A SENSIBILIDADE DE OLHAR E RESGUARDAR A PESSOA COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO, O DIREITO AO ATENDIMENTO ESPECIALIZADO E DE SEREM INDIVÍDUOS DIFERENTES E ÚNICOS NO CONTEXTO SOCIAL

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th10249261551


Maria do Socorro Barbosa da Silva Mamed 1
Lisiane Gassner Carnetti ²
Geralda Evangelista da Silva ³


RESUMO

Este artigo é o instrumento objetiva-se fazer uma revisão bibliográfica crítica,tendo como base os argumentos apresentados em trabalhos de diversos autores, cujas abordagens têm como tema central altas habilidades /superdotação. Os autores pesquisados trazem um arcabouço histórico e legal do termo altas habilidades/superdotação, além das características das formas de identificação e a necessidade de atendimento especializado à pessoa com altas habilidades /superdotação. Ainda, debatem a respeito de como se dá o processo de inclusão das pessoas com altas habilidades/superdotação e a competência e responsabilidade das instituições nas diversas esferas governamentais e dos sujeitos que atuam nos variados espaços da sociedade, bem como no espaço escolar. O texto possibilita maiores reflexões e conhecimento do tema quanto à garantia de direitos, de acesso, permanência, atendimento especializado, convivência e respeito às diferenças das pessoas com altas habilidades/superdotação. 

Palavras-chave:       Altas       habilidades/Superdotação;      Direito;       Atendimento Especializado; Diferença.

ABSTRACT 

This article, The objective is to make a critical bibliographic review of the text, based on the arguments presented in works by several authors, whose approaches have as a central theme high abilities/giftedness. The authors researched provide a historical and legal framework of the term high abilities/giftedness, in addition to the characteristics of the forms of identification and the need for specialized care for people with high abilities/giftedness. Still, there is debate about how the process of inclusion of people with high abilities/giftedness occurs and the competence and responsibility of institutions in the various governmental spheres and of the subjects who act in the various spaces of society, as well as in the school space. The text allows for greater reflection and knowledge of the topic regarding the guarantee of rights, access, permanence, specialized care, coexistence and respect for the differences of people with high abilities/giftedness.

Keywords: High abilities/giftedness; Law; Specialized Care; Difference.

RESUMEN 

Este artículo es el instrumento que o objetivo es realizar una revisión bibliográfica crítica , a partir de los argumentos presentados en obras de diferentes autores, cuyos planteamientos tienen como tema central las altas capacidades/superdotación. Los autores investigados brindan un marco histórico y legal para el término altas capacidades/superdotación, además de las características de las formas de identificación y la necesidad de atención especializada a las personas con altas capacidades/superdotación. Aún así, existe debate sobre cómo se da el proceso de inclusión de personas con altas capacidades/superdotación y la competencia y responsabilidad de las instituciones en las diversas esferas de gobierno y de las personas que actúan en los diversos espacios de la sociedad, así como en el espacio escolar. El texto permite una mayor reflexión y conocimiento del tema en cuanto a la garantía de derechos, acceso, permanencia, atención especializada, convivencia y respeto a las diferencias de las personas con altas capacidades/superdotación.

Palabras clave: Altas capacidades/Superdotación; Bien; Servicio Especializado;Diferencia.

Introdução

As reflexões aqui apresentadas têm como base as concepções referidas nos textos de Mettrau e Reis (2007), Barreto e Mettrau (2011), Rangni e Costa (2011), Pérez (2012), Dalosto e Alencar (2013), Matos e Maciel (2016) e Martins e Chacon (2017). Busca-se apresentar uma organização temporal e histórica em que se foi instituindo a Educação Especial e os entraves na identificação para o atendimento das pessoas com altas habilidades/superdotação e dialogar sobre o Sistema de Ensino Especial com sua base legal e a constituição conceitual com variadas interpretações. Nesse sentido, discute-se a respeito da definição do termo altas habilidades/superdotação e as diferentes formas de olhar e perceber a pessoa com altas habilidades/superdotação, expondo pontos diferentes de perceber e compreender os semelhantes, no intuito de se possibilitar conviver, respeitar e assegurar o atendimento especializado para as pessoas com altas habilidades/superdotação.

Mitos e crenças sobre as  pessoas  com altas habilidades/superdotação

Pérez (2012), no texto “Mitos e crenças sobre as pessoas com altas habilidades: alguns aspectos que dificultam o seu atendimento”, traz reflexões acerca de mitos e crenças populares no processo de constituição e construção da identidade das pessoas com altas habilidades/superdotação, apresentando fatores que inviabilizam pessoascom superdotação, dificultando seu reconhecimento, mesmo já existindo um arcabouço legal sobre o assunto.

