercado. Um exemplo clássico é o caso da marca “Aspirina”, que, embora tenha sido originalmente registrada, tornou-se um termo genérico em muitos países. Em outros, sua proteção foi mantida devido à sua forte associação com um único fabricante.

No Brasil, existem diversas marcas registradas, como Pyrex, Isopor, Blindex, Xerox, Gillette, Cotonetes, Sal de Fruta, Botox e Viagra. Apesar de serem frequentemente utilizadas como sinônimos dos produtos que representam, essas marcas não perderam seu status de proteção. Assim, seus titulares continuam a deter o direito exclusivo de uso em todo o território nacional. Por exemplo, embora “hastes flexíveis com pontas de algodão” sejam popularmente conhecidas como “Cotonetes”, a marca Cotonetes é de propriedade da Johnson & Johnson, e as embalagens de produtos concorrentes trazem suas próprias marcas. O mesmo ocorre com as fotocópias que são frequentemente chamadas de Xerox, lâminas de barbear Gillette, gomas de mascar Chiclets, entre outros. 

Nesses casos, as marcas mantêm sua função primária de identificar e diferenciar produtos, garantindo que o direito sobre elas permaneça exclusivo para seus detentores. Por isso, podemos afirmar que ocorreu o fenômeno de “generificação”, semelhante ao conceito de “genericism”, aplicável nos Estados Unidos.

Diferentemente do que ocorre em países como os Estados Unidos, a LPI não prevê a extinção do registro de marca devido à generalização. Como observa o jurista Denis Borges Barbosa, “durante a validade do registro, a marca possui plena oponibilidade erga omnes. O Instituto Nacional de Propriedade Industrial (“INPI”) ou o Judiciário não podem reduzir essa exclusividade em razão de generificação.” Contudo, isso não impede que a LPI seja modificada no futuro para incluir a possibilidade de que uma marca se torne um termo de uso comum, especialmente se isso ocorrer por ação ou omissão do seu titular. Nesse caso, a marca poderia, por exemplo, perder seu registro ou a possibilidade de renovação. Até que uma mudança desse tipo aconteça, mesmo que uma marca passe a ser usada como sinônimo de um produto, isso não resultará em degenerescência; o registro no INPI permanecerá válido e poderá ser renovado indefinidamente.

Além das marcas que se tornaram genéricas, existem aquelas que realmente se transformaram em termos comuns e perderam até mesmo a proteção de marca. Exemplos incluem (i) nylon, uma marca de fio patenteada pela DuPont; (ii) querosene, que se refere ao combustível desenvolvido pelo geólogo canadense Abraham Gesner; e (iii) corn flakes, inicialmente uma marca lançada pela Kellogg’s. Nestes casos, essas marcas passaram por um processo de generificação e, portanto, podem ser consideradas degeneradas, uma vez que se tornaram os nomes genéricos dos produtos e perderam a proteção legal, caindo em domínio público. Assim, para esse fenômeno, o termo “degenerescência” é apropriado e se alinha ao conceito de “genericide” no direito americano.

Em resumo, a legislação brasileira estabelece diretrizes claras sobre a utilização de termos genéricos, reconhecendo sua função fundamental na descrição de produtos e serviços. A proteção das marcas, por outro lado, busca equilibrar os direitos dos titulares de marcas registradas com o direito do público e dos concorrentes de utilizar termos comuns no comércio. Essa dinâmica é crucial para assegurar um ambiente de concorrência saudável e a confiança do consumidor.

CONCORRÊNCIA DESLEAL

O uso de termos genéricos por concorrentes pode ser considerado uma prática de crime de concorrência desleal, especialmente se houver intenção de confundir os consumidores ou de se aproveitar da reputação de uma marca estabelecida. A legislação brasileira, por meio do artigo 195 da LPI, estabelece que é proibido o uso de qualquer sinal que possa induzir o consumidor a erro quanto à origem dos produtos ou serviços.

Assim, o uso indevido de termos genéricos pode resultar em ações judiciais por parte dos titulares de marcas, que podem reivindicar reparação por danos causados à sua reputação e ao seu mercado. Além disso, as empresas que utilizam termos genéricos de maneira enganosa podem ser responsabilizadas por danos materiais e morais, conforme estipulado no CDC.

Em ações judiciais, as decisões refletem a abordagem rigorosa dos tribunais brasileiros em relação à proteção das marcas e à luta contra a concorrência desleal. Os tribunais têm se posicionado claramente em favor da preservação dos direitos dos titulares de marcas, especialmente quando há risco de confusão entre os consumidores.

