THE THEORY OF THE SOCIAL FUNCTION OF CONTRACTS IN THE BUSINESS SCOPE UNDER THE VIEW OF ARISTOTELLIAN DISTRIBUTIVE JUSTICE
REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10023064
Bruna de Mello Figueiredo1
RESUMO:
Este artigo tem por finalidade analisar a teoria da função social dos contratos no âmbito empresarial sob a visão da justiça distributiva apresentada por Aristóteles na obra Ética a Nicômacos. Será analisado neste trabalho o objetivo e a aplicação da teoria da função social dos contratos no âmbito empresarial enquanto ferramenta de equilíbrio fático e econômico entre as partes envolvidas na relação contratual em busca da justiça social. Oriunda do Estado social, a justiça distributiva como influência ao estudo da teoria da função social dos contratos será vista como um propósito de cooperação social. Nesse contexto, será explorado um caso prático de grande relevância, analisado pelo Tribunal de Justiça da Bahia, o qual impôs aos litigantes a manutenção da relação contratual, pautando-se no ideal de justiça distributiva.
PALAVRAS-CHAVE: Teoria da Função Social dos Contratos. Direito Empresarial. Justiça Distributiva. Aristóteles.
ABSTRACT:
The purpose of this article is to analyze the theory of the social function of contracts in the business sphere from the point of view of distributive justice presented by Aristotle in Nicomachean Ethics. In this work, the objective and application of the theory of the social function of contracts in the business scope will be analyzed as a tool for the factual and economic balance between the parties involved in the contractual relationship in search of social justice. Originating from the welfare state, distributive justice as an influence on the study of the theory of the social function of contracts will be seen as a purpose of social cooperation. In this context, a practical case of great relevance will be explored, analyzed by the Court of Justice of Bahia, which imposed on the litigants the maintenance of the contractual relationship, based on the ideal of distributive justice.
KEYWORDS: Theory of the Social Function of Contracts. Business Law. Distributive Justice. Aristotle.
INTRODUÇÃO
O presente estudo busca analisar a teoria da função social dos contratos no âmbito empresarial sob a visão da justiça distributiva apresentada por Aristóteles na obra Ética a Nicômacos.
Para tanto, foi necessário se fazer a análise do Livro V da Ética a Nicômacos, onde o filósofo Aristóteles trata de dois importantes assuntos: a dykayosyne (justiça) e a aidikía (injustiça).
Logo nas primeiras linhas do Livro V da Ética a Nicômaco, o filósofo já conceitua a justiça, analisando o seu caráter universal e particular. A justiça particular, gênero da espécie que será objeto deste estudo, é dividida por Aristóteles em justiça distributiva e justiça corretiva.
Este trabalho se destina ao estudo da justiça distributiva aristotélica, almejando através de suas peculiaridades, analisar a teoria da função social dos contratos no âmbito empresarial.
Este artigo é composto de três capítulos, que buscam propiciar um melhor desenvolvimento na compreensão do tema. O Primeiro Capítulo é destinado a análise da teoria da função social dos contratos no âmbito empresarial, onde é realizado um estudo conceitual e estratégico da funcionalidade desta ferramenta no mundo jurídico. Neste mesmo Capítulo foi elaborado um tópico para o estudo da cláusula aberta contida no artigo 421 do Código Civil, vez a sua importância no mundo da justiça.
Ato contínuo, o Segundo Capítulo trata sobre a justiça distributiva aristotélica e o seu sentido moderno. A análise do sentido moderno da justiça distributiva se fez necessária para trazer a visão atual do tema, possibilitando um maior entendimento da sua aplicabilidade na teoria da função social dos contratos no âmbito empresarial.
Por fim, o Terceiro Capítulo aborda uma análise jurisprudencial acerca da aplicabilidade da justiça distributiva nas relações contratuais empresariais, com o objetivo de demonstrar a atualidade e relevância do assunto, bem como vislumbrar como o poder político- jurídico estatal se manifesta diante deste tema.
