THE CRIMINAL TYPIFICATION OF CYBER CRIMES IN BRAZILIAN LAW
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202409300901
RESENDE, Carlos Antonio Macieira1;
Orientador: Prof. Jorge Cláudio.
Resumo
O presente artigo, é uma pesquisa bibliográfica descritiva e qualitativa, fundamentada em autores como Delgado (2017), Prado (2019), Souza e Ramalho (2022) dentre outros, tendo por objetivo geral discorrer sobre a forma como o ordenamento jurídico brasileiro tem atuado na prevenção e tipificação dos crimes cibernéticos. O trabalho se estruturou em tópicos os quais correspondem a seus objetivos específicos da seguinte forma: trazer conceitos de crime e infrações penais e a forma como estes se configuram no direito brasileiro; elucidar o que seria um crime cibernético e quais os requisitos para sua configuração; argumentar sobre a teoria tridimensional do direito (fato, valor e norma) para justificar as ações governamentais que ensejam na tipificação do crime cibernético.
Palavras-chave: Crimes Cibernéticos. Direito Penal. Tipificação.
Abstract
This article, a descriptive and qualitative bibliographic research, based on authors such as Delgado (2017), Prado (2019), Souza and Ramalho (2022) among others, aims to discuss the way in which the Brazilian legal system has acted in the prevention and classification of cyber crimes. The work was structured in topics which correspond to its specific objectives as follows: bringing concepts of crime and criminal offenses and the way in which they are configured in Brazilian law; elucidate what would be a cyber crime and what are the requirements for its configuration; argue about the three dimensional theory of law (fact, value and norm) to justify governmental actions that lead to the classification of cyber crime. The conclusion reached was that Brazilian Criminal Law has been adapting to new situations and social facts that give rise to a legal response in defense of society.
Keywords: Cyber Crimes. Criminal Law. Typification.
INTRODUÇÃO
O avanço científico experimentado neste século tem trazido muitas novidades como a expansão das novas tecnologias de comunicação e informação as quais tornaram-se parte do cotidiano das pessoas. A rigor, o impacto das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) tem provocado grandes mudanças na sociedade devido à forma e à velocidade com que as informações vão se propagando.
Insta salientar que o advento da sociedade digital, como sociedade baseada na dependência do uso de tecnologias de informação, é um sinal de novas tendências culturais, políticas, econômicas e sociais que proporcionam outras formas de apropriação de conhecimentos e de relacionamento interpessoal entre os cidadãos, o que também gera reflexos em outros campos tal como foi no âmbito jurídico.
O fato é que o acesso facilitado às estas tecnologias digitais, aliado a informatização das relações sociais e econômicas da contemporaneidade criou um novo ambiente, no qual determinadas práticas podem lesar o patrimônio e a personalidade de outrem. Tais práticas acabaram por contribuir para a criação e tipificação de mais um novo ilícito penal ficando conhecido como crime digital ou cibernético.
Dentro deste contexto, a relevância desta gravita em torno do estudo da tipificação dos crimes cibernéticos no direito brasileiro em decorrência da adequação da norma penal a novos fatos sociais que ensejam regulamentação do Estado para a proteção da sociedade, apresentando a seguinte questão problema: De que forma o ordenamento jurídico brasileiro tem atuado na prevenção e tipificação dos crimes cibernéticos?
Sobre essa questão, uma hipótese levantada neste estudo é que o Direito Penal brasileiro vem se adequando as novas situações e fatos sociais que ensejam uma resposta jurídica em defesa da sociedade, para então, tipificar condutas consideradas lesivas para à sociedade.