A confusão nas definições das patologias das pessoas com altas habilidades/superdotação também influenciam nesse processo de forma negativa e o direito ao atendimento por vezes é questionado. Os próprios profissionais das diferentes áreas de atuação, como Educação e Saúde, precisam conhecer melhor e aceitar a diversidade que existe nas pessoas entendendo essa “singularidade como um direito” (Pérez, 2012).

Percebe-se que tanto nas variadas áreas de atuação, bem como no contexto social, a problemática dos “mitos” eideias” preconceituosas presentes em nossomeio foram sendo constituídos historicamente e nas pessoas. Portanto, cabe cada vez mais debates e formações acerca do tema para que se consiga quebrar os diversos paradigmas envolvendo as pessoas com altas habilidades/superdotação. 

A discussão sobre o tema é recente e sua compreensão perpassa pela atuação e formação dos docentes que atuam nas instâncias municipais, estaduais e federais, bem como nas instituições de ensino superior públicas e privadas. Como destaca Pérez (2012, p. 1):

Serão necessários grande sensibilização e esclarecimento destes agentes e da sociedade para que as medidas propostas no referido plano possam contribuir para o estabelecimento de políticas públicas para as PAHs [pessoas com altas habilidades], não apenas no âmbito educacional, mas, como estabelece a lei, também âmbito social.

No entanto, existem alguns impedimentos para a formação da identidade das pessoas com altas habilidades/superdotação que podem ser notados em razão da escassez de atendimento, de preconceitos tanto socioculturais e/ou ideológicos e até mesmo em virtude de preconceitos da própria pessoa com altas habilidades/superdotação. Pérez (2012, p. 2) salienta que os mitos vão sendo criados acerca do tema pela falta de conhecimento e pela dubiedade das informações, ganhando robustez aquilo que a autora chama de fantasmas (mitos) que classifica como: mitos de constituição; mitos sobre distribuição; mitos sobre identificação; mitos sobre os níveis ou graus de inteligência; mitos sobre desempenho; mitos sobre consequências; mitos sobre atendimentos.

Pérez (2012) apresenta essa classificação como uma proposta, pois essas sete categorias em algum momento se entrelaçam e ficam de difícil definição, até porque trata-se de pessoas com emoções, preferências, personalidade, com histórias familiares, que fazem parte da sociedade. Nesse contexto, faz-se necessário o reconhecimento das pessoas com altas habilidades/superdotação por profissionais da área da Saúde e Educação, pela sociedade de modo geral e pela legislação, levando o Estado a assegurar os direitos para constituição da identidade desses sujeitos.

Terminologia conceitual

Rangni e Costa (2011) trazem reflexões acerca da área das altas habilidades/superdotação, no campo da sua terminologia conceitual, bem como expõem os conflitos ocasionados na compreensão do atendimento educacional a alunos com tais características. 

A importância da discussão acerca de nomenclaturas ou termos na área das altas habilidades/superdotação é vista historicamente pela tentativa de se denominar a população com as características de capacidade superior. Fato que surge desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1971 (LDB nº 5.692), que em seu artigo 9º menciona que “os superdotados deveriam receber tratamento especial” (Rangni; Costa , 2011, p. 468).

Importante mencionar que mesmo o prefixo “super” no Brasil não é recente para denominar esses sujeitos (Rangni; Costa , 2011, p. 468), uma vez que foram surgindo publicações no Brasil usando nomenclaturas como “supernormais”, mais capazes, bem-dotadas, debatendo a respeito das diferenças entre as crianças ditas normais e as precoces.

Desse modo, a terminologia foi evoluindo e constituindo-se contemporaneamente até chegar a pessoas com altas habilidades/superdotação. Rangni e Costa (2011, p. 469) ressaltam que nomenclaturas como “supernormais, bem-dotados ao termo superdotado” de fato só vêm a se estabelecer nos documentos oficiais e no sistema educacional a partir do ano de 1971.

Rangni e Costa (2011) destacam o entendimento de Guenther (2000), que faz críticas e reconhece o emprego de termos como “imprecisos ou impróprios”, pois podem possibilitar várias aplicações e interpretações.