O presente artigo se finda com as Considerações Finais, onde será exposto pontos conclusivos, seguidos de uma análise do alcance da justiça distributiva aristotélica nas relações contratuais empresariais, findando com a motivação à continuidade dos estudos aqui realizados.
Para o desenvolvimento do presente artigo foi utilizado o método hipotético dedutivo, baseando-se na pesquisa bibliográfica, com coleta de informações em livros doutrinários, legislação, artigos e jurisprudências.
1. A TEORIA DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS NO ÂMBITO EMPRESARIAL
Inicialmente, cumpre informar, que este trabalho tem o enfoque de analisar a teoria social dos contratos no âmbito empresarial sob a visão da justiça distributiva de Aristóteles. Sendo assim, debruçar-nos-emos neste capítulo, a estudar a teoria social dos contratos sobre a ótica do equilíbrio contratual, visando a proteção da parte mais frágil do contrato em busca da justiça.
O contrato é um negócio jurídico de grande relevância no mundo das relações empresariais, uma vez que é através dele que as obrigações são formalizadas entre as partes. Isto porque, trata-se de documento hábil e reconhecido pelo judiciário, trazendo assim mais segurança jurídica às relações.
Isto posto, diante de sua relevância, cumpre trazer os diferentes olhares doutrinários sobre a aplicação da função social nos contratos almejando a melhor elucidação do tema.
Em uma sociedade contemporânea, o contrato e a empresa são vistos como institutos jurídicos de grande importância para o desenvolvimento social, abandonando um caráter retrógrado voltado à simples circulação de riquezas e focando em ser instrumento para justiça social.
Diante da natureza jurídica privada dos contratos, que possibilita duas ou mais pessoas estipularem as suas vontades, a função social dos contratos se destaca como um mecanismo de equilíbrio material desta relação, almejando proteger o interesse coletivo sobre o privado, evitando assim, que injustiças ocorram por conta da disparidade das partes.
Isto posto, cumpre ressaltar que o contrato não se limita aos interesses das partes, mas também ao aspecto social, atendendo a função social antes de qualquer coisa.
Esta função social supramencionada busca promover a dignidade da pessoa humana e a justiça social, orientada pelas ideias do Estado social.
Fato é que o Estado social se difere do Estado liberal, visto que possui um papel intervencionista em relação às atividades negociais, almejando com isso proteger “a dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades culturais e materiais” (TEPEDINO, 1999, p. 201).
Neste sentido, Marques (2002, p. 101) diz:
A nova concepção de contrato é uma concepção social deste instrumento jurídico, para a qual não só o momento da manifestação da vontade (consenso) importa, mas onde também e principalmente os efeitos do contrato na sociedade serão levados em conta e onde a condição social e econômica das pessoas nele envolvidas ganha em importância.
Conforme consta no artigo 421 do Código Civil: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Assim, ao analisarmos este artigo percebemos que o legislador apesar de proteger o direito à liberdade contratual, realizou uma ressalva que esta liberdade deve obedecer aos limites da função social do contrato.
Urge mencionar que as regras de ordem pública voltada aos contratos impõem que o interesse coletivo deve prevalecer sobre o individual, almejando impedir injustiças provenientes da disparidade das partes contratantes, que, por vezes, encontram-se em discrepantes condições econômicas e sociais.
Sendo assim, o contrato só possui saúde jurídica quando “está perfeito e equilibrado internamente, respeitando a autonomia privada, a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual; e sob o ponto de vista externo, deve atender aos interesses da coletividade” (SANTOS, 2003, p. 109).
Adentrando na análise da justiça distributiva aristotélica aplicada a função social do contrato no âmbito empresarial, podemos dizer que, em síntese, o cunho é protetivo, ou seja, busca-se o equilíbrio contratual através da proporcionalidade, sem ignorar, contudo, os interesses coletivos protegidos nas relações contratuais.
Para Aristóteles, a justiça distributiva não se destina em agir de forma igual perante a todos os envolvidos, mas, sim, buscar equilibrar as relações, dando “os quinhões iguais aos que se igualam e desiguais aos que se desigualam” (ARISTÓTELES, 2020, p. 127).