Assim, o presente artigo, sendo uma pesquisa bibliográfica, descritiva e qualitativa, tem como objetivo geral discorrer sobre a forma como o ordenamento jurídico brasileiro tem atuado na prevenção e tipificação dos crimes cibernéticos. O presente trabalho tem como finalidade demonstrar que o Direito Penal brasileiro vem se adequando as novas situações e fatos sociais, ensejando uma resposta jurídica em defesa da sociedade, e para tanto, trará tópicos, os quais correspondem a seus objetivos específicos da seguinte forma: trazer conceitos de crime e infrações penais e a forma como estes se configuram no direito brasileiro; elucidar o que seria um crime cibernético e quais os requisitos para sua configuração; argumentar sobre a teoria tridimensional do direito (fato, valor e norma) para justificar as ações governamentais que ensejam na tipificação do crime cibernético.
1 CONCEITOS DE CRIME E INFRAÇÕES PENAIS NO DIREITO BRASILEIRO
Antes de se adentrar nos conceitos de crime no ordenamento jurídico brasileiro é interessante lembra que a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) versa sobre o assunto em seu artigo 5º, inciso XXXIX o qual afirma que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, ou seja, é um pressuposto para a existência do crime uma lei que tipifique a conduta antes da ação ou omissão.
Dentro deste contexto, doutrinadores como Capez (2015, p.168) ao se manifestarem sobre o tema em questão argumenta que a questão conceitual do que seria crime seria considerada como sendo “[…] a subsunção, justaposição, enquadramento, amoldamento ou integral correspondência de uma conduta praticada no mundo real ao modelo descritivo constante da lei (tipo legal)”, ou seja, seria o crime a letra da lei que traz a definição do crime tal como a sanção a este aplicado.
Sobre o crime em si, o Decreto-Lei nº 3.914, de 9 de dezembro de 1941, que trata da lei de introdução do Código Penal, o Decreto-Lei nº 2.848, de 7-12-940 e da Lei das Contravenções Penais, o Decreto-Lei nº 3.688, de 3 outubro de 1941 apresenta a seguinte definição:
Art 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente (BRASIL, 1941, s/p).
Do ponto de vista doutrinário, o “crime pode ser definido como todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade ou paz social” (Capez, 2015, p. 113).
É importante ressaltar que o crime no posicionamento de muitos doutrinadores possui uma conceituação formal, material e analítica. Neste contexto, doutrinadores tais como Mirabete e Fabrini (2018, p.95) explicam que o conceito formal de crime seria “a contradição do fato, de uma norma de direito, sendo portanto, sua ilegalidade como fato contrário à norma penal, contudo, não penetram a fundo em sua essência em seu conteúdo, em sua matéria”.
Ainda sobre o conceito formal de crime autores como Coalho (2022, p.1) advogam no sentido de que, haveria certa limitação ou contenção quanto a sua delimitação como mera conduta do fato típico previsto em lei, de modo que:
[…] é necessário ressaltar que este conceito remonta da necessidade de certeza, e da eliminação da insegurança que atingia os juristas. E embora os direitos e garantias individuais estejam sedimentados no princípio da legalidade isso se traduz numa forma muito superficial quanto a aplicação prática desse conceito na definição do que é ou não um crime, podendo se abalroar, se chocar, com as próprias normas existentes no Código Penal. Como é o caso do artigo 121 do Código Penal que fala sobre “matar alguém” embora o fato de matar alguém consista numa violação à lei penal incriminadora, e permitido praticá-lo em caso de legítima defesa.
Seguindo da mesma linha de raciocínio do autor supracitado quanto ao tema relacionado ao conceito formal de crime no ordenamento jurídico brasileiro, autores como Fernandes (2022, p.01), ao abordar sobre o conceito formal de crime, informa que:
[…] esse conceito pode ser definido por declarar a característica de oposição entre o fato e a lei, não levando em consideração o conteúdo da infração. Portanto é considerado um conceito relevante, pois é muito amplo e pouco específico, portanto não se analisa o porquê da conduta.
Observa-se que do ponto de vista de Fernandes (2022, p.01) o conceito formal do crime se alicerça apenas no fato da violação de norma penal não se preocupando com os motivos da prática do delito, apenas com sua configuração no âmbito jurídico.