No Brasil, sofrendo influências dos estudos e pesquisas norte-americanos, surgem conflitos entre os termos “superdotados” e “talentoso”, que para Rangni e Costa (2011, p. 470) possibilitam o entendimento de duas categorias conceituais, ou seja, os superdotados e os talentosos. 

Mesmo no que se refere ao termo “superdotado”, que passou cerca de vinte anos estagnado, Rangni e Costa (2011, p. 471) trazem outras discussões, como o uso de barra (/) em vez de “e/ou”. No Brasil, em 1994, o termo “altas habilidades” esteve atrelado a “talento especial” para as artes. Já em 2008, em relação às linguagens, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil,2008) lança uma crítica, afirmando:

A área de altas habilidades/superdotação encontra-se em muitos conflitos e incoerências que podem ser válidas e ricas para as discussões acadêmicas, porém reflete-se se usos de termos, expressões e linguagens variadas contribuem para estimular, ainda mais, as barreiras que impedem esse alunado especial de receber o reconhecimento educacional (Rangni; Costa, 2011, p. 477).

Ressalta-se que os conflitos que se dão desde as questões conceituais podem ocasionar a exclusão dos alunos no tocante ao direito ao atendimento e a sua identificação na área de altas habilidades/superdotação quando da prestação dos serviços oferecidos pela Educação Especial Inclusiva.

Tipos e características na política brasileira

Neste item trata-se dos aspectos das políticas públicas voltadas para o atendimento dos sujeitos com altas habilidades/superdotação no país, no contexto da Educação Especial Inclusiva, traçando um paralelo com a literatura especializada da área. Inicialmente é apresentada uma revisão bibliográfica acerca do conceito de altas habilidades/superdotação, para em seguida serem discutidos os conceitos de talento, precocidade e genialidade.

O tema tem sido de preocupação por parte dos sistemas governamentais, públicos e privados, objetivando promover a adequada qualificação dos recursos humanos. Em programas de capacitação a respeito do assunto é comum as seguintes perguntas: “Quem são essas crianças? Onde estão? Em que se diferenciam umas das outras? Qual seu real perfil? O que requerem para a sua educação e formação? Como se sentem frente ao país que herdaram ao nascer?” (Mettrau; Reis, 2007, p. 490).

Nesse sentido, foi com o advento da LDB nº 9.394/1996 e com ao Parecer nº 17/2001, do Conselho Nacional de Educação, que se elaborou texto próprio para as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (Brasil, 2001a), obrigatória a partir de 2002, mediante dois grandes temas: “A organização dos Sistemas de Ensino para o atendimento ao aluno que apresenta necessidades educacionais especiais” e “A formação do professor” (Mettrau; Reis, 2007, p. 491). O Ministério da Educação (MEC), em sua contribuição na formação de professores, em novembro de 2002, publica o material intitulado Adaptações curriculares em ação: desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais de alunos com altas habilidades/superdotação

A adoção do conceito de “necessidades educacionais especiais” e do horizonte da “educação inclusiva” que implica em mudanças significativas, requerendo dos sistemas de ensino, das escolas e das famílias, o desafio de construir coletivamente as condições necessárias ao bom atendimento à diversidade, através do diálogo, da aprendizagem contínua, compartilhando conhecimento para assim promover o processo de mudança desejável da gestão e da prática pedagógica (Mettrau; Reis, 2007, p. 491).

A aplicação do conceito para Mettrau e Reis (2007, p. 491-492) e outros autores “vem se constituindo ao longo do tempo de forma polêmica em virtude dos diversos pontos de vista”. Concomitantemente, as autoras trazem a discussão sobre altas habilidades/superdotação, talento e genialidade. Mettrau e Reis (2007, p. 491) destacam que, “para as evidências das altas habilidades/superdotação, é necessário constância de elevada potencialidade de aptidões, talentos e habilidades ao longo do tempo, além de expressivo nível de desempenho”, pois o termo “talento” em muitas línguas é sinônimo de “presente, dom”, e “essas variações dificultam a que as pessoas possam atualizar seus potenciais”. Destacam-se os três níveis diferentes da capacidade humana, apresentado por Landau (1990), que possibilita melhor compreensão dos conceitos de talento, superdotação e genialidade, assim definidos:

O talento manifesta-se num campo específico de interesse do indivíduo. A superdotação constitui um aspecto básico da personalidade da pessoa talentosa, que lhe propicia revelar seu talento num nível superior, de maior abrangência, tanto cultural quanto social. A genialidade é um fenômeno raro na humanidade que abriga um grande número de manifestações, incluindo o talento do superdotado, cuja compreensão e/ou realização se observam em âmbito mundial (Mettrau; Reis, 2007, p. 493).