A função social do contrato avigora os seguintes princípios constitucionais: função social da propriedade (artigo 5º, inciso XXIII e artigo 170, inciso III, da CF); livre iniciativa (artigo 1º, inciso IV, da CF); e solidariedade (artigo 3º, inciso I, da CF).
É fato incontroverso que a autonomia da vontade e a liberdade contratual são institutos pertencentes ao negócio jurídico denominado contrato e que devem ser respeitados, evitando assim um efeito deletério ao mundo dos negócios. Contudo, o enfoque da teoria da função social não é fragilizar esses institutos, mas, sim, não permitir que injustiças sejam feitas pela justificativa da livre negociação, dado que existe uma sociedade que é impactada por este comportamento desonroso.
Nesse diapasão, percebemos que o interesse individual dos contratantes reflete na sociedade mesmo que o contrato seja um instrumento de natureza privada com vontades particulares, pois este provoca repercussão em casos assemelhados, dissipando o comportamento. Por este motivo, deve-se ter muita cautela ao analisar uma relação contratual, tendo sempre como diretriz a lídima justiça.
Sobre este assunto o doutrinador Nery Júnior (2009, p. 531) esclarece:
O contrato tem de ser entendido não apenas como pretensões individuais dos contratantes, mas como verdadeiro instrumento de convívio social e de preservação dos interesses da coletividade. Interessa a toda a sociedade, na medida em que os standars contratuais são paradigmáticos para outras situações assemelhadas. Tudo que ocorre relativamente a um contrato terá, forçosamente, repercussão em outros casos que digam respeito ao mesmo tipo de contrato. Essa é apenas uma das consequências da nova socialidade do contrato. Além de útil, o contrato tem que ser justo.
É importante ressaltar que a função econômica do contrato não é afastada pela função social, não obstante, o que se busca é uma harmonia entre os interesses coletivos e os individuais.
Sendo assim, a função social dos contratos no âmbito empresarial busca trazer o equilíbrio no negócio jurídico, promovendo a justiça social. O que se percebe é que o contrato deve cumprir seus dois papéis: o econômico e o social. Isto porque, não se pode sacrificar o interesse da sociedade em detrimento de vantagens individuais, na medida em que inviabiliza a promoção da justiça.
1.2 A Cláusula Aberta Contida no Artigo 421 do Código Civil
Urge informar que o artigo 421 do Código Civil constitui cláusula geral, ou seja, trata-se de uma norma aberta. De acordo com Gonçalves (2004, p.07): “é uma formulação contida na lei, de caráter significativamente genérico e abstrato, cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz, autorizado para assim agir em decorrência da formulação legal da própria cláusula geral”.
Fato é que, para alguns doutrinadores, dar margem a criação de valores aos magistrados, com fulcro no artigo 421 do Código Civil, trata-se de medida de alto risco para o mercado contratual, pois uma interpretação errônea pode submeter os contratos a algum outro designo extracontratual, trazendo insegurança no mundo privado.
Sendo assim, o juiz, neste contexto, tem a tarefa árdua de perquirir os valores sociais, jurídicos e econômicos daquela relação contratual, a fim de efetivar de forma justa a cláusula geral em comento.
Percebe-se com isso, que o magistrado deve cumular ações como a prudência e a moderação – ações estas muito debatidas por Aristóteles em sua obra Ética a Nicômacos – já que ocupa o cargo de operador da justiça. O julgador passa a ter uma avaliação subjetiva sem poder se desviar dos valores sociais, apreciando, assim, a relação contratual e as partes envolvidas.
Desta forma, realiza a concepção aristotélica da justiça distributiva, ao atribuir “quinhões iguais aos que se igualam e desiguais aos que se desigualam, em conformidade com uma proporção geométrica”, em busca do equilíbrio contratual (ARISTÓTELES, 2020, p.128).