Por outro lado, diferentemente do conceito formal de crime, o conceito material segue uma linha mais rígida quanto à definição do delito limitando-se apenas a aceitar os requisitos básicos tal como exposto por Andrade (2022, p.02), ao discorrer sobre o assunto, informa que:
[…] crime é toda ação ou omissão humana que lesa ou expõe a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados. Esse critério leva em consideração a relevância do mal produzido. Assim, somente se legitima o crime quando a conduta proibida apresentar relevância jurídico-penal, mediante a provocação de dano ou ameaça de dano.
Para Andrade (2022) o conceito de crime estaria condicionado apenas a questão básica de uma ação ou omissão humana a qual possa levar perigo a um bem jurídico tutelado, não fazendo análise de outros elementos assim como acontece no conceito analítico do crime.
Segundo Mendonça e Dupret (2018) o conceito analítico de crime estaria condicionado a uma observação criteriosa dos aspectos elementares constitutivos do crime, tais como o fato típico, a ilicitude e a culpabilidade, em que há a discussão sobre a aceitação deste último, como sendo ou não, um requisito necessário para a configuração do crime.
Dentro deste contexto, Capez (2015, p.113) em sua explicação sobre o conceito analítico de crime, busca elucidar alguns pontos de grande relevância jurídica sobre o assunto em questão, trazendo com isso uma conceituação mais apurada na qual o referido doutrinador entende que este pode ser definido como sendo:
[…] aquele que busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do crime. A finalidade deste enfoque é propiciar a correta e mais justa decisão sobre a infração penal e seu autor, fazendo com que o julgador ou intérprete desenvolva o seu raciocínio em etapas. Sob esse ângulo, crime é todo fato típico e ilícito. Dessa maneira, em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, e só neste caso, verifica-se se a mesma é ilícito ou não. Sendo o fato típico e ilícito, já surge a infração penal. A partir daí, é só verificar se o autor foi ou não culpado pela sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízo de reprovação pelo crime que cometeu, para a existência da infração penal, portanto, é preciso que o fato seja típico e ilícito.
Assim como observado nas palavras acima, sob a ótica de Capez (2015), apesar de o crime possuir três elementos distintos que seriam o fato típico, a ilicitude e a culpabilidade, os dois primeiros por si só já seriam o suficiente para a configuração do crime, restando o último elemento, a culpabilidade, para a análise do juízo de reprovação com o qual se verificará a possibilidade e o dever de se aplicar a sanção penal.
Adotando uma posição tripartite do conceito analítico de crime Mendonça e Dupret (2018) expõem que o crime possui uma estrutura assim como representado na figura 1 e, n ausência de um dos elementos dessa estrutura o crime deixa de existir por atipicidade, excludente de ilicitude ou pela inimputabilidade penal do agente.
Figura 1 – Estrutura do crime a partir do conceito analítico
Fonte: Mendonça e Dupret (2018).
Assim como observado na figura 1, cada elemento do tipo que compõe o crime a partir do conceito analítico possui em seu bojo demais outros elementos os quais poderiam eliminar o crime a depender do modo como o agente o executou, ou seja, se o agente age em legítima defesa faz com que o crime em si não venha a se configurar (MENDONÇA; DUPRET, 2018).
Insta salientar que, no tocante a questão da teoria tripartite ser considerada majoritária quanto ao conceito analítico de crime, há ainda uma vertente que entende que o crime pode ser bipartido assim com explica Kil (2007, p.20) ao afirmar que “há unanimidade entre os doutrinadores em aceitar a tipicidade e a antijuridicidade como requisitos do crime, porém, a discussão está na aceitação ou não da culpabilidade”.
2 CRIME CIBERNÉTICO E QUAIS OS REQUISITOS PARA SUA CONFIGURAÇÃO
A discussão sobre a utilização das novas tecnologias no cotidiano das pessoas traz à tona a reflexão sobre seus benefícios e desafios e a importância desses recursos no auxílio à construção do conhecimento, tendo em vista que a sociedade está inserida em um ambiente altamente tecnológico fruto da modernidade.