Com isso, Landau (1990, p. 493) afirma que, “se não houver incentivo, a superdotação não se manifestará e a genialidade não se realizará”.

Correndo-se vários riscos em virtude das limitações de abrangência, para Mettrau e Reis (2007, p. 503), com a normatização das regras e alternativas de atendimento conforme Resolução nº 2 (Brasil, 2001b), ampliou-se o campo de atenção para esses sujeitos com necessidades educacionais especiais, com destaque para a orientação da resolução de que atividades de enriquecimento devem ser desenvolvidas em classes comuns do ensino regular, em qualquer etapa ou modalidade da educação básica. 

Importante ressaltar que o termo superdotação não sofreu alterações no Brasil por um período de vinte anos. No entanto, há autores que usam em seus trabalhos os termos “altas habilidades”, “superdotação”, “talentos” ou “bem-dotados”, apesar das controvérsias na área. Em virtude dessa variação, as terminologias ainda são adotadas de modos diferentes também em documentos oficiais.

Conceituação, competências e a trajetória das políticas educacionais para pessoas com altas habilidades/superdotação no Brasil e nos Estados Unidos

As reflexões de Matos e Maciel (2016, p. 176) trazem à luz o papel da Educação e os mitos enraizados na sociedade referente aos alunos com altas habilidades/superdotação, além das políticas para o atendimento desse alunado. Os métodos de ensino na Educação Especial é um dos direitos dos alunos com altas habilidades/superdotação, e o amparo legal encontra-se na Constituição de 1988, em seu artigo 205, que assegura que a Educação Especial é direito de todos os brasileiros (Brasil, 1988), mas foi somente em 1994 que passa a ser reconhecido, a partir da elaboração da Política Nacional de Educação Especial (Brasil, 1994), que vem bem antes da publicação da LDB/1996.

A definição do conceito altas habilidades/superdotação e as competências institucionais, para Matos e Maciel (2016, p. 177), vem de acordo com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e perpassa não só por uma questão conceitual, mas pela instituição de secretarias específicas, como a Secretaria de Educação Especial (SEESP), que define altas habilidades/ superdotação em sua publicação Altas habilidades/superdotação: encorajando potenciais (Virgolim, 2007). 

[…] os termos “pessoas com altas habilidades” e “superdotação” são mais apropriados para designar aquela criança ou adolescente que demonstra sinais ou indicações de habilidade superior em alguma área do conhecimento, quando comparada aos seus pares (Virgolim, 2007, p. 7).

Diante disso, fica evidente a necessidade de políticas públicas que regulamentem o atendimento especializado direcionado aos alunos com altas habilidades/superdotação. A Educação Especial tem a responsabilidade de organizar e oferecer nas escolas o atendimento educacional especializado a esses sujeitos, objetivando trabalhar de “forma conjunta, articulada e suplementar ao ensino comum” (Matos; Maciel, 2016, p. 177). Nesse intuito, foram criadas secretarias para assumir a responsabilidade de orientar o atendimento das necessidades especiais, visando à efetivação de políticas públicas para regulamentar o atendimento especializado nas unidades escolares, e hoje conta-se com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) para implementar tais políticas. Diante disso, para respaldar esses avanços, Matos e Maciel (2016, p. 179-182) traçam uma trajetória temporal e histórica das políticas educacionais para pessoas com altas habilidades/superdotação no Brasil e nos Estados Unidos.

Historicamente, no Brasil, as primeiras orientações para o ensino dos alunos com necessidades especiais, com a formação de professores para atuarem com essas pessoas, teve início a partir de 1960. Segue exposto, assim, cronologia e legislação implementada no Brasil visando atender o direito de Educação Especial das pessoas com necessidades especiais, a saber: 