APELAÇÃO. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. DIREITO MARCÁRIO. AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAL E MORAL. termo “natura” QUE NÃO TEM SUFICIENTE DISTINTIVIDA. USO COMUM. MITIGAÇÃO DA REGRA DA EXCLUSIVIDADE. improcedência do pedido inicial. Propriedade industrial. Direito marcário. Ação de abstenção de uso de marca cumulada com indenização por danos material e moral. NATURA. Termo de uso comum, que remete ao substantivo “natureza” ou “natural” e, portanto, de pouca originalidade, mitigando-se, assim, a regra da exclusividade decorrente do registro. Improcedência do pedido inicial. Recurso desprovido. 

Os consumidores também são impactados pela utilização de termos genéricos. A confusão gerada por marcas que se tornam sinônimos de produtos pode levar a decisões de compra erradas, prejudicando a confiança do consumidor. Além disso, a falta de distinção clara entre produtos pode afetar a percepção de qualidade e segurança associadas a uma marca específica.

Quando os consumidores são induzidos a erro, as consequências podem ser amplas, incluindo o surgimento de reclamações e ações coletivas contra empresas que utilizam termos de maneira enganosa. A proteção do consumidor, conforme previsto no CDC, é uma prioridade no Brasil, e práticas que colocam essa proteção em risco podem resultar em sanções legais.

MITIGAÇÃO 

Para mitigar as implicações legais da utilização de termos genéricos, empresas e titulares de marcas devem adotar estratégias proativas. O registro e a vigilância de novas marcas que possam surgir é um ponto importante para mitigar riscos, sempre manter registros atualizados das marcas e monitorar o uso de termos genéricos por concorrentes pode ajudar a proteger a identidade da marca. A vigilância constante permite que os titulares atuem rapidamente em casos de violação.

Em casos de uso indevido que cause confusão, os titulares de marcas devem estar preparados para tomar medidas legais para proteger seus direitos.

CONCLUSÃO 

A análise sobre a utilização de termos genéricos e a proteção das marcas no contexto da concorrência desleal revela um panorama desafiador. A dinâmica do mercado e as mudanças nas expectativas dos consumidores tornam essencial compreender as implicações legais da generificação. Embora uma marca possa se tornar um termo comum, isso não implica a perda automática de seus direitos de exclusividade, conforme estabelecido pela LPI. Essa legislação garante que os titulares mantenham a proteção de suas marcas, desde que continuem a zelar por sua distintividade.

A atuação da jurisprudência é crucial, oferecendo orientações sobre os limites dos direitos de marcas e combatendo práticas de concorrência desleal que podem confundir os consumidores. As decisões judiciais têm enfatizado a importância de preservar a função identificadora das marcas, garantindo que os consumidores sejam informados adequadamente sobre a origem dos produtos que adquirem.

É fundamental que os proprietários de marcas implementem medidas ativas para proteger suas marcas contra a degeneração e a concorrência desleal. Isso inclui não apenas estratégias de marketing que reforcem a identidade da marca, mas também ações legais para impedir o uso indevido de termos que possam gerar confusão no mercado. 

Além disso, é necessário que os órgãos reguladores e a legislação se atualizem continuamente para responder às novas demandas do mercado, assegurando uma proteção eficaz para as marcas.

Por fim, a discussão sobre generificação e degenerescência das marcas sublinha a importância de equilibrar a proteção da propriedade intelectual e a promoção de uma concorrência saudável. Com a evolução constante do mercado, a conscientização sobre a proteção das marcas e a luta contra a concorrência desleal se tornam cada vez mais vitais para garantir um ambiente econômico justo e competitivo. Portanto, é essencial que empresas, consumidores e legisladores colaborem para preservar a integridade das marcas e promover um mercado que beneficie a todos.

REFERÊNCIAS

CAMPOS, Fábio Ulhoa Coelho. Direito Empresarial. 10. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2019.

MARTINS, Larissa. “A proteção das marcas e a concorrência desleal no Brasil.” Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, 2022.

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BORGES, Mário. “A degenerescência das marcas e a concorrência desleal.” Revista de Propriedade Intelectual, vol. 12, n. 2, 2020, p. 45-62.

PORTILHO, Deborah. Generificação ou degenerescência da marca. Revista UPpharma, nº 124, ano 33, mar./abr. 2011. Disponível em: https://www.dportilho.com.br/generificacao-ou-degenerescencia-da-marca/.

TJSP;  Apelação Cível 1134755-03.2021.8.26.0100; Relator (a): J.B. Paula Lima; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 1ª VARA EMPRESARIAL E CONFLITOS DE ARBITRAGEM; Data do Julgamento: 23/10/2024; Data de Registro: 28/10/2024