O desafio é investigar como poderão ser utilizadas as novas tecnologias como recurso benéfico, visando favorecer um processo de crescimento e evolução da sociedade, enquanto que os desafios estarão sobre a fiscalização do uso indevido e ilícito dessas tecnologias para a prática de crimes.
Sobre essa situação acima exposta, Gimenes (2013 apud DUARTE, 2020, p.8- 9) explica que:
Ao lado dos benefícios que surgiram com a disseminação dos computadores e do acesso à Internet, surgiram crimes e criminosos especializados na linguagem informática, proliferando-se por todo o mundo. Tais crimes são chamados de crimes virtuais, digitais, informáticos, telemáticos, de alta tecnologia, crimes por computador, fraude informática, delitos cibernéticos, crimes transnacionais, dentre outras nomenclaturas. À medida que o número de conexões entre computadores cresce, cresce também o da criminalidade neste meio, com criminosos incentivados pelo anonimato oferecido pela rede e pelas dificuldades de investigação no ambiente virtual.
As tecnologias de informação e comunicação vêm se tornando cada vez mais presente no cotidiano das pessoas fazendo parte do estilo de vida que se desenvolve com o passar dos anos e do próprio desenvolvimento tecnológico. São exemplos de tecnologias como as dos aparelhos de rádios, dos televisores de tubo e computadores em CPU as mais modernas e eficazes manifestações tecnológicas como acesso à internet, notebooks, tablets e smartphones que permitiram ao homem inovar seu estilo de vida devido à possibilidade deste ter em tempo real, maior acesso às informações provenientes de toda parte do globo (BOTTENTUIT JR, 2012).
Todavia, através dessas tecnologias determinados agentes podem estar fazendo seu uso para causar dano a outrem, seja por uma lesão cunho patrimonial, seja por uma lesão que atinja a personalidade da vítima, a qual se encontra vulnerável diante das inovações tecnológicas.
Tais práticas passaram a ser tipificadas no ordenamento jurídico brasileiro tendo como sua principal finalidade, a de inibir esse tipo de prática e salvaguardar os direitos de quem por ventura venha a se tornar uma vítima desse tipo de ação delituosa.
Sobre a questão conceitual de tipificação, autores como Cernicchiaro (2007, p.14) ao se manifestar sobre o assunto advoga no sentido de que esta tem por finalidade impor uma:
[…] descrição específica, individualizadora do comportamento delituoso. Em outras palavras, a garantia há de ser real, efetiva. Uma lei genérica, amplamente genérica, seria suficiente para, respeitando o princípio da legalidade, definir-se como delito qualquer prejuízo ao patrimônio ou a outro bem jurídico. Não estaria, porém, resguardado, efetivamente, o direito de liberdade. Qualquer conduta que conduzisse àquele resultado estaria incluída no rol das infrações penais. Inviável, por exemplo, o tipo que descrevesse: “ofender a honra de alguém” – Pena de “tanto a tanto”. O tipo exerce função de garantia. A tipicidade (relação entre o tipo e a conduta) resulta do princípio da reserva legal. Logicamente, o tipo há de ser preciso para que a ação seja bem identificada.
Dentro deste contexto, Cernicchiaro (2007) acredita que a tipificação seria tem como propósito realizar uma descrição bem minuciosa sobre todos os detalhes que são essenciais para o enquadramento de determinada conduta humana como sendo considerada uma infração penal.
Insta salientar ainda, que no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, existe um a diferença entre aquilo que se entende por tipificação e adequação típica informando que “[…] a tipicidade é a mera correspondência formal entre o fato humano e o que está descrito no tipo, enquanto a adequação típica implica um exame mais aprofundado do que a simples correspondência objetiva” (CAPEZ, 2015, p.168).