  • 1960 – artigo 3º do Decreto nº 48.961, de 22 de agosto de 1960, que institui a Campanha Nacional de Educação e Reabilitação de Deficientes Mentais (CADEME) e “tem por finalidade promover em todo o território nacional, a educação, treinamento, reabilitação e assistência educacional das crianças retardadas e outros deficientes mentais de qualquer idade ou sexo”;
  • 1961 – primeira menção à Educação para alunos excepcionais na LDB, que fora aprovada somente em 1971; 
  • 1971 – promulgação da LDB nº 5.692, que em seu artigo 9º inclui as diretrizes para o ensino se “superdotados”; 
  • 1973 – é criado o Centro de Educação Especial (CENESP), com atuação vinculado ao MEC; 
  • 1978 – é instituída a Fundação Brasileira de Superdotados em seis estados brasileiros, que sofreu alterações após treze de sua criação; 
  • 1986 – a Fundação Brasileira de Superdotados foi substituída pela Secretaria de Educação Especial (SEESP), que publicou manuais para a orientação do ensino dos alunos com altas habilidades/superdotação; 
  • 2001 – é promulgada a Lei nº 10.172 (Brasil, 2001c), que institui as Diretrizes Nacionais de Educação Especial na Educação Básica; 
  • 2001 – é instituído o programa de atendimento aos alunos com altas habilidades/superdotação; 
  • 2003 – é fundado o Conselho Brasileiro para Superdotação (ConBraSD); 
  • 2005 – em parceria com a Organização das Nações Unidas, para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), dá-se o advento do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e secretarias de Educação; é criado o Núcleo de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAAHS) nos vinte e sete estados brasileiros, que passa a destinar recursos didáticos e pedagógicos para o ensino e a realizar formação de professores que atuam com alunos com altas habilidades/superdotação.

Nos Estados Unidos, Matos e Maciel (2016, p. 179-180) destacam que as políticas educacionais para pessoas com altas habilidades/superdotação têm início em 1900, apresentando um movimento para o ensino com a aplicação de testes. Em 1920, surgem escolas e classes especiais, ocorrendo uma estagnação a partir daí em virtude da crise financeira e da Segunda Guerra Mundial, retornando em 1950 e voltando a crescer a partir de 1960. No entanto, não existe nos Estados Unidos uma lei federal que exija dos estados ou municípios uma Educação Especial para os alunos com altas habilidades/superdotação, ficando a cargo desses entes a decisão do tipo de Educação a ser oferecido a esses alunos. A crítica se faz em virtude de que esses fatores causam grande diferença e interferência nos atendimentos, sendo constante a aplicação de testes e, quando reconhecida a alta habilidade do aluno, este é retirado da sala de aula regular. 

As estratégias de atendimento especializado, espaço escolar, salas de recurso, processo de inclusão – Projeto Escola da Ponte

Martins e Chacon (2017) trazem aspectos e entraves acerca das estratégias no atendimento especializado, da estrutura das escolas regulares e sua adequação, com espaços apropriados, como salas de recurso, com atendimento especializado que propicie a inclusão das pessoas com altas habilidades/superdotação, considerando que as salas de aula regular por vezes são inviáveis pela padronização dos alunos pelos métodos aplicados “para todos”. 

A legislação assegura educação especial na própria rede educacional regular, com a inclusão do Atendimento Educacional Especializado, que deve ocorrer de forma complementar à aprendizagem, em salas de recursos multifuncionais (SRM) (Martins; Chacon, 2017, p. 57). As Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial, definem os alunos com altas habilidades/superdotação como “aquele que apresenta um potencial elevado e grande envolvimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade” (Brasil, 2009, p. 1).

Os autores Cupertino (2008) e Chacon e Paulino (2011 ) defendem que nesse entendimento ocorrem conflitos de interpretação, pois o próprio conceito de altas habilidades é amplo e engloba o segundo, “superdotação”. Salienta-se que a superdotação é um comportamento que apresenta três traços: “habilidades” acima da média, com habilidades específicas (necessita de avaliação específica e técnica) e especializada; comprometimento com a tarefa, que envolve motivação; e criatividade, “que proporciona a capacidade de pensar novas respostas e soluções” (Martins; Chacon, 2017, p. 58-59). 

Os pesquisadores sugerem o uso de estratégias de enriquecimento intra e extra curricular, para aceleração e compactação do indivíduo, e tecem críticas à inclusão no Brasil, das condições precárias de material, currículos inapropriados, falta de recursos e formação docente, além da baixa participação da família (Martins; Chacon, 2017, p. 60-61). Os autores ainda destacam a definição de Freitas e Stobäus (2011), que ressaltam que “a verdadeira educação inclusiva é aquela capaz de proporcionar um ensino de qualidade para todos, o que exige uma ‘modernização’ dos processos educativos, perpassando pela adoção de novas práticas e novos posicionamentos” (Martins; Chacon, 2017, p. 61). 