Assim, para o grande filósofo Aristóteles, “em cada tipo de ação em que existe um mais e um menos existe também um igual” (ARISTÓTELES, 2020, p. 126).
Busca-se, neste entendimento, o justo através do mérito individual de cada pessoa. Neste diapasão, Los Mozos (1977, p. 145) se manifesta:
Com efeito, não se considera permita a cláusula geral, se admitido o reenvio a critérios metajurídicos, deles se valha o julgador para subjetivar, de modo absoluto, seu ato decisional. Em outras palavras, diante de uma cláusula geral não se permite ao aplicador apenas justificar a criação da regra do caso concreto pelo que ele considera justo, a pretexto de que a tanto autorizado pelo reenvio a critérios extrajurídicos, puramente ético ou morais, como se eles se desenvolvem à margem do direito.
Imperioso mencionar que a complementação da norma jurídica realizada pelo magistrado não pode e nem deve desconstituir o sentido almejado pelo legislador, por quanto, se assim for, irá ofender a separação dos poderes. Os valores legislativos, editados no artigo 421 do Código Civil, que diz respeito aos limites contratuais com fulcro na função social devem ser entendimentos com base na dignidade da pessoa humana, na justiça social, na livre iniciativa e na solidariedade.
Como já mencionado, a justiça distributiva na função social dos contratos no âmbito empresarial objetiva a proteção da parte mais fraca da relação contratual, almejando a justiça social.
O doutrinador Theodoro Júnior (2014, p. 47-48) menciona a imprestabilidade da tese em igualar os contratantes, rebatendo o sentido distributivo para o equilíbrio contratual:
Dessa maneira, afirmar que o contrato tem a função de promover a igualdade dos contratantes equivale a dizer que esse tipo de negócio tem como objetivo fazer com que as partes ‘sejam iguais’. Ora, o contrato jamais terá semelhante objetivo porque não se trata de instrumento de assistência ou de amparo à hipossuficientes ou desvalidos (…). Daí a imprestabilidade da tese de que o contrato teria a função social de igualar os contratantes. Somente sendo diferentes e exercendo interesses opostos, as pessoas praticarão o contrato, como instrumento naturalmente destinado à função específica de realizar a circulação dos bens patrimoniais entre pessoas diferentes e que atuam com objetivos distintos no relacionamento jurídico estabelecido.
Conforme tudo que foi exposto, o que se pretende demonstrar é que, mesmo diante de algumas críticas doutrinárias, o que se busca com a teoria da função social do contrato no âmbito empresarial é a prudência e a razoabilidade emanada pelo Judiciário ao aplicar a cláusula aberta contida no artigo 421 do Código Civil.
Neste sentido, seguem as ponderações realizadas pelo doutrinador Wald (2013, p. 248):
Deve-se, entretanto, ponderar que a função social do contrato não deve afastar a sua função individual, cabendo conciliar os interesses das partes e da sociedade. Assim, os direitos contratuais, embora exercendo uma função social, constituem direitos adquiridos (art. 5º, XXXVI) e gozam, nos termos da Constituição, do devido processo legal substantivo (art. 5º, LIV), em virtude do qual ninguém pode ser privado dos seus bens – e dos seus direitos, que também se incluem entre os bens – sem o devido processo legal. Com essa interpretação que é a única aceitável em nosso regime constitucional, a inovação do Código de 2002 não põe em risco a sobrevivência do contrato, como manifestação da vontade individual e acordo entre partes interessadas para alcançar determinado objetivo, por elas definido em todos os seus aspectos.
Em consonância ao ensinamento acima exposto, busca-se com a aplicação da teoria da função social do contrato no âmbito empresarial a justiça social, ou seja, o que se almeja é equilibrar o contrato e trazer condições da parte mais fraca ter voz, isso não quer dizer que será violado o direito à liberdade contratual, muito pelo contrário, será respeitado dentro do contrato particular valores sociais emanados na nossa Constituição, e isso nada mais é do que justiça.