Sobre a questão dos crimes cibernéticos um dado chama a atenção o qual é apresentado pela pesquisa TIC Domicílios 2020 que revela como foi o aumento do acesso a internet no Brasil nos últimos anos em comparação com os dados da pesquisa TIC Domicílios 2016 que indicava que o acesso à Internet passou de 58%, em 2015, para 61%, em 2016, por pessoas de 10 anos ou mais. No total, o Brasil contava naquele ano com 107,9 milhões usuários de Internet, o que aponta para o avanço do uso das mais diversas formas tecnológicas.
Já a pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros – TIC Domicílios 2020 apresenta um expressivo aumento da proporção de usuários de Internet chegando ao patamar de 81%, significando um avanço de mais de 7 pontos percentuais em comparação ao ano de 2016. Ainda segundo os dados das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros – TIC Domicílios 2020 as maiores diferenças estariam relacionadas ao acesso a internet nas áreas rurais em que o aumento foi de mais de 18 pontos percentuais.
Tais dados mostram um terreno fértil para que criminosos possam atuar por meio de crimes cibernéticos, haja vista que, Rosa (2002, p.53) conceitua estes como sendo:
A conduta atente contra o estado natural dos dados e recursos oferecidos por um sistema de processamento de dados, seja pela compilação, armazenamento ou transmissão de dados, na sua forma, compreendida pelos elementos que compõem um sistema de tratamento, transmissão ou armazenagem de dados, ou seja, ainda, na forma mais rudimentar; 2. O “Crime de Informática‟ é todo aquele procedimento que atenta contra os dados, que faz na forma em que estejam armazenados, compilados, transmissíveis ou em transmissão; 3. Assim, o „Crime de Informática‟ pressupõe does elementos indissolúveis: contra os dados que estejam preparados às operações do computador e, também, através do computador, utilizando-se software e hardware, para perpetrá-los; 4. A expressão crimes de informática, entendida como tal, é toda a ação típica, antijurídica e culpável, contra ou pela utilização de processamento automático e/ou eletrônico de dados ou sua transmissão; 5. Nos crimes de informática, a ação típica se realiza contra ou pela utilização de processamento automático de dados ou a sua transmissão. Ou seja, a utilização de um sistema de informática para atentar contra um bem ou interesse juridicamente protegido, pertença ele à ordem econômica, à integridade corporal, à liberdade individual, à privacidade, à honra, ao patrimônio público ou privado, à Administração Pública, etc.
A grande variedade de definições sobre o este tipo penal decorre do fato de que, tanto a doutrina, quanto a legislação ainda não pacificaram o termo mais adequado a ser utilizado para esse tipo de infração penal, de modo que, segundo explica Nascimento (2016, p.23):
As atividades ilícitas praticadas com a utilização de computadores via internet ainda não possuem uma denominação definitiva. Assim, são chamadas de cibercrimes, crimes informáricos, crimes cibernéticos, entre outros. Todavia, todas essas denominações se referem ao mesmo tipo de crime, ou seja, crimes que utilizam-se de um computador ou de internet como instrumento para praticar atos ilícitos.
Todavia, mesmo não tendo uma pacificação sobre a nomenclatura do delito em questão, a doutrina brasileira classifica os crimes cibernéticos em: crimes cibernéticos puros ou próprios e crimes cibernéticos impróprios ou impuros.
No que se refere ao crime cibernético classificado sendo cibernético puro ou próprio Jesus (2012 apud NASCIMENTO; ROCHA; OLEIVEIRA, 2022, p.12) argumenta que:
[…] crimes eletrônicos puros ou próprios são aqueles que sejam praticados por computador e se realizem ou se consumem também em meio eletrônico. Neles, a informática (segurança dos sistemas, titularidade das informações e integridade dos dados, da máquina e periféricos) é o objeto jurídico tutelado.
O que se percebe é que nesta modalidade o agente criminoso tem como alvo atacar o software, o hardware ou sistema e meios de armazenamento de dados da vítima.