Martins e Chacon (2017) defendem a Pedagogia Waldorf como uma possibilidade de mudança, uma vez que visa: 

à formação integral do ser humano, tal pedagogia objetiva o desenvolvimento físico, anímico e espiritual do aluno por meio do equilíbrio entre o pensar, o sentir e o querer, de modo que a aprendizagem se inicia na experiência para, posteriormente, chegar ao conceito (Martins; Chacon, 2017, p. 62). 

Outro aspecto importante dessa pedagogia refere-se à relação entre professor e aluno e a necessidade de conteúdos complementares. Martins e Chacon (2017, p. 64-65) afirmam que o pleno desenvolvimento do aluno se efetiva nessa pedagogia com o oferecimento de variados estímulos para as habilidades humanas. A crítica, no entanto, é que essa escola ainda não atende alunos com altas habilidades/superdotação, pois falta adequação, uma vez que há uma diferença no ritmo de cada sujeito e o ensino na escola Waldorf baseia-se em um ensino de desenvolvimento humano geral, para que aprendam sem “pressa”. 

Martins e Chacon (2017, p. 66-67) apresentam o Projeto da Escola da Ponte e sua estrutura organizacional, que vai do 1º ao 9º ano, com alunos que ingressam aos seis anos, sob orientação de dois professores em turmas de vinte e cinco alunos. Nessa escola, o aluno participa na organização dos seus planos de trabalho quinzenal e diário, e o professor orienta nas pesquisas, a fim de substituir a relação de “dependência e aprendizagem passiva pela independência e aprendizagem engajada”, promovendo ao aluno a busca de conhecimentos. Considerando esse processo, o aluno mesmo percebe que já domina determinado conhecimento, que independe da idade ou tempo de desenvolvimento, e indica que já pode ser avaliado. A flexibilidade no cumprimento do currículo elimina a necessidade de aceleração, estratégia que retira o aluno de seu grupo etário colocando-o em convivência com colegas mais velhos. Diante do exposto, pensa-se que é possível se ter outro tipo de escola e atendimento especializado. 

Os métodos apresentados abordam duas questões de extrema relevância no que se refere à atenção educacional a estudantes com AH/SD e também aos demais alunos, tenham eles alguma necessidade educacional especial ou não: o respeito ao ritmo de aprendizagem individual e a integração entre as áreas que propiciam o desenvolvimento das diversas capacidades humanas (Martins; Chacon, 2017, p. 67).

Diante dessas reflexões, tem-se que as metodologias desenvolvidas pela Pedagogia Waldorf e a Escola da Ponte” não podem ser consideradas ‘ideais’ para a educação de alunos” com altas habilidades/superdotação, mas possuem pontos positivos e fortes que devem ser levados em conta, “constituindo-se em exemplos de que é possível construir uma escola que fuja aos padrões tradicionais de ensino” (Martins; Chacon, 2017, p. 68-69. A primeira incentiva o desenvolvimento integral da pessoa e lhe possibilita a oportunidade de descobrir suas habilidades, nas mais diversas áreas. A segunda, por sua vez, respeita as possibilidades e limitações na aprendizagem do indivíduo, que ocorre conforme o ritmo de cada um. 

Altas habilidades: uma questão escolar – A pesquisa no Colégio Pedro II

Barreto e Mettrau (2011, p. 413-414) apresentam uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro, no Colégio Pedro II, que se propôs investigar “as representações dos professores sobre as altas habilidades e a existência da indicação de alunos com esse perfil para atendimento”, levando em consideração que a literatura e pesquisas realizadas indicam a necessidade da realização de atendimento para esses sujeitos o mais precocemente possível.  

A pesquisa foi organizada em duas amostras: 

a primeira foi constituída por professores porque a identificação e a indicação dependem do conhecimento desses profissionais sobre o tema e da sua observação sobre esses alunos. A segunda amostra foi composta pelos quatro Setores dessa mesma instituição, responsáveis pelo registro histórico dos alunos, em geral: os 3 Setores de Supervisão e Orientação Pedagógica (SESOP), e o Setor de Educação Especial (SEE). Este último tem a função de atender e desenvolver ações direcionadas às pessoas com necessidades educativas especiais (NEE), neste caso em particular, também para os alunos com altas habilidades/superdotação (Barreto e Mettrau, 2011, p. 414).

A relevância da pesquisa encontra respaldo na LDB nº 9.394/1996, que em seu capítulo V, que trata da Educação Especial como um ensino diferenciado a ser desenvolvido preferencialmente dentro das escolas na rede regular por professores capacitados (Barreto; Mettrau, 2011, p. 414). 