Como Aristóteles mesmo menciona em sua doutrina, a justiça distributiva não é agir de forma igual perante a todos os envolvidos, mas, sim, buscar equilibrar as relações, “dando os quinhões iguais aos que se igualam e desiguais aos que se desigualam” (ARISTÓTELES, 2020, p. 127).
Logo, quando há prestígio aos valores coletivos sociais, sem aniquilar os valores pertinentes da autonomia da vontade, estamos diante de uma relação abraçada pela ponderação e pela prudência, e é isso que se busca com a teoria da função social do contrato, equilibrar a relação contratual de forma a promover a justiça.
2. A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA ARISTOTÉLICA
Para analisarmos a justiça distributiva aristotélica, necessário se faz adentrar no marco filosófico que é o livro V da Ética a Nicômacos.
Antes de adentrar no tema, será realizada uma breve análise desta obra escrita pelo admirável filósofo grego Aristóteles.
Esta obra foi dedicada ao filho de Aristóteles chamado Nicômaco e apresenta um estudo profundo sobre temas centrais da filosofia ética, tais como: justiça, amor, amizade, bondade, entre outros.
Lindamente, o filósofo se debruça sobre o tema felicidade em sua obra composta por dez livros. Aristóteles demonstra amor e zelo na educação do seu filho, ensinando-o a importância da felicidade, pois para ele todos nós queremos ser felizes.
Neste artigo, limitar-nos-emos a analisar apenas um assunto desta rica obra, qual seja: a justiça distributiva.
Iniciando a análise da justiça na obra, o filósofo Aristóteles parte de uma visão omni abrangente para em seguida dissecar o assunto, caminhando para análise particular do justo, que é o ponto de onde iremos partir.
A chamada justiça particular de Aristóteles se subdivide em duas espécies, são elas: a justiça distributiva (díkaion dianemetikón) e justiça corretiva (díkaion diorthótikon). Neste sentido segue o entendimento de Berti (2012, p. 168):
A justiça distributiva consiste em dar a cada um honras, riquezas e as outras coisas sobre as quais verte tal virtude, em proporção aos seus méritos. Ora, dado que a proporção, enquanto igualdade de relações, é chamada pelos matemáticos média geométrica (Ethica Nichomachea, V 3). Ao invés disso, a justiça comutativa consiste em dar a cada um em partes absolutamente iguais, como acontece nos intercâmbios entre particulares ou na distribuição de prêmios ou punições. Dado que as partes absolutamente iguais são determinadas por aquelas que os matemáticos denominam a média aritmética, se pode dizer que a justiça comutativa consiste na média aritmética. (Ethica Nichomachea, V 4). Acerca desse último tipo de justiça que regula justamente as trocas, Aristóteles indica a função nelas desempenhada pela moeda, que é a função de tornar comensuráveis coisas desiguais, isto é, de estabelecer uma medida comum entre elas: como tal, ela surgiu por convenção como meio de troca entre os homens determinado pela necessidade, (Ethica Nichomachea, V 5)
A justiça distributiva é espécie do gênero justiça particular e tem um caráter geométrico porque busca a distribuição proporcional de forma justa, dando a cada qual aquilo que lhe é devido, evitando os excessos (tò pléon) e a escassez (tò élatton).
Nas explicações de Almeida e Bittar (2019, p. 147), a justiça distributiva:
[…] é estabelecida e fixada de acordo com o critério de estimação dos sujeitos analisados. Esse critério é o mérito de cada qual que os diferencia, tornando-os mais ou menos merecedores de tais ou quais benefícios ou ônus sociais (desigualdade naturais e sociais). O critério de avaliação subjetiva não é único, variando para cada forma de governo e suas respectivas necessidades. […].
Ao analisarmos a justiça distributiva sendo aplicada na teoria da função social dos contratos no âmbito empresarial, observamos que é estabelecido uma ordem de valores, os quais se relativizam em consonância com as diferenças, que de forma natural coloca os contratantes em condições desiguais, sendo necessário, na visão aristotélica, a proporcionalidade em busca da justiça.