Em relação ao o autor ao crime cibernético impuro ou impróprio, o supracitado destaca que nos:
[…] crimes eletrônicos impuros ou impróprios são aqueles em que o agente se vale do computador como meio para produzir resultado naturalístico, que ofenda o mundo físico ou o espeço “real”, ameaçando ou lesando outros bens, não-computacionais ou diversos da informática.
Apesar de diferenças, em ambas as situações os crimes cibernéticos são responsáveis por causar prejuízos materiais às vítimas além de causar diversos outros transtornos.
3 TIPIFICAÇÃO DO CRIME CIBERNÉTICO DE ACORDO COM O PRICÍPIO DA LEGALIDADE E A TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO
Assim como observado nos tópicos anteriores, os avanços da ciência que vêm emergindo na sociedade moderna têm trazidos muitos benefícios com as novas tecnologias de comunicação e informação, no entanto, essas mesmas tecnologias também têm sido utilizadas para prática de atos delituosos chamados de crimes cibernéticos.
Tais atos delituosos passaram a ser tipificados como sendo crimes pelo ordenamento jurídico brasileiro como forma de proteger a sociedade. Dessa forma, este tópico tem como objetivo argumentar sobre a teoria tridimensional do direito (fato, valor e norma) para justificar as ações governamentais que ensejaram na tipificação do crime cibernético.
Para melhor elucidar o tema que envolve a questão da tipificação de um crime, mostra-se relevante que seja apresentado em um primeiro momento, alguns apontamentos referentes ao princípio da legalidade, uma vez que, este é um princípio basilar do Direito Penal brasileiro em relação criação e punição de crimes (HORN, 2020).
No que se refere ao princípio da legalidade, o Brasil desde o período imperial quando inaugurou sua primeira Constituição no ano de 1824 procurou estabelecer uma ordem direta para que pudesse punir qualquer ato considerado crime trazendo no artigo 179, n. II da referida Carta Magna que “ninguém será sentenciado senão por autoridade competente e em virtude de lei anterior e na forma por ela prescrita” (HORN, 2020).
Ainda segundo o autor supracitado, de modo a assegurar a justiça e credibilidade do Direito Penal brasileiro, esse princípio, mesmo com algumas alterações foi sendo replicado ao longo das constituições promulgadas e outorgadas no país, assim como na Constituição de 1988 que traz em seu artigo 5º, inciso XXXIX que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (BRASIL, 1988, s/p).
É imperioso destacar que o princípio da legalidade ainda é observado em outras partes do artigo 5º da CRFB/88 como, por exemplo, o inciso “II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” e ainda o inciso “XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção” (BRASIL, 1988, s/p) fatos que demonstram a preocupação do legislador brasileiro em preservar o respeito às conquistas realizadas no âmbito do direito e da justiça consolidadas em períodos passados de nossa história.
Segundo explica Bandeira de Mello (2021, p. 102-103) o princípio da legalidade emerge da ideia de Estado de Direito, decorrente do Estado moderno que acabara de nascer das revoluções de modo que:
[…] enquanto o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é da essência de qualquer Estado, de qualquer sociedade juridicamente organizada com fins políticos, o da legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá a identidade própria.
Para Bandeira de Mello (2021) houve a necessidade do Estado de Direito se cristalizar na nova forma de país proposto pelo momento histórico vivido pelos revolucionários e os desejosos de uma nação moderna, diferente do autoritarismo dos regimes passados que impunham a sociedade uma insegurança jurídica e uma desconfiança do Estado e das instituições, assim como explicam os autores Busato e Huapaya, (2007, p.147-148) argumentam que:
O princípio da legalidade cumpre uma função decisiva na garantia de liberdade dos cidadãos, frente ao poder punitivo Estatal, desde o século XVIII. Este pensamento político é coroado pela Revolução Francesa, que em princípio supõe o desejo de substituir o governo caprichoso dos homens pela vontade geral, pela vontade expressa através da norma, da lei.