O processo metodológico da pesquisa deu-se com a aplicação de questionários como instrumentos de coleta de dados, e os resultados englobaram aspectos versando quanto ao nível de formação dos docentes; a conceituação e caracterização das altas habilidades; sobre políticas públicas para o atendimento específico dessa clientela; o papel do professor e a necessidade de formação continuada; a implantação de programas de atendimento específico para os alunos com altas habilidades. Já os questionários e respostas aplicados aos setores sondaram a existência de alunos com altas habilidades; quanto ao conhecimento da legislação específica para o atendimento do alunado; implantação dessa modalidade de atendimento na escola; a pertinência e responsabilidade do Setor de Educação Especial; quais capacidades eram observadas nos alunos; quais as ações desenvolvidas para atendimento dessa clientela (Barreto; Mettrau, 2011, p. 420). 

A pesquisa constitui-se um material robusto e com resultados bastante importantes para a área da Educação Especial, considerando-se de relevância a:

[…] evidente a importância e premência em se reformular os cursos de formação de professores incluindo disciplinas que tratem das altas habilidades, no intuito de qualificar melhor os docentes, sanando ou pelo menos reduzindo, sua dificuldade nessa especialidade. Concomitantemente, as escolas podem promover periodicamente, Centro de Estudos e outros momentos que incluam o estudo do tema nos debates pedagógicos (Barreto; Mettrau, 2011, p. 423).

As várias formas de manifestações do bullying entre alunos com altas habilidades/superdotação 

Dalosto e Alencar (2013) apresentam um estudo cujo objetivo foi investigar o envolvimento de alunos com altas habilidades/superdotação com a prática de bullying, tendo como base os papéis assumidos por eles na condição de vítima, agressor e/ou testemunha, envolvendo alunos de escolas públicas e particulares. A violência é caracterizada nesse trabalho como “um fenômeno social complexo que está em todo lugar, mas que assume contornos peculiares no ambiente escolar” (Dalosto; Alencar, 2013, p. 363). 

Entre alunos, tem ocorrido o crescimento de bullying no espaço escolar, fato explanado e destacado no decorrer da pesquisa de Dalosto e Alencar (2013, p. 364368). A definição do termo bullying, que não tem tradução literal para o português, designa formas de comportamentos agressivos, que se dão espontaneamente, sem motivação, causando angústia e sofrimento em suas vítimas. O bullying como um tipo de violência apresenta características que podem ocorrer de forma direta, com apelidos, ameaças, agressões físicas, ofensas verbais, ou indiretamente, com indiferença, isolamento, difamação. 

As escolas participantes da pesquisa foram somaram um total de seis e todas possuíam o Atendimento Educacional Especializado a estudantes com altas habilidades/superdotação da SEED/DF, com salas de recurso como espaço pedagógico adequadamente equipado. A obtenção dos resultados Dalosto e Alencar (2013, p. 368) deu-se por meio da aplicação de métodos e técnicas e questionário como instrumento de coleta de dados, perpassando pelos procedimentos em que foram abordadas manifestações física, psicopedagógica e moral, verbal e virtual do bullying. 

Em suas conclusões, as autoras revelam:

Os resultados desta pesquisa evidenciaram que os alunos com altas habilidades/superdotação presenciaram, foram vítimas e, com menor frequência, também praticaram o bullying nas escolas onde cursavam o ensino regular. Alto percentual dos participantes afirmou que essa prática é recorrente em suas escolas (Dalosto; Alencar, 2013, p. 374-375).

Diante de tal pesquisa, fica evidente o quanto ainda se faz necessário o debate em relação à prática de bullying nas escolas e entre os grupos de alunos, para que se entenda mais sobre esse comportamento e que se possa intervir para uma sociedade sabedora de boa convivência.

Considerações finais

Os vários mitos que permeiam a sociedade em geral, bem como as pessoas com altas habilidades/superdotação que dela fazem parte, dificultam a identificação e a realização do atendimento especializado para essas pessoas em idade escolar. Muitas pessoas atuam no achismo, acreditando estar contribuindo com a pessoa com altas habilidades/superdotação, mas a verdade é que se precisa mais na oferta de uma Educação Especial adequada. Destacam-se alguns aspectos que são fundamentais para minimizar essas dificuldades, como ofertar formação adequada, promover o debate entre as instituições privadas e públicas e com as instituições de ensino. 

Trata-se de um tema de responsabilidade de todos e é preocupante que ainda exista a ausência de profissionais com formação específica para realizar um atendimento especializado, e urge exigir o cumprimento com responsabilidade de cada parte da sociedade nas esferas federal, estadual e municipal, bem como o envolvimento e responsabilidade da família e o empoderamento da pessoa com altas habilidades/superdotação.