O que se busca é equilibrar uma relação de forma vertical, uma vez que uma das partes se encontra subordinada a outra.
Conforme aborda Aristóteles (2020, p.128) a proporcionalidade segue o seguinte entendimento:
O justo nesta acepção é portanto proporcional, e o injusto é o que viola a proporcionalidade. Neste último caso um quinhão se torna muito grande e o outro muito pequeno, como realmente acontece na prática, pois a pessoa que age injustamente fica com um quinhão muito grande do que é bom e a pessoa que é tratada injustamente fica com um quinhão muito pequeno. No caso do mal o inverso é verdadeiro, pois o mal menor é considerado um bem quando comparado com o mal maior, já que o mal menor deve ser escolhido de preferência ao maior, e o que é digno de escolha é um bem, e o que é mais digno de escolha é um bem ainda maior.
Isto porque, para Aristóteles, há critérios avaliadores dos indivíduos que os desiguala. Ainda que se busque o justo, a justiça distributiva não é em sua essência igualitária.
Aristóteles aduz que as pessoas não são iguais, deste modo, não receberão coisas iguais, o que ocasiona reclamações, afirmando que as distribuições devem ser feitas “de acordo com o mérito de cada um”. (ARISTÓTELES, 2020, p. 127). E conclui: “assim, o justo é proporcional, e o injusto é o que viola a proporção”. (ARISTÓTELES, 2020, p. 128)
Sendo assim, trazendo este entendimento ao objeto deste artigo, fica evidente que, em havendo prudência pelo julgador, é possível analisar uma relação contratual com fulcro na teoria da função social do contrato e ainda assim respeitar os interesses particulares de cada contratante e a liberdade contratual na concepção aristotélica da justiça distributiva.
2. 1 A Justiça distributiva no sentido moderno
A justiça distributiva para Aristóteles, elencada em sua obra Ética a Nicômacos, mais precisamente no Livro V, é pautada na repartição de honras e posses em uma comunidade, onde cada indivíduo recebe a sua proporção de acordo com o seu mérito individual, ou seja, busca-se uma igualdade proporcional.
Sendo assim, Aristóteles reconhece que o justo é o proporcional e que aquilo que vai de encontro a esta proporcionalidade, torna-se injusto.
Há que se destacar, contudo, que o próprio Aristóteles deixa claro que mérito é um conceito fluido, e que não há um significado universal, pois o sentido do princípio da distribuição por mérito envolve controvérsia e não é o mesmo para todos, em exemplo, aduz que: “os democratas identificam a circunstância de a distribuição deve ser de acordo com a condição de homem livre, os adeptos da oligarquia com a riqueza (ou nobreza de nascimento), e os adeptos da aristocracia com a excelência.” (ARISTÓTELES, 2020, p.127).
Para ele, o justo é uma espécie de proporção, vez que se deve analisar o mérito individual de cada ser, pois caso contrário, ocorre disputas e acusações.
Partindo deste entendimento, e percorrendo milênios, percebemos uma transformação evolutiva das noções semânticas da justiça distributiva aristotélica.
No sentido aristotélico, a justiça distributiva seria a realização da distribuição de recompensas para pessoas merecedoras na proporção de seu mérito.
Atualmente, após longa evolução, em um Estado Democrático de Direito, é reconhecido que todos merecem bens, independentemente de seu mérito, vez que seriam bens comuns, tais como: saúde, educação, segurança pública, acesso à justiça, dentre outros.
Isto posto, uma sociedade democrática proporciona ao ser humano direito humanos fundamentais em busca de sua subsistência. Logo, o que se percebe é que a justiça distributiva moderna manifesta uma abrangência muito mais ampla do que a conceituada pelo filósofo Aristóteles, trazendo uma mudança significativa acerca do tema.
3. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ACERCA DA APLICABILIDADE DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS EMPRESARIAIS
A jurisprudência dos tribunais pátrios, até os dias atuais, aplica o princípio da justiça distributiva, utilizando-se de sua conceituação aristotélica.