Dessa forma, o princípio da legalidade surge como um mecanismo do Estado utilizado para evitar aberrações jurídicas inconsistentes com o Estado democrático de direito, sendo dessa forma, “um postulado garantista de cunho liberal, destinado a proteger os cidadãos frente à arbitrariedade estatal na utilização do jus puniendi” (DUTRA, 2022, p.1).
O que se percebe é o fato de que, o princípio da legalidade estaria intimamente ligado a questão da criação de leis e normas incriminadoras no Direito Penal como uma forma prévia do Estado de tipificar um delito e apresentar para a sociedade que determinadas ação ou omissão encontra-se proibida, criminalizada (FERRAJOLI, 2010).
No que se refere à questão da tipificação penal no âmbito do direito brasileiro, do ponto de vista de Cernicchiaro (2007), a tipificação penal não seria nada além da conduta do Estado como detentor do jus puniendi em, de forma expressa e positivada, detalhar de maneira minuciosa a conduta humana comissiva ou omissiva que se enquadraria como sendo considerada uma infração penal aos olhos da lei (CERNICCHIARO, 2007).
A tipificação penal seria neste caso, a descrição com necessária precisão de determinada conduta e, a esta, atribuir uma sanção penal, ou seja, uma pena para quem infringir essa proibição. A doutrina de Capez (2015, p.168) traz em seu bojo a explicação de que a tipificação penal seria “[…] a subsunção, justaposição, enquadramento, amoldamento ou integral correspondência de uma conduta praticada no mundo real ao modelo descritivo constante da lei (tipo legal)”. O teor da importância do o princípio da legalidade e da tipificação penal é refletido na jurisprudência que se segue:
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM“HABEAS CORPUS”- LAVAGEM DE DINHEIRO – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA – INFRAÇÃO PENAL ANTECEDENTE – QUADRILHA (ATUALMENTE DESIGNADA“ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA)- condutas praticadas entre 1998 e 1999, momento que precedeu a edição da lei nº 12.683/2012 e da lei nº 12.850/2013 – impossibilidade constitucional de suprir-se a ausência de tipificação do delito de organização criminosa, como infração penal antecedente, pela invocação da convenção de Palermo – incidência, no caso, do postulado da reserva constitucional absoluta de lei em sentido formal (CF, art. 5º, inciso XXXIX)- doutrina – precedentes – inadmissibilidade, de outro lado, de considerar-se o crime de formação de quadrilha como equiparável ao delito de organização criminosa para efeito de repressão estatal ao crime de lavagem de dinheiro cometido antes do advento da lei nº 12.683/2012 e da lei nº 12.850/2013 – Recurso de Agravo Improvido. – Em matéria penal, prevalece o dogma da reserva constitucional de lei em sentido formal, pois a Constituição da Republica somente admite a lei interna como única fonte formal e direta de regras de direito penal, a significar, portanto, que as cláusulas de tipificação e de cominação penais, para efeito de repressão estatal, subsumem-se ao âmbito das normas domésticas de direito penal incriminador, regendo-se, em consequência, pelo postulado da reserva de Parlamento. Doutrina. Precedentes (STF) – As convenções internacionais, como a Convenção de Palermo, não se qualificam, constitucionalmente, como fonte formal direta legitimadora da regulação normativa concernente à tipificação de crimes e à cominação de sanções penais. (RHC 121835 AgR, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 13/10/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe235 DIVULG 20-11-2015 PUBLIC 23-11-2015) (STF – AgR RHC: 121835 PE – PERNAMBUCO 9957817-61.2014.1.00.0000, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 13/10/2015, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-235 23- 11-2015).
Percebe-se que a falta de uma lei incriminadora inviabiliza qualquer ação do Estado de punir um agente de praticar um ato comissivo ou omissivo. Todavia, quando tais ações começam a despontar certo desconforto social de grande proporção pode haver a necessidade do Estado em criar a lei regulamentadora ou incriminadora dessa ação tal como proposto pela Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale que trata do fato, valor e norma (CAPILONGO; GONZAGA; FREIRE, 2017).