Os mitos envolvendo a pessoa com altas habilidades/superdotação perpassam por conflitos desde a sua conceituação, que se foi constituindo mediante diversas terminologias, resultando em definições que em alguns momentos eram divergentes e em outros se complementavam.

Outro aspecto relevante refere-se à estruturação e organização legal que vem desde a Constituição de 1988 (Brasil, 1988) e as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Básica (Brasil, 1961, 1996) e as Diretrizes Operacionais para a Educação Especial (Brasil, 2001a, 2001b). 

As Políticas de Educação para a Educação Especial trouxeram maior clareza e compreensão, assim como a legislação, quanto ao direito de atendimento especializado. Mesmo diante dos conflitos conceituais e as variadas interpretações, faz-se necessário que: a escola e o currículo e devem ser adaptados às necessidades dos alunos; os professores devem frequentemente participar de formação contínua; e a participação e o envolvimento da família são de fundamental importância para contribuir com o desempenho e desenvolvimento dos alunos.

Ao mesmo tempo que influências externas vão ocorrendo, com formas de se identificar os alunos com altas habilidades/superdotação, como a identificação por meio de testes e com a definição do conceito adotada pelos norte-americanos, no Brasil os avanços legais e institucionais ocorrem com o surgimento dos NAAHS (Matos; Maciel, 2016, p.183).

A Pedagogia Waldorf e a Escola da Ponte não podem ser consideradas experiências únicas nesse sentido, mas serviram como modelo para se compreender que existem outras alternativas de organização escolar, mesmo sabendo que essa estruturação dependa de investimentos, sendo imprescindível que se tenha clareza ao que se propõe como fins da Educação (Barreto; Mettrau, 2011).

Em pesquisa a respeito de atendimento especializado, observam-se resultados em que os participantes fornecem respostas em que é consenso a não existência de ações para atendimento da clientela/responsabilidade; insegurança; inexistência de registro de alunos com altas habilidades na escola; professores precisam de formação continuada; necessitam de conhecimento mais aprofundado; os mitos; o tema merece cuidado e maior discussão para que se possa efetivamente implementar ações para atendimento da clientela (Barreto; Mettrau, 2011). 

Outro aspecto que promove a dificuldade no atendimento ou muitas vezes exclusão dos sujeitos com altas habilidades/superdotação é a existência do fenômeno do bullying na sociedade e nos espaços escolares como forma de violência. 

Ainda, vale lembrar que as pessoas com deficiência física e/ou portadoras de necessidades educacionais especiais são mais vulneráveis, muitas vezes sofrendo com o bullying, que possui diversas formas de manifestação e diferentes responsabilidades e papéis, podendo o sujeito ser agressor, vítima ou testemunha.

É pertinente dizer, diante do contexto social em que vivemos, que existe grande dificuldade de se lidar e conviver com as pessoas que são diferentes por possuírem alguma característica ou traços diferentes.

Faz-se necessário cada vez mais desenvolver ações e instrumentos para que professores e alunos possam conviver em um espaço escolar mais humano, no qual os diferentes, diante das variadas diferenças, sejam respeitados. 

Os temas abordados pelos autores e as pesquisas que foram realizadas têm sua relevância para contribuir com a ciência e os cidadãos que atuam nos variados espaços da sociedade e nas escolas, pois o arcabouço teórico nos possibilita conhecer, compreender e lidar com o fenômeno do bullying junto aos indivíduos com altas habilidades/superdotação ou não.

Apesar de a temática bullying ser bem recente, é necessário refletir sobre o assunto para se compreender como como agir junto aos indivíduos, tanto agressor e quanto vítima, além de se ter conhecimento das questões legais a se cobrar das instituições no cumprimento de sua competência.

Portanto, mesmo diante dos mitos, dos conflitos conceituais, das responsabilidades de cada esfera governamental e dos sujeitos na definição e aplicação das políticas para a Educação Especial, ainda se faz necessário maior conhecimento e reflexões acerca da temática para melhor compreensão, aceitação e atendimento das pessoas com altas habilidades/superdotação.

Referências

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[1] Pós-doutorada em Ciências da Educação pela Universidad Evangélica del Paraguay. Universidade Federal de Roraima, Boa Vista, RR, Brasil. ORCID: 0000-0002-2423-8537. E-mail: msocorromamed@hotmail.com.