Isto posto, iremos analisar um julgado realizado pelo Tribunal de Justiça da Bahia, o qual utilizou para solução da lide o princípio da função social do contrato pautado na justiça distributiva.
O caso se trata de uma ação interposta pela empresa CT Brasil Ltda em face da Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (Coelba). A empresa requerente, ora Coelba, afirma em sua peça de defesa que forneceu durante cinco anos, de forma exclusiva, os serviços de sistema elétrico à empresa requerida.
A lide se perfaz no fato da parte autora acusar a requerida de abuso do poder econômico, devido a solicitação de rescisão unilateral realizada pela demandada que ocasionaria um prejuízo imensurável à interessada. Isto posto, a requerente requer em seu pleito a manutenção do contrato.
Em análise ao caso, a decisão a quo manteve a liminar e julgou procedente o pedido da parte autora, mantendo a relação contratual ali existente sob pena de multa.
Inconformada, a requerida interpôs recurso de apelação, contudo, foi negado provimento nos seguintes termos:
Apelação cível. Ação cautelar inominada. Rescisão unilateral e injustificada de contratos. Inadmissibilidade. Afronta à função social. Violação do princípio da preservação da empresa. Julgamento antecipado da lide. Sentença adstrita aos limites do pedido. Fundamento suficiente. Multa por descumprimento. Inteligência dos arts. 461, §4º, e 464 do CPC. Preliminares rejeitadas. Improvimento do apelo. O julgamento antecipado da lide, quando a questão proposta é exclusivamente de direito, não viola o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório. Não há que se falar em perda superveniente do objeto de ação cautelar inominada que busca o cumprimento de contratos expirados no curso do processo, uma vez que a ação principal discutirá eventuais indenizações decorrentes da rescisão unilateral. A rescisão unilateral dos instrumentos viola a função social do contrato, compreendendo-a com a finalidade pela qual o ordenamento jurídico confere aos contratantes mecanismos jurídicos capazes de coibir qualquer desigualdade dentro da relação contratual. O Novo Código Civil Brasileiro, ao estabelecer em seu art. 421 que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, apenas normatizou entendimento que já se encontrava consolidado na doutrina e na jurisprudência pátrias. A simples alegação de cumprimento da média, desprovida de demonstração satisfativa, não autoriza modificação da parte dispositiva de sentença, que se louvou na norma inserta no §4o, do art. 461 c/ art. 64, do CPC, que faculta ao julgador a imposição de multa diária, com o fito de assegurar a execução de obrigação de fazer (STJ, RESP 972.436 – BA (2007/0179867-7), 3ªT, Min. Relatora NANCY ANDRIGHI, DJe 12.06.2009)
Na decisão supramencionada, percebe-se a aplicação da teoria da função social do contrato com o cunho de coibir a desigualdade dentro da relação contratual, já que o encerramento do contrato ocasionaria prejuízo à parte mais frágil da relação naquele momento.
Aristóteles menciona que: “o juiz estabelece a igualdade; as coisas se passam como se houvesse uma linha dividida em dois segmentos desiguais, e o juiz subtrai se a parte que faz com que o segmento maior exceda a metade, e a acrescentasse ao segmento menor” (ARISTÓTELES, 2020, p.129).
Indignado, o apelante realizou um recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, que concedeu provimento parcial por unanimidade de votos, devido a entender que a função social do contrato não aniquila a autonomia da vontade, ou seja, apenas abranda-a.