Sobre essa questão acima mencionada, Carvalho (2011, p.186) advoga no sentido que:
A compreensão tridimensional do Direito sugere que uma norma adquire validade objetiva integrando os fatos nos valores aceitos por certa comunidade num período específico de sua história. No momento de interpretar uma norma é necessário compreendê-la em função dos fatos que a condicionam e dos valores que a guiam. A conclusão que nos permite tal consideração é que o Direito é norma e, ao mesmo tempo, uma situação normatizada, no sentido de que a regra do Direito não pode ser compreendida tão somente em razão de seus enlaces formais.
No tocante à teoria Tridimensional do direito, esta correlacionada a três fatores interdependentes que fazem do Direito uma estrutura social axiológico-normativa, sendo estes elementos: fato, valor e norma. Estes elementos são, portanto, dimensões essenciais do Direito, e devem estar sempre juntos em consonância com o plano cultural da sociedade onde se apresentam.
Para Carvalho (2011) a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale substancia uma filosofia em que o Estado precisa não só estar atendo ao que acontece com as condutas de seus membros, mas que, se tais condutas têm algum peso nas relações sociais que enseja uma relevância jurídica para a criação de uma norma.
No caso dos crimes cibernéticos, estes têm grande repercussão social principalmente em um contexto histórico e social dessa atualidade quando observado:
[…] pelo prisma de que milhares de pessoas necessitam diariamente do sistema informatizado para atividades cotidianas, tais como: interação interpessoal; armazenamento de dados; divertimento; educação; sistemas bancários (famosa internet banking) (OLIVEIRA, 2022, p.2).
O que se observa nas palavras de Oliveira (2022) é que existe de fato a necessidade da criminalização dos delitos praticados atrás dos meios informáticos tal qual a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale, uma vez que se observa o fato, o valor e a necessidade da norma.
CONCLUSÃO
Por meio das informações obtidas neste estudo, abordando a questão da tipificação dos crimes cibernéticos no direito brasileiro, como medida de combate a uma prática lesiva executada no anonimato, foi possível observar que as tecnologias de informação e comunicação vêm se tornando cada vez mais presente no cotidiano das pessoas, tornando-se parte do estilo de vida que se desenvolve com o passar dos anos e do próprio desenvolvimento tecnológico. São exemplos de tecnologias como as dos aparelhos de rádios, dos televisores de tubo e computadores em CPU as mais modernas e eficazes manifestações tecnológicas como acesso à internet, notebooks, tablets e smartphones que permitiram ao homem inovar seu estilo de vida devido à possibilidade de ter em tempo real, maior acesso às informações provenientes de toda parte do globo (BOTTENTUIT JR, 2012).
Todavia, através dessas tecnologias determinados agentes podem estar fazendo seu uso para causar dano a outrem, seja por uma lesão cunho patrimonial, seja por uma lesão que atinja a personalidade da vítima, a qual se encontra vulnerável diante das inovações tecnológicas.
Entretanto, a grande ocorrência de ações lesivas a bens jurídicos protegidos pelo Estado fez com esse impusesse ações governamentais que ensejam na tipificação do crime cibernético delimitando os quais os requisitos para sua configuração. Assim, a conclusão que se chegou é que o Direito Penal brasileiro vem se adequando as novas situações e fatos sociais que ensejam uma resposta jurídica em defesa da sociedade, já que como visto, está em constante mudança, fazendo com que o direito tenha que criar diretrizes e tipificações para acompanhar o progresso da tecnologia, o que como demonstrado no presente artigo, vem sendo realizado, observando os requisitos e os princípios determinados pelo Direito Brasileiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 35 ed. Malheiros Editores / Juspodivm. Paraty, abril de 2021.
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1Graduando do curso de Direito do Centro Universitário Uniredentor