O exame da função social do contrato é um convite ao Poder Judiciário, para que ele construa soluções justas, rente à realidade da vida, prestigiando prestações jurisdicionais intermediárias, razoáveis, harmonizadoras e que, sendo encontradas caso a caso, não cheguem a aniquilar nenhum dos outros valores que orientam o ordenamento jurídico, como a autonomia da vontade. (…) O acórdão recorrido extrapolou os limites do art. 421 do CC/02, fazendo com que a função social prevaleça sem quaisquer condicionamentos, aniquilando a liberdade de contratar. Na realidade, nesse contexto, a função social deve-se limitar ao papel de flexibilizar e limitar a autonomia da vontade. (STJ, RESP 972.436 – BA (2007/0179867-7), 3ªT, Min. Relatora NANCY ANDRIGHI, DJe 12.06.2009)
Diante do exposto, conforme aludido por Aristóteles ao conceituar a justiça distributiva, o justo é o proporcional. Logo, para que se consiga adentrar em uma análise contratual sem provocar injustiças, necessário se faz a utilização de mecanismos do Estado social, tal como o instituto da teoria da função social do contrato, para equilibrar o contrato de forma adequada, ponderada e prudente, analisando as partes envolvidas e os valores particulares e coletivos aplicáveis aquela relação.
CONCLUSÃO
Este estudo buscou analisar a teoria da função social do contrato no âmbito empresarial sob a visão da justiça distributiva de Aristóteles.
Para tanto, realizou-se a análise do Livro V da Ética a Nicômacos, onde Aristóteles traz o conceito da justiça distributiva, bem como foi explorada a teoria da função social do contrato aplicado no âmbito empresarial.
Desta forma, com a análise desses dois conceitos, foi estabelecido que a aplicação da teoria da função social do contrato no âmbito empresarial na visão da justiça distributiva aristotélica não viola o direito da autonomia das partes, muito pelo contrário, o que se busca é a proteção dos direitos coletivos dentro das relações particulares, objetivando a manutenção do Estado social.
Neste contexto, surge a necessidade de ponderação e prudência do judiciário ao analisar os conflitos referentes ao tema, pois a cláusula aberta do artigo 421 do Código Civil disponibiliza ao julgador uma “liberdade” ao analisar os limites da função social.
Cumpre reforçar que o limite da função social está pautado nos direitos fundamentais protegidos pela nossa carta magna, e não pode o magistrado, ao seu bel prazer, deixar de se utilizar dos mesmos ao aplicar o instituto, pois estaria desrespeitando a separação dos poderes.
Alguns doutrinadores demonstram insatisfação com a forma que a teoria da função social é utilizada no nosso ordenamento jurídico. Isto porque, para eles, a aplicabilidade da teoria da função social nos contratos empresariais infringe o direito a autonomia de vontade e a livre contratação, visto que, mesmo que o contrato esteja em situação de desigualdade, as partes contratantes, sendo capazes, aceitaram as cláusulas ali contidas e por isto, devem respeitá-la.
Para estes doutrinadores, adentrar na análise de um contrato para realizar uma distribuição proporcional, almejando equilibrar a relação contratual, traz fragilidade ao mundo dos negócios e consequentemente a economia.
Com todo o respeito aos doutrinadores contrários, o que percebemos é que a teoria da função social do contrato busca, assim como a justiça distributiva aristotélica, a distribuição proporcional de forma justa, trazendo equilíbrio às relações contratuais e evitando que uma parte seja extremamente beneficiada enquanto a outra prejudicada.
É fato que vivemos em um mundo capitalista e que as relações contratuais precisam ser respeitadas, mas não podemos esquecer que a nossa sociedade possui valores fundamentais pautados em um Estado Democrático de Direito, e que o desrespeito a esses valores, mesmo nas relações privadas, surte efeitos catastróficos na sociedade.
Sendo assim, findamos o nosso artigo ressaltando a importância do tema e a necessidade da eterna busca pela justiça em todas as relações, sejam elas públicas ou privadas. Como bem menciona Aristóteles: “a justiça é a excelência moral perfeita” (ARISTÓTELES, 2020, P.123).
REFERÊNCIAS
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1Bacharel em Direito, pós-graduada em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, pós-graduada em Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor pela Universidade Cândido Mendes, e pós-graduada em LL.M. Direito Tributário e Contabilidade Tributária pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais. Mestranda em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogada na área Empresarial e Cível. Fundadora do escritório Bruna de Mello Figueiredo Sociedade Individual de Advocacia. E-mail: brunademellofigueiredo@hotmail.com